Notas e artigos sobre crítica de arte na Revista Illustrada
organização de
Rosangela de Jesus Silva
SILVA, Rosangela de Jesus (org.). Notas e artigos sobre crítica de arte
na Revista Illustrada. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 2, jul./dez. 2016. https://www.doi.org/10.52913/19e20.XI2.04
*
* *
Figura
intrigante, crítica, política e ativa, Angelo Agostini marcou com
seu traço a história brasileira. Nos periódicos pelos quais passou, ficou seu
caráter militante, sua ironia e comicidade estampados nos seus comentários.
Suas críticas provocaram inquietações e descontentamentos para os quais a
imprensa serviu de tribuna de discussão. O presente levantamento reúne a
transcrição dos textos publicados na Revista Illustrada,
entre 1876 e 1888, período no qual esta a frente do
periódico.
*
Índice de Artistas
Citados
A. Alves | Abigail
de Andrade | A. de Pinho | Albert Durer | Albert Henschel | Alexandre Cabanel | Algaier | Amélia C. de Albuquerque | André Gil | Angelo Agostini | Annibale Carracci (Carrache) | Antônio Alves do Vale de Souza Pinto (A. Valle) | Antônio
Araújo de Souza Lobo | Antonio Firmino Monteiro | Antonio Parreiras | Arsênio Cintra da Silva | A. T. Teixeira | August Off | Auguste Petit
| Augustin Théodule Ribot |
Augusto Barradas | Augusto
Rodrigues Duarte | Bartolomé Esteban Murillo | Belmiro Barbosa de Almeida | Benvenuto
Berna | Benjamin Leão | Bernardo Castelo | Bertha Ortigão | Candido Caetano de Almeida Reis |
Carolina Julia de Souza | Cernicchiaro | Charles-Emile-Auguste
Carolus Duran (Carolus Durand) | Décio Rodrigues Vilares | Domingo
Garcia y Vasquez | Dominico Fizzella
| Edouardo De Martino | Eduardo de
Sá | Émile Rouéde | Emilia Labourdonnais Gonçalves Roque | Ernest Papf |Estevão Roberto da Silva |
Eugenia Braga | Felix Bernardelli | Felix Émile Taunay | Felix
Ferreira | Francisco Aurélio
de Figueiredo e Melo | Francisco Hilarião
Teixeira da Silva | Francisco
Joaquim Bethencourt da Silva | Francisco
Joaquim Gomes Ribeiro | Francisco
Manoel Chaves Pinheiro | Francisco de Sá | Francisco Vilaça | François René
Moreaux | Friedrich Wilhelm Joseph Schelling | Giambattista Pagani | Giovanni Battista
Castagneto | Giovanni Bellini |
Grandjean de Montigny | Gustave Doré | Gustave
Courbet | Gustave James | H. Aranha | Henri Langerock |
Henrique Bernardelli | Hipólito Boaventura
Caron | Horace Vernet | Jacintho da Silva | Jacques Vienot
| Jan Van Dick
| Jean-Baptiste Armand
Guillaumin (Guillenin) | Jean Baptiste Debret | Jean-Jacques
Pradier | Jean-Léon Gérôme | João Maximiano Mafra | João Zeferino da Costa | Joaquim Insley Pacheco | Joaquim José de França
Junior | Joaquim da Rocha
Fragoso (Fragozzo) | Johann Georg Grimm | José
Correa de Lima | José Ferraz de
Almeida Júnior | José Ferreira Guimarães | José Maria de Medeiros | José Maria Oscar Rodolpho Bernardelli | Josephina H. Galvão | José Rabelo de Vasconcelos (J. de Vasconcelos) |
Jules Ballá | Leôncio da Costa Vieira | Leon-Joseph Florentin Bonnat | Leopoldino Joaquim Teixeira de Faria | Luigi Borgomainerio | Maria Teixeira de Faria | Michelangelo Buonarotti (Miguel Angelo) | Michelangelo Merisi da Caravaggio | Nicolao Antonio Facchinetti | Nicolas Poussin | Oscar Pereira da Silva |
Pedro Américo de Figueiredo e Melo | Pedro José Pinto Peres | Pedro Weingartner | Peter Paul Rubens | Pierre Paul Pro’dhon
| (Prudon) | Poluceno
Pereira da Silva Manoel | Puga Garcia | Rafael Augusto Bordalo Pinheiro | Rafael Sanzio (Raphael) | Rembrandt Van Rijn | Rodolpho Amoedo | Rodolpho Lima | Sarritelli | Thomas Georg | Driendl | Tiziano Vecellio (Ticiano) | Victor Gensollenv | Victor Meirelles de Lima | Zeferina Carneiro
Leão
*
* *
1876, ano I, n.10,
p.2
Rio, 4 de março de
1876.
Um penoso dever obriga-nos, por hoje, a sahir além do nosso
estylo para consignar aqui um acontecimento
que nos enluta o coração: a morte de Luigi Borgomainerio,
nosso apreciado collega, presado amigo, redactor do Figaro.
Victima do terrível flagello que assola essa cidade, vimol-o hontem frio, hirto e inanimado;
inerte aquella mão que com tanta arte dirigia o lápis e o pincel; imóvel aquelle coração, sede dos sentimentos de honra, de probidade e do amor extremado da família; embaciados aquelles olhos onde irradiava o fulgor do gênio, brilhava a luz da intelligecia e faiscava a scentelha do espirito!
Se para acontecimentos semelhantes, ha, nesse transe supremo, alguma cousa que
possa attenuar a dôr de um coração irmão e amigo, nos o sentimos vendo o seu leito mortuário cercado de affeições, que unisonas o pranteavam e bendiziam de sua
memoria, e porque Luigi Borgomainerio
durante o tempo que viveu entre nós, embora
limitado, so angariou affeições, sem que contasse um unico inimigo!
Parece inverosimel que um homem
de bem e um artista de
merito não os tivesse: mas Borgomainerio era homem honesto sem
fazer praça de suas qualidades sociaes; era artista distincto,
mas não blosonava de seu saber para [humilhar nem] amesquinhar
quem quer que fosse: era honrado sem basofia, intelligente sem orgulho. Entre
o muito que sabia só não sabia fazer
inimigos.
A mão
inexoravel do destino pezou
cruel sobre sua desolada família, e sobre nós, fazendo tambar
aquella vida preciosa ao seu contacto funesto, e
deixou-nos um recurso único: o de pranteal-o!
É o que fazemos pagando esta
fraca homenagem a sua intelligencia, este tenue testemunho ao seu nobre caracter
esta pungente lagrima à sua memoria.
A Redacção.
P.7
L. Borgamainerio
Ao ser entregue á
sepultura o corpo do nosso infeliz collega, o amigo
querido Borgomainerio, pronunciou o Sr. F. de Menezes
as seguintes palavras repassadas de saudade.
“Vieste da Europa como soldado da ideia para
auxiliares a todos os que pensamos n’esta terra na batalha contra a ignorância,
contra as trévas o contra a maldade e tombas no
me[i]o da peleja e apagas-te, luz da civilisação. No
chão em que te debatias encontras a sepultura! Se é triste o casa lembrando
teus filhos e tua esposa que ahi ficam ão desamparo, é glorioso não obstante por isso que
morrestes trabalhando. Ahi estás, soldado, mas
amortalhe-te a bandeira do futuro que ha um dia de
tremular na cupola dos dois mundos então livres,
desassombrados, libertos de todas as supertições.
Para tanto lutaste! E’s mais um homem de talento que
extingue-se neste paiz, e portanto mais um que
ficamos á dever a Europa.
A america pagará um
dia. Não será a tua sepultura das que jazem mudas e obscuras, não, a cova que
guarda um homem de gênio falla e brilha no silencio e
na escuridão das noites do cemitério e acorda ideias nos cerebros
dos passam soletrando os epitaphios. Adeus. Não quero
demorar um instante sequer o teu deitar no derradeiro leito. Eu devia-te esta
despedida, talento honesto e caracter sem maculas!
Adeus. Teus compatriotas vão saber que os brazileiros
applaudiram teu engenho e choraram a tua morte.
Adeus, cabeça espherica aonde a Phantasia
habitava; a morte sumiu nos gelos a fôr do céu, mas o
perfume ficou. Quanto aos teus ophãos e mulher, os que
aqui estamos dizemos-te á beira da tua sepultura que
os restituiremos á tua e a pátria d’eles para que lá
vão fallar de ti e consolar tua sublime mãi, a Itália. Lá tivestes o berço, aqui o tumulo: é bello ter merecido aquelle céu ao
abrir os olhos e este, perenne de azul e de
esperanças, como tecto do leito final.
Boa noite peregrino. Até amanhã, as portas da Eternindade, ao clarão da madrugada divina. Até á vista, Borgomaineiro!
Sem assinatura
1876, ano I, n.43, p.3
Um album
Escrever um livro não é facil.
Pintar um livro, porém, é mais difficil.
Desenhar com a palavra é difficultoso,
mas é commum; escrever com o desenho é mais difficultoso ainda e menos trivial.
Portanto, escrever um livro sem palavras, isto
é desenhar um livro, é um trabalho de superior quilate.
Principalmente quando o desenho, o traço, o
risco é de tão facil comprehensão
como a palavra.
Alcançar este resultado é alcançar uma
Victoria.
A idéa escripta dá que se admire um talento.
A idéa desenhada dá dous talentos a admirar.
No primeiro caso ha o
fundo; no segundo, além do fundo, ha a fórma.
E, pois, quem escreve um livro é um talento;
quem pinta um livro é dous talentos.
Isto tudo vem a proposito
do Album de caricaturas, que sob o titulo - Phrases e
anexins da lingua portugueza
- publicou o Sr. Bordalo Pinheiro.
O livro é impresso em Lisboa, que póde honrar-se com aquellas finas
gravuras.
Dizer do merecimento artistico
do desenho é ocioso; não ha quem não conheça ahi o mérito dos desenhos do Sr. Bordalo
Pinheiro.
Os desenhos do Album
são desenhos que fallam; abre-se a pagina, e em cada desenho lê-se o anexim, lê-se a phrase representada.
Escrever a phrase,
escrever o anexim em cada desenho foi modestia de seu
autor.
Prece esse mimoso trabalho do illustre caricaturista um prefacio não menos mimoso do Sr. Julio Cesar Machado.
Se o Sr. Bordalo
escreveu um livro de anexins com seus desenhos, o Sr. Julio
Cesar Machado, desenhou uma biographia com as
palavras do seu prefacio.
Prefacio e desenho são dous
trabalhos que se completam, sem no emtanto, carecer
um do outro para por si só valer tudo.
O desenho do Sr. Bordalo
é uma chave de ouro que fecha o prefacio do Sr. Julio
Cezar.
O prefacio do Sr. Julio
Cesar é outra chave de ouro que abre o cofre dos desenhos do Sr. Bordalo.
Honra aos dous
desenhistas! Honra aos dous escriptores!
GR.
1877, ano II, n.64, p.3
Gazetilha
*
A Opinione de Italia, fez ultimamente grandes elogios á
tela do Dr. Pedro Américo. Para que Dr. quando se trata de um grande
artista?...
*
A julgar pelo artigo da Opinione,
o que mais celebrisa a Batalha de Avahy são as tres visitas
que lhe fez nosso monarcha!
É o que o critico
mais fez notar!
*
Concluindo sua noticia
sobre a afamada tela, diz a Opinione:
É um quadro que tanto honra o artista quanto o monarcha brazileiro.
*
Honra o artista.... Estamos de acordo de de [sic] que o quadro é bom...
Mas o monarcha! Opinione do meu coração?
*
Si S. Magestade deu
também alguma pincelada na Batalha de Avahy, o
quadro não deve honrar o artista brazileiro.
Mas se não deu Opinione
del mio cuore, porque o
honra o quadro?... Só se é por tel-o
visto!...
*
R.
1877, ano II, n.66, p.6
Gazetilha
*
Para que se confunde?
O chronista da Imprensa
industrial, querendo exemplificar maravilhas, faz estas citações: uma tela
de Veronese, de Victor Meirelles, de Rubens...
*
Uma tela de Rubens, perfeitamente, um quadro de
Veronese, de accordo, mas o Juramento da Princeza?...
É tão perigosa a comparação, que eu nem ouso fazel-a.
*
Só uma cousa eu quizera
apreciar, é a careta que deve ter feito o nosso Victor ao vêr
seu nome imprensado entre os daquelles gigantes da
arte...
Lá isso eu queria...
*
Também só quem não sabe o que foi Rubens, quem vio quadros de Veronese, poderia ter commettido
tão horroso[sic] attentado.
Para que metter o
nosso artista em semelhantes assados?...
*
R.
1877, ano II, n.72, p.2
Rio, 30 de junho de 1877
É incontestavelmente nos paizes
estrangeiros que mais intenso se faz sentir o amor á patria.
A saudade aguça o patriotismo, e quando a
nostalgia não se deixa vencer pelos sons da gaita de folles,
produz Canção do exilio, Longe da patria
e tantas outras bellesas de igual valor e inspiração.
Na Europa escreveu Gonçalves Dias, grande parte
dos seus versos, e foi da Italia que nos veio o Guarany
de Carlos Gomes...
Agora, é de Florença que nos chega a Batalha
de Avahy, que, pelos calculos
da Gazeta, é um verdadeiro Independencia de
pintura.
*
Envolvido porem em seu enveloppe
de madeira, ninguem pôde ainda admirar as bellezas do quadro do Sr. Pedro Americo.
Está sobrescriptado
ao autor, que cioso de sua obra, reservou para si a ventura de rasgar-lhe a couraça que a preserva dos curiosos olhares.
Em quanto isso, impacientam-se os criticos, dispostos a analysarem
uma por uma todas as pinceladas do quadro-monstro.
Mas ha de sahir victorioso o Sr. Dr. e Commendador Pedro Americo, dando-lhes uma Batalha em
regra.
Na Italia, onde
acampou, tudo dever ter encontrado para uma esplendida victoria:
vasto campo de manobra, boas tintas, bons pinceis.
Oh! bons pinceis sobretudo!...
*
Podesse eu
seguir a mesma estrategia de ir-me inspirar na
Europa, e veriam que boas Chronicas, havia de
dar aos leitores da Revista.
Estabelecia logo concorrencia
com o folhetinista do Jornal... Era Figaro quá
Figaro lá, thesourada d’ali thesourada
de ca, e estava alinhavada a Chronica,
rematando-a com alguma anedocta do Charivari,
bem antiga, a mais antiga possivel, ou ainda mais
antiga.
Somente havia de escolher um titulo mais analogo ao programma e em vez de ver ouvir e contar, escrevia mais
escrupulosamente: escolher, traduzir e mandar...
*
A. Gil.
1877, ano II, n.73, p.6
Gazetilha
*
A Gazeta de terça-feira deu noticia de um trabalho, que acabou de fazer o nosso
patrício Bernadelli [Rodolpho], a quem teceu
merecidos elogios.
Somente exprimio-se
assim:
*
“Vimos hontem duas photographias do busto em marmore
de um distincto medico desta cidade, feito em Roma
pelo insigne Bernardelli...”
*
De maneira que muita gente por ahi ficou a pensar, que o medido desta cidade é o que foi
feito em Roma por Bernardelli, e não o busco em mármore.
*
Ora, muito triste ficaria eu se deixasse pairar
no espírito dos leitores da Revista qualquer duvida
a este respeito, por tanto rectifico:
*
O artista Bernardelli, apezar
de muito hábil, é apenas esculptor de bustos ou
estatuas. Não consta ainda que tenha esculpido medicos
tambem.
*
R.
1877, ano II, n.74, p.6
Gazetilha
*
Chegou finalmente o Sr. Pedro Americo, tendo
mandado annuncial-o sua Batalha de avahy, que pelas dimensões que dão, deve ser um Independencia da pintura.
*
Apenas saltou em terra, foi seu primeiro
cuidado visitar todas as redacções de folhas; e o segundo, não dizer á nenhuma d’ellas, que viera tambem com elle o seu collega Zeferino [da Costa].
*
A táctica foi boa. No dia seguinte todos os jornaes deram noticia da chegada
do illustre pintor, commendador
e doutor, e nada disseram do Sr. Zeferino que não era esperado aqui.
*
Que gloria lhe veio d’essa omissão, é o
que não sei. Parece-me que entre collegas...
Ah! é verdade; o Sr. Zeferino é só pintor, não
é nem commendador nem doutor.
Deve ser por isso.
R.
p.7
Parece que o Sr. Pedro Americo é menos querido
aqui do que na Itália, onde os jornalistas não o largavam... diz elle.
Aqui, por ora, é só a Gazeta que não o
larga.
Verdade é que nem os outros têm tempo. A Gazeta
arrematou-o todo.
#
Ainda o Sr. Dr. Pintor não deu um passo que não
fosse noticiado no dia seguinte. Foi assim que soubemos que o Sr. commendador cobrio o nosso principe de beijos.
Tambem sob
esse ponto, a Itália lisonjeou-o mais. Lá eram os principes
que beijavam o nosso pintor.
Mas o Grão-Pará coberto de beijos, tem sua
graça.
#
Eu estou só á espera
da coroação do Sr. Pedro Americo para ir beijar-lhe a mão.
Elle deve
dar beija-mão.
Viveu tanto com principes,
que é provável que tenha tomado os hábitos.
Deve ter muito príncipe aquella
Itália. Dezesete visitavam a miudo
o autor da Batalha de Avahy.
#
Junio.
1877, ano II, n.75, p.3
Gazetilha
Acha-se em exposição na Glacê elegante o
retrato do Sx. Major Taunay.
É incontestavelmente um bonito moço; geitos porém de guerreiro é o que eu não lhe acho.
*
Por mais que se esmerasse o artista em fardal-o e rodeal-o de petrechos
bélicos, a sua attitude é de quem não se acha á vontade naquelle meio.
É como eu, sou tambem
contra as guerras.
*
O Sr. Moreau armou-o de um óculo, collocou-o num campo de batalha e longe, bem longe, de modo
a não haver perigo, pintou uma batalha. Pois nem por um óculo o Sr. Major quiz vel-a...
Virou-lhe resolutamente as costas!
*
É atôa querem desviar
a vocação dos indivíduos.
A minha, por exemplo, é para não elogiar o Sr.
Carlos Bernardino de Moura,e póde
elle zangar-se o quanto quizer...
hei de seguir minha vocação.
*
R.
1877, ano II, n.76, p.7
O nosso governo em ás vezes suas entradas de lião, em compensação porém é sempre desastrado nas sahidas.
Se lhe acontece começar bem alguma cousa, o que
é um tanto pouco raro, é quasi certo que acaba mal a
sua obra. É um governo de mãos fins...
E os exemplos estão ahi
com toda sua lógica.
Ainda não ha muito
teve a commissão geológica de parar os seus
trabalhos, depois de avultado dispêndio; agora é a Batalha de Avahy que está a estragar-se na alfândega por falta de
local, em que o Sr. Pedro Americo estenda a sua tela.
#
Felizmente o Diario
Popular parece decidido a tomar a si a louvavel
tarefa de salvar o quadro e a reputação do nosso artista... Deus lhe pagará
tanta bondade!...
Os nossos collegas comprometteram-se a construir um barracão, onde se
desenrole á vontade a grande tela, dando assim uma
boa lição ao governo, e... aproveitando outra talvez.
Em todo caso, já a imprensa séria vai servindo
para alguma cousa, pois sem ella ficaria perdida a Batalha
de Avahy e cabe ao Diario
Popular a gloria de tel-a salvo.
#
Junio
1877, ano II, n.78,
p.7
#
Annuncia-se a
próxima apparição da Comedia Popular, jornal
caricato, cujo nome recorda muito o de Comedia Social que foi outr´ora desenhado pelo Sr. Commendador
Dr. Pedro Americo.
Affimar-se que é
o Sr. Zeferino, e não o autor da Batalha de Avahy,
que terá de illustrar as paginas
do novo campeão.
Pois antes fosse o commendador...
Queria vel-o pegar-se
com o Caipira, que ha duas sextas-feiras faz
espírito á custa do Sr. Pedro Americo.
Estou com gana de lhes gritar:
A´unha!...
#
Junio.
1877, ano II, n.80, p.3
Ainda não vi bem o quadro do Sr. Pedro Americo.
Quando digo que ainda não vi bem, é
simplesmente porque vi-o mal. A tela não está ainda estendida.
Brevemente, porém tel-a-hemos no barracão que o Diario
Popular prometteu fazer á
sua custa...
Cousas para fazer foscas á
Gazeta.
X
E antes mesmo de ir para o barracão (que o Diario Popular prometteu
fazer) pretende o Sr. Fernandes Osório discutil-o na
câmara dos Srs. deputados.
O Sr. Osório Filho, já que não entrou em
combate na guerra, quer dar batalha... de Avahy
na camara.
O velho que lhe dê umas lições de direita!
volver! ao menos, para que lhe seja honrosa a retirada.
X
O nobre deputado vai atacar o governo por ter
comprado o quadro muito barato!
É para a gente vêr de
tudo nesse mundo de políticos.
A opposição atacando
o ministerio por gastar pouco!...
É com certeza o primeiro exemplo.
O Sr. Osório quer sem duvida
contrabalançar o effeito do livro do Sr. Tito Franco.
X
A. Esphinge.
1877, ano II, n.84, p.3
Salão
-Já vio a Batalha
de Avahy?...
Eis como se saúdam desde hontem
todos os amigos que se encontram.
E a uma resposta affirmativa
segue-se immediatamente esta outra interrogação:
-Então?...
E agora é que são ellas.
Os entendidos não se querem comprometter;
os não entendidos... esperam pelos primeiros, e uns e outros escapolem-se,
murmurando:
-Assim á primeira
vista.....
&
E não deixa de ter suas razões, quem espera
para dar o seu juízo só depois de repetidas visitas.
Apezar do
muito que já disseram alguns jornaes europeus, ninguem se julga ainda bastante orientado perante a enorme
tela.
Da indecisão porém, em que se absorvem os criticos, póde-se já concluir que
o quadro tem merecimente. [merecimento].
Somente, quer me parecer que, pela fama que o
precedeu, muitos amadores armaram-se de exigências bem difficies
de serem satisfeitas.
&
Póde bem
ser todavia, que todos venham ainda a formar da Batalha de Avahy a mesma opinião que S. M. o Imperador e S. A. o
Sr. Conde D’Eu.
Até hontem, segundo
se diz, foram os que mais francamente se pronunciaram sobre o quadro do Sr.
Pedro Americo.
Foram ambos expressamente á
cata de defeitos; mas o seu tempo, porque.... a caça fugio-lhes.
Ha portanto duas conclusões a tirar d’ahi; eu porém deixo a escolha ao leitor.
&
De mais, algumas pessoas, que se dedicam ao
estudo da Phisiologia das Paixões (1
vol. Infolio, Dr. Mello Moraes) julgaram ler no
semblante do S. A. o Sr. conde d’Eu, a seguinte reflexão:
-Não!... Ha sempre um defeito, e grande!... É
não ser o attaque de Perrebebuy....
Terão razão os phisiologistas?....
Assim á primeira
vista quasi que não se póde...
duvidar.
&
Vá o leitor vel-o, e
depois fallaremos. Sim?...
Junio
*Porque é que se riem?....
1877, ano II, n.85, p. 2.
Pois deixando a politica
em seu afogueamento, eu também quero que se saiba que o nosso compatriota
R. Bernardelli acaba de nos enviar o seu primeiro trabalho destinado á academia.
Está na alfândega um grupo de gesso do jovem
escultor, e que em breve será exposto á nossa
admiração.
A occasião é bem
propicia.
Depois da grande tela do Sr. Pedro Americo,
teremos a escultura reclamando nossa attenção.
E antes dividil-a
entre as obras dos dois talentosos artistas, que ouvir tagarelar sobre o Sr.
Corrêa ex-das-conferencias.
*
E já entre o murmúrio que se fez em redor do
Sr. Pedro Americo (já não o trato nem por commendador
nem por doutor) ouve-se fallar na Batalha de
Guararapes, um outro feito do Brazil que nos
vae ser recordado pelo pincel de Victor Meirelles.
É esse o certamem em
que eu desejo sempre ser testemunha occular,e é assim
que havemos de possuir algumas obras de arte dignas d’esse nome.
E já eu esquecia que ainda nesta semana,
tivemos o Guarany applaudido no Pedro II.
Felizmente o campo é vasto, e havera sempre palmas para todos.
*
E já que trato de objectos
de arte, passo facilmente ao projecto da estatua dos tres.
Alexandre Herculano, Antonio
Feliciano de Castilho e Ameida Garret vão ser
fundidos em bronze reunidos em um só pedestal, formarão um monumento,
representando parte das glorias litterarias de
Portugal.
É um projecto digno
de toda veneração, o que naturalmente irá por diante.
Eu, porém, não tenho muitas sympathias
pelo número tres.
*
Além de ser um numero
fatídico, parece que essa estatua dos tres vai gerar difficuldades para o esculptor,
encarregado de arranjar o grupo.
Ficarão os tres na
mesma altura? ou haverá uma escala?...
E porque esquecer outros que não fizeram mesmo
honra ás lettras portuguezas?
E depois para que collocar
Alexandre Herculano ao lado de Antonio de Castilho,
quando, em vida, um evitou sempre o outro?
Não é prudente encadeiar
um ao outro pelo bronze, dois homens de genios tão
diversos.
*
Este consorcio, bem se vê, é destinado a não
ter uma existencia de venturas.
E se elles reclamarem
o divorcio?...
Que tribunal julgará a questão?
Eu aconselho, portanto, ao Sr. Mattozinhos ( com a devida licença de S. Ex.), que deixe
mesmo solteiros aquelles tres
vultos.
Talvez que nenhum delles
queria essa união... das tres graças.
Um pedestal para cada um, não é de certo
muito para quem tanto legou.
A. Gil.
1877, ano II, n.86, p7.
Nem Eu!.....
Os nossos jornalistas sérios andam sempre a
clamar que os brazileiros desconhecem a sua
Constituição politica.
Habituaram-se por tal modo a dizer isto, que de
vez em quando e a todo propósito, estão a fazer-nos tão graves censura. Grave a
injusta; pois a bem poucos dias tivemos a prova do contrário.
*
Á quinta fez que S.
M. foi visitar o quadro de Sr. Pedro Américo, disse ao despedir-se do pintor da
Batalha de Avahy:
-É a quinta vez que vejo o seu quadro e apezar de ter vindo a ver defeitos, não me foi possível
encontrar um só.
*
A S. M. seguio-se
logo o Sr. Conde d’Eu dizendo convictamente:
-Nem eu!..
O Sr. Bom Retiro fez echo
immediatamente:
-Nem eu!....
Atraz
deste, seguio a corte, repetindo:
-Nem eu!...
*
As folhas diarias não
deram a noticia completa; mas até já consta que o côro é entoado por ahi além, e
que em breve ouviremos o echo da voz do último
subdelegado de Matto-Grosso, repercutindo:
-Nem eu!...
*
Agora pergunto eu aos jornalistas serios:
-Conhece-se, ou não se conhece a Constituição
entre nós? sabe-se ou não se sabe que um dos artigos da tal Constituição diz
que o rei não erra?
Está visto que se sabe.
*
E a prova é que desde que S. M. disse que não
achava defeitos, todos os nossos Planches, d’aqui e de Matto-Grosso
exclamaram constitucionalmente:
-Nem eu!....
*
E até hoje só dois se declararam republicanos.
Nullius e G.M.
O primeiro, já todos sabem que é; quanto ao
segundo....
Desde que o Sr. José de Alencar não lhe intenta
um processo, é porque é elle.
*
Nenhum pôde conservar o incognito.
Nem eu!...
Junio
1877, ano II, n.87, p.6
Gazetilha
*
O quadro do Victor Meirelles já teve a primeira
visita do nosso monarcha.
Já só lhe faltam quatro para ter a mesma
consagração que a “Batalha de Avahy”.
*
É questão dos cinco sentidos.
R.
P.7
Ricochetes
#
E já se não falla
mais da Batalha de Avahy.
Os Huelvas emmudeceram.
Parece que já vai sendo tempo de espichar
critica, antes que criem môfo as opiniões.
Olhem que uma opinião mofada!...
Nem elles avaliam o
que é.
#
A Batalha de Avahy
vae passando de moda, e já S. M. foi ver o quadro do Sr. V. Meirelles.
Ceci tuera cela?....
O Victor ficou todo gangento
com essa primeira visita.
A celebridade começa tambem
para elle.
#
No mesmo dia em que elle
teve a visita imperial esbarrou-se commigo:
E foi logo me dizendo:
- O Imperador vio...
- Já xei, já xei, interrompi eu.
- E não achou nenhum...
- Já xei, já xei.
#
E eu já sabia o que elle
queria dizer-me, por isso não o deixei fallar com os
meus:
- Já xei, já xei.
Junio.
1878, ano III, n.112, p. 3 e 6
Aos Presidentes de Província
(Carta Circular)
VV. EEx. Receberam
todos e todos ja apreciaram uma carta do nosso illustre pintor, celebre doutor e honrado commendador Pedro Americo, que merece de certo ser tomada
em consideração.
Eu não recebi, mas já tive a fortuna de ler e
apreciar no Cruzeiro essa insigne pastoral, em que o nosso doutor in
partibus, commendador encommendado
e pintor collado, exalta mais os seus meritos, que o Sr. D. Lacerda as vantagens do jejum.
&
O Sr. Pedro, como VV. EEx.
Leram, pede “venia para expor uma idea
que, se fôr tomada na consideração que merece,
reverterá em favor da historia patria,
pondo em relevo e eternisando as grandes virtudes e victoriosos feitos de muitos já extinctos
martyres do patriotismo,e
outros tantos triumphantes ostensores
da honra e da dignidade nacional.”
Vêem
portanto VV. EEx. que a causa é boa e merece toda
consideração, sobretudo partindo a idéa de quem
parte, um doutor-commendador-pintor....
&
De mais este Sr. Doutor-commendador-pintor
Pedro Americo é o mesmo que “em 19 de Agosto de 1872 foi encarregado pelo
governo imperial de fazer o quadro da historia da
batalha de Avahy, e esse consideravel
trabalho, depois de ser coroado pelos applausos de quasi toda a Europa (que não vio)
foi acolhido na capital do imperio como um monumento
digno da immortalidade do facto que representa.”
(Quem escreveu tudo isto foi elle, o pintor-doutor commendador,
que a tanto não me atrevo eu.)
&
E ainda é elle quem
continua para concluir:
“Ora, julgando merecedora de consignação esthetica aquella pagina de sua historia militar, prestou o Brazil
a devida homenagem ao genio e aos serviços do illustre vencedor de Avahy; mas
por isso mesmo contrahio o imperioso dever de render
igual preito ao inclyto general que entre muitos
outros feitos em que immortalisou o seu nome, venceu
a grande e sanguinolenta batalha de 24 de Maio.....”
Sim, o Caxias estava no poder, quando o Sr.
Pedro Americo escolheu a batalha de Avahy para
assumpto do seu quadro; mas agora é Osorio que está no ministério.
&
E crê o doutor-pintor-commendador
“que já não é demasiado cedo para pagar-mos, não
somente ao supracitado illustre general, mas ainda
aos seus bravos commandados n’aquelle
memoravel dia, o tributo de gratidão que lhes
devemos, e que não sem manifesta injustiça lhes poderiamos
negar. A sua idéa é, portanto, que lhes seja offerecido um quadro, representando o feito de 24 de Maio,
em tela das proporções d’quella em que pintou a
batalha de Avahy.”
Certamente nada mais justo do que “pagarmos o
tributo de gratidão que devemos”. Agora o que acho exquisito
é que, em lugar de pagarmos “aos bravos commandados
pelo supracitado general”, paguemos ao Sr. Pedro Americo, porque, como VV. EEx. devem ter notado, é a elle
que elle quer que se pague!
&
E tanto é assim “que dirigio-se
a VV. Ex. e não directamente ao governo por vel-o empenhado em economias que denunciam difficuldades financeiras (lá esperto é elle)
e animou-se a pedir a VV. EEx. se dignem tornar-se os
iniciadores de uma subscripção popular que attinja no minimo a quantia de
sessenta contos de réis, dos quaes trinta fossem remettidos sem demora a elle lá
na Italia....
(Além de esperto, é cauteloso.)
Os outros trinta ficariam depositados no thesouro para lhe serem entregues... logo que se acabassem
os primeiros.
&
Não pensem VV. EEx.
“que algum calculo egoistico
leva o nosso pintor-commendador-doutor a emittir essa idéa, não; seu caracter... etc.”
Mas é que para começar um quadro como o que o
Sr. Pedro Americo quer fazer, precisa tanta cousa, que nem VV. Exs., ignorantes como são, podem imaginar.
Precisa tela, tintas, photographias,
correiames, petrechos bellicos,
espingardas, bois, carneiros... que sei eu!
Mandem-lhe os dois arsenaes
de guerra e de marinha, que elle ainda pede a nossa
esquadra e a fortaleza de Humaytá!
&
Sessenta contos!... Nem isto é dinheiro que
valha duas pinceladas de um pintor-commendador-doutor,
e se elle faz por este preço, creiam VV. EEx. é “pelo enthusiasmo,
pela gloria de sua patria, amor ás artes e dedicação
pessoal... que passou do Caxias para o Osorio...
Sessenta contos!... Ninguem
nega que é um pouco mais puxado que a batalha de Avahy;
mas tambem elle tem de
comprar tanta cousa, que eu estou com desejos de fazer concorrencia
a VV. EEx., e abrir tambem
uma subscripção para ajudar o nosso doutor-pintor-commedandor.
Quem sabe em que apuros estará elle, coitado! que já pede adiantado!
&
Fica portanto entendido; VV. EEx., abrem subscripção entre os
retirantes de Ceará, Rio-Grande do Norte, etc., que eu promovo a minha entre os
urbanos ultimamente despedidos, a vêr se obtenho correiame.
Ao menos correiame
não lhe ha de faltar, e é do que elle mais precisa -
é de correiame.
Junio.
1878, ano III, n.133, p.6
Sera Attendido
O nosso companheiro A. Gil recebeu o seguinte
cartão:
“O pintor historico
Augusto Barradas, premiado com a medalha de prata pela Real Academia das Bellas
Artes de Lisboa e com a de bronze e menção honrosa pela Sociedade Promotora de
Bellas Artes - 44, Regent Strit...”
(Regent Strit, está em manuscripto)
No verso do cartão ha
o seguinte recado:
“Sr. A. Gil - Partecipo-lhe
que já esfoliei mais outro e lá está na Glace Elegante.
Se por lá pessou
rogo-lhe o favor de o ver e largar uma de suas piadas (sem misericordia)
no seu muito lido jornal. - Att...........”
Como vêem o pintor
histórico premiado com menção honrosa pela Sociedade Propagadora de Bellas
Artes - 44 Regent Street desafio o nosso companheiro
a ir admirar o seu novo trabalho....
Será attentido em
tempo.
Agora um conselho ao pintor Barradas: Quando
escrever nomes inglezes copie mais attenciosamente do diccionario,
para não martyrisar tanto a orthographia
britannica, escrevendo Strit,
em lugar de Street, como escreve John Bull...
E eu tambem.
Junio
1878, ano III, n.134, p.2
*
Peço mil desculpas ao Sr. Barradas.
Em primeiro lugar, por tel-o
feito esperar tanto tempo; em segundo, por terem sido transcriptas
na Revista algumas palavras suas em boa orthographia,
quando elle m’as escreveu em pessima.
Eu copio fielmente:
“O pintor historico
Augusto Barradas, premiado com a medalha de prata pela real academia de Lisboa
e com a de bronze e menção honrosa pela sociedade promotora de Bellas-Artes - 44 Regent Strit - Sor. A. Gil - Participo-lhe que já esfolei mais
outro e la esta na Glacê
Elegante. - Se por la passar rogo-lhe o favor de o
ver e largar uma das suas piadas (sem misericordia)
no seu muito lido jornal. - Attº. Ver. e Lter.”
*
Depois de tão amavel
convite do pintor histórico, 44 Regent Strit (isto quer dizer rua do Regente na lingua do Sr. Barradas) bem vê o leitor que o meu dever era
ir.
Fui e vi a um canto, emmoldurado,
esfolado um retrato a oleo cujo original não conheço,
mas que a se parecer com o retrato deve ser um commendador,
possuindo bom par de contos de réis, irmão de alguma ordem terceira, jantando
bem e ás 3 horas da tarde, dormindo depois até ás 6, fiel secretario de seus
genros e com pretenções a se parecer com D. João VI.
*
Está em pé e collado
a um fundo pardacento não se destacando de modo algum do commendador
esfollado. Tem a mão direita sobre o encosto de uma
cadeira, e o pollegar de escorço parece mais um toro
de rabanete do que dedo humano. No mais, um trabalho perfeitamente commum...
Agora um pedido ao Sr. Barradas, pintor
histórico 44 Regent Strit.
Quando me quizer
convidar para ver algum retrato, trate de fazer cousa melhor.
Verdade é que depois da ortographia
em que veio escripto o seu recado, eu não podia
esperar grande cousa.
Um homem como S. S. pintor historico
premiado par Santarém, tem obrigação senão de pintar regularmente ao menos de
escrever de maneira que se entenda.
N’aquelle seu
retrato, e no tal recado ha erros de ortographia, e apezar de premiado
por isto e aquillo, trate de agarrar-se ao methodo João de Deus e ao Roret a
ver se ainda aprende alguma cousa.
Antes de aprender a pintar, convém saber
escrever.
Quando esfollar
outro...
Nós ca estemos.
*
A. Gil
1878, ano III, n.136, p.7
Gazetilha
*
O pintor Barradas (Regent
Strit) está fazendo exercícios de inglez,
para escrever outra carta ao A. Gil.
*
Ainda não passou do yes;
mas diz que ha de pintar a manta, em inglez.
R.
1878, ano III, n.139, p.3
Palestra em casa
-Parece que os professores da Academia das Bellas-Artes....
-Isto de bellas artes
é um modo de dizer; cá por mim, acho que as nossas artes da Academia são bem
feias.
-Concordo, mas dessa opinião não são os
professores e alumnos da dita Academia, que se
escamaram devéras com a critica
do Sem malicia do jornal.
-A qual foi partilhada e augmentada
pelo Caipira do dito.
Que queres... Ha verdades que não se podem
dizer...
~
-Sabes quem chegou da Europa? O Augusto Duarte;
e pelo que já vi exposto garanto-te que elle fez immensos progressos. Vale a pena vêr
aquelles dous quadrinhos
que já figuraram na exposição de Paris; um representa uma velha camponeza e o outro o interior de um museu. De todos os discipulos da Academia é o unico
de ha muitos annos para cá
que tem feito alguma cousa que se possa admirar.
-Elle hade ir longe; e teve a felicidade de casar com a D. Luisa Leonardo que tanto applaudimos
quando menina antes de partir para Europa onde ella
se foi perfeicionar. Hoje ella
tem fama de ser uma pianista perfeita e uma excellente
artista o que não é para extranhar de quem desde a
mais tenra idade mostrava tanta vocação.
~
-Que dizes do resultado do concurso para o premio de Roma na Academia.
-Digo simplesmente que commeteram
uma injustiça em preferir a melhor das composições, e o único meio de reparal-a é mandar ambos [Rodolpho Amoêdo e Henrique
Bernardelli] os discipulos para Roma.
-Isso lá e verdade; se elles
ficarem aqui, não passarão de excellentes pintores de
taboletas.
Sem assinatura
1879, ano IV, n.152, p.6
Echos
Não se abre por ora a nossa exposição de bellas artes. Consta mesmo que a exposição não será aberta,
em quanto não estiver prompta a Batalha de
Guararapes.
Nas outras terras, os quadros fazem-se para as
exposições; aqui as exposições fazem-se para os quadros!
X
A. Esphinge.
1879, ano IV, n.154, p.2.
Rio de Janeiro, 15 de março de 1879
*
Abre-se hoje a exposição de Bellas Artes, que é
riquíssima, segundo se diz.
E eu estou impaciente por ver essas riquezar até hoje occultas aos
olhos dos profanos.
Sem duvida muita
artista se fez e aperfeiçoou-se no intervallo que
medeia da ultima exposição á que hoje vamos admirar,
porque a ultima foi bem pobresinha,
coitada!
E d’ahi quem sabe?
É mais facil surgir
um artista do que um estadista, e no emtanto ahi estão o Sr. Leôncio de Carvalho, Osório e Costa Azevedo
as tres graças do parlamento.
Au Brésil, tout
pousse vite, dizem
os francezes.
*
A. Gil.
P.7
Uma especie de chronica
*
Temos em seguida a exposição de Bellas Artes, aquella mesma que se vê todos os annos,
e que portanto...
Fóra os Guararapes,
tudo mais são novidades velhas.
*
HA DE KKKTRO.
1879, ano IV, n.155, p.2
Rio, 22 de março de 1879.
Está aberta a nossa exposição de bellas-artes, annunciada como a
mais rica de todas as que temos tido, cujo catalogo assim promette
e cumpre para aquelles que ainda não conheciam a collecção do Sr. Steckel, a do Sr. Callado, etc., e algumas velharias
que alli figuram como novidades da ultima fornada.
Ha n’este fingimento de riqueza um desejo e até
louvável de possuir realmente trabalhos artísticos, fingimento tanto mais louvavel quanto a visita á
exposição se torna mais recreativa e agradável, desde que encontramos alli a par de producções dos
artistas nacionaes, muitos quadros de valor, embora
importados do estrangeiro.
A qualificação de exposição nacional, fica, é
certo, prejudicada; mas resta-nos o prazer ou desprazer da comparação, meio
seguro de avaliar o quanto cumpre fazer em bem das bellas-artes
no Brazil.
*
Raras excepções feitas, os trabalhos dos
artistas nacionaes desapparecem,
por assim dizer, supplantados pelas producções dos artistas estrangeiros, embora entre estes
não se contem nomes celebres, como se nos procura
fazer acreditar.
E não vai n’isto uma censura a áquelles que entre nós dão prova de coragem admirável,
abraçando uma carreira cheia de decepções e dissabores. Elles
fazem o que podem, produzem o que é possivel produzir
onde lhes faltam os elementos mais essenciaes ao
ensinamento de sua arte. Carecem do modelo vivo, dos quadros consagrados pela critica, das producções dos
mestres que lhes aperfeiçoem o gosto, d’essa atmosphera
artística que dá inspiração, que gera a emulação louvável e productiva;
e póde-se dizer que aquelles
que fazem alguma cousa, fazem muito.
Quem examinar com attenção
os quadros expostos na Academia de bellas-artes,
mesmo os do Sr. Victor Meirelles, ha de entristecer-se com os exemplos de falta
d’esses elementos.
*
Incontestavelmente a Batalha de Guararapes
é uma téla primorosamente bem pintada, tem grupos bem
combinados, a disposição geral do quadro está artisticamente planejada e
algumas figuras são de exrema [extrema] belleza.
Ha porém certas posições muito repetidas que se
tornam por isso monotonas,e muitas vezes o pintor não
se limitou a conservar o typo da nacionalidade , foi
além, fazendo muitas caras parecidas, como se nota na gente ao commando de Fernandes Vieira e nos pretinhos; ha falta de acção nos personagens
mesmo dos primeiros planos, revelando tudo isso que o artista não teve bons
modelos vivos á sua disposição.
Parece mais uma batalha de convenção do que um
combate renhido, em que um povo luctava energicamente
por sua liberdade contra os seus usurpadores.
Em todo caso essa convenção é uma convenção artistica na qual as regras d’arte foram perfeitamente bem attendidas, o que se acontece em alguns quadros de mestres,
não deixa de prejudicar a verdade e dar ao quadro uma certa frieza.
Ha todavia bellezas admiraveis na Batalha de Guararapes; e os últimos
planos sobretudo são de sorprehendente effeito; mas nem o Sr. Victor nem outro pintor qualquer,
por mais hábil que seja poderá eximir-se a defeitos attribuidos
com razão á carencia de
elementos.
Estas lacunas que se revelam na Batalha de
Guararapes, notam-se como era de esperar, em muito maior evidencia nos
trabalhos dos outros artistas nacionaes, a quem falta
antes de tudo o desenho, que constitue a base da
pintura, esculptura e architectura...
Mas isto é simplesmente uma noticia
e, como o leitor póde enchergar
ares de critica n’esta chronica, passo adeante, em
quanto não fizer segunda visita á exposição de
Academia de bellas-artes, pois vale a pena.
*
A. Gil.
1879, ano IV, n.156, p.2
Rio, 5 de abril de 1879.
Continùa
aberta a exposição de bellas-artes, sendo as Batalhas
de Avahy e dos Guararapes os dois quadros para os
quaes se voltam todas as attenções.
Ao lado quasi um do
outro, o parallelo torna-se inevitavel;
e forçoso é concluir que as duas telas, tratando embora de assumptos idênticos,
formam um verdadeiro contraste. Em quanto o quadro do Sr. Victor Meirelles
impressiona pela falta de acção, pela paralysia de quasi todos os
personagens; na Batalha de Avahy tudo se move,
tudo tem vida, todos se batem.
Em quanto o critico
erudito procura as bellezas artísticas da Batalha
dos Guararapes, o impressionista extasia-se perante a téla
monumental do Sr. Pedro Américo e esquece-se a contempla-la.
*
É surprendente o
progresso do Sr. Pedro Americo na pintura, quando se o acompanha da Batalha
de Campo Grande á Batalha Avahy, que um abysmo separa,
felizmente para elle que póde
afinal ser admirado como um grande artista.
Logo á primeira
vista, o quadro do Sr. Americo produz a impressão de uma batalha; e
examinando-o detidamente encontra-se bellezas
admiráveis em todos os seus planos, em seus grupos, em suas figuras que se
destacam da téla com a estrella
da nuvem.
O grupo da carroça, illuminado
desigualmente pelas resteas do sol que penetra atravez dos buracos do couro usado; aquellas
mãos nervosas que procuram arrebatar as duas bandeiras que o official brazileiro leva em trophéo; a carga de cavallaria,
no terceiro plano, que avança n’uma carreira vertiginosa; os paraguayos nus que fogem, no quinto plano; o mangrulho que
arde; o torvelinho confuso do inimigo que se retira desordenadamente; as
bandeiras que se desfraldam...
A gente admira-se até, depois de alguns
momentos de attenção, de não ouvir o som do clarim e
o troar da artilharia, tanto se compenetra de que assiste realmente a um
combate grandioso.
*
E no meio de toda a confusão da batalha, o
grupo do general em chefe, saliente, distincto, calmo
como o soldado habituado a testemunhar essas luctas,
observando plácido e confiante a execução fiel do seu plano...
A correcção do
desenho, a expressão belicosa, a attitude natural de
todas as figuras, tudo revela estudo aproveitado e imaginação portentosa de
artista; e é necessaria muita coragem, muita audácia,
para embrenhar-se n’aquella pugna titânica e criticar
aquella téla gigantesca, analysar a epopéia enorme, que
escreveu o Sr. Pedro Americo!
Podem os criticos consummados encontrar falta de planimetria no colorido e um
ou outro detalhe que destoe, como a cor do negro, no primeiro plano, que muitos
condemnam; mas a téla é tão
vasta, tem tanta belleza artistica,
que seria amesquinha-la demorar-se n’essas munudencias.
De mais, tudo tem o seu ponto negro!...
*
A. Gil.
P.3
Cruzamento de pintores
A Revista Musical (e de bellas artes por contrapezo) tem
tratado com esmero da exposição de pintura e sobretudo estudado a vocação dos
nossos artistas, no que tem feito muito bem, Deus a ajude e a mim não
desampare.
Em seu ultimo artigo
fez ella um paralelo entre o Sr. Pedro Américo e
Victor Meirelles, tirando d’ahi uma conclusão atroz!
&
Depois de descobrir que aquillo
que falta a um sobra a outro, isto é que o Sr. Pedro Americo tem imaginação e o
Sr. Victor paciência, sustenta que nenhum dos dois póde
ser um grande artista; mas que ambos somados, fundidos, dariam um Miguel Angelo (não é o Pereira) concluindo finalmente que,
cruzando-se os dois artistas, ter-se-hia um grande
pintor, um pintor de raça.
&
Eu já sabia que os criadores europeus obtinham excellentes cavallos cruzando a
raça arabe com a raça ingleza;
mas o que eu ignorava é se essa lei hypica seria efficaz, applicada aos pintores
do mesmo gênero, porque sempre ouvi dizer que duro com duro, não faz bom muro.
&
Não é que eu duvide, não; mas faz scismar o tal systema pradino de aperfeiçoar a raça dos pintores.
D’hai, quem sabe?...
este mundo tem cousas!
Eu é que se fosse pintor, poderia desposar Rosa
Bonheur, mas casar com o Victor?...
Oh! Nunca jamais!
D. Antony.
P. 6
Salão de 1879 Em Quadras
N.133 - Batalha de Avahy
Por Pedro Americo.
É um combate renhido, bello,
homérico
Sente-se, vê-se brigar ali
E guia a nossa gente Pedro Américo,
O genio da Batalha
de Avahy.
N.100 - Pompeiana, por João
Zeferino da Costa.
Tem frescura d’epiderme
A Pompeiana é bonita.
Eu bem quizera
prender-me
N’aquelle laço de
fita.
N.134 - Elevação
da Cruz, por
Pedro Peres.
Uma bella
paisagem rodeia o teu calvário
Ha na Elevação da Cruz
Ideia e arte. A tua tela é feliz sudário,
De que a inspiração tralus.
N.23 - Exéquias de Camorim,
por
A. Firmino Monteiro.
Defronte do teu quadro eu fui parar,
E contemplando bem a tua téla,
Pode enfim extactico
exclamar
“Terra em qu’eu
nasci, oh! como és bella.”
Junio.
p.7
Gazetilha
*
Continua aberta a exposição de bellas-artes e o Sr. Victor a extasiar-se defronte do seu
quadro.
É o nosso Pigmalião...
Cuidado! não se espete.
R.
1879, ano IV, n.157, p. 2.
Rio de Janeiro, 16 de abril de 1879.
***
Fui ao paço imperial na quinta-feira santa.
Atravessei uma por uma aquellas
velhas salas, enfiadas uma apóz outra como habitações
de um cortiço. Tem uns quadros grandes e ruins agarrados ás paredes escuras e
mofadas, umas cadeiras velhas e surradas e a baixela com uns pratos grandes com
tubarões e arraias desenhadas no fundo. É tudo mal allumiado
por velas amarellas, rescendendo um mau cheiro de subterraneo, eis o que se expõe todos os annos como uma preciosidade aos olhares curiosos dos subditos brasileiros.
Tem pouco brilho a nossa monarchia.
A. Gil.
p. 6.
Deixem-me aproveitar o fechamento da exposição,
para fallar um pouco sisudamente (hum! hum!) sobre as
pretenções do catalogo em que nos deparamos com o
seguinte:
QUADROS ETC., FORMANDO A ESCOLA BRASILEIRA.
Estes quadros são: O caçador e a onça, Retrato de D. Pedro I, Passagem
de Humaytá, Incendio
dos cannaviaes, e outros, todos nossos, diz o Sr.
Mafra.
&
E bem nossos que elles
são, tão nossos que o conselho acadêmico das Bellas Artes tem-se forçado a classifical-o como formando a escola brasileira, não
podendo matriculal-os em nenhuma outra escola.
Mas tem graça a escola brazileira...
&
A nossa academia ouviu naturalmente fallar em escolas flamenga, italiana, e pensou ainda mais
naturalmente que todo o quadro pintado na Itália pertence á
escola italiana, a menos que não se naturalize estrangeiro, assim como os
quadros pintados no Brazil formam a escola brazileira.
&
Isso que é que é resolver a questão do nó gordio, sem olhar nem á direita,
nem a esquerda, como Alexandre.
Mas eu por mais que pense, que reflicta, que estude os quadros da Pinacotheca,
sempre que me fallam em escola brazileira,
lembro-me logo da escola da Glória, e fujo antes que me caia em cima uma conferencia.
Junio.
P.7
Segundo a estatística official,
a exposição de bellas-artes já tem sido visitada por
mais de quatrocentas mil pessoas. Em uma cidade de trezentas mil almas...
E dizem que não ha
amadores!
*
R.
1879, ano IV, n.158, p.2 e 3
Rio, 25 de abril de 1879
O Sr. Dr. Mello Moraes Filho publicou, ha dias, um folhetim na Gazeta de Noticias,
analysando a Batalha de Avahy,
de Pedro Americo, e a Batalha de Guararapes, do Sr. Victor Meirelles.
Este folhetim, longo e recheiado
de termos anatomicos, tem sido criticado por ser
muito medico e pouco artístico; mas injustamente, porque se a Gazeta de Noticias quizesse realmente minosear os seus leitores com uma critica
artística da nossa exposição de pintura, não teria encommendado
ao joven Esculapio, cujos
cuidados dividem-se entre o numero de batidellas do pulso e as boas applicações
da therapeutica.
*
Entendo mesmo que o Sr. Dr. Mello Moraes
excedeu a espectativa, e sou-lhe grato por ter S. S.
discutido as duas telas, sem resumir sua critica á forma simples de uma receita, precrevendo
ao Sr. Victor Meirelles:
Uso Interno
Porção expressiva..............2.000gr
Sulfato de movimento.........200gr
Desenho............................ q. s.
Tome ás colhéres de
hora em hora, até ficar em estado de fazer um quadro de batalha.
Uso Externo
Cataplasma de verdade histórica e fomentações
de variedade de typos.
E se assim o tivesse feito, nada havia que
estranhar, pois exercia as suas funcções de medico instruido.
De mais, o folhetim do Sr. Mello Moraes obteve
um grande sucesso: fez fallar o Sr. Victor Meirelles,
o que é de uma vantagem enorme para as bellas-artes
no Brazil, tão reconhecida é a sua autoridade.
*
O Sr. Victor Meirelles, “profundamente
penhorado pela benevolência com que foi tratado na Gazeta de Noticias” escolheu todavia o Jornal para
responder ao critico amável!...
Mas illuminemo-nos
nas luzes que irradiam do seu artigo.
Tres são
os pontos discutidos pelo estimável pintor: a idade do índio Camarão, a côr que deu aos pretos, e a posição do cavallo
em que monta Vidal de Negreiros.
Quanto ao primeiro, diz que pintou o indio moço, apezar de saber que elle era velho, caçando, em attenção
ao dictado que diz: “indio
quando pinta, tres vezes trinta.” Póde
ser uma boa razão; e eu tambem, como o Sr. Victor,
deixo a outro resolver a questão.
Para justificar-se da côr
que deu aos pretos (não fui eu que a critiquei) faz o Sr. Victor Meirelles as
seguintes reflexões:
“Um homem, que na sua vida artistica
passe 30 annos de longa e estudiosa observação,
perante a natureza, cogitando, quer no conhecimento da fórma,
quer nos effeitos da luz, não terá, como incontestavel dever, a pratica de melhor determinar as
modificações que, segundo a hora e o lugar, tornam as côres
mais ou menos affectadas pela acção
da luz?”
Não tem, não; Sr. Victor. Póde
mesmo passar cem annos a cogitar, quer no
conhecimento da fórma, quer nos effeitos
da luz, sem ter por isso o incotestavel dever de ser
bom pintor, ou pelo menos nem todos cumprem esse dever.
Quantos pintores não ha
por ahi que passaram trinta, quarenta annos na observação da fórma e
dos effeitos da luz, e que tem o no emtanto um colorido falso e o desenho incorrecto!
*
E se assim não fôra,
o que seria do verdadeiro artista?... Raphael, que só viveu trinta e tres annos, nada teria deixado; emquanto que o velho Taunay poderia encher a Academia de
maravilhas!
Isto seria admittir
aposentadoria nas artes, converter os artistas em soldados, cuja promoção só
fosse admittida por antiguidade... Os velhos seriam genios, e o Sr. Victor Meirelles já teria desbancado muito
artista celebre!
O terceiro ponto é: se póde
um cavallo equilibrar-se em uma só pata... Este ponto,
cumpre reconhecer, foi magistralmente explicado no seguinte periodo:
“O bípede, quando corre, sustenta-se ora em um
pé, ora em outro, mudando rapidamente o seu centro de gravidade, afim de manter
o equilíbrio.”
Lá isso é verdade. Mesmo quando anda, o bípede...
com a differença que o cavallo
é quadrupede, salvo seja.
*
Discutidos assim os três pontos pelo Sr. Victor
Meirelles, tomamos nós a palavra, para dal-a de novo
ao Sr. Victor:
“Na representação do quadro a Batalha de
Guararapes, diz o illustre chefe da escola brazileira: não tive em vista o facto da batalha no
aspecto cruento e feroz propriamente dito. Para mim a batalha não foi isso, foi
um encontro feliz, onde os heróes d’aquella época se viram todos reunidos.”
De modo que o Sr. Meirelles “que só deseja
acertar” confessa que alterou o facto, foi de encontro á
historia, não pintou a batalha dos Guararapes, mas um
encontro feliz e amigável, em que Barreto de Menezes abraçou Van-Schoppe, Fernandes Vieira a Felippe
Camarão, e Henrique Dias saudou Vidal de Negreiros na sua língua: - Bença, meu Sá moço!...
*
A Batalha de Guararapes não é portanto
um quadro historico, como indica o titulo e affirma o
catalogo, escripto pelo Sr. Mafra, sob a inspiração
do proprio Sr. Victor; mas uma caricatura para rir,
um combate de brincadeira, como os de mouros e christãos
que nos dava o theatro de S. Pedro de Alcântara,
edição antiga!
A critica, pois, nada
tem que analysar na Batalha de Guararapes,
depois do que escreveu o pintor. É ocioso notar a posição idêntica e exquisita de pernas, a semelhança de caras, a posição
repetida das mãos, a falta de acção, ausência de
expressão de quasi todas as figuras do seu quadro...
A Batalha de Guararapes não é batalha
dos Guararapes, é um encontro feliz em que os heróes
d’aquella época se viram todos reunidos... e dansaram o minuete.
*
E no emtanto o
próprio Sr. Victor se contradiz logo no seguinte período do seu artigo: “Meu
fim foi todo nobre e o mais elevado: era preciso tratar aquelle
assumpto como um verdadeiro quadro historico...”
Mas um verdadeiro quadro historico,
e, que não foi respeitada nem a verdade nem a historia...
lembra o celebre discurso do Sr. Ferreira Vianna paz entre amigos!
O Sr. Victor Meirelles, porém, tem plena
desculpa, senão do que pintou, ao menos do que disse em seu artigo, escripto por outro, como deixa vêr
um periodo que não foi convenientemente arranjado
para a primeira pessoa, como os outros.
S. S., depois de muito fallar
no “meu fim, minha tela, meu pensamento” refere-se ao seu quadro como se fosse
de terceiro... “a destruição de uma raça contra
outra, não poderia, na tela dos Guararapes, contribuir senão para
destruir o interesse calculado pelo artista que só cogitou de chamar a attenção do espectador sobre os personagens principaes.”
*
Não podemos portanto, tornar responsavel o Sr. Victor pelo que escrevem em seu artigo...
dos outros e assignamos o nosso, sem mais considerações.
J. Esphinge.
1879, ano IV, n.159, p.2 e 3
Dá-se um facto singular, extraordinário actualmente no Rio de Janeiro, a cidade dos bocejos e dos
Fagundes curtos de intelligencia: discute-se bellas-artes.
E discute-se com paixão, encarniçadamente na
imprensa, nos theatros, nos cafés, nas palestras
familiares, até na própria Academia de discute bellas-artes!
Os críticos dividiram-se em partido, contra o
Victor e pelo Victor, tendo o partido victorino o Sr.
Mello Moraes á sua frente e C. de L. a tocar Zabumba á retaguarda, como um Zé-P’reira
carnavalesco.
Infelizmente os contra o Victor estão de melhor
partido, e contrapõem ao encontro feliz dos heróes
Henrique Dias e Negreiros a Batalha de Avahy,
de Pedro Americo, que, conteste embora a medicina tem, desenho aério, etc. e tal.
*
No confronto inevitável das duas grandes telas,
já não se procura saber qual das duas é a melhor, mas qual é a peior das duas, a mais cheia de defeitos, a menos original,
a mais plagiada; e os críticos entregam-se a escavações artísticas que espantam
a gente de tanta erudição, e breve descobrem que Pedro Americo plagiou a
moldura da Batalha de Avahy e Victor
Meirelles as pennas de papagaio com que
enfeitou o seu Felippe Camarão e as de pavão com que
escondia a sua nudez esthetica.
Admittindo,
portanto, que ambos tenham roubado inspirações para seus quadros, resta saber
qual é o bom e o máo ladrão, e comparando-os vê-se:
na Batalha de Avahy, desenho, movimento,
expressão, na Batalha de Guararapes, falta de desenho, falta de
movimento e ausência de expressão.
*
E preoccupada na
discussão das duas batalhas, a critica tem esquecido
os artistas que concorreram á exposição de bellas-artes. D’ahi as queixas:
-Estamos fazendo uma triste figura, dizem elles, coitados! e com razão, porque cumpre reconhecer, que
a escola brazileira tem bom numero
de alumnos que são dignos do seu chefe.
Quando fallo na
escola brazileira, é simplesmente para ir de accôrdo com o que escreveu o Sr. Mafra no catalogo da exposição actual,
porque até hoje eu conhecia as escolas romana, flamenga, hollandeza,
hespanhola, franceza e
outras entre as quaes nunca ouvira nomear a brazileira.
*
É preciso não confundir a escola com o súbdito
de uma nação que é francez, se nasce na França, hespanhol, se na Hespanha; não é
uma questão de certidão de baptismo, a escola hollandeza
ainda hoje se se[sic] distingue da flamenga e durante o século XVI, quando já
começava a tomar uma nova face, um novo caracter, não
tinha ainda a physionomia puramente nacional que tem
hoje. Era uma imitação pesada do estylo italiano,
adoptado pelos três pintores mais celebres d’aquella epocha; que procedia de Miguel Angelo,
mas que se corrompia passando pelas concepções do genio
batavo.
Notava-se já, porém, uma tendência para
constituir-se e escola: d’entre a elegância ideal dos estylos
romano e florentino já tranparecia o naturalismo
septentrional, que foi o germem da nova escola, da
escola chamada realista, a escola critica, humanitaria,
que ha de vir a ser a escola de todas as nações,
quando os artistas, dignos d’este nome, se compenetrarem da nobre e elevada
missão da pintura que não póde estacionar quando a
poesia e a musica progridem e seguem a evolução do
natural do seculo, cantando as idéas
do nosso tempo.
Mas só mais tarde, quando a Hollanda
se constituio pais livre, que libertou-se do jugo do
duque d’Alba, que escapou aos furores da inquisição e ao regimen
humilhante da monarchia hespanhola,
quando começou a gosar em paz, das liberdades conquistadas:
a independencia da nação, a liberdade de consciencia, o governo popular, foi que Rembrandt, Van der Helst e outros artistas de gênio, abandonando o maneirismo
importado, libertaram as artes da influencia
estrangeira e formaram a escola hollandeza.
Mas quanto trabalho, quanta dedicação, quanto genio para chegar-se a esse resultado!
*
E no Brasil, onde estão estes artistas de genio e dedicação que possam imprimir a arte um caracter nacional, que possam formar escola? Os nossos
moços que mais se dedicam ás artes, apenas engatinham no desenho, vão á Europa copiar quadros na Itália, até que possam
reproduzir na téla aproximadamente as photographias dos nossos commedandores.
Nem mesmo n’este ramo da pintura elles se aperfeiçoam, porque muitos retratos expostos dão
menos idéa dos originaes do
que a photograpia fiel, mas servil, que reproduz os
traços physicos sem imprimir a expressão.
O que nos tem dado o proprio
Sr. Victor Meirelles, que tanto promettia na sua Primeira missa
no Brasil? Alguns retratos, a Passagem de Humaytá,
Juramento da Princeza, quadros que denotem muito rapida decadencia.
É por isso que a Revista Illustrada
ri-se, quando o Sr. Mafra classifica a Magnanimidade
de Vieira, o Chapéo de D. João VI e a Mai d’Agua
como formando a escola brazileira, que está na
travessa das Bellas-Artes, como a escola do Sr. Cony
está no campo de Sant’Anna.
*
Resignemo-nos; mas a respeito de bellas artes estamos ainda na infancia.
E na infancia caduca,
o que é ainda peior, o que não admira, pois diz-se no
relatorio que a nossa Academia enriqueceu-se com
gessos que servem bellamente para modelos e foram encotrados nas excavações
recentes.
Entr esses
gessos que servem bellamente para modelos,
figura a Vênus de Milo...
... Encontrada nas excavações
modernas...
Tem graça, não tem?
A. Gil.
1879, ano IV, n.160. p.2
Rio, 10 de Maio de 1879.
*
Em primeiro lugar, fica o thesouro
livre de pagar a inserção das defezas no Jornal;
em segundo, este, não contando com o subsidio, discutirá todas as questões como
nos bons tempos do Sr. Gaspar, em que não lhe doeu a mão.
Agora o que se torna um luxo são os elogios que
os ministros querem ler no grande orgão e que nos vão
custa cincoenta contos, como pede o ministro da fazenda...
Tanto como a Batalha de Avahy,
de Pedro Americo & C.
Verdade é que vale mais ainda aquelle primor de desenho e expressão, ao qual eu não
retiro um só dos elogios de minha chronica passada.
*
Resta, porém, resolver uma questão a propósito
da Batalha de Avahy que é:
Se Pedro Americo recebeu cincoenta
contos pelo seu quadro, quanto dará o governo aos collaboradores
de Pedro Americo?
Bem sei, que o recibo foi assignado por conta;
mas cumpre decidir quem tem direito ao resto de maior quantia: se Pedro Americo?
se Gustavo Doré?
É a vez do Instituto Historico
dar seu voto no assumpto, ou o Sr. Nicolas Tolentino, que é a Minerva das
Bellas Artes.
Pobres Bellas Artes!
*
Eu pouco me entendo n’essa questão de plágios,
tão azedamente discutida, embora encontre na Primeira Missa no Brazil muita reminiscência da Messe en Kabylie.
É uma questão de ter dois olhos não tão myopes, como C. de L. o é de
espirito; e com elles vê-se logo que até as torres da
matriz do Sacramento se parecem tanto com o chafariz do Largo do Paço como os
dois Ignacios entre si.
Agora a Batalha de Guararapes é toda do
Sr. Victor Meirelles, sem mesmo exceptuar o cavallo
branco do segundo plano...
O Feliz Encontro é todo d’elle, do chefe da escola brazileira,
do nosso Pardal da pintura e autor do Juramento da Princeza.
E se disserem que é de alguem,
é esse alguem e não o Sr. Victor que deve protestar.
Se o attribuissem, eu
intentava processo por injuria.
*
A. Gil.
Bellas-Artes
Sob este titulo e enveloppe recebemos o seguinte artigo, ao qual apezar de um pouco extenso, abrimos espaço, contentes por
ter collaboradores como Z.
Dos folhetins cellulares
do Sr. Dr. Mello Moraes Filho e da longa descompostura que escreveu o Sr.
Carlos Pimento Laet (está ás suas ordens o meu
cartão) no rodapé do Jornal contra aquelles
que não consideram o Sr. Victor um Miguel Angelo
aperfeiçoado, parece resultar que a Batalha de Avahy
não vale dois caracóes e a dos Guararapes mette n’um chinello velho tudo
quanto deixaram Raphael, Ticiano, Rubens e outros
pintores cujos quadros constituem as maravilhas da arte.
Mas não é tanto assim; pelo contrario...
Na Batalha de Avahy
ha de certo semelhança com a Batalha de Montebello,
como já o sabiamos e como se encarregaram de mostrar
os desafectos do autor por meio dos seus escreventes,
sendo porém um d’elles tão infeliz, que confundio Montebello com Arcole, Gustavo Doré com Appiani
e metteu os pés pelas mãos, dizendo cousas do arco da
velha, quando apeado do cavallo de Napoleão na
celebre ponte que elle passou a pé. Este cavallo de batalha foi aliás tão funesto á critica
medicinal do Sr. Dr. Mello Moraes Filho, como o de Troya
aos troyanos, e por mais que o critico
se agarre ao santantonio, perdeu as
estribeiras e cahio no aerio...
Decididamente é um critico
encaiporado o autor do Caipora...
*
Deixemos porém o Sr. Dr. Mello Moraes Filho com
o seu cavallo de Appiani e
sem apontar uma só falha de desenho que diz ter descoberto na Batalha de Avahy, porque se Pedro Americo copiou do mestre francez, deu-nos todavia um quadro, em que ha rectidão de desenho, verdade
de expressão e naturalidade das figuras relativamente ao assumpto principal.
Duas grandes bellezas da Batalha de Avahy são o quarto e o quinto planos em que o artista
mostrou conhecimento do nú, o que não ha na Batalha de Montebello.
Eu poderia citar ainda muitas bellezas que elle espalhou na sua
grande téla e que não foram inspiradas por Gustavo
Doré; reconheço porém que ha pontos de contacto entre
os dois quadros, discutiveis embora, depois de um
exame calmo e minucioso.
Tão ou mais discutiveis
como as semelhanças que se notam entre a Missa na Kabylia,
de Horacio Vernet, e a Primeira
Missa no Brazil, do Sr. Victor Meirelles, apezar dos differenças apontadas
pelo Sr. Carlos de Laet: que o altar do pintor francez tem quatro degraus, e o do Sr. Victor tem apenas
dois; que ha zuavos francezes
n’uma téla, e selvagens americanos n’outra, que um
dos celebrantes eleve a hostial outro eleva o calix...
Por bem pouco o Sr. Laet
não declarou tambem que o Sr. Victor tinha reformado
a lithurgia!
*
Tem uma historia o
quadro em que o Sr. Victor Meirelles acabou pintando o padre, conforme Horacio Vernet. No seu primeiro
estudo desenhou elle um toldo e sob esse toldo o
padre, sachristia, e no primeiro plano os indios assistindo á cerimonia.
Era quasi a Primeira
Missa na America de Blanchard, que elle teve de reformar, por conselhos do Sr. Porto-Alegre que lhe pedio tambem que tirasse os carvalhos do seu quadro, pois no Brazil não existia essa arvore, ficando então a Missa
como hoje é, e que tem percorrido as exposições americana e europêas,
mas sempre muito semelhante á de Horario
Vernet, embora os dois degráos
de menos no altar.
É um bello quadro e
que merece ser tão apreciado como a Batalha de Avahy,
tambem pintada na Europa.
*
Quem percorrer os Fastos de Napoleão, ou
outra collecção qualquer de quadros de batalha,
encontrará muita figura parecida com as da Batalha dos Guararapes; e no emtanto ha defeitos muito
salientes n’este quadro: o chão está aceiado como se
a empreza Gary tivesse varrido e irrigado de vespera; as fardas estão escovadas e sopradas, que fazem a
inveja dos nossos officiaes que vão ao beija-mão; o cavallo de Vidal de Negreiros, brunido e lustroso como um
bagre recem-pescado, parece copiado de um cavallinho de páo.
Ha figuras em posições realmente comicas: no primeiro plano, um hollandez
de quatro pés, parece na attitude espectante
de algum medicamento que não se toma pela boca, e o hollandez,
ao lado, com a mão cerrada e erguida como quem tem desejo de dar um murro na
cabeça do outro para não ser tolo; á direita do
espectador, um indio com o cabello
todo voltado para um lado, como os carecas que levam o cabello
da nuca até á testa, ergue a perna procurando alliviar não a dôr do ferimento,
mas algum incommodo de ventre; o grupo do tambor que
parece duvidar se quillo[sic] é mesmo uma batalha ou
um encontro feliz dos heróes d’aquella
época; e a esquerda do espectador, um hollandez junto
dos pretinho, que abre os braços e olha muito admirado para as calças amarellas cheias de sangue, como quem se exclama:
-Diabos!... Esses moleques não me sujaram as
calças!
E toda essas figuras, analysadas
conforme o assumpto do quadro, não parecem contrariadas por se acharem ali reunindas?
O Sr. Victor Meirelles pinta uma figura de
pernas abertas, e pensa que desenha um homem a correr; mas não ha movimento, não ha animação, e
todos os seus personagens, frios, calmos parecem doidos por deixarem a incommoda posição em que foram pintados.
*
Todavia o Sr. Carlos de Laet
cahio em uma contemplação lyrica
deante do quadro do Sr. Victor e citou em seu apoio a
critica sensata do Sr. Dr. Mello Moraes Filho.
É natural; escreva quem quizer
um elogio ao pintor favorito do Sr. C. de L., que foge á
critica como aos concursos do collegio
Pedro II, e será citado entre elogios no rodapé do Jornal do Commercio.
É sina da Gazeta ser citada pelo Jornal só nas causas más.
É natural ainda que o Sr. Laet
defenda os plagios; tem obrigação de refutar o apanhei-te
cavaquinho; embora, não entendo de pintura, é dever seu elogiar o Sr. Victor
Meirelles. de quem é compadre. É uma questão de parentesco.
S.S. não é só genro da Academia, é tambem padrinho da Batalha dos Guararapes que
elogiava antes de nascida, quando o quadro era apenas um ovo que seguia os
tramites da sua vida intra-uterina e que se sahiu um aborto, não foi por ter nascido antes do tempo,
pois teve sete longos annos de apurada gestação.
O Sr. Carlos de Laet
fez a sua obrigação.
Z.
1879, ano IV, n.162, p.3
*
O Sr. F. Moreira de Vasconcellos publicou a
comedia Um quadro de casados, cheia de scenas horriveis de murros e beliscões, e rusgas renhidas.
Eis um quadro que não é como a Batalha de
Guararapes do Sr. Victor, um encontro feliz.
*
Tem dado que fallara
de si na imprensa o Dr. Mello Morais Filho. Elle é critico, elle é poeta... E agora propôz uma acção de honorários
médicos a um doente que escapou.
Que homem!
*
R.
1879, ano IV, n.163, p. 7
Encerrou-se finalmente a exposição de bellas-artes.
Tambem já
era tempo de tudo aquillo voltar aos seus logares.
Os quadros do Sr. Stekel
voltaram para a rua do Lavradio, o boi de Avahy
foi para o matadouro e o Camarão dos Guararapes serve de miolo á grande empada que está exposta no Castellões.
Está tudo acabado, mesmo a critica.
#
Os criticos tambem voltaram aos seus empregos ficando-nos apenas Mirandola, cujos conhecimentos e bom gosto a questão esthetica veio pôr em relevo.
Em compesação
porém...
#
Em compensação, porém, C. de L. conta ainda historias da carochinha no rodapé do Jornal e o Dr.
Mello Moraes resuscita as suas poesias e enche com ellas a Gazeta de Noticias, na
falta de charadas.
Uma cousa suppre
outra e ambas amolam a gente.
#
Por fallar em bellas-artes.
A nossa Academia tem duas plataformas: a Glace
Elegante e o Espenho Fiel, em que de vez em quando apparecem alguns trabalhos, que não têm entrada na propria Academia, como Voltaire não foi do Instituto de
França.
Esta semana é só durante dia e meio esteve
exposta na Glace Elegante uma collecção de vista á gouache assignas por Insley
Pacheco.
Quasi que
não tive tempo de vel-as. As trinta e seis horas
bastaram-me apenas para admiral-as.
Aposto que se fossem ruins, ainda estavam lá,
como...
#
Como... Não! nada de comparações que podem
assanhar os criticos.
De mais já fallaram elles.
#
Mas, voltando ás vistas, sem calembourg...
São realmente bellas.
Desde a primeira que é uma paysagem oriental até á Chacara da Crus?
(Paquetá), são de um acabado perfeito e revelam o bom gosto do artista.
Citar algumas seria fazer injustiça ás outras.
Ha em todas uma suavidade de tons, uma transparencia
que só preferindo todas de uma vez.
#
Póde
gabar-se de ter boas vistas quem as possuir.
Junio.
1879, ano IV, n.170, p. 6
A Revista Musical (e de bellas artes, para desconto dos seus e nossos pecados) é um
jornal serio, que não dá nem cumulos
nem trocadilhos; mas que em compensação diz d´estas:
“É este
artista (Benjamin Leão) um moço de vinte e tantos annos,
nascido na Parahyba do Norte que nunca estudou
desenho, e que expõe na casa Chaigneau um
magnifico retrato do S. M. o Imperador”.
Esta Parahyba do
Norte que nunca estudou desenho, é horrivel; mas...
X
Mas
“vem, ao que parece (á Revista Musical)
estudar desenho á capital do Imperio”
e faz muito bem - a Parahyba do Norte - porque mais
vale tarde que nunca.
Pois a Revista Musical e de bellas-artes entende que não: “Vimos, diz ella, o retrato alludido: tem
mais perfeição, mais semelhança e mais correcção do
que os que se fazem aqui. Neste caso, perguntamos (é a Revista de bellas-artes quem falla
ainda): “O que quer o Sr. Benjamin Leão estudar aqui no Rio de Janeiro?”
Mas, presada collega
e querida chará, é a Parahyba
do Norte ou o Sr. Leão que nunca estudou desenho?... Essere
ô non essere?
X
Em todo caso eu tambem
vi o retrato alludido, - se é obra da Parahyba do Norte, se do Sr. Leão: isto é lá com a collega...
Agora, o que eu não vi foi a tal “mais perfeição,
mais semelhança e mais correcção, que a Revista
(de bellas-artes) enchergou,
o que vi foi infelizmente, a falta de tudo isso que a Revista de bellas artes lobrigou. E de mais, póde
se fazer um retrato parecido, correcto, e ter muito o
que aprender, no Rio de Janeiro...
Decididamente a Revista Musical, que
está sempre com fusas e semicolcheias, tinha a vista muito diffusa
neste dia!
X
Rolando.
1879, ano IV, n.171, p.3
Afinal de contas isso de bellas-artes
é uma historia.
É uma historia mal
contada pelo Sr. Bittencourt da Silva na Revista Brazileira,
onde o supremo architecto já desfechou dous artigos com promessas de mais!
(Aguenta-te, Julio
Huelva, que a piada já lá está.)
Quando digo dous, não
é que lesse ambos, não. Deos louvado, deparei logo
com o II e um vide a Revista passada...
Não vê que eu caio n’essa, de indigestões,
basta uma.
X
Felizmente vem a cousa em forma de maximas a marques de Maricá, de modo que, debaixo para cima
ou de cima para baixo, dá sempre errado como os artigos do Cruzeiro
(desculpem.)
É tudo assim: “As composições da arte qualquer
que seja a sua manifestação, são livres, mas ha
certas regras de que não póde afastar-se o artista.”
Perdão, mestre; mas se as composições da arte
são livres, porque regras então de que o artista não póde
afastar-se? e se ha regras,... como são livres as
composições da arte?
Mysterio e...
asneira!
X
Rolando.
1879, ano IV, n.172, p.2
Realisou-se esta
semana, com a presença imperial e musica do maestro Fiorito, a distribuição dos premios
aos artistas que mais se distinguiram na ultima
exposição de bellas-artes e na opinião do jury da Academia.
Foi uma cerimonia
tocante. Houve discursos do Sr. Moreira Maia, Terremoto do Conservatorio e mais discurso da alumna
Cunha Bittencourt, que agradeceu, muito commovida, os
premios e menções conferidos.... aos outros.
Como vê-se, a rhetorica
e o cantochão deram-se as mãos para o realce d’essa festa artistica,
em que uns foram injustamente esquecidos e outros lembrados injustamente.
Uma cousa compensa a outra; e o jury...
*
E o jury é o jury.
E como tal tem todas as lincenças,
mesmo a de conceder premios superiores aos artistas
que nada expuzeram, como o leitor já deve ter notado
pelas noticias dos grandes amoladores diarios.
Antes de se dar mesmo qualquer medalha...
“Foram solicitadas recompensas superiores para
os Srs. Victor Meirelles de Lima, Pedro Americo de Figueiredo e Mello e
Francisco Joaquim da Silva Bittencourt.”
Os tres formam até um
grupo á parte, bem afastado dos outros, para não se
confundirem... de acanhamento.
Nem todos, entenda-se, porque entre elles ha artistas e magicos com licença do Pato Tonto.
*
Nada é mais conveniente do que botar os pontos
nos ii e cortar os tt, pois
vão os pontos nos ii.
Eu transcrevi lá em cima das tres estrelinhas a solicitação do jury
de uma recompensa para o Sr. Victor Meirelles de Lima-Pedro Americo de
Figueiredo de Mello e Francisco Joaquim da Silva Bittencourt.
Ora o jury (talvez o
leitor não acredite mas é verdade), o jury solicitou
simplesmente uma recompensa superior para um homem que nada expôz:
o Sr. Bittencourt da Silva.
*
E facil é de a gente
certificar-se, indo á Academia de bellas-artes,
ou, o que é ainda mais facil, abrindo o catalogo official da ultima exposição.
Encontra-se: de Pedro Americo, a Batalha de Avahy; do Sr. Victor Meirelles, a Batalha dos
Guararapes; do Sr. Bittencourt da Silva...
Não, nada; não se encontra cousa alguma do Sr.
Bittencourt da Silva, a não serem as maximas pifias e cansadas que o illustre architecto está agora publicando; mas isso mesmo...
Isso mesmo é na Revista Brazileira,
coitada! tão moça ainda e já tão... sem ter com que encher-se!
*
Bem de perto a distribuição dos premios aos expositores de bellas
artes pelo jury competente (hum! hum!), seguio-se a exposição portugueza,
inaugurada com grande pompa e um só discurso.
Oh! santa felicidade! ninguem
mais pedio a palavra depois que o Sr. Luciano
Cordeiro pôs o ponto final a leitura do seu discurso.
Parece que os nossos eloquentes tiveram receio
de que se lhes cortasse o fio do discurso com a celebre faca de mato.
Bem aventurado receio.
*
A. Gil.
1879, ano IV, n.185, p.2
Rio, 22 de novembro de 1879.
*
Os nossos formatos-grandes transcreveram todos,
esta semana, um artigo do Sr. Pinheiro Chagas sobre o “monumento levantado pelo
Sr. Guilherme Klerk á fama de tres
nações.”
O leitor vai talvez pensar que se trata de
alguma Venus de Milo, com os competentes braços, ou
de algum fresco que vem desbancar os da capella Sixtina; pois não é nada d’isso. Este monumento artistico, em que tres nações se
embriagam de gloria, essa moderna maravilha perante a qual vão velar-se as
outras sete, este portento esthetico que pasma o seculo corrente é... uma alhambra?...
não; um Palacio d’estio?... ainda não; a torre de Babel concluida?...
tambem não...
Este monumento das tres
nações n’elle reunidas pelo idéal
artistico, é simplismente
uma cromo-oleographia!...
*
Sim! uma simples cromo-oleographia,
como apparecem muitas, frenquentemente,
na Europa, um producto puramente industrial, impresso
em machinas de Alauzet, por
meio de pedras lithographadas; sómente...
Sómente esta estampa
representa a Primeira Missa no Brazil, do Sr.
Victor Meirelles; e isto bastou para que o Sr. Pinheiro Chagas elevasse a
cromo-oleographia ás alturas ideiaes
de “um monumento artistico” tri-nacional:
do Brazil, França e Portugal.
O illustre litterato descreve “os esforços herculeos”
do Sr. Klerk, “a pericia impossivel”
dos impressores francezes, e pinta a França, Portugal
e Brazil, alliados n’um
glorioso amplexo artistico-internacional, exclamando
afinal:
-Só a fé vivissima prodús tão grandes feitos!...
*
Parece-me que é rebaixar muito o sentimento esthetico da França, o gosto artistico
do Brazil e Portugal - apregoar uma cromo-oleographia como o cumulo da perfeição da technica de tres nações reunidas;
e eu, habituado a vêr o original, a contemplal-o e admiral-o, acho
que a estampa tem apenas o valor das estampas bem impressas e o merito de uma especulação commercial.
Mas se a França e Portugal reclamam, pelo orgão do Sr. Pinheiro, dois terços de gloria da estampa da Primeira
Missa no Brazil, podem dividir entre si o
terceiro terço, que o Brazil cede francamente o seu
quinhão.
Desde que lhe deixem o quadro original, tome
quem quizer todos os Dominus vobiscum
da Missa em chromo.
A. Gil.
P.6 e7
A phrase é feliz.
A Gazeta de Noticias,
em um devaneio sentimental sobre bellas-artes, falla n’um “monumento de nossas riquezas artisticas.”
As nossas riquezas artisticas!
Academia de bellas-artes,
Lycêo de artes e officios, Lycêo de artes e officios,
Academia de bellas-artes...
Aguenta-te, velha França.
O nosso triumpho é
completo!
+
K. Brito.
1879, ano IV, n.187, p.2
Rio, de Dezembro de 1879.
Quem visitou este anno
a exposição de bellas-artes da nossa Academia, sentio forçosamente a condolencia
irritante que nos causa a creança decrepita, a infancia a desmembrar-se, corroida
pela podridão hereditaria; e se a compararmos ás
exposições anteriores, é ainda mais profundo o nosso desgosto, mais descondoladora a esperança no futuro das artes no Brazil, que se prenuncia cada vez mais estreito, mais
acanhado, mais mesquinho. Nem um só quadro revelando bom gosto, nem uma só
composição mostrando aproveitamento, nem um só trabalho de inspiração propria! O gosto corrompe-se, a inspiração desapparece, a technica
estraga-se, vicia-se, retrográda.
Em presença de tão tristes resultados, o pezar é acabrunhador, pensa-se naturalmente nas causas que
tão funestamente estão influindo nos destinos das bellas-artes,
entre nós. E não é muito difficil convergil-as,
filial-as á má direcção dos
alumnos, á carencia de quem lhes guie a inspiração, lhes aperfeiçoe o
gosto, lhes ensine uma technica menos esterilisadora, menos erroneamente convencional, quem lhes
dê emfim a verdadeira noção da arte, porque,
incontestavelmente, ha no Brazil
vocações artisticas que se revelam na musica, na poesia, nas letras; e as artes caminharam sempre
parallelamente, progrediram sempre de concerto. Creio
que isto chega a ser um axioma.
*
Em quanto porém a musica
tem cultores apaixonados, em quanto a poesia renega a convicção das escolas
gastas, para seguir o novo impulso e cantar outro ideial;
só a pintura, a architectura mostram-se completamente
alheias, corrompem-se abastardam-se, definham. A causa parece patente, é que
não ha uma Academia para a litteratura,
é que ninguem vai pedir inspiração ao Conservatório,
é que não ha um codigo systematico, uma poetica official para a poesia; e só para os alumnos
de bellas-artes existe um estalão presumpçoso,
um molde rhetorico, uma esthetica
falseada pela incompetencia, que só podem produzir o
aleijão e o aborto.
Assim é que não muito raro temos noticia de se
manifestarem, nas provincias, vocações artisticas para a pintura. São moços que vem para a côrte, cheios de promessas e de esperanças, matriculam-se
na Academia, e nunca mais se sabe d’elles.
*
Sem discutir o veredictum
do jury que decidio no concurso
aos premios, basta ver o assumpto escolhido para esse
concurso, S. Pedro ouvindo cantar o gallo, para
se ter uma ideia bastante precisa da incompetencia,
da falta absoluta de educação esthetica, da negação artistica a mais completa dos nossos professores de bellas-artes. Depois d’este assumpto, só outro sacro tambem: o Sr. Ministro do imperio
fazendo-se Messias, empunhando um valente chicote para enchotar
os vendilhões do tempo da arte.
A imprensa tem reclamado o fechamento, a
abolição da Academia de bellas-artes. Attendendo a falta de um museu, onde os artistas pudessem
ir estudar os bons modelos, á falta de cursos em que
bebessem os principios necessarios,
sem uma atmosphera artistica,
é certamente um erro pedir tanto; o mal não implica a falta do bem. Mas é necessaria, indispensavel uma
reforma completa, uma substituição do pessoal docente; porque em quanto os alumnos tiverem professores de pintura que não sabem
desenho, professores de paisagem que não conhecem a natureza, professores de esculptura que não tem noção da arte, professores de architectura pedreiros aposentados, o ensino academico será forçosamente nocivo, corruptor fatal ás
artes.
*
Dizendo que as lettras
progridem no Brazil, não faço mais do que reconhecer
uma verdade afirmada pelo Sr. Machado de Assiz na Revista
Brasileira, quando sustentou que ha entre nós uma
nova geração poetica, viçosa e galharda, cheia de
convicção e fervor, a qual, se não tem um folego constante, sente-se todavia
animada de um espirito novo e já não se quer dar ao trabalho de prolongar um
dia - o romantismo - que verdadeiramente acabou.
Depois d’esta confissão franca e louvavel, prosegue o nosso
critico um bello estudo, em que analysa
a ideia nova, a geração moderna com aquella
habilidade e criterio que todos lhe reconhecem,
deixando porém ás vezes transparecer o litterato, o
homem de escala além do critico. É antes uma virtude
que um defeito, não se póde exigir a ingratidão.
Justifica a nova aspiração, ampara alguns dos
poetas, reconhece-lhes nova tendencia que se accentúa
em Fontoura Xavier, que se avigora dos Devaneios ás Telas Sonantes; mas
acha-os injustos quando chasqueiam da escola velha, contradictorios,
quando se definem e poucos de uma originalidade... N’esse ponto elle foi mais do que critico e litterato, foi diplomata tambem.
*
Por A. Gil enfermo
J. S.
1880, ano V, n.192, p.7
___
O Sr. Rangel de S. Paio analysa o quador [quadro] Batalha
dos Guararapes, defende o autor - o Sr. Victor Meirelles - dos criticos que apreciaram aquella téla, e isso n’um volume que ainda não tivemos de ler.
Por ora vimos apenas o retrato do nosso pintor historico que orna a obra...
Está um pouco prote-gido.
A. Gil.
1880, anoV, n.194,
p.2
Rio, 7 de fevereiro de 1880.
Fui esta semana ao Lyceo
de artes e officios, estabelecimento mais util do que parece e menos apreciado do que merece.
O contrario
justamente de muitos outros mais pomposos e mais celebrisados.
Tem-se abusado e muito da expressão “relevantes
serviços” chapa invariavel da munificencia
imperial; mas que me permittam applical-a
ainda uma vez - e dignamente - em relação áquelle
estabelecimento que os está prestanto relevantissimos.
Estes serviços estão felizmente bem patentes e
entram no rol das cousas palpaveis e visiveis, para que nenhum S. Thomé os ponha em duvida.
Realmente, quem visitou este anno os salões do Lyceo, pôde ver
em cada canto, ao longo das paredes o fructo de muito
trabalho aproveitado e proveitoso, pois consta de centenares
de desenhos abrangendo a geometria elementar, architectura,
esculptura e ornatos.
De certo não se admira alli
as maravilhas de Miguel Angelo, mas quem vê na arte
do desenho a base solida do ensino artistico e
industrial, reconhecerá forçosamente os beneficios
que presta o Lyceu, illustrando
o espirito e formando o gosto do operario, pondo-lhe o modêlo diante dos
olhos e guiando-o em todos esses trabalhos.
Os conhecimentos de maior utilidade pratica são
emfim ministrados n’aquella
escola do povo a todos que a procuram, sem as ceremonias
nem distincção de nacionalides.
Os nossos parabens
pois ao Sr. Bittencourt da Silva e aos mais professores.
No entanto, o governo já não póde dispensar ao Lyceu os mesmos
favores que lhe ha dispensado em epochas
mais prosperas... antes de nos andar a pedir um vintem
- coitado! e cortou a verba que lhe concedia para obras necessaria.
Deve por certo ser bem má a condição das
finanças publicas, para que o governo assim proceda;
n’estas condições não ha senão o appelo
para o publico fluminense tão prompto
- sempre que se trata de fazer o bem - e que sempre se mostrou melhor
financeiro do que os ministros que alternam na pasta da fazenda... talvez por
administrar o que é seu.
É o que faz o Lyceu: appella para a philantropia do publico, afim de continuar a ser a escola onde mais de mil
pessoas vão buscar a instrucção de que carecem.
E creio ter dito bastante, para que assim seja.
*
A Gil.
1880, ano V, n.199, p.2
Rio, 13 de Março de 1880.
*
A nossa Academia de bellas-artes,
que já tinha conseguido tornar-se completamente inutil,
achou que isso era muito pouco e está-se tornando prejudicial, nociva ao bom
gosto com a creação de uma galeria nacional.
Esta galeria nacional é um conjucto
de quadros muito mal pintados, e peior desenhados que
tomam agora o lugar das télas de Sarritelli,
de Dominico Fizzella, de
Bernardo Castello, de Alberto Durer, de Miguel Angelo Caravagio, de Annibale Carrache, de Vandick, de Paolo
Veronese, de Murillo, de Corregio, de Perugino, de Salvador Rosa, de Greuse,
de Nicoláu Poussin e de
outros, antigamente expostas na Pinacotheca, mas hoje
renegados nas aguas-furtadas da Academia.
*
Em quanto isso porém, em quanto os Murillo, os Vandick são escondidos no fôrro
da Academia; figuram cá em baixo, á larga, bem illuminados,
a Passagem de Humaytá, do Sr. Victor, Caim amaldiçoado, do Sr. Mafra, Morte
de Socrates, do Sr. Medeiros,
Magnanimidade de Vieira, de Corrêa Lima, Caçador e a onça, do Sr.
Taunay, O Chapéu de D. João VI, de A. Alves e outras bugigangas que
parecem desertadas de algum belchior da rua do Senhos dos Passos. Mas ...
-Aqui, ao menos tudo é nosso, diz o Sr. Mafra,
muito ancho, apontando a galeria...
Naturalmente, nem póde
ser senão nosso tudo que fórma a galeria nacional -
muito propria para desmamar creanças
- mas...
Não! O melhor é não fazer commentarios.
A. Gil.
1880, ano V, n.204, p.2
17 de Abril
++ Chegou para a Academia de bellas-artes mais um trabalho de Rodolpho Bernardelli: estatua
representando Santo Estevão apedrejado.
A mim , confesso não me agradam os assumptos
sacros conforme o livro santo. A arte illustrando a Biblia, torna-se cumplice de muito anachronismo,
e não é certamente essa a sua nobre missão; mas como execução é o cumprimento
de muito que nos promettiam o talento e applicação do artista. É um bello
trabalho de apurada perfeição. Discutem o genero, é
uma innovação: discutem a correcção;
e o Sr. Siz N., advogado bem conhecido, descobrio enormes defeitos de proporção, medindo-o a
cordel. A cordel!... Pobre Bernardelli! E tu que passaste os teus melhores dias
no mais acurado estudo da proporção, que sonhaste ás noites as durezas da
geometria humana, que foste á Italia admirar a arte
em suas expansões mais deslumbrantes, que estiveste em Pariz bebendo a nova
inspiração, que frequentas os mestres e os museus, não tiveste um cordel, um miseravel fio de algodão para medires as pernas do seu
santo Estevão!
E os professores d’Academia applaudiram
essa medição do advogado S. N.... Beata gens!
Raul D.
1880, ano V, n.215, p.3
&
No Purgatorio, por
exemplo, ha umas grandes labaredas de fogo que lambem
as almas como o Sr. Victor Meirelles lambe os seus quadros, em quanto que no
banho turco o que lambe a gente é a agua, para começar.
Depois, é a temperatura que faz o resto,
eleva-se, eleva-se... até 108 centigrados, e com a temperatura a gente tambem sóbe, sóbe...
e se não vai ao setimo céo,
é que a porta do quarto está completamente aferrolhada. Começa então o corpo a
suar, a suar muito, e este suor que a principio gotteja e depois corre em enchurrada
é o banho.
Pelo menos é o que lava o corpo.
&
D. Antony
Correspondente.
#
Ao nosso Pedro Americo é que decididamente não
falta inspiração: não lhe encommendam quadros? Elle pinta-os de graça.
E o peior é que ainda
assim não lh’os querem.
Pelo menos o nosso governo que acaba de recusar
uma offerta n’estas condicções:
O Sr. Pedro Americo pintaria de graça a batalha
de Tujuty, e o governo pagaria as tintas e pinceis sómente.
-É muito caro, respondeu o ministro pelo Diario Official.
No molho é que está o segredo do cosinheiro.
#
Junio.
1880, ano V, n.216, p.7
A rua do Ouvidor é o refugio
dos desoccupados e dos que fogem aos affazeres.
N’um ou n’outro caso, eu passo sempre alli o meu quarto d’hora; e foi durante esse tempo que
entrei hontem no Espelho Fiel, especie
de menageria, onde os artistas brazileiros
- faute d’um salon
- vão expor “as provas de apreço” a oleo que lhes são
encommendadas.
Estas “provas de apreço” são retratos de
majores, inspectores de quarteirão... que seus amigos mandam eternisar na tela para admiração dos posteros.
É o embalsamamento em effigie, e parece que actualmente estão por preço bem commodo.
Ha tantos!
*
N’um canto, Carlos Gomes, enorme, bochechudo,
zangado como um chefe de tribu que perdeu o tacape. É
mais uma manifestação de zanga do que de apreço!
Este trabalho é do Sr. Belmiro alumno da academia.
Esta academia! estes alumnos!
Segue-se um coronel rubro, tezo,
duro, com os fios da barva retesados que parecem engommados a ferro.
Pelo Sr. commendador
Rocha Fragozzo que tambem
foi da academia.
Depois um Sr. Asinhavrado,
como um cadaver que esteve tres
dias debaixo da terra,
Este cadaver é do Sr, Mallio, outro alumno.
Mais adiante outro personagem de azeitona,
d’Elvas e com ares de terrivelmente hemorrhoidario...
Do mesmo Sr. Mallio.
Uma espanhola allegra
a funebre galleria com seus
bellos tons.
Do Sr. Papf que pinta
retratos muito soffrivelmente, quando não procura
imitar as pinturas dos pianos, lá da terra delle.
Fecha a galeria um velho, terno a
choramingar-se da sorte, por ter cahido nas garras do
pintor que até o fez de bocca torta.
Este é do Sr. Duarte que para fazer economia de
pinceis, pinta agora com canivete.
Todos esses artistas menos o Sr. Papf são da Escola Brazileira
ultimamente descoberta pelo Sr. Mafra.
Eis o nosso salão - uma verdadeira cosinha.
*
K. Brito
1880, ano V, n.218, p.6
*
Este abandono da terra das bananeiras pelo paiz das laranjeiras pode no emtanto
dar em resultado mais decepções do Guarany.
Já lá estão tantos a respirarem a mesma atmosphera que inspirou Raphael e Bellini; equantos Victor Meirelles por um Carlos Gomes!
Se fallo no Sr.
Victor Meirelles, é que, segundo consta, o chefe da escola brasileira pinta actualmente um quadro todo de movimento - para mostrar que
sabe - e eu preciso aconselhar ao Sr. Victor que, em taes
condições, o melhor é pintar uma locomotiva e pol-a a
correr sobre os trilhos da Copacabana, que estão devolutos.
*
K. Brito.
1881, ano VI, n.245, p.3
*
Seguio ha dias para a Europa o nosso pintor Victor Meirelles que,
apesar dos seus sessenta e quatro annos, ainda vai
estudar desenho... Nunca é tarde de mais para bem
fazer.
*
R.
*
O jornal negreiro, noticiando a partida do commendador Victor Meirelles, deseja que:
Prospera fortuna acompanhe o inspirado autor da
Primeira Missa, da Moema e de tantas outras télas
de incotestavel merito, e
no-l’o restitua cheio de vigor e inspirado em novos
assumptos para a producção de obras primas, de que é
capaz, como já tem provado, seu brilhante talento.”
Isto publicou o Cruzeiro no seu numero de hontem, sexta-feira
santa, e talvez em attenção ao dia.
*
Porque ha tempo,
ainda elle amarello,
escreveu o mesmo Cruzeiro referindo-se ao mesmo Sr. Victor Meirelles:
É pena que á porta
d’academia não haja um vendedor de bengalas, para casa um se munir d’um bom Petropolis e enchotar com elle os vendilhões do templo.
*
O inspirado autor da Batalha dos Guararapes
era então um “borrador insolente” um pinta-monos malcreado
e outras cousas más.
Os epithetos estão
lá.
Verdade é que o Cruzeiro hoje é negro,
quando outr’ora era apenas amarello.
*
K. Brito
1881, ano VI, n.254, p.2
*
Como Paris, nós temos actualmente
tambem o nosso salão, um salçao
de nove quadros...
Tantos quantas são as Musas.
São as provas do concurso á
cadeira de paisagem, disputada por tres pretendentes,
uma lista triplice como no monte Ida.
É um numero fatidico, o numero tres. Assim n’esse concurso, são tres
os pretendentes, tres as provas apresentadas por cada
um e tres os trabalhos que merecem ser apreciados:
uma aquarella de Excellente
effeito pelo Sr. Leoncio Vieira; a Ilha dos Amores;
d’uma inspiração graciosa, pelo menos; e a mesma Ilha dos Amores, linda
paisagem do Sr. Monteiro.
Infelizmente, o lugar é apenas um.
*
Alter.
*
Eu vejo, e não sem grande prazer, que entre os
quadros admittidos no salão deste anno,
em Pariz, figura uma Fugida para o Egypto, por Almeida - José - de Itú, Brazil.
O assumpto é velho; mas o facto é novo.
*
R.
1881, ano VI, n.255, p.2
*
Já se abriram as incripções
ás aulas de musica e desenho do Lyceo
para o sexo feminino, e foi com a mais viva satisfação que vimos só no dia 6 se
elevar a 120 o numero de alumnas
matriculadas.
*
O concurso á cadeira
de paisagem foi julgado pelo jury especial de bellas-artes. Depois de algumas hesitações foi bem
classificado em primeiro lugar o Sr. Leoncio Vieira... O que não impede o
merecimento do Sr. Monteiro, como paysagista.
*
R.
1881, ano VI, n.269. p.2
*
Uma festa explendida
a do Lyceu de artes e officios
para inaugurar as aulas destinadas ao sexo feminino!
O Rio de Janeiro estava todo lá.
Eu não podia faltar a esta festa que iniciava
com tanto brilho a educação da mulher; o assumpto era por demais interessante,
e o programa feito para attrahir a todos. Fui.
Á primeira porta que encontro aberta:
-Não pode entrar! diz-me o porteiro.
Ninguem mais
respeitador da ordem do que eu. Fui bater á outra
porta.
A festa começava. Estava-se nos discurssos. Ouvi o primeiro, ouvi o segundo, quiz ouvir o
terceiro, impossivel! Ao cabo de uma hora de
loquacidade, o Dr. Rozendo tinha ainda muito a fallar, sem ter o que dizer. Havia um ar de desanimo na
sala, ha pouco tão alegre, tão prazenteira;
desprendera-se o queiro ao meu visinho de tanto abrir
a bocca; uns suavam, outros gemiam... O Dr. Rozendo fallava sempre! Os
castigos da Inquisição deviam parecer doces ao lado d’um discurso que bem se
podia dispensar. E o Dr. Rozendo fallava
sempre! Uf!.. Novo Balthazar, o Dr. Rozendo podia affogar-me n’uma chuva de flores... de rhetorica!
tratei de fugir.
-Não pode sahir,
diz-me o porteiro.
Era o mesmo que me tinha prohibido
de entrar. Dois supplicios, portanto: um orador e um
porteiro que abrigavam a gente a voltar.
Uma festa explendida,
grande pelo seu caracter; mas trop
de fleurs de rhéthorique!
*
A proposito da
inauguração das aulas do Lycêu de artes e officios para o sexo feminino, muito se tem fallado da mulher.
Fallou-se da
mulher, da educação da mulher, do seu papel na sociedade, da sua influencia na familia. E os
poetas, os litteratos, á porfia disseram tão bellas cousas d’essa bella metade
do genero humano, que eu nada tenho a accrescentar.
Eu acho mesmo que, em compensação ás
malignidades de que ellas são o alvo constante, se
exagerou um pouco o lado bom do sexo que nos fornece as sogras. Fallou-se de liberdade a conquistar, de direitos a
reivindicar.
Cuidado, leitora! querem asphyxiar-te
com incenso; conquista unicamente o homem e terás o melhor quinhão.
*
Alter.
1881, ano VI, n.277, p.2
Rio, 10 de dezembro.
Mais uma exposição! Os fluminenses jubilam. Em
pleno successo da exposição de historia
nacional, quando os fluminenses ainda não viram a decima parte do quanto a Bibliotheca expõe á sua curiosidade,
eis a industria tambem
nacional, que reclama a sua attenção.
É a escala das exposições. O centro agricola-commercial deu o la, e
eis a historia, e depois da historia,
a industria, e depois da industria
as artes que tambem vão em breve mostrar o seu
progresso no Lyceu de artes e officios...
Os paizes felizes,
esquece-me agora quem disse isto, não tem historia,
nem romance; mas o Brasil protesta contra o absolutismo d’esta regra. Porque,
protestem embora os pessimistas, nem tudo é negro na patria,
e que temos historia, lá estão os salões da Bibliotheca provando brilhantemente, com todos os seus
livros, quadros, memorias - paginas cheias do
interesse de uma existencia de mais de tres seculos. É um erro dizer-se
que não temos historia.
O que nós não temos é quem saiba a nossa historia.
*
A Revista Illustrada
dá hoje o retrato do Dr. Ramiz Galvão.
O que é o Dr. Ramiz
Galvão, mostra-o muito brilhantemente a primeira actual
exposição de historia do Brazil,
que vem prestar um assignalado serviço ás nossas lettras, a nossa historia.
Bem contrariamente ao nosso projecto,
não vem neste numero do nosso jornal as impressões
das nossas tres visitas a essa exposição.
Contratempos, que pouco interessam aos leitores, privam-nos deste prazer. O que
salta porém aos olhos de todos, o que é uma vantagem incontestavel
d’aquella immensa exhibição de importantes documentos interessantemente historicos, é que ao menos ficamos conhecendo a existencia d’um vasto manancial que póde
ser consultado com proveito pelo artista, pelo litterato,
pelo historiador e pelo politico.
O Dr. Ramiz Galvão
acaba portanto de prestar ao paiz um assignalado serviço, que merece ser devidamente apreciado.
Alter.
1881, ano VI, n.278, p.7
Quem entra pela primeira vez n’uma exposição digna
d’este nome, o primeiro impeto que tem é sahir d’ella.
Por mais que se tenha imaginado um plano, por
mais que se vá de animo deliberado a ver tudo, não se vê cousa nenhuma e sahe-se.
Foi o que me aconteceu a mim, na exposição de historia da Bibliotheca Nacional.
Comeceu por subir as escadas sem demorar sequer um
olhar nas tres estatuas que guardam severamente o
topo da escada como criados da casa nobre. Entrei na primeira sala, sahi d’ella para entrar na
segunda, da segunda para a terceira... do primeiro para o segundo andar, do
segundo para o terceiro, e não podendo mais subir, desci, desci sobre os mesu passos, de andar em andar, de sala em sala até á rua.
Tinha visto tudo. Mas quando quiz lembrar-me do
que tinha visto, não me recordava de nada. Sentia como que uma indigestão, que
é o que se tem n’uma primeira visita ás exposições.
Era-me forçoso voltar, voltei; mas d’esta vez
decidido a não passar d’uma sala, que é o unico meio
de vêr alguma cousa. Comecei pela da frente, a sala
de Pedro II.
A primeira cousa que se vê defronte, é um
retrato a oleo do imperador, que não é precisamente
um primor de parecença. É o imperador convencional, porque os reis são sempre
dois nas télas, um real, muito raro, outro
convencional reproduzido ao infinito e ás vezes tão gravado na memoria do publico que é
perfeitamente explicavel esta exclamação do Simplicio, ao ver pela primeira vez o nosso monarcha:
-Mas não se parece nada com os retratos!
Assim, não me foi difficil
dar razão a S. M. a imperatriz que, para compensar a presença d’esta téla, mandou immediatamente outro retrato representando S. M. em Uruguayana e que substituio um de
Pedro I. Este outro, que é de Vienot, é d’um tom
frio, sem contrastes; mas d’uma semelhança perfeita. Não está no cathalogo.
Muitos bustos - o de Gonçalves Dias, o de Jospe Clemente, os dos tres
Andradas, etc., - de grande valor historico, mas de
pouco merecimento artistico, sobretudo os dos
Andradas.
Alguns retratos de princezas.
É de grande valor o de D. Francisca (18068) pintado a oleo
por Ary Scheffer. O visitante que páre deante d’esta téla
finissima, mesmo com prejuizo
das que representam as outras princezas.
Exceptuemos todavia o da princeza
Amelia.
De mais, nem ha meio
senão de vêl-a muito tempo ou mais vezes. Ella esta por toda a sala, reproduzida a oleo,
em gravura, sempre bella, viçosa, d’uma belleza picante e graciosa com os seus cabellos
levantados á moda do tempo; e nunca disse como D.
Francisca, ao chegar ao Brazil:
-Quanto negro, santo Deus!
De valor historico e
pela raridade, duas gravuras (17472 e 17478) representando o desembarque da princeza real D. Carolina Leopoldina no Arsenal de Marinha.
- Vê-se o arsenal e parte do mosteiro e do morro de S. Bento. Uma, colorida,
mostra as côres brilhantes dos costumes reaes. São desenho de Debret e gravura de Pradier.
Esboceto do quadro da coroação, representando
Pedro Primeiro jurando uma fidelidade que elle não cumprio. Antes ver o original no paço da cidade, ás
quintas-feiras santas.
Curioso de ver a Declaração da indepedencia (17479) a oleo por
F. R. Moreaux - já que nem sempre se póde entrar no senado que é o seu proprietario.
É um bom quadro, embora a figura de Pedro Primeiro esteja mal desenhada. Vê-se
a casa que existio no campo de Sant’Anna onde se
passou a grande scena e que, como o Provisorio; tambem se foi.
A Primeira missa no Brazil
e outros quadros muito vistos.
Isto não é ainda a decima parte do que se
contem na sala Pedro Segundo; mas eu já não tenho espaço nem posso mais com o cathalogo que me offereceu o Dr. Ramiz Galvão.
Dois volumes, pesando cada um seis kilos, imaginem!
++
A exposição industrial, esta vê-se muito mais
facilmente.
Eu não fallarei dos
altos destinos reservados á industria
nacional, nem abundarei em phrases patheticas diante da religião do trabalho.
O meu papel é felizmente muito mais modesto:
ver e dizer o que vi.
Pelos tempos de chuva e lama que correm, a
primeira cousa que se faz ao chegar á porta da
secretaria d’agricultura, é limpar os pés no capacho do limiar.
Emquanto assim
se faz a toilette das botinas, mostra-se o cartão de entrada aos porteiros e
lança-se um rapido olhar ás proezas da ceramica que predispõe, logo á
entrada, o espirito do leitor em favor da industria.
Se em vez de subir, volta-se á esquerda, tem-se os
licores, os vinhos, as cervejas, as massas, os doces... a adega emfim da exposição; e como preservativo a tanta batida,
segue-se logo a exposiçaõ de pharmacia.
Póde-se portanto abusar dos vinhos, ha logo depois o amoniaco.
Se, ao contrario,
sobe-se, o espetaculo é agradabilissimo,
graças a uma enscenação a que algumas senhoras deram
a magia do encanto.
Todos os ramos da industria
estão alli representados e, o que é mais, dignamente
representados.
É-me de todo impossivel
reproduzir aqui as minhas impressões. E eu contento-me por hoje de observar
que, como a exposição de historia veio apreciavel, a exposição industrial revela, o que tanto se contesta,que temos industria.
++
Fiquemos hoje por aqui com receio de
classificar as fabricas de tecido como as classificou a Gazeta de Noticias: - Rink, Pau-Grande,
Santa Rita, tres fabricas que recebem o fio da
Inglaterra, de primeira classe. - Santo-Aleixo que mais d’uma vea lhes tem fornecido o fio, de terceira ou decima classe!
Não ha nada como
conhecer o assumpto de que se trata.
Junio.
1881, ano VI, n.279, p.6
Eu dei da vez passada senão uma noticia da exposição de historia,
pelo menos o meio mais acertado para conseguir vel-a.
Uma descripção
ser-me-ia certamente impossivel, só a serie interminavel de retratos do
imperador bastando para encher um grande livro: Pedro Segundo atravez das idades. A galeria Moreaux,
por exemplo, de typos fluminenses cada qual tendo a
sua historia interessante, levar-me-ia ainda mais
longe.
Declino portanto da tarefa e com tanto menos
remorso, quando o Dr. Ramiz Galvão suppriu perfeitamente essa lacuna publicando um catalogo
cheio de erudição e que será consultado com grande aproveitamento.
Assim, adiante, á
outra exposição, á exposição da industria
nacional, de que se póde fallar
mais ligeiramente, a vôo de andorinha, sem fazer
injustiças.
++
Como a pharmacia que,
quando se faz representar, é sempre pela medicina, a industria
tambem quiz associar-se a arte.
Fazendo embora justiça ás boas intenções da industria, cumpre-me reconhecer que foi n’isso um pequeno incoveniente: a arte, a grande arte mostrou-se remissa, não
quiz descer do seu nobre pedestal, e se não formos artisticamente representados
na exposição continental, senão pelo que está na secretaria da agricultura, os
argentinos podem perguntar com razo : [razão]
-Caramba! pos los brasileños no tienen mas
que isso?
porque nenhum dos nosso mais famosos artistas
está lá representado.
Mas, vejamos, sem outras considerações, o que a
exposição exhibe de mais saliente em arte.
É preciso subir direito, ao primeiro andar, e
caminhar em frente. Se se volta á direita ou á esquerda,vae-se ter á exposição de moveis dos
Srs. Diego Santos ou J. Martins e corre-se o risco de lá ficar. O primeiro
sobretudo, expõe um quarto de dormir, mobiliado em mosaico, onde se dormiria a
eternidade!
Caminhae em
frente. Uma mesa, bem servida vos attrahe, entrae. A toute
dame tout honneur. É alli que algumas fluminenses exhibem
as suas graças e habilidades de artistas. Ha n’um outro canto proximo á janella duas telas,
assignadas M. F. d’Almeida, que realmente merecem ser vistas. São duas
paisagens, uma que representa uma valle da Suissa, outra que é talvez copia
d’algum quadro antigo. A primeira destas telas, ambas notaveis,
está tocada com uma verdade de tons que encanta; o valle,
a agua, as montanhas ao longe revelam, n’uma suave harmonia, o pincel d’uma
verdadeira artista.
Entre estes dois quadros está ainda uma
paisagem a oleo, assignada E. Roques, que é a
viscondessa de Sistello. É um trabalho delicadissimo, de que os primeiros planos sobretudo, tem
grande valor artistico.
São ainda desta distincta
amadora algumas gouaches tocadas com muita arte,
destacando-se pela grala e pela frescura a paisagem
sobre um leque de seda.
D’entre os trabalhos da Exma. Sra. D. Zeferina
C. Leão, notámos uma aquarella sobre seda, duas creanças e um ramalhete de flores, d’um colorido vigoroso,
alegre e brilhante, e habilmente desenhada.
A Exma. Sra. D. Amelia C. de Albuquerque expoz tres photographias
coloridas: duas da prima-dona Durand e uma da primadona
Borghi-Mamo... Sempre dilettante.
Ha ainda diversos trabalhos das discipulas d’um
capitão que decididamente não deve ter ganho as suas dragonas pela bravura do
seu pincel!
Mas é sobretudo em bordados de toda especie, flores e fructos de
todas as estações, rendar, crivos, bordados de todos os pontos e outros
trabalhos de paciencia que mais se distingue a sala
das senhoras. É uma profusão.
Infelizmente, de tudo quanto se faz com a
agulha, seu sei apenas cholear e furo tres vezes o dedo antes de conseguir um posponto. Se a
humanidade esperasse por mim, tudo andaria descosido.
++
Do lado dos homens quasi
todas as telas já são conhecidas: as Exequias
de Camorim do Sr. Monteiro; a Degolação
de S. João Baptista do Sr. Victor Meirelles...
Pelas dimensões, o que dá mais na vista ao
visitante é um Camões assignado pelo Sr. Petit - não ler assassinado, se faz
favor? - Tem de Camões os Lusíadas debaixo dos
braço e o olho direito furado.
O Sr. Monteiro expõe mais uma tela d’uma
perspectiva admiravel. É uma passagem, da Praia
Grande; um caminho cinzento, mal trilhado, que vae ter ao mar verde-azul, e um
fundo de montanhas de muita verdade.
Entre as telas ainda não conhecidas, ha Um dia de inverno, paisagem a oleo
do Sr. Leopoldo Miguez, violinista famoso, compositor
distincto e que tambem com
arte joga com infinita gama de tons.
É um bello quadro, um
quadro em dó maior.
++
Em toda a exposição o enthusiasmo
do Simplicio é pela luz electrica.
-Mas faz mal á vista,
diz-lhe alguem.
-Oh! tambem os nossos
avós diziam o mesmo do gaz!
Junio.
1881, ano VI, n.280, p.2
Rio, 31 de dezembro.
*
Fui visitar o atelier d’um artista laborioso,
d’um pintor de muito talento, que se refugiou d’aquelle
lado para dar mais livre curso ao seu genio de
paisagista.
Estou-me referindo ao Sr. F. Monteiro.
Ha já bastante tempo que eu intencionava
dedicar algumas palavras a esse trabalhador activo,
um dos nossos pintores jovens que mais e melhor tem produzido. A occasião parece-me excellente,
agora que o seu novo quadro, a Fundação da cidade
do Rio de Janeiro, vem collocal-o
definitivamente acima do par. Esta bella téla, a mais importante do artista, não é todavia nem uma
surpresa, nem uma revelação; as primeiras estréas do
Sr. Monteiro foram muito felizes para que a Fundação da cidade do Rio de
Janeiro seja o cumprimento d’uma promessa. Elle
conserva ainda na sua sala uma paisagem que todos vimos exposta na Academia; é
um bello quadro onde o artista se revela feliz
observador da natureza, mas ainda imbuido dos principios rhetoricos do ensino academico, de que elle se tem
gradualmente libertado.
É esta sobretudo a sua qualidade mais apreciavel. Quem acompanha os seus trabalhos, e n’este
ponto eu estou de perfeito accordo com o meu
companheiro das paginas de fóra,
sente a feliz tendencia do Sr. Monteiro para abandonar o absoluto das regras e
cingir-se á penetração da natureza. O seu novo
quadro, ao ar livre e perfeitamente illuminado, está
desenhado com uma largueza de traço dessombrada e
colorido com um verdade de tons que seduzem. A ceremonia
passa-se no morro do Castello, ao grande ar; ha indios e portuguezes. O artista variando-lhes sempre as phisionomias,
soube imprimir a cada raça o seu padrão, o seu verdadeiro typo.
Eu lamento sinceramente que a falta de espaço
não me permittsa demorar-me mais um pouco sobre a
obra do Sr. Monteiro. A Fundação da cidade do Rio de Janeiro, tem além
de merito artistico, um
grande valor historico. O quadro porém será exposto brevemente,e eu espero então poder occupar-me
d’elle mais folgadamente. O que desejo sobretudo
deixar bem saliente, é que temos um artista que crê na sua arte e que não
lança, como tantos outros, á da indifferença, e que
não vivem senão da esperança de encommendas do
governo. A arte não é mais do governo nem dos principes,
é do povo, é de todos.
*
Alter.
***
Mais uma exposição. No museu nacional,
prepara-se uma exposição antropologica das raças do Brazil.
A direcção do museu,
que já possúe grande copia
dos primeiros habitantes do Brazil, está agora mesmo
moldando em cêra os indios cherengues, do conselheiro Diogo Velho e outros typos patronimicos... Vae ser
muito interessante.
***
R.
1882, ano VII, n.284, p.2
*
A Sociedade propagadora das bellas-artes
realisou quinta-feira com grande solemnidade
a distribuição dos premios aos alumnos
do Lyceu de artes e officios,
que mais se distinguiram durante o anno que acaba de
findar.
É sempre uma festa sympathica,
essa que recompensa o trabalho e anima o merito.
*
R.
1882, ano VII, n.285, p.3
*
O caricaturista pariziense
André Gil, de cuja loucura tanto se fallou mesmo
entre nós, começa a dar esperanças de restabelecimento.
N’um dos momentos, assás
frequentes, de lucidez, exclamou elle com muita philosophia:
Pensa-se sempre em fazer hospicios
para os doidos. Porque não se hão de fazer tambem
para os imbecis.
*
R.
1882, ano VII, n.287, p.3
*
Domingo passado, em S. Domingos, grande concerrencia (sic) de curiosos á
exposição do quadro a Fundação da cidade do Rio de Janeiro, do Sr.
Monteiro.
Esta explendida e bella tela, de que a Revista Illustrada
em tempo se occupou, está definitivamente terminada e
brevemente será exposta aqui á admiração dos fluminenses.
Consta-nos que o nosso jovem pintor dá os passos necessarios
para obter do governo um salão onde exponha o seu trabalho.
*
R.
1882, ano VII, n.289, p.2
*
Está de novo desfalcada a Academia franceza, que ha um mez apenas se completára: acaba
de fallecer Charles Blanc, um dos criticos
que, pelas suas obras, mais concorreram para o engrandecimento das bellas artes.
Charles Blanc é o autor da Grammatica
das artes do desenho, que a nossa Academia de bellas
artes bem devia possuir.
*
Deve ser interessantissima
a proxima exposição, emprehendia
pelo Lycêu de artes e officios.
Sem fallar nas gouaches que tenciona expôr o Sr.
I. Pacheco, já bastante conhecido, podemos augurar um grande successo aos trabalhos da Exma. Sra. Abigail de Andrade que
pela primeira vez se exhibem á admiração do publico.
*
Sem assinatura.
1882, ano VII, n.292, p.3
Toda a imprensa já fallou
sobre a exposição de bellas-artes no Lycêu. Todos manifestaram sua opinião mais ou menos
sincera, mais ou menos entendida, e apezar da norma
adoptada ter sido a indulfencia, nem por isso os
expositores se acham satisfeitos com a analyse dos
seus trabalhos. Elles não deixam de ter razão até
certo ponto, pois que quando se acha tudo bom é o mesmo de que dizer que tudo é
ruim.
Não distinguir o bom do soffrivel
ou do mediocre, não póde
agradar senão aos que se acham n’esta ultima
classificação. Mas o que se ha de fazer?... Não se
pode exigir que a nossa imprensa tenha criticos de
força de Charles Blanc, Theophilo Gauthier e outros.
E se por accaso os tivesse,
estou bem certo que quasi todos os artistas se
empenhariam para que não fallassem das suas obras.
Vê-se que a imprensa em geral procurou ser agradavel á quasi totalidade dos
expositores e estes devem ser gratos ao menos pela boa intenção.
Por minha parte, não querendo de todo destoar
dos outros, bem que tenho a convicção de entender alguma cousa da materia limitar-me-hei a julgar
com toda a imparcialidade os trabalhos e o merito dos
expositores que revelam talento e estudo.
Collocarei em
primeiro lugar o quadro do Sr. Driendl, intitulado: Uma scena de familia
nas montanhas da Baviera. É tão
perfeito, que póde-se dizer que é a natureza apanhada
em flagrante. Magistralmente composto, a sua execução tanto no desenho como no
colorido, nada deixa a desejar e indica no seu autor um grande artista.
As quatro cabeças de estudo são tambem executadas por mão de mestre.
Segue-se o Sr. Grimm, com a sua immensa collecção de paysagens, feitas nos proprios
lugares por onde viajou. Ahi, o visitante tem occasião de apreciar e comparar a differença
da natureza de varios paizes,
como sejam, a Italia, Grecia,
Allemanha, Turquia, Egypto, Brazil,
etc., etc.
O Sr. Grimm, que é dotado de um grande talento
para paysagens, não deixa todavia de ser bom
figurinista como se vê pelo seu bello quadro
intitulado a Guitarrista e uma grande collecção
de aquarellas admiravelmente executadas.
As cópias de Ticiano,
de Rembrant e Vandick
feitas pelo Sr. Algaier, são de uma tal fidelidade,
que dão uma idéa perfeita dos quadros d’esses grandes
mestres.
A fugida do Egypto, ou
antes o sonho de S. José, revelam no Dr. Decio
Villares um verdadeiro artista. A sua composição é simples e grandiosa ao mesmo
tempo. O S. José está bem desenhado e sobretudo bem collocado
como posição. Outro tanto não posso dizer do anjo, cujo desenho não é de todo correcto. Isto, porém, parece-me ser devido a não estar
acabado.
Sobre as cópias que o Sr. Decio
apresenta, pouco direi, por não ser possivel comparal-as com os originaes;
todavia não posso deixar de apreciar as Consequencias
da guerra, de Rubens o retrato do filho de Frederico III e Baccho. O retrato de F. Villaça. Os dois S. Jeronymos e outras pequenas composições, promettem um futuro de gloria para o jovem artista.
A Atala do Sr. Augusto
Duarte é um bello quadro. Se a posição do indio fosse menos angulosa, as pernas mais finas e a côr d’ellas em harmonia com a do
torso, essa figura seria magnifica. A cabeça sem ser bonita, é todavia muito notavel pela expressão.
Ha uma pequena incorrecção
de desenho no rosto da mulher e os seus cabellos são
por demais pretos e brilhantes para pertencerem á um cadaver. Em compensação as mãos são admiraveis
assim como a côr cadaverica
do corpo, apezar d’este ser um pouco forte.
Se o nariz do frade tivesse mais um dedo de
comprimento seria uma bella cabeça, mas como ha narizes de todos os tamanhos, cada um escolhe aquelle que mais lhe agrada.
Esse quadro que pecca
um pouco pela composição e tem alguma incorrecção no
desenho, é incontestavelmente um dos melhores que se tem apresentado ao publico.
Pintado com grande vigor e largueza, ha no todo um harmonia e um colorido, que revelam da parte
do autor uma excellente escola e um grande estudo.
O lindo quadro intitulado Uma galeria de
Louvre é mais uma prova do que avanço, assim como os seus retratos,
destacando-se d’entre este uma cabeça de louco.
E. Papf. Um bom
retratista sobretudo para o nosso publico fluminense
que gosta de retratos bem lambidos. D’entre elles, sobresahe um de meio corpo, de uma moça, com fundo de
jardim, que é realmente para se admirar pelo bem acabado e finura de execução.
As suas flores e parasitas são bem pintadas;
bem pintadas e mais até, o que occasiona certa dureza
desagradavel nos contornos.
P. Peres. A sua copia
do Christo no tumulo de Rivera póde ser muito boa assim como o Santo Viatico de
Peret e a Apparição de Samuel á Saul de
Salvador Rosa, porém... para julgar copias, é preciso ter ao pé os originaes.
O mesmo direi quanto ás sua
impressões sobre Laghouat de Guillenin, o Samaritano de Ribot e a Vaga de Courbet.
Não deixarei todavia de notar que todos esses
quadros são bem pintados, - assim como o Interior, unico
original que só tem um defeito, não ter calçado convenientemente o armario que está ao lado da chaminé.
J. Pacheco. As pinturas á gouache,
que o publico de ha muito
está acostumado a admirar, fizeram d’este intelligente
amador um verdadeiro artista. Sentimos que ao lado dos gouaches
expostos e d’entre os quaes destacam-se a Vista da
praia de Itapuca, Uma noite de luar na Italia e a Vista da bahia e do
Rio de Janeiro não esteja um album contendo uns
vinte gouaches ainda superiores a esses.
Os retratos - systema
Bychromotypia, - são realmente bonitos, e a prova é
que um cavalheiro amante das bellas-artes,
carregou com um, e por muito favor deixou ficar o outro.
A. Valle. O seu copo com flores e o quadrinho
intitulado, Agua na fervura, tem bastante merecimento. Este ultimo seria muito mais agradavel
se o pintor tivesse conservado em volta do assumpto principal mais suavidade no
tom.
O tecto
excessivamente preto de fuligem, a porta por demais recortada e escura e a luz
interior forte de mais, prejudicam um tanto a finura e o bem acabado do
assumpto principal do quadro.
As suas marinhas são inferiores em merecimento:
quanto aos seus retratos á crayon, nada ha a dizer. O
publico já está acostumado a aprecial-os
desde que o Valle procurou imitar a execução larga e artistica
do Augusto Off.
Este tem apenas exposto dois retratos, o de
Theophilo Gauthier pa oleo e um outro á crayon.
São ambos magistralmente executados.
(continua).
1882, ano VII, n.293, p.6
Exposição de bellas-artes.
De uma duzia de
quadros, expostos pelo Sr. G. James, destacam-se alguns que tem real
merecimento. D’entre esses citarei um navio desarvorado, perto da barra do Rio
de Janeiro, ns. 101 e 107, representando uma jangada.
O mar nestas duas marinhas, é tratado com mais
justeza de tom de que em outras, cuja côr verde e
demasiado exagerada destôa completamente da côr do céo. Foi esse o effeito que me produzio o quadro representandoo o Cabo da Boa Esperança e algunas outras marinhas, peccando
quasi todas pela mesma desharmonia.
Os dois quadros representando ambos um naufrago
tem unicamente o assumpto de interessante; quanto á execução, ella deixa muito a desejar. Assumptos d’esses requerem
grande talento na composição, desenho correcto e
pincel de mestre.
O Sr. Medeiros, apezar
de professor da Academia de Bellas-Artes, ou talvez
por causa d’isso mesmo, não foi feliz com o seu quadro intitulado Lindoia.
A composição do quadro não é má; direi mesmo
que é soffrivel, mas o desenho é muito incorrecto e o colorido pessimo;
tem um não sei que de antipathico, e de podre. As
formas e a côr da india são
repugnantes; parece que morreu ha dias! E aquelles verdes em volta d’ella?
e aquella luz côr de rosa
na arvore?! e...?
Não, decididamente prefiro o seu quadro de genero representando um moça sentada n’uma cadeira,
tendo ao seu lado uma criança a dormir.
É um quadro mais modesto e que está nas forças
do Sr. Medeiros; elle agrada logo á
primeira vista e vê-se que o effeito de luz foi
melhor comprehendido e copiado do natural. Outro
tanto direi da cabeça da moça que é muito bem pintada, resentindo-se
todavia o corpo de alguma imperfeição no desenho.
Estou convencido que, n’este genero de pintura, o Sr. Medeiros a quem não falta nem
talento, nem os precisos conhecimentos, acabará mais tarde por apresentar-nos
quadros muito apreciaveis.
As gallinhas de
Jaques e as duas aquarellas de Caroselli
são tres bons quadros, sobretudo o primeiro.
Entre quadros e fracções de quadros, o Sr. J. Ballá apresenta dezoito producções
suas.
Dois outros estudos de paisagens copiados do
natural, representando grupos de arvores e uma vista de palmeiras n’um quadro
oval, onde o Sr. Ballá, seguindo as regras da arte,
mostrou ter bastante aptidão pare esse genero de
pintura, promettendo ser mais tarde um bom
paisagista. Infelizmente elle teve a lembrança de
querer inventar um novo systema de pintura onde á paciencia mais extra-chineza, junta-se a extravagancia mais estapafurdia. Por exemplo: não pintar mais com pinceis mas
sim co alfinetes, afim de obter o que elle cham uma grande finura no
traço; assim elle pode como effectivamente
vi, pintar folha por folha, capim por capim, e pedrinhas do tamanho de uma
cabeça de mosca, tendo o seu toque de luz, de sombra e penumbra, e outras
insignificantes cousinhas, muito bem retalhadas e recortadas, por mais longe
que estejam.
Tudo isso demanda muita paciencia
e um tempo immenso.
Por isso é que o Sr. Ballá
dá muito mais valor a esse seu novo systema, do que áquelle que mais ia de accordo
com a verdadeira arte e com o bom senso.
Espero que, convencendo-se que ainda em caminho
errado, o Sr. Ballá voltará a dar-nos boas amostras
de seu talento e o publico continuará a apreciar as
suas producções artisticas
para o que tem dotes e estudos especiaes.
É preciso porém pôr de lado os quadros
intitulados Entrada do Rio de Janeiro tirado do morro do Picco,
a mesma, tirado do Passeio Publico, a Bahia do Rio
de Janeiro tirado do morro do Russel, onde se vê um arvore no primeiro
plano que é um verdadeiro disparate, e outros pequenos quadrinhos pintados no
mesmo genero e que não exprimem coisa alguma, senão
uma propensão a recuar no verdadeiro caminho que o Sr. Ballá
tem de seguir e que, estou certo, seguirá.
As Exmas. Sras. Carvalho expuzeram
ainda alguns quadros de fructas e parazitas
que denotam tres distinctas
amadoras. São muito bem pintadas e estão a pedir á
suas autoras que lhes dêm mais alguns companheiros.
Ao pedido dos quadros junto o meu, convencido
de que terei mais uma occasião de louvar os seus bellos trabalhos.
O Sr. Souza Lobo apresenta entre retratos,
quadros á oleo, fructas,
estudos e desenhos uma miscellanea que denota da
parte do seu autor muitas tentativas em varias
especialidades no tempo em que esses trabalhos foram feitos. Como já decorreram
muitos annos e que o Sr. Lobo nada apresenta de
moderno para julgar se elle progredio
ou não, limito-me a dizer que não posso formar juizo
a seu respeito, esperando que n’uma futura exposição elle
apresente algum trabalho que nos dê alguma idéa do
seu merito.
O Sr. Poluceno está
mais ou menos na [no] mesmo caso ou ainda peior com o
seu grande retrato que nada exprime.
Artistas que foram alumnos
da Academia de Bellas-Artes e que hoje exercem o
professorado em varios collegios,
têm obrigação de fazer algum trabalho que não seja só retrato parra desenvolver
e animar o gosto pelas artes entre os seus alumnos e
amadores.
O Sr. Pagani tem um
estudo de flores muito apreciavel e que deve animar o
seu autor a não parar ahi.
O Sr. Jacintho da
Silva tem alguns quadros de fructas e parasitas
pintados, já ha annos, com
certo desembaraço e que muito promettiam para o
futuro.
Infelizmente o futuro apresentou-se n’uns gouaches e desenhos feitos á pennas
que são simplesmente horrorosos!
E são offerecidos a
algumas senhoras! Pobres senhoras!
Francisco de Sá e Eduardo de Sá, têm cada um
exposto um quadro intitulado Miscellanea.
São dois bons estudos, bem pintados e que
denotam da parte de seus autores muito boa applicação.
Dou os meus parabens ao mestre d’elles,
o Sr. Medeiros, que muito lisonjeado deve estar com tão bons discipulos.
O Sr. Irinèo faz o
que póde. Continue a estudar que um dia tirará
proveito de seus esforços.
O mesmo direi ao Sr. Puga
que mostra ter vocação para estudos de marinhas.
Do Sr. Victor Meirelles ha
apenas dois ou tres retratos. São do Sr. Victor, por
conseguinte não preciso dizer mais nada.
(Continua).
1882, ano VII, n.294, p.6
Exposição de bellas-artes
Dos quatro quadros de marinha que expoz o Sr. Rouede, o melhor é
sem duvida, o intitulado: Sacco
do Alferes, De um colorido harmonioso, embora um pouco molle,
agrada logo á primeira vista, fazendo extraordinario contraste com o pendant (Ilha de Paquetá)
pela dureza na maneira de reproduzir um rochedo, cuja côr
lembra perfeitamente um queijo de Rocquefort.
- O Sr. Belmiro expoz
apenas um retrato. Apezar deste ser bem pintado, não
posso formar um juizo sobre o seu merito
artistico, sem vêr algum
trabalho de sua composição.
Sendo o Sr. Belmiro um dos melhores discipulos de nossa Academia das Bellas Artes, espero que
n’uma outra exposição, elle apresentará algum quadro
que melhor ponha em relevo o seu talento.
- Dous retratos de
senhoras, um ... côr de café com leite, outro café
puro e bem torrado, pelo Sr. Estevão Silva. Na verdade, não comprehendo
que o autor destes dous retratos seja o mesmo que
pintou o S. Pedro ouvindo cantar o gallo, que
esteve na Exposição Industrial e que muito me agradou.
Ambos os retratos estão bem desenhados, mas
como não tem o menor toque de luz nas cabeças, supponho
que foram desenhados de dia e pintados de noite.
- O Sr. A. Petit, vantajosamente conhecido por
todos os que desejam ter retratos baratos, expoz tres desta edição e um quadro a quem elle
deu o nome de Vendedora de mingao.
Quanto aos retratos, o Sr. Petit tem feito reaes progressos, e entre elles,
contam-se alguns bem soffriveis: mas quanto ao mingao, tenha paciencia, é muito
ruim.
Estou prompto a
louvar qualquer esforço por parte d’aquelles que
procuram progredir trabalhando, e o Sr. Petit estaria nesse caso se se
limitasse á fazer o que está nas suas força e não Camões
na gruta e quadros que como este, requerem grandes conhecimentos e só podem
ser admirados quando feitos por artistas de merito.
Não é pois para estranhar que o seu Mingao desagrade aos que entendem da arte.
Eu, por minha parte, acho-o muito desenchabido, e declaro francamente que não o posso engulir.
---
Na parte da esculptura
a exposição é muito pobre. Senti realmente que o publico
não tivesse occasião de admirar os trabalhos do
primeiro artista da nossa Academia de Bellas Artes, o Sr. Rodolpho Bernardelli.
Espero porém que, rendendo homenagem ao grande talento desse artista que se
acha actualmente em Roma, o digno director
da Academia fará o mais breve que puder uma exposição especial de tudo quanto o
Bernardelli enviou, a fim de que o publico admire os
trabalhos do alumno que mais tem honrado a nossa Academia
na Europa.
- O Sr. Chaves Pinheiro expoz
uma estátua - S. Sebastião - na qual admira-se a habilidade que tem esse
apreciavel esculptor em
acabar perfeitamente os seus trabalhos. Vê-se que um pé é um pé, tem as suas
cinco unhas, e muito bem feitinhas; o mesmo direi das pernas, do torso, dos
braços, da cara e até da arvore, na qual está amarrado o Santo. O Sr. Chaves
Pinheiro deve estar satisfeito com esse seu trabalho que tão concienciosamente executou. É um trabalho completo: nada
lhe falta.
No entanto, vejam como são as cousas!... Para
mim falta tudo. Falta o mais importante, falta aquillo:
aquillo que separa o simples artista habil, do grande artista genial; aquillo
que se chama a scentelha, a inspiração, o fogo
sagrado.
O Bernardelli é quem nos mostrará um dia, tudo
isso esculpido no marmore.
A maior gloria que póde
o ter o Sr. Chaves Pinheiro é ter sido o seu primeiro professor e sua melhor
estatua é o seu discipulo que elle
começou aqui e que a verdadeira arte concluirá em Roma.
- O Sr. Almeida Reis tem exposto um busto em marmore, que deve ser o retrato do Dr. Passos.
- O Sr. Garcia expoz varios trabalhos em marmore, sobresahindo entre estes, uma mesa que tem um xadrez para
jogo de damas.
Todos esses trabalhos, muito acreditam a casa
do Sr. Garcia pela maneira como são acabados.
O Sr. Leopoldino de
Faria, tem tres cabeças de estudo feitas ha tempo, que denotaram no seu autor bastante habilidade;
infelizmente o seu quadro intitulado: Allegoria
á lei 28 de setembro é de tal quilate que é impossivel classifical-o. Nunca
se vio disparate maior; póde-se
dizer até, pyramidal!
Vou procurar descrevel-o:
não é muito facil, mas emfim
vou tentar.
A figura principal, que deve ser a Princeza imperial, tem ao lado direito de sua cabeça, outra
cabeça que é a do Imperador segundo o sceptro e que
dá uma idéa perfeita do rei de copas.
Do outro lado da cabeça da princeza,
aparece a do conde d’Eu á espiar. O illustre principe e seu augusto sogro, apezar
de serem dois homenszarrões, ficam completamente
escondidos pelo corpo da Serenissima Princeza que apresenta assim o aspecto de uma mulher com tres cabeças.
Vestida de setim
branco e com um manto que nunca mais se acaba, S.A. Imperial, de cabeça erguida
e braços cahidos, parece pedir pelo amor de Deus que
a não deixem cahir.
S.A. tem toda razão pois que, achando-se
pousada sobre uma especie de urubú
e este sobre um throno, e o throno
sobre uma almofada, a dita sobre um tapete e este sobre uma escada e a escada
sobre um couro de boi e o couro de boi sobre não sei o que, corre altamente o
risco de levar algum trambulhão, o que não está de accordo com a magnitude de uma lei como a de 28 setembro.
A nossa princeza tem excellentes qualidades, mas não qualidades acrobaticas.
Aos pés de toda essa trapalhada está uma
figura, representando um indio de gatinhas,
manifestando serio receio que lhe caia tudo aquillo
nas costas. No mesmo plano e na mesma posição, vê-se uma negra velha que parece
implicar com o urubú, ou antes, o urubú
com ella.
De cada lado da princeza,
pela altura mais ou menos dos joelhos, acham-se dois grupos de bonecos, quatro
de um lado e tres do outro ao todo: sete. Por esse numero, vê-se logo que deve ser o ministerio.
Não se sabe onde os apotheosados
ministros da lei 28 de setembro pousam os pés. Alguns d’elles,
os que se acham do lado esquerdo da princeza,
esqueceram as pernas em casa, ficando assim com o corpo completamente cortado
ao meio.
Em cima do quadro, ao lado direito, apparece um cousa que tem um braço estendido e que parece
querer derrubar esta importante composição-castello
do Sr. Leopoldino.
Eis ahi, com a maior
fidelidade, a descripção da Allegoria
á lei 28 setembro que, segundo se lê n’um cartapaccio collocado em baixo do
quadro, será offerecido a S.M. o Imperador.
Agora, pergunto eu: Que mal fez S.M. ao Sr. Leopoldino?
O facto de offerecer
desde já essa composição a S.M. faz suppor que o seu
autor julga ter feito uma maravilha!
Elle terá
talvez razão: n’esse genero nunca vi cousa igual!
Se me extendi mais
sobre este trabalho de que nos outros, é porque o seu autor assim me obriga, e
creio prestar-lhe um relevante serviço abrindo-lhe os olhos, e evitando emquanto é tempo, que elle ponha
em execução em ponto grande este disparate que todos viram em ponto menor.
(continua)
1882, ano VII, n. 295, p. 3 e 6.
(continuação)
Pela primeira vez, n’esta
Côrte, viram-se trabalhos de amadora, inteiramente
diversos dos que em geral se costuma expor.
A arte do desenho é tão difficil,
exige tanto estudo, paciencia e dedicação, que nem
todos tem a coragem de abraçal-a, e raro é ver-se
trabalhos importantes nesse gênero expostos por amadores.
Tornou-se pois notavel,
sobretudo entre os entendidos a exposição feita pela Exma. Sra. Abigail de
Andrade, que apresenta seis especimens da arte do
desenho no seu mais alto gráo.
A perfeita correcção
nos contornos e o bem modelado das sombras acabadas com esmero, fazem admirar a
bella estatua do Faune
copiado do gesso e feita em duas posições; a Manhã, grupo em marmore do celebre esculptor Schelling e a Venus e
Cupido do mesmo, sendo estes dois trabalhos copiados em augmento
de umas photographias.
Duas Academias das mais difficeis do curso de desenho de Julien, completam os seis
trabalhos expostos por essa inteligente amadora, que mostrou em tres generos de desenhos o quanto
se póde alcançar com o estudo serio
e aturado.
Toda imprensa foi unanime em descer-lhe os
maiores louvores, o que é uma justa homenagem ao merito
dessa distinctissima amadora, que, pela primeira vez expoz os seus trabalhos em publico.
Esses louvores devem animal-a,
a continuar no verdadeiro caminho da arte o estou convencido que em outra
exposição, a Exm. Sra. Abigail alcançará na pintura
os mesmos triunphos que obteve no desenho.
- De entre os trabalhos propriamente ditos de
Senhoras, como sejam flôres, fructas
ou passaros, ornatos etc., pintados á acquarella ou á gouache sobre papel ou seda, e que mais primam pelo
gosto e pelo brilho das côres de que pelo desenho,
feito em geral por meio de decalques, occupam lugar
muito distincto os da Exma. Sra. Zeferina Carneiro
Leão, pelo bom gosto com que ella os executa.
- Não menos dignas de louvor são as pinturas
sobre seda das alumnas do Collegio
S. Candida.
- Um mappa geographico planisferio faz honra
a Exma. Sra. Eugenia Braga, discipula do Collegio Immaculada Conceição.
- Os trabalhos da Exma. Sra. Maria Teixeira de
Faria, dão uma excellente prova de quanto essa distincta Senhora tem vontade de alcançar as palmas que,
estou certo, virão um dia coroar os seus esforços e mais alguns annos de estudo na difficil arte
da pintura, que a Exma. Sra. Maria Teixeira de Faria começou a ensaiar.
- O mesmo acontecerá com outras distinctas principiantes, as Exmas. Sras. Carolina Julia de
Souza e Josephina H. Galvão.
- O Sr. J. de Vasconcellos tem alguns retratos
á crayon feitos com bastante largueza e fieis em semelhança, que denotam no seu
autor um talento especial para esse genero de
trabalho, de que fez uma especialidade.
- O bem conhecido lithographo
A. de Pinho tem varios retratos que primam pela similhança e o bem acabado.
Nota-se todavia falta de vida e estylo na sua execução, o que é para sentir-se n’um lithographo tão acreditado e cujos trabalhos são dignos de
apreço.
- O Sr. H. Aranha tem duas pequenas
telas, expostas simplesmente como de amador; mas onde elle
mostra realmente o seu talento, é na gravura em pedra, na qual não tem rival no
Rio de Janeiro.
Senti que nesse genero
de trabalhos o Sr. Aranha se limitasse unicamente á
expor um diploma, assim como um retrato de Pedro II em agua-forte,
quando tem outros tantos dignos de merecimento, não só gravados sobre pedra,
como em aço, cobre e pedras finas.
- O Sr. Claudio L. de Carvalho, é também um
gravador de muito merito e cuja especialidade são o mappas geographicos.
Dedicando-se ha
muitos annos a esse genero
de trabalho, conseguio á
força de estudo e pratica, organisar e gravar mappas que não ficam atraz dos
melhores da Europa. O Atlas e a Carta do Imperio
do Brazil que elle expoz, dão a mais patente prova do que avanço, e são para elle, a maior gloria que podia alcançar.
-Outro gravador, o Sr. Rodolpho de Lima
apresenta alguns specimens de gravura em pedra que
mostram da sua parte grande vocação e uma habilidade especial para a vignete.
- O Sr. P. Ottwil expoz uns monogramos feitos com bastante gosto e umas cabeças
de animaes que era melhor não expor. Horrivel bicharia;
- Uma miscellania
para agradar, deve ser composta com muito gosto e os diversos objectos nella contidos,
executados com muita habilidade. Nesse caso se acha a que expoz
o distincto amador H. Possolo.
- O mosaico do Sr. A. T. Teixeira
é tambem apreciavel pela
nitidez com que é feito.
- Uma cabeça de Christo
e a Ceia de Leonardo Vinci fundidos na fabrica de
ferro do Dr. Peixoto, em Campinas, muito honram esse estabelecimento pela
maneira como esses dois trabalhos estão executados.
- O Sr. F. Guimarães, photographo,
expoz tres retratos em
esmalte e a batalha naval do Riachuelo.
Quem conhece a grande difficuldade
que ha em executar trabalhos nesse genero, sobretudo em chapas do tamanho das que o Sr.
Guimarães apresenta, é que póde dar-lhe o devido
valor.
Só depois de alguns annos
de constantes experiencias é que elle conseguio fazer esmaltes iguaes
aos melhores da Europa e ver os seus esforços coroados de um pleno sucesso.
A cópia da batalha do Riachuelo é
admiravelmente feita, e tem hoje um grande valor, não só por ter-se perdido
esse quadro, um dos melhores de Victor Meirelles, como por ser o unico exemplar que existe feito em esmalte, o que garante
uma duração eterna.
- O Sr. A. Henschel expóz dois retratos photographados
sobre téla, e muito bem acabados; tão acabados que
tornam-se feios, e anti-naturaes. Prefiro n’esse genero os retratos em ponto menor, onde o retoque é mais admissivel quando não é exagerado.
Attenuar a
força da sombra, suavizar as meias tintas sem as destruir, e saber
convenientemente collocar um ou outro toque de luz,
tal é a missão do bom retocador que, deste modo, nunca altera a semelhança, nem
faz da pelle da gente um aço polido.
Retratos em ponto grande, quer sejam a oléo ou a claro escuro como os que apresenta o Sr. Heschel, devem ser executados largamente, de modo a bem
reproduzir a natureza que exigem ser examinados de mais perto.
Mais arte e menos paciencia,
é o que eu deseja aos peritos retocadores da casa do Sr. Henschel.
- Passando a secção de Architetctura
citarei, como dignos de serem admirados os trabalhos do Sr. Carlos Arnaud.
A sua Fachada de um theatro
lyrco e o Córte do mesmo theatro são de uma execução admiravel.
Rigorosamente desenhados e coloridos, e perfeitamente observados os effeitos da luz e sombra até nos menores detalhes, as
plantas do Sr. Arnaud dão uma idéa perfeita e clara
da parte archetectonica e ornamental, assim como do
material a empregar na construcção.
O mesmo se observa no seu Córte
longitudinal do Palacio Legislativo. O pequeno espaço de que disponho não
me permitte alongar-me sobre as bellezas
da architectura, a solidez da construcção
onde o ferro toma grande parte, e a boa distribuição da luz e ventilação, que é
uma condição importante para o nosso clima, e que o Sr. Arnaud comprehendeu e applicou
perfeitamente.
Não deixarei todavia de notar que certas armas imperiaes ficariam muito melhor, pela maneira como foram collocadas, atraz de um bastidor
de que na frente do seu theatro. Hoje encontram-se
armas imperiaes em toda parte; nos droguistas, nos
dentistas, nos alfaiates, nos etc., etc. Só falta o Sr. Arnaud pôr em baixo das
taes armas, uma taboleta
com a seguinte inscripção: Theatro
lyrico, fornecedor de musica
de SS. MM. Imperiaes.
O Sr. Dr. José de Magalhães expóz
varios trabalhos sobre os quaes
me é muito difficil dar uma opinião.
São tão diversos uns dos outros na sua
composição e execução, que... estou bem embaraçado..,
Deixo pois de lado os que não me agradam como o
Forum e outros, para louvar a Fachada
e o Córte de um theatro cujo
estylo original e pouco commum
entre nós, lembra o genero dos theatros
europeus.
O que mais me sorprehendeu
porém nesses dois trabalhos e na fachada de um asylo
(menos o telhado deste) é o modo de acquarellar que é
admiravel. Tem o cunho até daquellas
acquarellas feitas por artistas europeus.
Dou pois os parabens
ao Dr. Magalhães, estranhando todavia que não tenha assignado os seus melhores
trabalhos.
- O Sr. J. L. Correia apresenta uma Fachada
de Palacio da Justiça e uma planta do mesmo. Entre parathesis, vê-se escripto a
palavra esboço.
Em primeiro lugar, aquillo
não é um esboço; porém se essa palavra é applicada
para encubrir algmas
imperfeições, louva a modestia e dou-lhe o seguinte
conselho:
O grandioso não consiste no disproporcional
e na falta de elegancia, assim como a imitação do antigo
não deve ser tão rigorosa que exclua a luz e o ar. Os edificios,
mesmo com caracter de monumentos, devem ser compostos
segundo o clima dos paizes onde tem de ser
edificados. Os que servem para o Rio de Janeiro, não podem servir para S.
Petersburgo.
- O projecto de
decoração para um hotel feito a sépia pelo Sr. Thomaz Driendl, é um chefe de obra de perspectiva e desenho. Não
admira; o que não será capaz de fazer o autor do quadro intitulado: Scena de familia nas montanhas da
Baviera?...
- Fizeram-se representar na exposição com
trabalhos de seus alumnos, os seguintes collegios: Pedro II, Werneck, Santa Candida,
Instituto dos Surdos-Mudos e Asylo dos Meninos
Desvalidos.
Conhecendo a pouca importancia
que até hoje se tem dado ao ensino do desenho, cabendo ao governo maior
culpa pelo descuido com que tem tratado esse importante ramo de instrucção, não posso sem ser injusto, criticar os
trabalhos que foram expostos. Louvo-os todos pois, sem todavia deixar de
reconhecer que entre elles ha
soffriveis e mediocres, por
que vejo nessa exposição dos collegios uma louvavel tenção da parte dos seus directores
em incutir á seus discipulos
o gosto por esse ramo das bellas artes que tem sido
tão deprezado até hoje.
- Falta-me fallar
agora dos quatro quadrinhos a oleo pintados cá pelo
nosso patrão Angelo Agostini, representando uns caipiras
á cavalo laçando bois e um viajante em
apuros com o encontro de um burro morta na estrada.
Esses tres quadros
executados de memoria, sob a impressão do facto
presenciado, e feitos sem pretenção em quanto o diabo
esfrega um olho e a preguiça esfrega os dous, tem um
só merito na opinião do seu autor: é terem contribuido á fazer numero ao lado dos mais modestos na exposição.
Convidado, pelo illustre
e digno director do Lyceu
de Artes e Officios o Sr. Bethencourt da Silva, á tomar parte nessa festa artistica,
Angelo Agostini entendeu corresponder á essa honra, enviando o que tinha sob a mão, unicamente
como uma prova de sua plena adhesão á excellente idéa
de propagar por meio de exposições o gosto pelas bellas
artes.
Aproveitando a occasião,
elle agradece aos seus collegas
de imprensa a benevola e lisongeira
opinião que emittiram sobre esses insignificantes
quadrinhos, e ao Sr. Bethencourt da Silva o ter-lhe proporcionado mais uma occasião de louval-o pelos seus
esforços em prol da instrucção artistica
no paiz.
Concluindo esta analyse
da exposição, não posso deixar de louvar a todos os artistas e amadores que á ella concorreram.
Todos, dando uma prova do seu maior ou menor
adiantamento, mostram que não ficaram surdos ao appello
da Sociedade Propagadora das Bellas Artes que póde
reunir em redor de si alguns trabalhos, e provar assim que a arte não morreu de
todo entre nós.
Se esta critica foi
um pouco severa com alguns, é unicamente para que della
tirem proveito. Ninguem poderá accusal-a
de ter sido injusta.
Os mais censurados, tiveram palavras de
animação, pois que o fim da nossa critica é animar á todos e não desanimar ninguem.
X.
1882, ano VII, n. 296, p. 6.
Aviso aos amadores:
N’um dos salões da Typographia
Nacional, está emfim aberta ao publico
a exposição Monteiro, de que tão bem e com tanta justiça já se occupou n’uma das suas chronicas
passadas o nosso companheiro Julio Dast. A exposição Monteiro consta de treze telas, treze bellos trabalhos que merecem ser admirados.
---
Rolando.
1882, ano VII, n. 297, p. 2.
***
Mas não esqueçamos os vivos pelos mortos...
A Revista Illustrada
reproduz hoje a Fundação da Cidade do Rio de Janeiro, a esplendida téla do Sr. Firmino Monteiro de que eu, por mais de uma
vez, me tenho occupado.
Fui, mesmo, o primeiro a dar o alarme d’esse
grande quadro, que o Rio de Janeiro hoje admira.
A Revista Illustrada
tinha n’isso o empenho de um vaticinio; quando, ha trez annos,
o Sr. Monteiro expoz o seu quadro Exequias
do Camorim, nós dedicamos-lhe algumas palavras de
animação, augurando n’elle um artista muito além do
comum. Vemos, hoje, que não fomos mau propheta; a sua ultima obra colloca o notavelmente, acima do par.
Elle,
entretanto, só bem tarde desconfiou de que era um artista. Antes de entrar para
a Academia, o pequeno Antonio Firmino, encadernou
livros n’uma officina da qual, aos vinte annos, chegou a ser director.
Mas, então, ou porque o couro lhe cheirasse mal ou porque os in-folios lhe causassem horror, o encadernador
deixou de bom grado a officina e fez-se alumno do Instituto Pharmaceutico,
depois do Conservatorio de musica...
Jeronymo Paturot, á caça de uma profissão, nem as pilulas
nem os sustenidos nem os Deve - e - Haver o seduziram; e eil-o,
finalmente, na Academia de Bellas-artes, para de lá sahir senão já um artista celebre, mas como Minerva armada
para a conquista. Depois...
***
Depois trabalhou, trabalhou muito aqui, na
Europa, e trabalha sempre...
Ha mezes, quando eu
fui pela primeira vez ao seu atelier na esperança de ver apenas a Fundação
da cidade do Rio de Janeiro, fui agradavelmente surprezo
por uma galeria completa. É que para limpar os pinceis, depois do trabalho, elle suja adoravelmente uma tela d’alguna
paisagem que lhe trota no cerebro... Anda sempre
apressado. Outro dia eram tres horas da tarde elle voava para S. Domingos, onde foi esconder o seu
atelier.
- Onde vaes com tanta
pressa?
- Vou pintar uma cousinha d’après nature.
- A esta hora!
- É a unica hora em
que ainda não pintei, e vou aproveitar os effeitos da
tarde que promette estar magnifica.
Com todas essas qualidades, é todavia modesto,
como não ha exemplo. Na vespera
de abrir a sua exposição, diseutindo-se [sic] no escriptorio d’esta folha sobre o seu grande quadro, alguem lhe notou um quasi nada.
- Tens ahi a tua
caixa de tinta? empresta-m’a, diz elle
ao meu companheiro, ainda é tempo...
E tudo isso, elle diz
e faz satisfeito, alegremente. Porque muito contrariamente ao habito fastidioso
da maior parte dos nossos artistas, o Sr. Firmino Monteiro não choraminga a sua
sorte de artista e nem se lamenta da falta de gosto do publico,
nem maldiz o momento em que se fez pintor, “n’uma terra em que o governo só
cuida de política” nem descrê; nem desanima, não. Elle
crê, confia, trabalha e é um artista.
Não vão agora pensar por esse preito que eu lhe
rendo que o Sr. Firmino Monteiro é estrangeiro, não. Elle
é brasileiro, nascido na muito heroica cidade de S. Sebastião.
A Revista Illustrada
tambem é patriota - quando é tempo.
Julio Dast.
1882, ano VII, n. 298, p. 2.
Chronicas
Fluminenses
***
Realmente, hoje mais do que outr’ora, as artes precisam de auxilio. E póde um governo, que pedio verba
para Venus, desinteressar-se de toda acção, mesmo indirecta, sobre o
movimento das artes? É justo que o ministerio
escravocrata por amor aos fazendeiros, não tenha um olhar de consolo para o
artista, para o escriptor que tem aliás mais cubiça de gloria do que de dinheiro?
Póde-se recommendar como sendo o melhor systema
a completa abstenção do governo - as artes não são do governo, são do povo. -
É uma doutrina muito sustentada e muito sustentavel. Mas tivesse ella
prevalecido, ou prevalecesse ainda, e nós não tinham a Academia de bellas-artes. Em toda a parte, sob qualquer fórma de governo, o estado trata com as artes e com as lettras, não só como potencias individuaes,
mas ainda como forças legitimamente ciosas da sua independencia,
que podem entretanto ter necessidade d’um apoio, d’um auxilio.
E um theatro do
governo, que não é senão o pagamento d’uma divida aos
fluminenses, não seria, em parte, esse apoio, esse auxilio indirecto?
Vamos, Sr. Dantas, agarre essa occasião de se tornar benemerito, nunca se é moço de mais para bem fazer, seja o
feliz Mecenas da arte.
***
Julio Dast.
P. 3.
Echos da
Semana
***
Na “Glace elegante” á
rua do Ouvidor, está exposto um busto do marquez de
Pombal.
É um trabalho muito bem acabado do Sr. Chaves
Pinheiro; os cabellos sobretudo estão bem soltos, e
se a semelhança é perfeita, o que não podemos garantir, é completa a obra do
velho professor da Academia de bellas-artes.
***
R.
1882, ano VII, n.299, p. 2.
***
Agarramos ao vôo uma occasião de não dizer mal dos nossos vereadores.
Segundo nos consta, o Sr. Dr. H. Hermeto
Carneiro Leão tenciona propor á camara,
na sua proxima sessão, a compra do quadro historico do Sr. Firmino Monteiro: a Fundação da Cidade
do Rio de Janeiro.
Essa proposta, que nós esperamos será
unanimemente aceita, não faz senão muita honra ao seu auctor;
o bello quadro do Sr. Firmino Monteiro não deve
realmente, pela sua natureza pertencer, senão á Camara
Municipal, que dispensando assim o mais merecido auxilio ao nosso artista, obtem ao mesmo tempo uma tela notavel,
em que nada foi abandonado ao acaso. Na Fundação da cidade do Rio de Janeiro,
sente-se um temperamento de artista ao serviço de uma inspiração patriotica.
***
R.
1882, ano VII, n.310, p. 2 e 3
Echos da
Semana
***
No estabelecimento la
Glace Elegante da rua do Ouvidor, está exposta uma bella
pequena tela do nosso artista Firmino Monteiro. É uma paisagem do Rio de
Janeiro: um pouco de matto, um pouco d’agua, ainda matto, umas ruinas, uma pedreira e um pedaço de céo; mas tudo visto por um artista que sente e executado
por um pintor que sabe pintar. É uma das melhores paisagens do autor da Fundação
da cidade do Rio de Janeiro, hoje propriedade da nossa municipalidade
R.
1882, ano VII, n.312, p.3
Echos da
Semana
***
Corre como certo que os membros da commissão architectonica impõem:
ou a demolição da fachada da infeliz Academia de bellas-artes;
ou elles deixam de fazer parte da dita infeliz
Academia.
Que bella occasião de matar d’uma cajadada dois coelhos: conservar aquella joia architectonica e,
librando ao mesmo tempo a dita infeliz Academia dos ditos professores!
Vamos, Sr. Leão Velloso, um bom movimento, assignale a sua administração por alguma cousa de util.
R.
1882, ano VII, n.314, p.2
Echos da
Semana
***
Gostam de pintura? A rua do Ouvidor está cheia.
Além das duas miniaturas hollandezas expostas na
vitrina dos Srs. Arthur Napoleão & Miguez,
acham-se nos fundos d’estes, (da loja) 10 paysagens
do Sr. Facchinetti. Tambem está exposta na “Glace
elegante” uma grande tela do Sr. Decio Villares. É
uma copia do tão celebre Christo
de Prudon.
***
R.
1882, ano VII, n.315, p.6
Bibliographia
Eu tenho sobre a meza
um livro, o Holocausto, escripto por Pedro
Americo. É um romance, cuja acção se passa na provincia natal do autor da Batalha de Avahy,
e um grande romance, de que eu ainda não cheguei ao fim.
Um livro de Pedro Americo! Pedro Americo romancista!
Certamente, e porque não? Victor Hugo
ensaiou-se muito tempo no calembourg e depois
escreveu Notre-Dame de Paris; A. Karr foi jardineiro antes de escrever as Guêpes; Luiz Philippe teimava em ser pedreiro; entre
nós, Arthur Napoleão não perdeu pouco tempo com a rebeca;
e o Dr. Gusmão Lobo ainda hoje rende culto ás estrelas... Donde eu chego mesmo
a concluir que o que estabelece a superioridade dos espiritos
mediocres sobre as intelligencias
superiores, é que os primeiros nunca fazem senão aquillo
que sabem fazer, emquanto aquelles
que podem o mais não chegam muita vez a fazer o menos...
Eu devo todavia confessar, como acima declarei,
que ainda não cheguei ao fim do Holocausto.
- Trovas, Sonetos e Consonetos,
por Bandae, um volume.
- O real Club gymnastico
portuguez publicou um numero
d’um jornal especial em homenagem ao grande cidadão Luiz Gama. Collaboram n’essa homenagem alguns escriptores
mais ou menos conhecidos - antes menos do que mais.
- O numero 36 da
Biblioteca do povo occupa-se do homem.
- D’um livro, Cinquante
ans de vie litteraire, recentemente publicado em Pariz, colho esta
noticia:
Quando o pae de
Gustavo Planche morreu, Merle um folhetinista dramatico encontrando na mesma noite Gustavo, nos
bastidores da Comedia Franceza, creu dever dirigir ao
seu amigo algumas palavras de consolação.
- Oh! meu pobre amigo, que dia cruel!... Eu
tomo uma parte bem sincera na sua dôr.
- Sim, responde Planche... meu pae morreu... enterramo-l’o ha poucas horas... Um senhor fez um discurso sobre o seu
tumulo... Desessete erros de francez!
Alter.
1882, ano VII, n.316, p.2
***
Na Glace-Elegante, á
rua do Ouvidor, está exposto um bello e bem acabado
trabalho do Sr. Augusto Off. É um retrato a crayon do cnorado(sic)
advogado Luiz Gama, que pertence ao club abolicionista José do Patrocinio. Como semelhança dizem-nos, está perfeito, como
trabalho artistico é uma das melhores cabeças do Sr.
Off, que entretanto excelle no genero.
***
O Sr. Facchinetti é que inventou decididamente
um novo genero de pintura, que, não tendo ainda
classificação e á vista d’um quadro ora exposto,
estamos tentados de chamar pintura de familia. O Sr.
Facchinetti, que, pinta sempre fazendas, pintou d’esta vez a casa do barão
Homem de Mello: um pouco mais torta do que ella é, a
casa lá está com todas as suas janellas, o terraço, o
dono e a dona da casa, um famulo, um periquito... Mas que paciencia,
santo Deus!
***
R.
1882, ano VII, n.321, p.2
Chronicas
Fluminenses
Rio, 4 de novembro.
***
Mas é sobretudo nos cemiterios
que se representa o grande espetaculo da commemoração dos mortos; é la
que, ou nos cemiterios aristocraticos
como S. João Baptista onde pára a fila de coupés, ou
nos cemiterios populares como o Cajú,
onde se bebe alegremente á lembrança dos mortos é
preciso observar o grande desfilar dos pezares annuaes.
Eu admiro mesmo que algum pintor realista não
tenha ainda tido a idéa de pintar o Dia de finados
no Cajú, ou no cemiterio de
S. João Baptista. O quadro está de resto todo feito, e todas essas manchas
negras dos vestidos de lucto sobre as perspectivas
pardacentas das alamedas, interrompidas por massas sombrias de verdura, aquelles pequenos montes brancos ao longe formados ou pelas
simples cruzes ou pelos monumentos da vaidade, manchados aqui e ali de notas amarellas das côroas ou de toques
bronzeados que lhes deixam as folhas mortas, esse formigar de visitantes
tristes e curiosos vagantes n’essa paisagem ensoalhada,
esse acotovellamento das grandes damas que se dirigem
aos ricos tumulos com a gente do povo que vae
contemplar ajoelhada a valla comum. Tudo isto não tem
mais do que passar da natureza á tela; e o pintor
teria fixado uma das scenas mais particularmente
tocantes, elegante e popular ao mesmo tempo, da vida fluminense.
***
Para o artista que quizesse
especializar, o seu pincel poderia encontrar o sublime ao lado do ridiculo.
Eu vi, ha dois annos,
n’esta mesma data, n’um dos cemiterios menos povoados
do Rio de Janeiro, um espectaculo realmente poetico. Era o tumulo d’um joven
noivo, morto dias antes de se unir eternamente áquella
que sem duvida lhe ficou fiel - durante um anno. Coberto de flores, de rosas, rosas brancas, d’uma
candura immaculada; era uma synphonia
de neve. Uma corôa embalsamada envolvia, como d’um
nimbo, o nome do morto... O anno passado n’esta data,
era ainda a mesma candura, a mesma synphonia de neve,
o mesmo perfume. Este anno, ó crueldade do tempo! Nem
uma rosa, nem uma corôa, um nome apenas!
Mais
comicamente expressivo ainda do que tudo isso, ha o
tumulo sobre que os famulos vão chorar. Demasiado sensivel de certo, a viuva ou a
filha foge á vista do jazigo que encerra para sempre
os restos querido do amado esposo ou do pae
idolatrado; mas sem o esquecer manda regularmente dois ou tres
creados incumbidos de illuminar
o tumulo do fallecido. Mas d’um exemplo eu vi d’isto.
Grupos de pretos e pretas que comiam, bebiam e fumavam sobre os epitaphios á lembrança de certo
dos seus amos ou senhores mortos!
-
Joaquim! Você fumando sobre a cova do sinhô!
- Ora! elle também não fumava!
***
O Sr. Ferraz de Almeida, que nos chegou de
Paris e que justamente colleciona apontamentos para
alguns quadros brasileiros, terá visitado os cemiterios
no dia 2 de novembro?
Sem ser propriamente um realista, elle possue o talento e o saber
bastantes para comprehender e levar ao cabo qualquer
outra da sua arte; os seus quadros expostos na Academia, revelam um artista
real que chegou ao successo sem trombetas nem tambor,
mas docemente, seguramente, como um timido que é. Ha
entre as suas telas quadros historicos, de genero e estudos; e em todos elles
é o Sr. Ferraz um artista seguro, e bem inspirado. O remorso de Judas [imagem],
o repouso d’um indio [imagem]
forneceram-lhe assumptos de desenho e de largura de toque; mas é sobretudo na Fugida
para o Egypto, composição imponente em que nada foi deixado ao acaso, que o
nosso jovem artista melhor revela as suas qualidades; e quanta minuciosidade,
que bellos tons, que verdade de attitude
no Repouso
da artista! Ha ainda dois medalhões, em que pouco se tem fallado, mas que com os seus tons quentes lançam n’aquelle meio, a sua nota alegre, graciosa e pittoresca.
O Sr. Ferraz de Almeida é ainda muito jovem,
começa; mas poucos tem dado tanto quanto elle em tão
pouco tempo, e promettem mais. O Sr. D. Pedro
Segundo, que o manteve em Paris á sua custa, deve
hoje orgulhar-se de ter sido o Colombo d’um verdadeiro artista, modesto
trabalhador, e que honrará de certo o paiz.
***
Julio Dast.
1882, ano VII, n. 326, p. 2.
Chronicas
fluminenses
Rio, 23 de dezembro.
***
Mas o grande acontecimento da semana foi a
festa, domingo, no grande salão do Conservatorio de Musica, da distribuição de premios
aos alumnos da academia de bellas-artes.
Ás 11 horas da manhã, uma guarda de honra do 1º
batalhão de infanteria entope já toda a rua
Leopoldina, na sua parte defronte do edificio.
Minutos depois apenas, chega S.M. o Imperador acompanhado do seu camarista e do
Sr. ministro do imperio, que são conduzidos ao grande
salão, ou antes ao salão de honra. Ahi, o Sr.
conselheiro Tolentino tomando a palavra faz um pequeno discurso, muito curto
mas significativo. Lêde-o vós mesmos:
“Senhor!... Senhoras!... Eu d’isso de bellas artes, devo dizer-vos, não pesco nem um pires. Eu
era um simples empregado do contencioso, sem jámais
ter reflectido sobre os effeitos
do claro-escuro; ia todo dia ao Thesouro, disseram-me
que passasse de vez em quando por ali pela academia, é perto, eu passo, e
recebo por isso mais um salario que não me faz mal
nenhum; mas quanto a fazer longos discursos sobre a influencia
da arte etc. etc., não é comigo... Gato escaldado... Basta o relatório que eu
me metti a fazer e no qual, parece, disse
barbaridades... O Sr. Mafra foi o culpado; eu pedi-lhe que me escrevesse o relatorio, elle não quiz, para
ser o primeiro a vir notar-me as barbaridades... Nada de discurso, portanto...
De mais os alumnos o que querem são as medalhas, não
é palavra, não é, seus maganões?”
Tra la ra fon din
din din... toca a orchestra
uma abertura, e de collaboração com o ministro S.M distribue todos os premios,
finalmente um bello concerto fecha a significativa
festa.
***
Do conservatorio de musica á Academia de bellas-artes, é um passo; demo-l’o...
Eis-nos em plena exhibição.
As quatro salas em que são expostos os
trabalhos annuaes dos alumnos
da Academia, regorgitam de curiosos. Comecemos pela
sala dos paisagistas, é a menos repleta, por ser talvez a mais interessante. Ha
n’esta sala mais d’um trabalho capaz de demorar a attenção
do visitante, e eu citarei sobretudo as duas paisagens dos dois alumnos Domingos Garcia y Vasques e Hippolito
Boaveatura Caron que se revelam francamente duas
brilhantes promessas. O ponto de vista é o mesmo, um canto de São Christovão, creio, e com differença
muito diminuta foi tratado com o mesmo vigor, com a mesma vida; as arvores, ao
lado direito, são as mesmas, as mesmas cazoarinas e
por entre ellas a mesma aragem fresca, agradavel. São dois quadros quasi
já de mestre.
Um olhar ainda sobre uma pequena paisagem do
morro do Castello, e passemos.
Na sala de pintura historica,
a impressão é desagradavel; da meia duzia de São João expostos, nenhum merece
decididamente ser adorado; pelo contrario, os alumnos da nossa Academia conseguiram dar ao primo de Jesus
um aspecto repulsivo. A explicação, de resto, d’esta feialdade
de apostolo está logo ao lado na figura obesa, feia, aleijada quasi d’um velho, que tem servido de modelo vivo aos alumnos! E, compreende-se, não é copiando Quasimodos, que se chega a reproduzir Apollos.
Passemos sobre as miscellanas
e mesmo sobre os trabalhos embora bons de architectura,
e saudemos no Sr. Francisco Teixeira da Silva o alumno
que mais valentemente se relevou artista. O seu esboceto, feito fóra d’aula, de sua propia arte e
inspiração, é uma etapa. Um estudante, alto, delicado, dorme, vestido, sobre
uma cama de ferro; e esta cama está no quarto. Nada é mais simples; mas o
quarto é um quarto de estudantes, e este dorme, dorme profundamente n’uma
suavidade de linhas, e n’uma largueza de traço, ao mesmo tempo, adoraveis; está vestido, mas sentem-se por sob a roupa as
linhas correctas, ondulantes d’um corpo bem
proporcionado, que descança. É um artista de talento
o Sr. Teixeira da Silva.
***
Julio Dast.
P. 3 e 6.
Bellas artes.
No Domingo 17 do corrente, fui a Academia das
Bellas Artes, ver a exposição dos trabalhos executados este anno
pelos futuros Raphaes e Miguel Angelos brazileiros e mais do que nunca fiquei convencido de que
para aprender a desenhar ou pintar, é preciso nunca entrar nesse
estabelecimento, onde nada se ensina, nada se aprende, e que pela sua
inutilidade não serve senão para desanimar qualquer que tenha vocação para as bella artes.
O Atrazo de tudo aquillo e a apathia que se
apossou de quasi todos os alumnos
que lá estão a borrar papel e telas, é devido, não á
falta de modelos, como dizem, mas á falta de
professores que sejam professores.
Posso garantir, e desafio á
quem provem o contrario, que não ha
entre os que occupam as cadeiras de desenho figurado
e de pintura, um só que saiba desenhar.
Essa é a verdadeira razão do atrazo em que se acham os poucos alumnos
que lá estão á esforçarem-se para aprender alguma cousa, mas que nunca o hão de
conseguir, emquanto forem dirigidos por pessoas inhabilitadas como o Sr. Medeiros, por exemplo, que nem
como alumno seria aceito em qualquer academia da
Europa.
Não falta nem boa vontade nem intelligencia da parte, não direi de todos, mas de
bastantes alumnos da Academia para que esta possa
formar futuros artistas, se encontrassem quem os soubesse guiar convenientemente.
O concurso da aula de paysagem
é a maior prova do que avanço; a tela do alumno
Domingos Garcia y Vasques, e a do seu competidor que o segue de perto, Hyppolito Boaventura Caron, são duas paysagens
que agradam aos mais exigentes e revelam dois futuros artistas que muito
honrarão a nossa Academia, assim como honram actualmente
o seu distincto mestre o Sr. J. Grimm, autor de umas bellas paysagens que muito
admiramos na ultima exposição do Lyceu
de Artes e Officios.
Mas é que o Sr, Grimm
não faz parte da panellinha, é só se entende
com os seus alumnos que elle
leva para o campo e lá lhes diz:
- Está é a verdadeira Academia de Bellas Artes.
Olhem para esta esplendida natureza e procurem sentil-a;
impressionem-se com ella e transmittam
sobre a tela essa mesma impressão.
E com
quatro borradellas artisticamente atiradas, o mestre
ensina praticamente o modo de interpretar a natureza.
É assim que o Srs. Vasques e Caron conseguiram
fazer nos seis mezes, em que aprendem com o Sr, Grimm, o que nem em seis annos
teriam feito com os outros professores da Academia.
Uma pequena tela representando um estudante
dormindo revela grande talento da parte do seu autor, o Sr. Francisco Teixeira
da Silva.
Muita graça na composição, bom desenho e bom
colorido.
Escusado é dizer que essa quadrinho foi pintado
fora da Academia. E bem avisado andou nisso o Sr. Teixeira, pois que no templo
das artes elle teria sido aconselhado pelos sabios professores que com certeza o teriam obrigado a
pintar uma... bota.
Esse
quadrinho e as duas paysagens são as unicas cousas que prenderam a minha attenção;
o mais... é melhor eu não fallar.
Um conselho aos que se dedicam ao estudo das bellas artes, com excepção feita ao curso de paysagem do Sr. Grimm: Fujam da Academia, e para bem longe!
X.
1883, ano VIII, n.336, p.2
Chronicas
Fluminenses
Rio, 24 de março.
É antes um quadro o retrato de S. M. o
imperador pelo Decio Villares.
Um bello qudro, eu direi mesmo.
O Sr. D. Pedro Segundo está representado no seu
costume de imperador do Brasil. E os tons frios das sedas e setins
contrastam, em bellos e variados effeito,
com as cores vivas, quentes dos papos de tucano e outros dixes imperiaes.
Os seus sapatos de setim,
as sua meias de seda, o seu manto - grande capa que cobre tudo - estão
habilmente desenhados e tocados com admiravel vigor.
Um fundo esplendido. Os accessorios
foram tratados com um esmero quasi censuravel. - Em pintura, o muito bom ás vezes é ruim.
Do meio d’estes brilhantes e variadissimos tons, illuminado
por uma luz bem forte, crua, se destaca o nosso imperador, bello,
pesado, grande, d’essa grandeza do elephante, de que elle tem os pés, e n’uma attitude
de quem vae, parece, escorregar.
É um quadro, um bello
quadro. Mas é um retrato?
***
O retrato deixa de ser um obra d’arte, desde
que não fôr um estudo de caracter.
E eu penso que os traços caracteristicos do Sr. D.
Pedro Segundo não estão na obra do artista. Aquillo
não é o imperador do Brasil.
Na figura humana as linhas horisontaes
tem uma grande significação moral. Segundo ellas são
muito mais ou menos inclinadas n’um sentido, relativamente á vertical, exprimem
perfeitamente a natureza, o caracter, as inclinações
d’um individuo.
Ellas são perfeitamente horisontaes,
indicam a calma, a tranquillidade.
São expansivas, exprimem o sentimento da
alegria.
Convergentes ao contrario,
denotam tristeza, orgulho.
As primeiras dão a ideia de equilibrio,
de razão, sabedoria. As segundas, da expansão, incontinencia,
voluptuosidade. As terceiras, finalmente, de meditação, recolhimento, orgulho.
É o que exprimio a poetica
e sabia Grecia nas tres
deusas, que entre si se dispunham o celebre pomo de Paris.
Minerva: a sabedoria.
Venus: a volupia.
Juno: o orgulho.
***
Ora, pelas linhas do retrato, que lhe fez o Sr.
Decio, S. M. o imperador é um orgulhoso, um deditador, um reconhido, um
sombrio; tem todos os traços caracteristicos da
mulher de Jupiter.
Tem o sceptro e até o
chiton. - Não tem o pavão.
Não é assim entretanto. Elle
não é nem Minerva, como lhe dizem muitos, sem pensarem, nem Juno, como o fez o
artista, sem querer. É exquisito que ninguem o tenha ainda visto bem, quando tantos o olham. Os
seus retratos contradizem-se constantemente.
Eu vi-o bem entretanto uma vez - a primeira vez
que o vi.
Foi na aula de desenho. O professor esperava-o.
- Sabia-se que elle vinha, e nós tremiamos
á ideia de que elle ia
examinar os nossos trabalhos. Elle entrou, e ao nosso
grande pasmo ninguem tremeu - excepto
o professor que ficou todo atrapalhado.
Eu vi-o então, e ainda hoje o vejo,
completamente diverso do que os clichés o pintam. Nada absolutamente de
pensador, nem de marcial. A expressão da physionomia
é antes hieratica.
Como elle se
sentasse, o peitilho da camisa enfumou-se e assoberbou-o. Uma das pernas das
calças subio, e a meia não era, como nos retratos,
tão esticada, tão transluzente.
Achei-o muito mortal.
No seu olhar, ao revez
do que pintam os seus retratistas, ha entretanto
muita luz. O olho, d’um azul limpido, é humido e muito brilhante. - O olho do soberbo é, como sabem,
secco e velado.
O dever de ser constantemente grave modificou-lhe um pouco as sombrancelhas.
Os demais traços tendem á expansão. Sem frei Pedro e
sem a corôa, elle seria um
bom homem, alegre, jovial e resoluto.
- Não esqueçamos seu o “Quero já”; no
Eboli, em Nova-Friburgo, elle sapateia como simples
mortal, e viajando longe da corte, é um perfeito tourista.
***
Não, elle não é um
tristonho, o Sr. D. Pedro Segundo. Nem um pensador.
Elle proprio deve rir-se da physionomia
que lhe dão em todos os retratos. Elle que possue completa a Science Universelle
de Sorel: a physionomia; a metoscopia ou estudo da fronte, a chiromancia,
que consulta as linhas da mão; a pedomanci, que
consulta as linhas dos pés.
S. M. é um pouco dado
á magia, um pouco feiticeiro, como se diz.
Elle
conhece o pentaculo da conjuração, o septenario dos talismans. Sabe
que a pedra philosophal é quadrada em todos os
sentidos, como a Jerusalém de São João, e fazer a differença
entre oo mago a quem o diabo se dá e o feiticeiro que
se dá ao diabo.
Na sua bibliotheca,
deve haver um raio cheio de volumes de sciencias occultas, mysticismo e theurgia ou magia branca. - Uma bibliotheca
de loucuras, uma livraria de feitiços, em que inda ninguem
o disse sabio, mas que elle
consulta a miudo - Não se é bom astronomo,
sem ser um pouco astrologo.
ES. M. é muito astronomo!
***
Depois, ha nada mais
jovialmente bisarro do que um personagem grave que
faz rir!
Nada de Juno, portanto. Mas, ao contrario, tudo de - por e para - Venus.
J. Dast.
1883, ano VIII, n.344, p.3
Segunda-feira, 4 de junho. -
N’esta pasmaceira fatigante da nossa vida artistica,
que não nos dá senão maus retratos ou pessimas lithographias, é com um verdadeiro prazer que se vê surgir
da galeria commum de commendadores
benemeritos uma obra realmente artistica,
verdadeiramente bella.
Ora eu acabo de saborear esse prazer, admirando
na Academia de Bellas Artes a ultima obra, que
Bernardelli acaba de enviar de Roma. Realmente, caras leitoras, é adoravel de belleza a Venus [Calipígia] do nosso artista. De pé, os braços
erguidos, suspendendo a roupagem, deixa vêr uma
garganta cheia, vigorosa, um collo que surge
grandioso, as espaduas arredondadas e um corpo ondeando na graciosissima
curva da cintura, e reelevando-se por fim na linha veluptuosa de um quadril encantadoramente rechunchudo.
As coxas são poderosas, as pernas fortes e
dignas de sustentar o edificio desse corpo
harmoniosamente elegante.
Mais mystica do que a
de Milo, a sua fronte recorta-se sob dous bandós nem muito alta nem muito baixa, os olhos sob as suas
arcadas não muito profundas, o nariz ligando-se á fronte por esse traço recto e puro, que é a linha da belleza;
a bocca cavada nos angulos,
e os labios levemente arcados dão perfeitamente a idéa do amor da mulher no que a sua belleza
tem de mais sério, de mais elevado.
***
R.
1883, ano VIII, n.347, p.7
O naufragio do
Montserrat serviu de assumpto ao Sr. E. Rouede para
um quadro de marinha bastante interessante; representa o patacho
atirado á praia de encontro a uns rochedos, no dia
seguinte ao do sinistro. Esse quadro foi feito d’après
nature e tem por conseguinte o merito da exactidão.
Se as nossas companhias de seguros maritimos tivessem espirito, comprariam esse quadro e mandariam-n’o como lembrança ao ministerio
da marinha para ser collocado no gabinete do
ministro.
Talvez que assim, vendo esse triste exemplo da incuria dos governos passados, o actual
ministro se lembre de mandar construir embarcações especiaes
com todos os apparelhos precisos para salvarem os
navios em perigo.
&
Perto desse quadro vimos tres
retratos do Sr. Petit bastante parecidos.
Em casa do Clement, o incansavel
Facchinetti expoz mais algumas paisagens em miniatura
á oleo que não são nada inferiores ás que elle já tem exposto.
Também lá está o seu retrato de chapéo, pintado pelo Papf e com
muito chic.
O Papf quando quer...
&
Parece que o publico
do Rio de Janeiro não conhece senão a rua do Ouvidor...
- Que quer? Deu-lhe para alli.
Ainda que você tivesse exposto em sua casa quadros originaes
de Rembrandt, Rubens ou Van-Dyck, raros são os que
viriam aqui ver a sua exposição.
- No emtanto deve-se
concordar que tenho cousas que valem apena serem vistas.
- Concordo, mas...
&
Quem conversava commigo
era um homem de altura regular, gordo, com olhos tão pequeninos que não se lhe
vê a côr; são porém vivos; um nariz em feitio de
batata a desafiar os telhados, bem plantado no meio de uma cara cheia, redonda,
franca e de um colorido muito approximado entre a
cenoura e a abóbora.
A côr do seu cabello, cortado quasi á
escovinha, é a dos mesmos legumes acima, porém mettidos
em sombra. Emfim um verdadeiro typo
flamengo e digno de desafiar o pincel de Rembrandt.
Duplamente flamengo até, pois que tambem o é de nacionalidade, o que não asseveraria se se
tratasse de algum queijo da mesma procedencia, apesar
dos tratados de commercio para garantir as trade mark.
&
Os artistas e amadores desta côrte e arrabaldes verão logo, ao lerem estas linhas acima,
que se trata do Dewilde, em cuja casa elle encontram tudo quanto precisam para os seus desenhos
ou garatujas, pinturas ou borradelas.
O Dewilde é quasi collega; elle também pinta, porém é com pinceis grandes; e em logar de ser em téla, é
geralmente em madeira ou em paredes; mas emfim pinta;
não se póde dizer que elle
seja estranho á arte. Pelo contrario,
posso até garantir que elle é um grande propagador della. Por sua vontade, elle
desejaria que metade da população do Rio de Janeiro pintasse e não toda, afim
que a segunda metade comprasse os quadros da primeira.
Em sua casa reunem-se
algumas celebridades artisticas nacionaes
e estrangeiras, que vão á cata de qualquer novidade
que apparece no mundo artistico-industrial
europeu.
&
Ultimamente, Dewilde
recebeu de Roma umas aquarellas do Henrique
Bernardelli, que realmente são dignas de ver-se.
Tem além disso alguns quadros de mais ou menos
valor, algumas paisagens do Grimm e um bellissimo
quadro do Driendel um artista de primeira ordem, que
achou mais conveniente aqui no Brazil deixar a
pintura para encarregar-se das ornamentações de igrejas, A elle
deve-se as bellas vidraças de côres
com figuras de santos que ornam actualmente a igreja
de S. Francisco de Paula, e que posso garantir nunca ter visto melhores na
Europa.
As nossas irmandades, que tem gasto tanto
dinheiro em igrejas com pessoas inhabilitadas, devem
aproveitar tão boa occasião encarregando esse distincto artista de as completar com alguma cousa mais
apropriada do que esses pezadissimos ornatos de
madeira pintados de gesso.
&
Para voltarmos a conversa com o mestre Dewilde, acabei por dizer-lhe: Emquanto
você morar na rua Sete de Setembro, não espere ver sua casa cheia de gente a asmirar a sua exposição. Mude-se quando puder para a rua da
Vadiação.
- A rua da Vadiação!?
- Sim, rua da Vadiação ou Ouvidor é a mesma
cousa.
X.
1883, ano VIII, n. 348, p. 6.
O retrato do meu amigo C...
5492 quadros! 2725 esculpturas,
innumeras plantas e desenhos de architectura,
tal é o numero de objectos
d’arte de que se compõe o salon de 1883 em
Pariz.
Muito se pinta lá pela Europa!
Nós aqui tambem
pintamos, mas não é quadros. -
De vez
em quando lá apparecem no Moncada ou no Clêment umas caricaturas á oleo
que dizem ser retratos de gente. Ainda ha poucos dias
vi o retrato de um conselheiro, ex-ministro, pintado por um pintor bahiano que parecia ter empregado, de preferencia
ao oleo, o vatapá, ou o carurú.
Nunca vi pintura tão horripilante! Se eu fosse chefe de policia
mandava metter na cadeia tanto os retratistas quanto
os retratados, para não andarem por ahi a dar-se ao desfructe e fazer passar esta população aos olhos dos
estrangeiros como uns selvagens em materia de arte.
Que o nosso povo não entende d’isso, não ha a menor duvida; mas tambem não é uma
razão para levar a ousadia a ponto de fazer alarde d’essa ignorancia.
Ultimamente foi visitar um amigo que não via ha bastante tempo.
Entrei para a sala e emquanto
o foram prevenir, estive a contemplar um retrato á oleo mettido em rica moldura e
que me pareceu ser o do dono da casa.
Era um
dos taes que se costuma expór
na rua do Ouvidor e que dão uma perfeita idéa do adiantamente artistico a que já
me referi. Com effeito! pensei eu, suppunha que o meu amigo C..., pela conversa que tive
algumas vezes com elle, em materia
de pintura, tivesse algum gosto e não fosse capaz de se mandar caricaturisar a oleo d’esta
maneira.
Estava n’essas reflexões quando entra o meu
amigo.
Que agradavel sorpreza! Ha tanto tempo que não vinhas vêr-me.
Vou mandar soltar uns fogue...
Derepente vi na
cara de C... uma mudança extraordinaria. Uma forte
contrariedade se estampára por tal modo no seu rosto,
que não pude deixar de perguntar-lhe: O que tens? Pareces estar contrariado!
Pudéra! Se
vejo que estiveste a olhar para aquella tremenda
borracheira!
- Pois não é o teu retrato?
- Era
essa a intenção do borrador que o pintou e dos amigos que m’o offertaram, mas deves concordar que elle
não passa de uma furiosa bota.
- Lá n’isso eu concordo plenamente.
- Pois então tu pensas que se eu tivesse de
mandar fazer o meu retrato, eu o teria confiado aquelle
sapateiro que ainda teve a coragem de assignar o seu nome embaixo.
- Não faço tão máo juizo sobre o teu gosto.
- Ainda bem! Comprehendes
que tendo aqui quadros que me trouxe da Europa o Luis
de Rezende, marinhas do De Martino, guaches do Pacheco e do Arsenio,
eu não podia por vontade propia ter aquele horror
dependurado no melhor logar da minha sala.
- Sim, na verdade... mas então por que o
guardas?
- Se m’o offereceram!...
E tu não sabes!... isto eu o digo a ti só: esse
retrato tem-me causado até scenas muito desagradaveis entre mim e minha mulher. Ella já não é a
mesma. Por qualquer cousa questionamos.
- Como?! Pois da ultima vez que eu estive aqui, tu e ela pareciam dous pombinhos!
É verdade! E no entanto desde que esse retrato
está aqui, ella tem mudado completamente.
- Que diabo de influencia
póde ter o retrato em tua paz domestica?
- Eu a explico do
seguinte modo: De manhã eu sáio para os meus negocios e só volto á tarde. Ella
vê-se todo o dia sózinha com aquelle
mono...
- Olha que estás tratando do teu retrato.
- Mas se elle não se
parece!
- Todavia a intenção do pintor e dos teus
amigos...
- Que os leve o diabo! mas não me
interrompas... ia dizendo que minha mulher á força de
ver aquelle... monstro todos os dias, acabou por
acostumar-se com a tal cara e achar que ella se parece commigo.
Ora, diga-me com franqueza: eu tenho uma cara
aparvalhada como aquella?!
Isto nem se pergunta...
- Ainda hontem, a proposito de uma pulseira que ella
vio em casa do Luiz; como eu não me mostrei enthusiasta e fiz ouvidos de mercador, ella
disse que, pedir-me a mim ou ao meu retrato era exactamente
a mesma cousa, tão parecidos eramos um com o outro.
Imagina como eu não fiquei!!
- E tu subiste a serra por causa d’isso?
- Subi-a até o cume.
- Pois tu não vês que tua mulher faz jogo com o
retrato... Queres ver como ela acha o retrato horrendo?
Compra-lhe a pulseira.
- Isso sei eu. Quando se tratou de tomar uma assignatura para o Excelsior, ella
até mostrava-se indignada contra o pintor e os meus amigos. Mas tu não
sabes o que são as mulheres. De tres em tres dias ella achará o retrato horrivel e de tres em tres dias parecidissimo commigo.
- Tu acabarás por não fazer caso e acostumar-te
a...
- Nunca!
- Então manda levar o tal retrato para a praia.
- Ah! se eu pudesse! Mas os amigos da
manifestação - retrato visitão-me constantemente e se
não o vissem mais na sala o que - diriam?!
- Então resigna-te.
- E que remedio!!!
X.
1883, ano VIII, n. 353, p. 2.
Rio, 31 de agosto.
O Sr. Jorge Mirandola
Filho, engenheiro e architecto e hydraulico,
que na semana finda comprimentou a S. M. o imperador,
mandou-me um livro, que ninguem entende, mas que
todos deviam ler.
É a representação e projecto
de reforma geral da escola e academia imperial de bellas-artes
do Rio de Janeiro, apresentados á assembléa geral legislativa,
na primeira sessão da decima-nona legislatura.
O Sr. Jorge Mirandola,
que é premiado pela mesma escola e mesma academia com as grandes medalhas de
ouro, premiado em diversas exposições nacionaes e
estrangeiras, membro correspondente da universidade de Santiago, do Chile,
iniciador e fundador do congresso philantropico e sanitario e autor do projecto e
planos de reorganisação physica
e moral do proletariado no Brazil, tem ainda o grande
merito de não ser comprehendido.
Reunimo-nos tres para
decifrar o seu primeiro periodo, e nem no primeiro
nem nos subsequentes nos foi possivel metter o dente.
A camara portanto não
terá tambem comprehendido
patavina do projecto de reforma do engenheiro hydraulico e civil, membro... etc., etc.
Mas tudo isso pouco importa.
***
O essencial é que os deputados, ou alguem mais serio do que os
deputados pense seriamente n’aquella infeliz academia
de bellas-artes.
Cada vez mais abandonada e mais esquecida, a
nossa academia tem-se tornado cada vez mais esteril.
As exposições provam o seu rapido regresso de anno a anno.
A sala de desenho de figura, da ultima exposição fazia rir. O modelo, que copiaram os alumnos em diversas attitudes,
era um verdadeiro aleijão. Quasimodo não era mais horrivel.
Parecia pilheria, de tão burlesco quer era tudo
aquillo.
Depois d’essa exhibição,
a reforma mais necessaria seria mesmo, como observou alguem, a reforma do nome da academia em:
Academia das feias-artes!
***
Quando se tratou de augmentar,
embora afeiando, o bello edificio de Grandjean, fallou-se em reforma igualmente do ensino.
Promettia-se então
muita cousa: augmento de ordenados, creação de novas cadeiras, reorganisação
do ensino - como nas escolas medica e polytechnica.
As obras de demolição tocam entretanto a seu
termo, aquelle bello
frontão vae em breve ficar acaçapado sob os telheiros do Sr. Paula Freitas, e
nada das reformas promettidas e necessarias.
Não é meu fim fazer aqui uma propaganda da
grande influencia das bellas-artes
sobre a educação d’um povo, nem sobretudo, fazendo ao Sr. Mirandola
a mais desleal concorrencia apresentar projectos de reforma da academia.
Mas porque não se mandará contractar
professores habilitados na Europa, na França ou na Italia,
para a nossa academia, como se mandou para outras escolas de ensino superior?
O grande mal, a maior causa de atrazo dos alumnos, é não ter
mestres, que o guiem.
É desagradavel
dize-lo; mas nós não temos professores habilitados das mais importantes
cadeiras de pintura, esculptura e architectura.
O Sr. Grimm, óra
aqui, e que graças á sua dedicação e bom methodo, está em vias talvez de nos preparar alguns bons paysagistas, não é professor da academia, mas simplesmente
um amador apaixonado, emprestado á academia.
***
Não é falta de aptidões dos brazileiros,
eu afirmo com grande satisfação.
Rodolpho Bernardelli na architectura
(sic), Firmino Monteiro na pintura são recentes exemplos brilhantes que
irromperam não da academia, mas apesar da academia.
Fora da academia mais d’um talento se tem
manifestado.
Agora mesmo nos chega da Europa o Sr. Corrêa e
Castro, brazileiro, que é um artista de grande e incontestavel merecimento.
Paysagista
apaixonado e observador seguro, o Sr. Corrêa e Castro sabe vêr
a natureza, surprendender-lhe as bellezas
e reproduzi-la, verdadeira, atravez do seu
temperamento de artista.
Fugindo ao chic, a
sua obra apoiada sobre a observação, ao ar livre, é franca, o seu traço é
largo; e nos seus quadros nada parece abandonado, nada elle
deixa ao acaso.
Traz-no pittorescas paysagens da Italia e bellos recantos da
França.
O que não nos dará elle
do Brasil, quando tiver estudado essa excelsa natureza, rica, variadissima, cheia de encantos e surpresas para quem sabe
observa-la. Que esplendidas paysagens! Que céos de turqueza, que florestas
de violetas não vae elle traduzir da natureza para a téla!
***
E os nossos pintores na Europa?... O que faz o
Sr. Pedro Americo? o homem dos grandes projectos.
Do Sr. Firmino Monteiro já se falou aqui na Revista
Illustrada.
E o Sr. Victor Meirelles trabalha, eu sei.
Sem successo, é pena.
Apesar de algumas apresentações especiaes, os salonistas de Paris não acharam digno da sua critica o quadro do nosso artista.
Nem uma menção, nem uma palavra com effeito da Batalha naval do Riachuelo, refeita
entretanto.
Apenas o Evenement
diz d’ela algumas palavras de acerba critica.
Uns estupidos
decididamente aquelles criticos
de Paris; mas, que esperem la, que C. de L. vae por
força descasca-los todos, no proximo rodapé do Jornal
do Commercio.
Professores portanto, que saibam desenho, eis o
que é preciso para a academia.
Julio Dast.
1883, ano VIII, n. 357, p. 2.
***
Já viram como está criminosamente hediondo o edifio da Academia de bellas
artes - depois da nova reforma?
É um verdadeiro aleijão que só vandalos podiam ter commettido!
O burgues telheiro do
Dr. Paula Freitas eleva-se acima da bella fachada de Grandjean com essa presumpção
soberana, que é a presumpção da ignorancia.
***
Que contraste entretando
não vae em breve fazer com aquelle estropeão, o edificio ali perto
em construcção do Gabinete portuguez
de leitura.
Apenas em meio este, e já se lhe póde admirar o puro estylo
manuelino.
Como deve ficar bello,
magnifico, esplendido!
E o edifico do Gabinete portuguez
de leitura é mandado fazer por uma associação estrangeira, particular, que não
tem nem conselho de bellas-artes, nem professores de architectura no seu seio!
***
E já que fallo em bellas artes, não posso deixar de convidar a leitora á exposição dos trabalhos do Arsenio
da Silva, no estabelecimento do Sr. Insley Pacheco.
Um verdadeiro artista, morto sem ter tido toda
a admiração que merecia, sem ter occupado, entre os
pintores, o lugar de honra a que seu talento lhe dava direito, eis a historia de Arsenio da Silva:
A nossa Academia de bellas-artes
foi a mais injusta inimiga do habilissimo artista.
Injusta - ou invejosa, eu devia antes dizer.
Os peccos da
Academia, fructos seccos
que nada fazem, nada produzem, vêem sempre com maus
olhos os que fazem alguma cousa e moveram a Arsenio
uma guerra pequenina, que elle não soube todavia despresar.
Arsenio da
Silva era entretanto um artista: ha nos seus
trabalhos tanta delicadeza de tom quanta segurança de traço.
Tem n’essa exposição diversos quadros a oleo, alguns de grandes dimensões como o Jardim de Armida, mas é sobretudo nos seus trabalhos a gouache, que eu mais o admiro.
É n’estes realmente que elle
realmente mais excelle em gosto e arte; é ahi, que o seu pincel se mostra riquissimo
de tons, delicadissimo no desenho e admiravel de variedade; que melhor hão de salvar o seu nome
do olvido.
Eu não cito nenhuma, seria preciso cetar quasi todas: vão ver.
***
Cabe aqui agora agradecer ao Sr. Insley Pacheco a idéa d’essa interessantissima exposição e o zelo com que elle a realisou.
É com effeito, graças
ao seu amor pela arte e á sua admiração pelo finado
artista, que nós podemos admirar, juntos, quasi todos
os quadros de Arsenio.
Foi elle, que sem
outra recompensa alem da homenagem á memoria do amigo, reuniu tantas
bellezas, para nos mostrar - e de graça.
Julio Dast.
1883, ano VIII, n. 363, p. 3 e 6.
O quadro de Victor Meirelles
Quando pela primeira vez foi exposto o quadro,
representando o combate naval do Riachuelo, em 1872, appareceu
no Jornal Illustrado Mosquito um desenho com
uma descripção humoristica,
a qual encerrava a critica do mesmo quadro e que
reproduzimos hoje n’esta folha tal qual foi publicada n’essa época.
Se o artista que pintou o combate naval do
Riachuelo tomasse em consideração as criticas
sensatas que lhe fizeram n’essa occasião,
apontando-lhe os defeitos principaes do seu quadro,
com certeza, tendo de reproduzil-o novamente, teria
corrigido o que não prestava, dando-nos um quadro muito melhor do que o
primeiro. Porém o Sr. Victor Meirelles acreditou ter feito um chefe de obra,
julgava-se infallivel, superior a todos os pintores
do mundo novo e velho e reproduziu exactamente.
Se elle tivesse a centesima parte do merito que os
seus amigos lhe querem attribuir, com certeza não
teria repintado as monstruosidades que se notam na sua téla,
sobretudo depois de lh’as terem sido apontadas.
Já o facto de reproduzir exactamente
a mesma composição, prova pobreza de imaginação. Todavia se n’essa composição elle tivesse procurado melhorar, - sempre ha que aperfeiçoar por melhor artista que se julgue -, teriamos tido provavelmente occasião
de louval-o, o que para nós seria um motivo de
verdadeiro prazer, sobretudo em questão de arte.
Sempre é desagradavel
falar mal de alguma cousa, mas é que acima das considerações pessoaes, ha o dever a esse
impõe-nos a obrigação de proseguir no caminho da critica, mas da critica justa,
imparcial e honesta. O nosso fim, é melhorar o que deve ser melhorado.
Somos brandos ás vezes e implacaveis
em outras. Em questão de bellas-artes temos sido
indulgentes em geral com todos, pois comprehendendo
que a arte entre nós ainda está na infancia, não
podemos ter exigencias que seriam mal cabidas e até
tolas; medimos então a nossa critica pela bitola do adiantamento relativo em
que se acha o nosso paiz em materia
de bellas-artes, e sempre temos palavras lisongeiras e animadoras para aquelles
que são modestos, que trabalham e fazem o que pódem.
N’este caso porém, o Sr. Victor obriga-nos a
sermos severos. Não procuremos por ora criticar o seu monstruoso chromo ou oleographia;
limitamo-nos unicamente a protestar em nome dos conhecimentos artisticos do paiz que, apezar de serem pequenos, sempre vão progredindo, contra a ausadia de querer impôr-se como
uma alta capacidade artistica, tão alta que fez com
que se construisse um barracão palacio
no largo de maior movimento do Rio de Janeiro, incommodando
o transito publico e tudo isso para que? Para expôr a copia de um quadro já
visto por nós, que fez fiasco no Salon de Paris, que passou completamente
desapercebido, apezar de seu tamanho e que não serve
senão para mostrar a archi-provada incapacidade artistica de seu autor em composições d’essa ordem e a sua
enorme dóse de orgulho.
No entanto elle passa
na opinião de seus admiradores por um artista excessivamente modesto! Pois não?
Já estamos d’aqui vendo taes scenas
de modestia:
Chega-se um amigo; e depois de ter olhado para
o quadro sem entender patavina, aproxima-se do artista, dá-lhe um apertado
abraço e exclama:
- Tu és o genio da
pintura, Victor!
Victor! Tu és o primeiro pintor do mundo!
Victor! Tu és uma gloria nacional!
- Isso é bondade sua, responde o tal genio todo derretido.
E é assim que elle
criou uma reputação de modestia!
Que vá alguem
fazer-lhe amigavelmente a menor observação, notar-lhe
o mais insignificante defeito e verá como elle pula,
como se torne insolente! Se elle fosse realmente
modesto, passaria o dia inteiro a contemplar o seu quadro de binoculo em punho?
Haverá prova maior de orgulho do que ter
repetido o quadro com todos os defeitos?
E para que expol-o
antes de esperar a exposição da Academia de Bellas-Artes
que deve effectuar-se brevemente?
O Sr. Victor julgará por acaso a Academia pouco
digna de receber o seu quadro? É possivel, já que não
achou nem os professores da mesma, seus colegas, nem os seus alumnos merecedores sequer de uma simples attenção, representada pro um
convite no dia da abertura da exposição!
Se bem que esta esteja a cargo da Santa Casa da
Misericordia, com certeza esta não se teria negado a
consentir que o Sr. Victor, professor da Academia, convidasse aos seus discipulos e collegas.
Emfim,
n’esta questão de delicadezas entre professores da Academia não nos mettemos. Elles são brancos, lá
se entendem.
O que só quizemos
tornar saliente é, que por causa das glorias nacionaes
feitas de encommenda por alguns amigos, não queremos vêr sacrificada nem a verdadeira arte nem o criterio.
X.
1883, ano VIII, n.365, p. 7
Acham-se expostas em casa do Sr. L. de Wide na rua Sete de Setembro n. 102 as lindas paysagens dos Srs. Caron e Vasquez, discipulos
do Sr. Grimm.
É com o maior prazer que convido as pessoas que
julgam ter algum gosto, a se darem ao incommodo de ir
até essa rua. Terão assim uma idéa do que é paysagem. São simples estudos, e mettidos
em molduras que não são molduras; mas são estudos que valem mais do que todas
as borracheiras, que o publico costuma ver expostas
em certas casas da rua do Ouvidor e mettidas em ricas
molduras.
Para poderem vender estas, é que sem o menor escrupulo, apresentam aos olhos dos estrangeiros e dos nacionaes, que têm algum gosto, esses especimens
da maior audacia a oleo ou
a crayon que a mais profunda ignorancia pôde
engendrar.
São verdadeiros attentados
para os quaes infelizmente do codigo
não tem penas: attentados maiores do que aquelles que atacam a propriedade alheia: pois emquanto estes apenas prejudicam e incommodam
um individuo, os taes attentados a oleo, mettidos em moldura, attacam a
nossa civilisação e prejudicam o nosso gosto.
Infelizmente, como já se disse, não ha penas! Não ha cadeia para
esses estragadores de tintas e borradores de télas!
Não ha castigos para esses corsarios,
carbonarios e intrujões da arte!
Todavia parece-nos que o Sr. ministro do imperio bem podia nomear uma commissão
de hygiene, composta de bons artistas, que mande
retirar da rua mais frequentada do Rio de Janeiro essas pestes que infectam o
nosso gosto, e mandal-as para a Cidade Nova ou Sacco do Alferes, escolhendo ainda assim ruas menos
frequentadas.
Creiam o Sr. Maciel que prestaria um bom
serviço.
X.
Continúa o Sr.
Victor Meirelles em extase diante do seu quadro,
verdadeira maravilha de tons amarellos, encarnados e
outros cuja côr não ousamos qualificar, mas que os
que virem o quadro conhecerão logo.
Dizem alguns amigos do illustre
pintor e gloria nacional d’este imperio, que elle já tratou de mandar vir o almoço e jantar no barracão,
assim como uma cama para de noite dormir e sonhar mais a
vontade, junto d’esse chefe de obra, o mais importante de toda esta metade d’America.
Consta tambem que elle tem mais dois binoculos.
Sem assinatura.
1884, ano IX, n.370, p.6
***
Aos amadores de boas pinturas.
Acham-se expostas em casa do Sr. De Wilde á rua Sete de Setembro umas bellissimas
aquarellas feitas pelo Sr. Grimm, quando este habil artista esteve em Roma.
***
R.
1884, ano IX, n.371, p.3
***
Chegou de Paris, onde foi passear e ao mesmo
tempo aprefeiçoar-se na arte em que elle já é tão eximio, o nosso
pintor Firmino Monteiro.
Durante o tempo que esteve na cidade das artes,
o autor da Fundação da cidade do Rio de Janeiro, nem ficou ocioso nem se
esqueceu das cousas patrias, pintou, como já tivemos occasião de dizer aqui, dois quadros historios
um dos quaes esteve exposto no salão de Paris o anno passado.
***
R.
1884, ano IX, n. 374, p.6
Nada conheço mais difficil
do que dar uma opinião franca sobre qualquer obra d’arte.
Dizer o que se pensa, o que se sabe, o que se
vê; notar esta ou aquella incorecção,
descuido ou defeito: louvar o que é bom e apontar o que não é, são cousas que
não se podem fazer entre nós.
E porque? Porque
infelizmente nunca ou quasi nunca se fazem criticas sensatas e conscienciosas; porque poucos entendem
e muitos escrevem sem nada entenderem. Não posso explicar d’outro modo certos
louvores immerecidos que leio ás vezes nos jornaes, acerca de verdadeiros disparates expostos em
algumas casas da rua do Ouvidor, e uma completa indifferença
quando se trata de trabalhos que tem algum merito.
Ora, como em geral o nosso publico
não tem a menor intuição do que é arte, facilmente deixa se illudir
pelo que lê no jornaes, onde elle
suppõe haver pessoas habilitadas para emittirem uma opinião.
A vista disso, tomei por habito abster-me o
mais possivel de dar a minha; não que eu me julgue no
caso dos mais collegas; isto seria o cumulo da mais
falsa modestia e não tenho por habito fallar contra a minha cosnciencia.
N’este caso eu direi: Chacun à sa place. E eu tomo o
primeiro lugar. Se me abstenho pois de fazer critica
como elle dave ser feita, é
unicamente porque esta não seria comprehendida pela
maioria do publico que julgaria logo, por causa de
algum defeito por mim apontado, o artista sem merito
e o seu quadro sem valor.
O nosso publico tão
acostumado a ver comparar-se os artistas nacionaes
com as maiores celebridades estrangeiras, antigas e modernas... Por exemplo: Na
occasião da abertura do barracão do largo S.
Francisco, o Sr. de Cotegipe, no seu discurso de inauguração, comparou o Sr.
Victor Meirelles ao Horace Vernet.
Ora, o Victor Meirelles é um pintor de merito, não ha duvida alguma, e entre os artistas brasileiros elle occupa um distincto lugar; mas comparal-o
ao Horace Vernet!
Só um barão de Cotegipe que, em materia de arte, entende tato como eu entendo de fazer missa.
E quantos não ha, que para mostrarem os seus
conhecimentos artisticos, citam os nomes de Raphael,
Miguel-Ângelo, Ticiano, Gerome,
Cabanel e outros, a proposito
de qualquer borracheira exposta, se esta é feita pro
qualquer amigo ou recommendado!?
É por todas essas razões que nada escrevi sobre
a exposição dos quadros do Sr. Spaini, que
manifestou-me o desejo de ouvir a minha opinião.
Pela mesma razão, nada direi acerca da Francesca de Rimini de Aurelio de Figueiredo e de
todos os quadros que ornam o seu atelier e mostram quanto esse joven artista se dedica de corpo e alma á
pintura.
Senti-me satisfeito entretanto de achar-me n’um
atelier, rodeado de trabalhos de arte, retratos, paysagens,
quadros de genero, historicos,
e outros objectos artisticos.
Não me parecia estar no Rio de Janeiro, onde só
se entra em lojas, botequins e confeitarias, fallando-se
em plitica ou da vida alheia e reodados
de empadas e mães-bentas ou cortes de casimira em lojas de alfaiates que, emquanto cortam as calças dos freguezes,
estes cortam a pelle dos que passam e com lingoa mais afiada ainda do que as tesouras dos nossos
Renards e Dusautois.
Em lugar, pois, de fazer uma critica sobre o importante quadro da Francesca de Rimini,
eu darei simplesmente um conselho ao seu autor.
Vá para a Europa; para a Italia,
onde todos os artistas, se reunem; onde a arte é comprehendida; onde não se barateiam nem quadros, nem
retratos, quando o artista tem merito; onde não se
exige que se pintem caras sem sombra e onde afinal um critico
de bellas-artes póde
escrever sem receio de prejudicar os artistas na opinião do publico,
nem passar por pessimista.
X.
1884, ano IX, n.380, p.7
O nosso pintor Firmino Monteiro, de quem esta folha mais d’uma vez tem fallado,
faz por estes dias uma exposição, dos seus trabalhos feitos em Pariz. É no
salão do Sr. Insley Pacheco, a rua do Ouvidor, 102,
que o publico terá de admira-los.
Vão ver, e depois conversaremos.
---
Rolando
1884, ano IX, n.390, p.3
Não começarei como o illustrador
folhetinista do Brazil que, acerca da actual exposição de quadros e outros objectos
de arte mais ou menos bellas, entendeu dever tratar
dos tempos coloniaes, do conde da Barca, do Marquez de Marialva e outros personagens, que serão muito
boas pessoas sem duvida, mas que, não tendo exposto
cousa alguma, pouco ou nenhum interesse merecem aos olhos do publico e dos expositores, ávidos de saber o que pensa a
imprensa sobre as diversas obras d’arte, que se acham dependuradas nos novos
salões da Imperial Academia das Bellas-Artes.
O illustrado collega do Brazil foi para
a Academia e parou em frente no magestoso frontispicio, architectonicamente
admirado diante das bellas columnas
que ornam a entrada principal.
So isto
dá um folhetim, pensou elle, e voltou sem ter visto
cousa alguma da exposição.
D’ahi, grande
decepção entre os leitores, que chamaram os primeiros folhetins de caceteação historica.
A razão é, que estes, em lugar de pararem em
frente ao edificio, foram logo entrando, sequiosos de
ver o que se pinta n’esta terra e para esta terra.
É que na exposição ha
quadros e estatuas executados uns aqui, e outros no estrangeiro, por artistas
brasileiros que lá se acham estudando.
Figuram pois, na exposição, trabalhos de
Rodolpho Bernardelli e Henrique Bernardelli, Amoedo, Almeida Junior e Pedro
Americo: mas este é mestre e já não estuda. Tem-n’o
perfeitamente provado com a remessa de onze quadros, dos quaes
só tres são regularmente pintados.
Começaremos por tratar dos mestres Pedro
Americo de Figueiredo e Victor Meirelles de Lima. A tout seigneur
tout honeur.
Seremos, talvez severos, porem sempre justos
n’esta critica, onde o amor a verdadeira arte estará acima de tudo.
A experiencia tem provado que os grandes
louvores não tem tido outro resultado senão estragar verdadeiras vocações. Não
seremos nós que começaremos a estragar algumas que se revelam entre os
pensionistas da Academia, que actualmente estão na
Europa, apezar de ter-nos bastante agradado os
quadros que de lá enviaram. Nem esperavamos tanto.
Duas grandes victimas
de louvores immerecidos são justamente os dois principaes professores da nossa Academia, considerados genios pelos seus amigos e admirados. Estes, entendem tanto
de arte como nós entendemos de hebraico, mas nem por isso deixaram de incensal-os e cantal-os em prosa
e em verso.
O resultado foi uma tremenda decepção, pois que
hoje muitos já reconhecem que os dois genios não
passam, perante a verdadeira arte, senão de duas mediocridades.
Eles pararam quando deviam ainda estudar e
estudar sempre.
Mas pouco a pouco o gosto vae-se
desenvolvendo entre nós e os admiradores dos dois mestres já vão esfriando o
seu enthusiasmo.
Começaremos pelo Sr. Pedro Americo, professor
de esthetica, pintura historica
e archeologia.
Professor de esthetica!
É justamente o que ele não conhece. Tanto na Batalha de Avahy,
como nos quadros que se acham no salão, não se descobre o menor conhecimento
dessa sciencia da arte.
Conhece a theoria e
estamos convencido de que elle é capaz de fazer uma excellente prelecção sobre esthetica, porem, sentil-a e applical-a, nunca.
A sua reproducção da Carioca é simplesmente um
desastre!
Se censuramos o Victor Meirelles de ter
reproduzido o seu Combate do Riachuelo, sem corrigil-o
dos erros que se notaram no primeiro quadro, muito mais digno de censura é o
Sr. Pedro Americo que entendeu naturalmente que a sua Carioca era o nec plus ultra da perfeição!
Corrigir um quadro, como o do Riachuelo,
era uma tarefa que apresentava innumeras difficuldades, excessivo trabalho e prazo bastante longo; e
nem sempre o artista tem meios para fazer o que deseja. Porém, corrigir a Carioca,
uma simples figura, e em que o artista tem plena liberdade de execução, sem ser
obrigado a cingir-se ao realismo a que um quadro historico
obriga, não devia ser uma grande difficuldade para
quem se julga um genio.
O seu quadro A Noite,
prova bastante quanto elle desconhece a esthetica. Não só esta
completamente sacrificada, como tambem as proprias regras do claro-escuro, que o Sr. Pedro Americo
ignora completamente.
Não conhecer a acção
da luz sobre os corpos, realmente é imperdoável.
Essa allegoria
representa uma mulher. Está, pois, a noite personificada n’um corpo humano.
A sua posição é elegante, o rosto sympathico, os seus braços bem abertos e correctamente desenhados.
Um véo, que seria de
melhor gosto e mais esthetico não ser bordado envolve
o corpo, desde acima da cintura e cobre quasi as
pernas, vendo-se apenas a parte inferior destas a descoberto, assim como os pes, que infelizmente têm o dedo pollegar
por demais aberto.
De cada lado desta figura vê-se duas crianças,
representando os genios do Amor e do Estudo.
A posição destas é tudo quanto ha de anti-esthetico, commam e estaparfudio, sobretudo a do Amor que está a disparar uma
de suas settas, apoiado na perna esquerda e esta sobre o véo, que deixa assim
de ser um corpo flexivel para tornar-se solido.
O facho do hymeneu,
que se vê dependurado sob a barriga do amor está accesso,
mas nem por isso queima a barriga do Cupido, nem o véo
que decididamente é de ferro.
Que é de ferro, não ha
a menor duvida, pois que o outro pequeno atracado a
um pesado livro, apoia-se com toda a franqueza sobre o dito véo.
Embaixo, ao lado direito, vê-se uma coruja
voando.
A figura da Noite tem na mão esquerda
uma taça cheia de estrellas, que ella
vae semeando pelo espaço com a mão direita.
Está pois o grupo no firmamento, n’aquelle espaço sem fim, a milhões de leguas
da Terra. N’essas alturas, o Dr. Pedro Americo não ignora que não ha a menor atmosphera, e portanto
é impossivel o tal véo ter
ondulações, nem tão pouco a coruja voar.
Se esta ficasse presa nas dobras do véo e este cahisse verticalmente,
a composição tornar-se-hia mais esthetica
e sobretudo mais scientifica.
Só se poderia passar um pouco a perna á sciencia em relação ao fogo dos fachos, por causa do effeito de luz de que o quadro necessita. Infelizmente o
pintor entendeu sacrificar inteiramente essa composição, não observando a menor
regra do claro-escuro. Pode-se perdoar tudo, menos um erro d’estes, que
desacredita completamente um artista e o coloca abaixo da mediocridade.
É possivel que o Sr.
Pedro Americo, a quem não se póde negar intelligencia, tenha dado occasião
a tão grosseira falta de bom senso!
É possível que elle
não comprehenda que, tendo um foco de estrellas do lado esquerdo, estas devem projectar
toda a luz sobre a parte esquerda da figura?
Não comprehende então
que para se ter luz é preciso sombras e fortes, e que a estrella
da mão direita apenas deveria servir para attenuar um
pouco a força d’estas?
Não comprehendeu o
Sr. Pedro Americo o magnifico partido que poderia tirar da sua composição, com
o jogo de duas luzes, uma fria, meio azulada e viva como a das estrellas, outra quente e vigorosa como a do fogo, que illuminaria com reflexos avermelhados os lugares sombrios e
oppostos á outra luz!
Se o Sr. Pedro Americo não comprehendeu
o que qualquer comprehenderia, sem ser pintor; se
entendeu dever pintar aquellas figuras com uma luz
que elle mesmo não é capaz de explicar; se emfim, entende que a arte consiste só em pôr tintas a torto
e a direito n’uma tela, sacrificando a esthetica e
até o bom senso, o melhor é quebrar os pinceis e atirar a palheta pela janella fóra.
Se todavia, o Pedro Americo reconhecer que
errou; se procurar corrigir os defeitos que lhe apontamos e nos quaes nunca deveria ter cahido,
se emfim ele tiver alma de artista e quizer que o seu nome seja considerado como o de um homem
de talento e consciencioso, deixe a vaidade e o orgulho de parte, e pense no
futuro.
É preciso que d’aqui a cincoenta
ou cem annos, quando os nossos nettos
olharem para os quadros de Pedro Americo ou de qualquer genio
da actualidade... eles não se ponham a rir.
(continua).
X.
1884, ano IX, n.391, p.3
A Rabequista
arabe, o Estudo de perfil e a Menina
em costume de 1600, são os melhores quadros de Pedro Americo.
No primeiro, o que nos parece ser de muito bom
gosto, são aquellas côres
vivas e brilhantes que rodeiam parte da cabeça da rabequista.
O segundo tambem está
conscienciosamente pintado. É o retrato de uma gentil menina, de olhos grandes
e bonitos, e que parece ter uma excellente qualidade
para um pintor; é ser bom modelo.
O terceiro, mais importante como trabalho,
representa uma menina em pé e de tamanho natural - elegantemente vestida e de
porte ainda mais elegante.
O desenho d’este é correcto,
a côr harmoniosa e todos os accessorios
que completam o quadro, arranjados com gosto e pintados com muito esmero:
Por ahi se vê que o
Sr. Pedro Americo, quando se limita aos assumptos simples e que os estuda
conscienciosamente do natural, sahe-se galhardamente
d’elles e consegue produzir excellente
impressão.
Não diremos isto em absoluto, porque
infelizmente elle abrio uma
excepção com o soi-disant retrato de D.
Catharina de Athayde.
Não conhecendo D. Catharina, não podemos julgar
se o retrato está ou não parecido. É possivel ainda
que, algum dia, tenhamos a ventura de a encontrar - Não se espantem!
N’esta época de espiritismo não seria para admirar - então daremos o nosso
parecer quanto á semelhança. Por ora, limitamo-nos a
declarar que a cara é bem sympathica, diremos até
bonita.
Porém... Ahi é que o
Sr. Pedro Americo foi cruel!
D. Catharina não tinha ou não tem, com certeza,
um pescoço tão esticado!
Nem tão pouco uns braços tão compridos! E que
mãos!
E que fim levariam os hombros?!
Parece-nos que, com uma dama tão distincta como é D. Catarina de Atahyde,
o Sr. Pedro Americo deveria ter sido mais gentil, cortez
e correcto no desenho do corpo.
Quanto a cortina, fundo e accessorios
d’este quadro, não podemos deixar de achal-os
admiravelmente bem pintados.
O mesmo diremos acerca do retrato de D. João
IV. Excellente execução nos accessorios, mas pessima carnação
no joven principe. Que côr de pernas! Teria elle
brotoeja!
E a carnação da Mater
Dolorosa! Com aquelle manto azul! E aquelles olhos!
É extraordinaria a predilecção que tem o Sr. Pedro Americo pelos olhos
abertos, escancarados e espantados!
Tanto na sua Mater
Dolorosa como nos quadros historicos intitulados Joanna
d’Arc, Davi e Abisaig e Judith,
não se vê senão olhos a quererem saltar fóra das
cabeças e outros, que não cabem nestas, como por exemplo: os de Abisaig, aquecendo Davi, que chegam até as
orelhas.
Dos olhos deste velho freicheiro,
não são os de uma pessoa que está se esquentando, parecem antes os de um
louco furioso, ou os de um sujeito espantado de ver a seu lado, não uma mulher,
viva e seductora que vem a acaricial-o
e esquental-o - como diz o catalogo - mas sim uma
mulher sem graça nenhuma com uma côr de pelle horrenda, uma cara estupida e uns olhos que nunca
mais se acabam.
Não nos demoraremos em analysar
este quadro, cuja composição estapafurdia, mostra
perfeitamente que o seu autor não está na altura de assumptos desta ordem.
A Joanna d’Arc está no mesmo caso. Aquelle olhar exprime simplesmente espanto e nada mais. Aquelle jacá, puramente brasileiro e sobre o qual se vêm collocadas pesadas tampas de madeira e sobre estas ainda
uma moringa ou vaso de cobre, dão uma perfeita idéa,
não só dos conhecimentos archeologicos do autor, mas tambem dos scientificos, pois que
elle entendeu que uma materia
fragil póde suportar sobre sí outras muito mais pesadas.
Ha outras bellezas archeologicas como por exemplo um vaso vidrado e outras cousitas que não valle a pena
mencionar.
O arranjo do quadro, ou antes O
mise-en-scène não deixa de ter sua graça. O effeito
é exactamente o de um theatrinho.
De cada lado vêm-se bastidores e bambolinas em cima. Só falta a caixa do ponto
no primeiro plano.
Agora vamos tratar de outro quadro do Sr. Pedro
Americo e por ahi teremos uma perfeita idéa do grande talento que elle
tem revelado como pintor historico.
A pintura historica
não póde ser considerada senão como realista.
A poesia, o idealismo e a phantasia
devem ceder o passo á verdade do facto que o artista
reproduz, empregando essas tres cousas, apenas como
meio de embellesar a composição, mas nunca de modo a sahir fóra da verdade do
assumpto, sacrificando a realidade á fantasia, sob
pena de cahir em grave erro.
Na Judith do Sr. Pedro Americo tudo é
sacrificado, até o proprio criterio!
Não é preciso ser artista para comprehender que aquella mulher,
depois de passar a noite na tenda de Holophernes a
espera que este adormecesse, não perderia seu tempo a enfeitar-se, antes ou
depois de ter executado o seu projecto que consistia
em cortar a cabeça do terrivel guerreiro.
Ora, cortar a cabeça a um typo
desses, não é a mesma cousa de que cortal-a a um
frango.
Não direi que Holophernes
protestasse na occasião, mas, com certeza, o corpo
não ficou immovel quando Judith cortou-lhe
o pescoço. Uma operação dessas, por mais habil que
seja o operador, não se faz em um segundo, e Judith não ficou repentinamente
transformada em guilhotina.
Holophernes era
de carne e osso; por consequencia tinha sangue e
este, sahindo simultaneamente do corpo e da cabeça,
devia durante a operação, e depois desta, espirrar com força, correr abundamente e salpicar tudo em redor de si.
Imaginamos então ver Judith sair da tenda com
as feições alteradas, pallida, os cabellos
em desordem assim como as vestes, e toda ensaguentada.
Parece-nos que assim devia estar Judith e é
d’este modo que o Sr. Pedro Americo a deveria ter apresentada no seu quadro.
Infelizmente não é assim que a vimos. Calma e placida, sem a menor pinta de sangue e com as vestes muito
direitinhas, assim como o penteado e todos os enfeites que a adornam, Judith
não parece que acabou de cortar a cabeça de Holophernes,
mas sim, que se prepara a cortal-a; por isso,
levantando os braços ao céo, parece pedir a Jehovah que a auxilie em tão arriscada empreza.
Este é que deve ser o verdadeiro assumpto do
quadro pela maneira como ele foi tratado. E para isso o Sr. Pedro Americo não
tem outra cousa a fazer senão tirar a cabeça, o facão e... e mais nada.
Aceite este conselho Sr. Dr. Pedro Americo e o
seu quadro muito lucrará em relação á esthetica, á verdade
e até ao bom-senso.
O Sr. Victor Meirelles de Lima, professor de
pintura historica na Academia de Bellas-Artes,
apresentou n’este salão tres trabalhos que não são
novidades para o publico, visto que já os conhece de ha muito tempo, por terem já sido expostos.
Dois d’estes, são simples estudos de cabeça,
que nada tem de extraordinario a não ser o colorido
falso e convencional adotado pelo Sr. Victor e que faz suppôr
que são dois chromos.
O outro é o celebre Combate do Riachuelo
de gloriosa e barraconica memoria, que valeu ao seu
autor o titulo de rival de Horacio
Vernet, conferido pelo Exm.
Sr. barão de Cotegipe, uma alta capacidade artistica.
N’essa occasião, o
nosso Horacio Vernet
responde que: ...Voltára da Europa, por lembrar-se
que a patria ainda podia precisar dos seus
serviços.
Parece que a patria
não precisou de nenhum, pois que até agora, a respeito de mais quadros, e mais
serviços estamos a vêr navios - os de Riachuelo, bem
entendido.
Não faremos simplesmente a critica
ao quadro do Riachuelo, ou antes, a esse serviço a oleo
prestado á patria, mas sim
do systema de pintura adoptada pelo Sr. Victor em
todos os seus trabalhos.
O todo d’esse combate naval não nos desagrada;
a sua composição não é mal comprehendida e no seu ensemble,
ha bastante harmonia e effeito.
Ja tudo
isto é uma cousa enorme, para um assumpto tão difficil
como esse. O colorido é brilhante e o tom quente da luz, bem comprehendido em razão da hora - tres
da tarde.
Porém ha tanta luz
n’esse quadro, mas tanta, que elle chega a
produzir-nos a impressão de um dia de mormaço. Involuntariamente, quando
olhamos para elle, procuramos abrir o nosso chapéo de sol.
(continua).
X.
1884, ano IX, n.392, p.3 e 6
Como já dissemos, o Combate do Riachuelo
não nos desagrada quanto á composição. Esta é simples mas não foge do natural.
A posição do Amazonas está bem em relação á do vapor paraguayo.
No quadro ha espaço e
horisonte.
É todavia para sentir que o auctor
não tenha aproveitado a fumaça da artilharia e dos vapores para projectar sombras em alguns pontos de seu quadro, sobretudo
no convéz do vapor paraguayo.
As figuras que se vêm n’este, destacariam muito
melhor ainda, ou em luz sobre a sombra ou em sombra contra a luz, como se vê na
Batalha dos Guararapes, no grupo do tambor, o que produz excellente effeito.
Não é tanto pelo facto de destacar as figuras;
não é por ahi que estas peccam; é pelo effeito da luz que
seria muito melhor, tornando-se esta muito mais
intensa pela proximidade das sombras.
Quem tiver a menor noção de pintura, numca poderá gostar do systema de
pintar do Sr. Victor Meirelles, sobretudo quando este artista tiver de executar
telas grandes. Tudo é lambido, tudo é escovado. Não se sente a tinta, parece haver
desejo de poupal-a.
Não se nota uma pincelada dada com vigor, com
energia: tanto a carnação como as roupagens, a madeira, o ferro, o céo, o terreno, as pedras, ou as folhas, tudo é pintado do
mesmo modo. Tudo aquillo é muito bonitinho, mas não é
natural.
Quanto á côr, é a
mesma cousa; não é o colorido que a natureza nos mostra, é uma côr inventada pelo Sr. Victor Meirelles e que serve para
todos os seus quadros. Ella não deixa de ser harmoniosa, é verdade, e até certo
ponto mostra que o Sr. Victor é colorista, e nem a todos é dado sel-o.
Infelizmente a sua côr
é falsa e nada tem de natural. E como a base d’ella é
o amarello, o rôxo e o
encarnado, em todas as suas variantes, quando tem de empregar uma côr opposta, o azul-escuro ou
preto, por exemplo, este grita: aqui d’El-rei! Como
acontece com as calças do marinheiro brasileiro cahido
sobre a caixa da roda do navio paraguayo.
É a unica côr que parece ter vigor no primeiro plano do quadro.
Se collocarem este a
quinhentos metros de distancia do espectador, ninguem distinguirá mais nada do que está pintado, porem as
calças lá estarão perfeitamente visíveis, protestando contra as outras côres que a deixam só.
Onde, porém, o Sr. Victor mostra a sua
fraqueza, é no desenho, e sobretudo na perspectiva das figuras.
Tanto faz para elle,
que estas estejam no primeiro, segundo ou terceiro plano: todas são desenhadas
do mesmo tamanho e pintadas com o mesmo vigor.
Ignorancia,
pois, da perspectiva linear e aerea.
O velho paraguayo,
que vem correndo para o espectador é do mesmo tamanho, senão menor, do que um
outro collocado mais longe alguns metros, e cuja
posição da perna estendida, é algum tanto exquisita. Ninguem até hoje, soube dizer se aquella
perna é a direita ou a esquerda.
Ha quem assevere que essa figura só tem uma
perna.
As outras que seguem e que continuam a ser do
mesmo tamanho da do primeiro plano, apezar de estarem
a 10 ou 15 mettros de distancia,
rodeiam uma peça de artilharia, sobre a qual se acham debruçados.
Se estas figuras se levantassem, a peça com a
carreta mal lhe chegaria a altura dos joelhos: se esses mesmos gigantes, se
lembrassem de deitar-se sobre o convéz, a cabeça e os
pés quasi tocariam a bombordo e a estibordo do vapor.
Ou este é uma lancha, ou então as taes figuras são uns gigantes de tres
metros, pelo menos de altura!
Esse phenomeno de
perspectiva, ás avessas, não se dá somente no convez
do navio paraguayo; dá-se tambem
a bordo do Amazonas.
Este navio é visto quasi
de frente. A distancia que ha
entre a prôa e o passadiço collocado
no centro do vapor, é bastante grande: uns vinte metros pelo menos.
Pois bem, o Sr. Victor Meirelles, achou que
esse negocio de distancias é uma conversa, e a
perspectiva uma tolice.
Um heroe, como o
Barão do Amazonas - então chefe Barroso, não podia estar sujeito ás leis da
perspectiva, que reduziriam o seu tamanho pela distancia,
mas sim, áquellas que o Sr. Victor Meirelles
entendesse dever lhe dar.
O barão está no passadiço e com elle tres officiaes.
Não importa, - disse o Sr. Victor - barão, passadiço e officiaes
que venham para frente, e zás! com algumas pinceladas cheias de tinta e de
patriotismo, o heroe do combate do Riachuelo e os tres officiaes que parecem
figurinos de alfaiates, foram pintados na mesma proporção, senão maior de que a
tripolação collocada na prôa do Amazonas!
Esse tour de force, só de um Victor
Meirelles!
Pintar o barão do Amazonas com proporções
gigantescas, só porque ouvio dizer que esse illustre chefe tornára-se grande
no combate do Riachuelo, na verdade... c’est
trop fort!
Não fallaremos das incorrecções de desenho e de uma grande quantidade de
cousas estapafurdias que lá se acham pintadas e que
provam que o Sr. Victor não nasceu para genio como
julgam seus os admiradores.
Do que fallaremos sómente, é da sua pouca consciencia
como artista, visto ter tido a coragem de reproduzir os mesmos e gravissimos defeitos que apontados por pessoas competentes
e que têm mais amor á arte do que elle.
Ha só uma explicação a esse proceder anti-artistico do Sr. Victor Meirelles. É o seu immenso orgulho!
Pois não tem de que.
Esta critica feita
aos dois mais afamados professores da nossa Academia não tem por fim querer molestal-os, como elles podem
pensar.
Fomos francos e severos, mas tambem fomos justos.
Temos notado nos seus trabalhos o que é bom e
censurado o que não presta. Esta nossa franqueza, sabemos perfeitamente, não
agradará nem a elles nem aos seus amigos. Pouco nos
importa com isso. O nosso fim é dizer a verdade; e o que foi expendido nestas columnas acerca dos defeitos de ambos os mestres, póde ser verificado por quem quizer
ir á exposição e olhar com attenção
para os trabalhos criticados.
Se os Srs. Victor Meirelles e Pedro Americo se
limitassem a fazer quadros na altura de suas forças, teriam occasião
certamente de brilhar, pois que não contestamos que elles
tenham bastante talento. Mas querer atirar-se a assumptos que só pódem ser tratados por grandes artistas... é... não se
conhecer si mesmo.
A tout seigneur tout honneur, dissemos no começo desta critica do salão: por isso nos estendemos mais sobre os
dois laureados mestres da nossa Imperial Academia das Bellas-Artes.
São capazes de não agradecer essa attenção.
Paciencia... Ha
tantos ingratos neste mundo!
O Sr. José Ferraz de Almeida Junior e Rodolpho
Amoedo são os que maior sensação tem causado n’esta exposição.
Ex-alumnos e
pensionistas da Academia foram para a Europa estudar o que esta não lhes podia
ensinar; e pelos quadros que mandaram, vê-se que elles
não perderam o seu tempo.
Estudaram bastante estudaram muito até em razão
do pouco tempo que lá estiveram. Por isso não se póde
deixar de admirar os seus grandes progressos.
O Rodolpho Amoedo ainda está na Europa, tendo
conseguido do governo mais dois annos de prazo, para
executar um quadro cujo esboço enviou para a actual
exposição.
O Almeida Junior já voltou ha
um anno e trouxe comsigo varios quadros, dos quaes, quatro
figuram no nosso salão. São estes: o Remorso de Judas, boa tela pintada
com vigor e sentimento. O derrubador brasileiro, insignificante como
composição porem bem executado. O descanso do modelo, um quadro interessantissimo pelo assumpto e pela excellente
execução.
Esse foi exposto no salão em Paris e apezar de haver lá uns tres a
quatro mil quadros, conseguio chamar a attenção do publico e teve as
honras da reproducção em photogravura.
Não menos digno de louvor é a Fugida para o
Egypto, tão mal collocado na exposição da
Academia. A falta de inclinação, dá a esse quadro um reflexo, proveniente da clarabóia, que não deixa ver quasi
a cara da Virgem e a de S. José, e que no emtanto,
são pintadas com muito sentimento.
Houve um descuido bastante sensivel
na execução da agua. As patas do animal deveriam agital-a
e ella está tranquilla.
O Sr. Rodolpho Amoedo, muito tem concorrido em
abrilhantar esta exposição com os seus trabalhos. Alguns d’estes também foram
expostos no salão em Paris. São quatorze telas entre grandes e pequenas,
constando de estudos, composições e duas cópias. Só uma d’estas telas não
presta: é um estudo de cabeça de um menino napolitano. As outras, apezar de terem alguns senões, possuem qualidades que muito
as recommendam. Entre estas, destaca-se o Ultimo Tamoyo. Não gostamos muito do modo como foi
executado o frade, nem tão pouco da perna esquerda do indio.
Quanto ao mais nada temos a dizer senão que o Sr. Amoedo surprehendeu-nos
devéras, pela maneira brilhante como se sahiu de um assumpto tão difficil
quanto ingrato. Com certeza não esperavamos tanto.
Outro quadro que tem chamado muito a attenção dos amadores, é o Estudo de
mulher.
Gostamos muito da maneira franca como está
pintada essa tela, menos a cor da mulher, da cintura para baixo. Aquella cor que termina nos pés não nos parece natural, nem
está de accordo com a das costas. A cabeça é admiravel porém o cabello deixa
muito a desejar: falta-lhe luz. O braço, apezar de
ser um pouco fino, está bem modelado: outro tanto não podemos dizer das pernas,
nem das... (ó diabo!) Onde acabam as costas emfim.
A ser realista, é preciso sel-o
devéras. Perdoariamos a
ousadia de uma posição como a d’essa mulher, se a sua execução chegasse a
provocar, da parte de quem olha, o desejo de dar-lhe uma palmada. Então sim!...
Apezar
d’estes senões, o quadro tem qualidades admiráveis.
Com que franqueza é pintada aquella
seda branca, aquelle tapete, o travesseiro, o fundo,
tudo quanto rodeia a figura tão mollemente deitada!
A Partida de
Jacob é tambem uma bonita tela. O que é pena
é a posição da mão da velha e a dos dedos do pé da mesma.
O tom do fundo é harmonioso, bem que um pouco
frio. Os carneiros foram algum tanto descuidados. Em compensação - e isto é o
principal - a cabeça de Jacob é muito expressiva.
Ha tambem um esboceto
de um quadro [imagem] que o Sr. Amoedo vae executar, intitulado Jesus Christo em Capharnahum, e
que muito promette.
Não fallaremos das
outras télas do Sr. Amoedo, unicamente pela falta de
espaço. As que citámos, juntamente com as do seu collega
Almeida Junior, são sufficientes para collocarem estes dois jovens pintores em primeiro lugar
entre os artistas brasileiros.
Sentimos muito que esta nossa opinião vá
desagradar aos mestres já consagrados genios!
Mas que tenham paciencia. Le monde marche e os
novos artistas tambem.
Tanto melhor para a arte no Brazil.
Assim, ao menos, ella
irá progredindo.
X.
1884, ano IX, n.393, p. 3.
Salão de 1884 - IV
O Sr. Aurelio de Figueiredo, expoz vinte telas, sendo as mais importantes de entre estas
- pelo tamanho - a Francesca de Rimini e Cecy
no banho.
A execução d’estes dois quadros denota, no seu
autor, alguma habilidade, porém, falta absoluta de conhecimentos necessarios para emprehender
trabalhos desta ordem.
O Sr. Aurelio, ignora de todo as regras mais
elementares da perspectiva, como já verbalmente lh’o dissemos e provamos,
quando sua Francesca esteve exposta no barracão do largo de S.
Francisco. É fraquissimo em desenho e quanto a
colorido, não se póde realmente classificar o que elle é.
Ora, apresentam os quadros feitos com bastante
largueza de toque e colorido harmonioso; ora mostra-nos outros de um estylo inteiramente diverso e cuja côr
discordante e horripilante faz aos olhos da gente a mesma impressão que fazem
aos ouvidos os sons de uma rabeca desafinada.
Esses dous systemas, vieram provar que
o Sr. Aurelio de Figueiredo, costuma copiar e dar como seus grande parte dos
trabalhos que até agora tem exposto ao publico.
Ora isto não é sério.
As outras telas - menos uma intitulada Trabalho
e estudo - não valem nada. Ahi não se vê nem estylo, nem desenho, nem colorido. São na maior parte,
cópias de chromos muito ruins. Umas celebres flôres e o cesto de rosas, será tudo o que quizerem, menos flôres. A tal Contemplativa
e umas paysagens imitando hervas
á mineira misturadas com goiaba são simplesmente horriveis.
Pois bem. O Sr. Aurelio tem a pretenção de vender todas essas borracheiras á Academia! E imaginem por quanto... Vinte contos de réis!
Dez, á Francisca de Rimini, quatro, a Cecy dando de
mamar á sua companheira e seis ás outras bugigangas!
É uma audácia! É um cumulo!
Acreditamos que a Academia não terá a coragem
de comprar nenhum d’esses trabalhos que não tem o menor valor artistico. Em tempo a prevenimos.
O dinheiro é pouco e só deve servir para
comprar os melhores quadros que se acham na exposição, premiando assim os que
realmente merecem.
Muito mais modesto é o Sr. Augusto Duarte, que
contenta-se até com um conto de réis, pelo seu grande
quadro da morte de Atalá.
Apezar de
não nos agradar muito a composição, tem essa tela bellissima
qualidades como pintura, e vê-se que n’ella tudo é
bem estudado. O seu autor não é nenhum genio, mas os
seus trabalhos agradarão sempre na maior parte, pela sua conscienciosa
execução.
Quatro cabecinhas de estudo são muito bem pintadas,
assim como dous quadrinhos - Margens do Parahyba. A Cascata grande tem pedaços bem
felizes e promette futuras paysagens
melhores ainda.
O Sr. Medeiros, expoz
só um quadro, Iracema, e, lá para que digamos, não se sahio muito mal. Se bem que a figura não seja capaz de
inspirar-nos uma paixão, todavia reconhecemos na sua execução bastante
progresso e uma differença enorme de uma celebre
Lindoia ou Pinoia que o mesmo expoz no Lycêo de Artes e Officios.
Não sendo obrigado a ficar em extasis diante da Iracema, os nossos olhos
percorreram o resto do quadro e admiraram o vasto horisonte,
o céo, o mar, a vegetação, a praia, e, digamol-o em honra do Sr. Medeiros: ficamos muito
satisfeitos; nem esperavamos tanto.
Temos muito prazer em ter ensejo de louval-o, tanto mais que sempre fomos severos em outras occasiões. O Sr. Medeiros é professor da Academia e, como
tal, tem obrigações de fazer os maiores esforços para apresentar quadros dignos
da sua posição. Noblesse oblige.
O Sr. Firmino Monteiro expoz
nada menos de vinte e cinco télas entre paysagens, quadros de costume e de genero.
D’este esperançoso artistas já nos occupamos varias vezes, sendo a ultima por occasião da exposição
de alguns dos seus quadros na casa do Insley Pacheco.
A mulher do soldado e o Capitão
João Homem são duas télas pintadas especialmente
para a exposição; por isso ressentem-se ambas da precipitação com que foram
feitas para chegarem a tempo. Era muito melhor que só se apresentasse uma e bem
estudada. Porém, a mania do Sr. Firmino Monteiro é pintar muita cousa e não
acabar cousa alguma. A mulher do soldado de clavina em punho tem uma cara
horrivelmente feia e que só exprime idiotismo e a da criança mau desenha. O
soldado deitado, tem felizmente a macega que encobre um pouco o corpo.
Comtudo, esse
quadro tem verdadeiro merito no todo. A composição é
boa e as roupagens executadas largamente assim como a macega. Ao menos, n’este
quadro ha um pensamento: a idéa
é sympatica e se o seu autor tivesse melhor estudado
as caras de suas figuras, o successo do quadro seria
seguro.
O Capitão João Homem, dá exactamente a idéa que
produzimos, na parte illustrada d’esta folha, de um theatrinho de bonecos. Todas essas figuras são ridiculas, mal desenhadas e mal pintadas. O Sr. Monteiro
não tem ainda bastante conhecimento de desenho para atirar-se em composições
d’estas sem primeiramente estudar bastante do natural, fazendo posar modelos;
assim conseguirá fazer alguma cousa que agrade. Para pintar ligeiro e dispensar
o natural, é preciso ser bom desenhista e ter conhecimento exacto
da forma humana para poder executar esta de cór.
Aconselhamol-o pois
a que estude bastante antes de pintar quadros historicos
ou de genero. O Sr. Monteiro tem verdadeiramente
talento e póde vir a ser um artista notavel. Intelligente, activo e trabalhador, tem todos os requesitos
necessarios para o successo,
se para lá chegar elle tomar o bom caminho. Não é
pintando muitas telas, é pintar poucas porém bem.
Em dezoito paysagens,
ha só uma bôa; a do n. 50. As outras não passam de
esboços e na maior parte bastante descuidados e falsos de tom.
Temos os maiores desejos de que o Sr. Monteiro
vá progredindo: e se hoje o criticamos com esta franqueza, é porque temos
vontade de louval-o mais tarde, com o mesmo enthusiasmo que sentimos quando estreou com o quadro Fundação
da cidade do Rio de Janeiro.
X.
1885, ano X, n.400, p.7
Exposição
pernamente
Rua Sete de Setembro n. 102
___
Incansavel em procurar todos os meios de chamar a attenção do publico sobre os
raros productos artisticos
que de vez em quando apparecem, assim á moda de cometas, e desejando fazer conhecidos alguns
artistas nacionaes e estrangeiros que começam a dar copia de suas habilitações e boa vontade, no espinhoso
caminho da arte, o Sr. De Wilde construio ultimamente
um salão para exposição de quadros e um atelier com todas as condições necessarias e luz apropriada, para se poder vêr convenientemente os trabalhos artisticos
que lá estiverem expostos.
Na verdade, a maior parte dos trabalhos de
pintura que se vêem entre nós, perdem
extraordinariamente por falta de luz conveniente. Quasi
sempre esta é reflectida do chão e, portanto,
completamente falsa. O Sr. De Wilde tratou de obviar a esse incoveniente,
seguindo o systema que se usa na Europa, nos salões e
ateliers de pintura.
É de esperar que o publico,
amador de Bellas-Artes, visite esse salão-atelier,
dando assim prova de que não é indifferente aos
esforços d’aquelles que procuram fazer com que a arte
saia da vergonhosa apathia a que está condemnada entre nós.
Pois bem, nós esperamos justamente o contrario. Como conhecemos bem o nosso publico,
elle, ao lêr esta noticia, fará logo tenção de ir vêr
o salão. Mas essa tenção durará os 365 dias do anno.
Todavia, não ha que queixar-se. Logo que o
nosso publico faz tenção, já é alguma cousa.
X.
1885, ano X, n.405, p.2
Em beneficio da victimas de Andaluzia, inaugurou, ha
dias, o Sr. De Wilde uma exposição de quadros, em seu atelier, á rua Sete de Setembro.
Ha ali muitos trabalhos dignos de serem vistos
e adquiridos pelos amadores, contribuindo, ao mesmo tempo, para uma excellente obra, de soccoro á desgraça.
A exposição tem sido muito visitada e cremos
que o publico honrará os esforços e as intenções
desse nucleo de artistas.
Sem assinatura.
1885, ano X, n.406, p.6
Effectuou-se
afinal, a distribuição dos premios aos artistas que
concorreram com os seus trabalhos para a ultima
exposição de quadros na Academia das Bellas-Artes; na
mesma occasião, distribuiram-se
igualmente premios aos alumnos
da Academia e do Conservatorio de musica.
Acerca d’estes ultimos
premios conferidos a alumnos,
nada diremos, não sabendo se foram ou não merecidos; porém, quanto aos que a
Academio conferio aos expositores... ahi ha muito que dizer, que
gritar e que bramar contra a injustiça e a cerimonia
dos quatro individuos que julgaram do merecimento dos
quadros expostos.
Por mais prevenido que se estivesse contra as
tramoias daquella gentinha da Academia, numca se podia suppôr que,
tratando-se de uma grande exposição de quadros, na qual entraram muitos
artistas que não são da Academia, tanto nacionaes
como estrangeiros, o jury se compuzesse
só de quatro pessoas, sendo todas da casa como se se tratasse de uma
simples distribuição de premios, em familia.
Dois d’esses juizes
são tambem expositores e, julgando em causa propria, conferiram-se dous
grandes premios.
- Proponho a Grande Dignataria
da Rosa para o meu illustre amigo Victor Meirelles,
disse o Sr. Pedro Americo.
- E eu tambem
proponho a mesma Grande Dignataria para o illustre amigo Pedro Americo, respondeu o Sr. Victor.
Amen...
disseram os Srs. Bittencourt e Mafra.
E os dois grandes artistas nacionaes,
que out’ora estimavam-se como cão e gato, deram-se um
apertado abraço e os mais sinceros parabens pelo
grande premio que, mutuamente, acabavam de
conferir-se...
- Esta scena commove-me, exclamou o illustre secretario Mafra.
- Que grande comedia, disse em sua consciencia o Sup. Arch. do Lycêo, e, no entanto não teve a coragem de sahir d’ella.
Seguiram-se os outros premios.
As commendas, officialatos
e habitos, foram distribuidos
por entre os expositores amigos e sympathicos, pouco
se importando o tal jury se os trabalhos prestavam ou
não. Os outros, que não tinham a felicidade de ter relações intimas com os illustres e mutuos juizes, apenas obtiveram medalhas e menções honrosas. Entre
estes, citaremos Thomaz Driendl, J. Grimm e Henrique
Bernardelli.
O primeiro expoz um
retrato do Dr. Ferreira Vianna e um quadro de genero,
intitulado - Scena da Baviera, que
agradaram immensamente, sendo louvados por toda a
imprensa.
O segundo expoz tres grandes paysagens, de muito
trabalho e bastante valor; foi professor-contratado da Academia, durante algum
tempo e conseguio formar paysagistas,
o que nunca a Academia pôde fazer.
Henrique Bernardelli, irmão do grande esculptor Rodolpho Bernardelli, enviou algumas aquerellas, dous quadros de genero e uma copia de Raphael, encommendada pela Academia.
Este distincto
artista acha-se em Roma, em companhia do seu irmão e tem feito notaveis progressos; os seus quadros são bem aceitos nas
exposições, onde, só por empenho, se receberam os do Srs. Pedro Americo e
Victor Meirelles.
A estes tres artistas
Driendl, Grimm e Bernardelli, é que o jury conferiu medalhas como se fossem, simplesmente, alumnos...
Estamos auctorisados
a declarar que elles regeitam
semelhante honraria; e fazem muito bem.
Já conheciamos a
capacidade artistica dos membros do jury, agora conhecemos a capacidade moral.
A compra de umas celebres orchideas
a aquarella, por um conto
de réis, estorquido aos fundos destinados á aquisição de quadros de expositores, bem mostrava o que
podia ser semelhante jury...
Pobre Arte!
X.
1885, ano X, n. 407, p.7
Estudos e apreciações sobre bellas-artes,
por Felix Ferreira. Reunidos em elegante volume apparecem-nos
agora diversos estudos e criticas d’este nosso collega,
enfeixando, por assim dizer, todo o movimento artistico
dos ultimos tempos.
O genero é dos mais difficeis - maximé, entre nós.
Mesmo em paizes adiantadissimos os criticos de
arte são raros. Entre nós, porem, é quasi tentar o impossivel, pois
em uma sociedade torturada como a nossa, por problemas crueis,
a attenção publica não está ainda desassombrada para
cuidar d’esses assumptos. E a critica é destinada a
corresponder ou a elucidar uma preocupação geral, por este ou aquelle assumpto.
Isto, para nós importa em mais um motivo de recommendação do livro, pois que é em meio das difficuldades que se affirma o merito.
E, n’este caso, a simples tentativa mereceria ecomios, quanto mais em trabalho de certo folego e valor.
Desejariamos
tratar minuciosamente d’este livro, honrando assim os esforços do auctor. Fallece-nos, porém, o
espaço preciso. Trataremos, entretanto, de o lêr e
mais tarde daremos nossa opinião.
#
Argus.
1885, ano X, n.408, p.7
Depois de folhear este volume do Sr. Felix
Ferreira, passamos a fazer uma leitura mais demorada, e, posto que nos inspire
sempre consideração qualquer tentativa ou trabalho, e que pesassemos
bem a magnitude do assumpto, as decepção foram grandes!
Sem nos julgarmos auctorisado
exigir que o critico de arte, entre nós, seja um Theophylo Gauthier, um Charles
Blanc ou um Wolff, temos, comtudo, a esperar, que
quem se abalanca a estas empresas revele alguns
conhecimentos artisticos, bom gosto e criterio.
Ora, pela leitura do livro do Sr. Felix
Ferreira, vimos, com grande pesar, que essa producção
transborda de banalidade, de conceitos insustentaveis
e de injustissimas apreciações.
Para muitos artistas de merito,
que o Sr. Felix Ferreira não comprehendeu, a sua critica será um motivo de não pequeno desgosto. Luctar deseperadamente contra a indifferança do meio, e, afinal, ter como premio uma injustiça, eis o que a muitos bons talentos, que
cultivam as artes entre nós, reservou o auctor dos Estudos
e apreciações.
Por outro lado, o insenso
é queimado ás mãos cheias, sobre trabalhos de um merito
todo de convenção, obras primas officiaes, descretadas não se sabe por quem!
Resumindo: o Sr. Felix Ferreira deve empregar o
seu brilhante talento de escriptor em outra qualquer
especialidade.
Não trate mais de bellas
artes.
Tenha pena d’ellas!
X.
1885, ano X, n.409, p.2
No angulo de uma rua, em um bairo
excentrico, existia, de seculos,
um blóco granitico,
escalavrado, sujo, e coberto de lama. Muitos transeuntes tinham-lhe dado
topadas e seguiam, rogando-lhe pragas. Os enxurros, tambem,
tinham-lhe depositado, em redor todas as imundicies
das viellas proximas. Um
limo negro e infecto bordava-lhe as anfractuosidades.
Era raro o cão, que, ao passar por elle, não tinha a phantasia de se encostar um pouco, equilibrando-se,
apenas... em tres pernas.
N’essa rua morava um artista, parece que um
homem de talento, que ás vezes, ao pôr do sol, assomava á janella
e punha-se a contemplar as phantasias estranhas das
nuvens sobre o horisonte.
Um dia, baixando os olhos, por acaso, pousou-os
na pedra abandonada e o pensamento começou-lhe divagar, em caprichosas locubrações.
Pensava elle:
- Aquella pedra que
ali está nada representa. Entretanto se um artista, eu, por exemplo, a tomasse,
o meu cinzel poderia fazer d’ella uma obra d’arte!
A extravagante phantasia
encantou-º
-Quanta gente por ali tem passado, e que nem
sequer essa ideia tem tido! Pois, bem! Vou distinguir me de todo esse publico anonymo.
Transportou a pedra.
Era um blóco exquisito, partido ao acaso, com umas escabrosidades sujas,
porem, de puro granito.
Pegou no cinzel e começou a desbatal-o.
D’ahi a momentos já aooareciam
curvas nitidas e linhas de suave matiz.
Foi indo. De vez em quando parava, media,
envolvia o blóco de um olhar amoroso, e, como por
encanto, as linhas de uma elegante estactueta iam apparecendo.
O granito limpo, tinha pontos brilhanres, que reflectiam a luz e
que até oareciam pequenas lagrimas crystalisadas.
Ao fim de alguns dias, uma bonita estatueta da
liberdade, já ostentava os seus elegantes contornos.
E o artista meditava:
- Ora, quem dirá que isto sahiu
d’aquella pedra immunda,
que ali estava impedindo o curso do enxurro!
Estava encantado com a sua obra e trabalhava n’ella com tanto ardor, que, ás vezes, até se sentia
fatigado, faltava-lhe o ar e quasi que desfallecia. Mas, logo se reanimava, só pelo desejo de ver
a sua obra completa, e de contar aos seus amigos, como aquillo
tenho sido feito.
Mas eis que um bello
dia, entra-lhe pela porta dentro o visinho de
defronte, reclamando a pedra, que era sua, que por estar na rua não lhe tinha
perdido o direito e a fazer uma questão muito grande pela posse do blóco nojento de hontem, já
transformado em risonha esperança.
O artista não imaginava que podesse
haver reclamações, mas vendo-as apparecer, tenou resistir.
Dizia-lhe a consciencia:
- Isto não é mais a pedra que o meu visinho tinha em frente da sua porta, para dar topadas no
escuro. É o meu trabalho que aqui está!
Resistiu. Então, o visinho
foi queixar-se ao Juiz de paz da fraguezia, que veio promptamente ao lugar da contenda, decidindo, que, para
evitar questões, o artista entregasse a sua obra ao reclamante...
Que Salomão!
E este, pouco depois, retirava-se muito ancho e
satisfeito de sua proesa...
Mas, as pessoas que testemunhavam a scena, diziam:
- Isto é que se chama pouca vergonha! Isto é
que é verdadeiro roubo da propriedade!
E acabou-se a historia.
J. V.
É este o nome de um illustre
e distincto artista, muito conhecido no mundo das
artes (já se vê que não é o nosso) pelos seus bellos
quadros.
O publico já teve occasião de apreciar dous
esplendidos trabalhos que estiveram expostos na vitrina da conhecida casa Costrejean, representando o Jogo da bola e uma
Pescaria sob reinado de Luiz XIII.
Actualmente o Dewilde possue, no seu salão-atelier,
mais duas télasinhas, muito mimosas, do mesmo
artista.
O Sr. Langerock,
depois de ter visitado o Oriente, a Africa, o Egypto
etc. resolveo-se a visitar o Brasil e fazer
conhecimento com a nossa natureza, a única cousa decente que felizmente temos.
Que esta o absorva o
dia inteiro, afim de lhe não deixar tempo de pensar nos homens e nas cousas cá
da terra, é o que desejamos, para que elle tenha
sempre do Brazil, a mais favoravel
impressão.
Agradecendo a visita com que nos honrou
tão distincto artista e amavel
cavalheiro, fazemos votos para que o nosso sol da America
- lhe illumine o maior numero
de télas possivel, tendo
nós assim occasião de apprecial-o
por muito tempo.
X.
1885, ano X, n.412, p.3
O Sr. Parreiras, discipulo
do Sr. Grimm, expóz ultimamente no salão DeWilde, algumas paysagens, que
denotam grande adiantamento e especial vocação para esse genero
de pintura.
Desejamos que esses trabalhos encontrem
aceitação por entre os poucos amadores que temos aqui na côrte,
afim de que o seu autor possa continuar na carreira que enceitou
e para a qual o futuro reserva-lhe um bom lugar entre os nossos bons paysagistas.
Orlando.
1885, ano X, n.417, p.7
Chegou da Europa, em um dos ultimos
vapores, o talentoso esculptor Rodolpho Bernardelli,
bem conhecido no mundo das artes e geralmente considerado o primeiro artista brazileiro da actualidade.
Rodolpho Bernardelli é condecorado pelo governo
italiano, e na exposição que vae ser promovida das suas obras, o publico terá occasião de apreciar
verdadeiros primores.
Ao talentoso esculptor,
cujo nome, na velha Europa é citado entre os de maiores vultos da arte contemporanea, enviamos um aperto de mão.
Sem assinatura.
1885, ano X, n.419, p. 3.
Esteve exposta na Glace Élegante,
uma tela emmoldurada, onde se via, pintado e lambido,
o retrato de um rapaz bonitote, apertado n’uma casaca de pau preto.
Por ser mediocre o
desenho, ruim o colorido e pessima a maneira de
pintar, pareceu-nos que esse trabalho fosse de algum d’esses pinta-monos, que,
frequentemente, dão á luz detestaveis
abortos, geralmente apadrinhados o recommendados, com
adjectivos louvaminheiros, pelos nossos
noticiaristas-criticos.
Procuramos a assignatura
do quadro, mas debalde o fizemos; não existia.
***
Esse facto despertou-nos muito a curiosidade de
saber quem era o novo athleta que vinha engrossar as
fileiras dos congumellos da pintura.
E tanto indagamos, que, por fim, soubemos, de
fonte limpa, ser aquella bota obra do nosso mestre, gráo dignatario e doutor - Sr.
Pedro Americo de Figueiredo e Mello!!
Ficamos desnorteados.
Pois que! O laureado pintor historico, Dr. e professor de esthetica
da nossa Imperial Academia de Bellas-Artes; o homem
que já disse ter commovido a Italia
com as producções do seu ardente engenho, a ponto de
merecer ovações emthusiasticas de não sabermos que principes: esse portento artistico!
- não desenha correctamente um retrato, não vê o
claro-escuro, não sabe pintar o panno de uma casaca?!
E o que colligir d’ahi?
Que os grandes dignatarios,
glorias da patria e genios
da pintura, têm qualidades tão excelsas, tão mirificas, que não podem aninhar
dentro do seu talento, esta bagatella que se chama -
saber pintar um retrato; esta ninharia que tem aureolado os nomes de muitos
artistas, entre os quaes: Bonnat
e Carolus Durand?
Não. Nunca.
***
O que devemos fazer é não sermos tão beocios; não dar ouvidos a elogios partidos de bocca propria, nem a parvoices encomiasticas que se
escrevem a proposito de grandes quadros, sem se
indagar se estes são productos originaes
do talento do artista, ou se não passam de mantas de retalhos, habilidosamente
alinhavadas, e com as quaes o autor, pretendendo
tapar a vista dos que a tem perspicaz, embrulha, de facto, os pascacios boquiabertos, que illudidos,
começam a dar bordoadas de cégo no bom senso,
incensando, á direita e á
esquerda, o nome do proprio magico, que lhes virou o juizo.
Em havendo menos credulidade e mais
discernimento proprio, nada haverá que admirar,
vendo-se pintores celebrados e historicos deixarem
perigar a sua fama, por causa de um simples retrato - como succedeu
agora ao Sr. Pedro Americo que é um dos sóes
da nossa arte - mas sol que tem a originalidade commum
entre os da sua especie - de só brilhar para si e al
longe... não sendo visivel para nós.
***
Todos sabem já que o Sr. Victor Meirelles vae
pintar a cidade do Rio de Janeiro, vista do morro de St. Antonio,
para mostral-a em panorama ao mundo civilisado, que está esperando mais este attestado do nosso progresso para collocar-nos
a par... da Zululandia, por exemplo!
É bonita a idéa?
Bonita ou não, o caso é que foi apoiada por
todos os nossos collegas da imprensa, um dos quaes chegou a dizer que ella só
por si valia mais que quantas legações temos na Europa pois que, á vista do panorama, remover-se-iam os obstaculos
que impedem a vinda dos trabalhadores agricolas, os quaes correrão, então, para aqui, como os rios para o mar.
Se esta cincada estivesse nas Balas de
estalo seria uma pilheria fina: mas, impressa nas columnas
editoriaes...!
***
Rasoavelmente, não
é admissivel que, por meio de um panorama, se obtenha
o que o tempo e os esforços mais ou menos habeis,
secundado por muitos milhares de contos de réis, não têm conseguido.
É irrisorio dizer que
a gente disposta a emigrar se esqueça de que o nosso paiz,
alem de ter fama de doentio, não tem leis que
facultem aos colonos o mesmo modo de viver que elles
tem nas sua terra; que não temos o casamento civil, principal base da familia, mas que, em compensação, ainda temos a escravidão
que nos avilta e afugenta o trabalhador livre; é irrisorio
dizer, repetimos, que tudo será esquecido á vista do
tal panorama que afinal, pouco mais vem a ser do que a vista de uns feios
telhados, n’uma área irregularmente cortada de ruas tortas estreitas e immundas.
***
Dando de barato que os esplendores da natureza
que nos cerca, produzam admiradores desejosos de vel-a,
ao vivo, é evidente que esse sentimento de curiosidade só animará a roda de
artistas e alguns touristes endinheirados a emprehenderem uma viagem... de recreio; mas, seguramente,
não é com bonitas paisagens que se apanha colonos.
Fazemos votos, pois, para que essa infeliz e panoramica idéa não vá
avante; não podemos sancionar com o nosso apoio uma subscripção
que exige quantia fabulosa para a execução de um dos maiores disparates de que ha exemplo, e que não servirá senão para expor-nos ao ridiculo no estrangeiro.
Se o publico do Rio
de Janeiro está disposto a abrir os cordões da bolsa em negocios
de bellas-artes, aproveite então a sua boa tendencia
em auxiliar os nossos artistas, entre os quaes já
contamos alguns de bastante merito, comprando ou encommendado quadros.
Estamos convencidos, até de que os Srs. Langerock e Victor Meirelles, socios
na panoramatica idéa
de pintar os telheiros fluminenses, preferirão executar no seu atelier
alguns quadros, tendo certeza de encontrar compradores, do que metterem-se n’uma empreza, cujo
resultado será um tremendo fiasco.
Para subcripção
d’esse genero basta a que fez e ainda pretende fazer
o Sr. Julio Cezar, com o seu balão, n’esta terra de beocios, onde os maiores disparates encontram sempre o mais
efficaz apoio.
***
Nunca o Rio de Janeiro teve em seu seio tantos
artistas, nacionaes e estrangeiros, como
presentemente. Se os que tem realmente talento encontrassem aceitação da parte
do nosso publico e sobretudo d’aquelles
que tem meios de os occupar, teriamos
occasião de apreciar algumas producções
realmente artisticas e assim os passeiantes
da rua do Ouvidor não olhariam mais para as tremendas borracheiras, que,
diariamente, se vem expostas nessa rua, em detrimento da arte, do bom gosto e
do nosso adiantamento, que pode bem ser qualificado na altura dos hottentotes, por qualquer estrangeiro que passe diante das
casas - Galeria Moncada e Glace Elegante.
***
Temos actualmente
artistas para todos os gostos e paladares.
Para os amadores de patriotadas, que vão mais atraz da pomada e das honrarias mal adqueridas, do que da verdadeira arte, temos os grandes dignatarios da roza, Pedro
Americo e Victor Meirelles.
Para os que não gostam da arte, mas da real, d’aquella que cultivaram os maiores vultos artisticos da velha Europa, temos o Rodolpho Bernardelli
que chegou ultimamente de Italia, onde foi admirado
pelos grandes mestres e condecorado pelo rei Humberto, na ultima
exposição de bellas-artes. Os seus trabalhos acham-se
actualmente expostos da Academia de Bellas-Artes. Ahi o publico tera occasião
de admiral-os.
Rodolpho Bernardelli foi agraciado na Italia, onde a esculptura chegou
ao mais alto gráu, distinguindo-se entre os grandes
mestres, os jornaes fizeram-lhe os maiores louvores e
em toda parte obteve as mais subidas provas de distincção.
Foi o unico discipulo da
nossa Academia de Bellas Artes que honrou-a no estrangeiro. Pois bem, esse
artista de grande merito, esse verdadeiro genio, não possue a menor graça
do nosso imperial governo!
Quererá este reparar esta injustiça fazendo-o commendador? Agora, é tarde; seria pol-o
abaixo dos dois grandes dignitarios, verdadeiras nullidades artisticas, e comparal-o ao porteiro da Academia, o qual, pelos seus
importantes serviços - em tratar das portas, naturalmente - mereceu o honroso titulo de commendador.
Para agraciar o Bernardelli, estabelecendo uma
justa distancia entre o seu merito
e o dos grandes dignitarios Pedro Americo e Victor, o
governo não lhe pode dar menos do que o titulo de
Duque.
***
Estamos curiosos por ver em que parará tudo
isto.
Temos, porem, a certesa de que o Bernardelli pudesse agraciar-se a si
mesmo, como fizeram, em congregação, os laureados pintores, elle
não escolheria cousa alguma, dando-se por muito honrado com a fita da Corôa de Italia,
honrosamente conquistada no campo da Arte.
No proximo numero nos occuparemos do
magistral trabalho executado em marmore intitulado: Christo e a mulher adultera.
***
Um artista de muito merito
é sem duvida alguma o Sr. Treidler,
cujos trabalhos estão expostos no pequeno salon
do Sr. De Wilde, á rua Sete de Setembro n. 102.
Indicamos propositalmente o numero
da casa onde estão esquecidos aquelles bellos modelos de paisagem, no intuito de conseguir que o
nosso publico se desvie da rua do Ouvidor e vá
aprender a ver o que é bom, para, depois, saber condemnar
o que não presta.
Diante da maior parte dos quadros do Sr. Treidler sentimo-nos agradavelmente impressionados pelo
modo artistico, largo e limpo, e pela fidelidade com
que se ve reproduzida a natureza, que parece viver na
tela tal é a verdade dos tons.
Vê-se que o distincto
paisagista tem bastante conhecimento da perspectiva aerea,
o que torna o seu colorido transparente e verdadeiro.
Continuaremos.
Z.
1885, ano X, n.420, p.2
Rio, 31 de outubro, 1885.
A mais nobre das artes da antiguidade, a serena
esculptura, essa predilecta
dos deuses, cuja missão, quasi exclusiva,era
a representação dos Immortaes, depois de fazer
palpitar o marmore sob o cinzel dos apaixonados
artistas, pareceu, um dia, abandonar a terra.
A um longo periodo da
injustiça condemnação, pois que a julgavam uma arte,
apenas, historica, impropria ás transformações que as
epocas vão operando em tudo, e incapaz de reproduzir
as paixões, os dramas e as epopeias do mundo moderno, emergiu, afinal, das suas
ruinas, e póde-se dizer, que é hoje, uma das artes
que mais dilatado futuro têm diante de si.
Julgou-se, por muito tempo, que essa fórma de expressão, pelo facto de se gravar sobre a pedra,
não podia acompanhar nos vôos arrojados, nem o poema,
nem a téla, nem o drama e nem a musica.
Puro engano! O marmore, sente, vive e palpita, do
mesmo modo que a argilla biblica
quando o sopro de um creador a anima. Tão rica de
expressão como as congerenes, ella,
tem-se prestado, admiravelmente, á representação do heroismo, do desespero, do amor ou da piedade. A questão é
que esses sentimentos lhe sejam inspirados por quem os comprehenda!
***
Até hoje, porem, a esculptura só tem dado signaes de
vida nos paizes cheios de tradicções
artisticas, aonde o culto do bello
passa de geração em geração por um phenomeno de
hereditariedade, podendo-se dizer que é um dos componentes do sangue popular.
Não sabiamos de
nenhum paiz novo, desorganisado,
n’uma evolução palpitante, que bruscamente, como uma replica
audaciosa aos que julgavam a arte sagrada monopolio
das nações seculares, pudesse estender o braço á Grecia
ou a Italia. Pertencem-nos essa originalidade
honrosa, e, venha ella, ao menos, para compensar o
patriotismo de tantas decepções!
Quanto á explicação
do facto, as versões variam.
Alguem,
muito enthusiasta da nossa Academia de Bellas-Artes dizia:
- É que Rodolpho Bernardelli foi d’aqui muito
bem preparado.
- Creio que sim, - atalhou um dos ouvintes. Não
se póde negar que o Bernardelli levou d’aqui... o seu
talento! Nós ainda não nos achamos em estado de preparar outra cousa...
De facto, a somma de
talentos que o Brazil produz é consideravel;
mas, tambem, o numero de
assassinatos que a indifferença publica perpetra, é respeitavel. Basta passar a vista, pelos nossos annaes litterarios e artisticos... Fica-se assombrado. É um perfeito cemiterio.
Mas isto é natural, porque nos meios desorganisados, não é de certo a creança
pobre, filha de paes obscuros, mas em cujo cerebro brilha a scentelha
divina, a que encontra os meios de se desenvolver para honrar a patria.
E entratento, sem nos
referirmos á litteratura e ao jornalismo, temos um
Carlos Gomes e um Bernardelli.
***
Rodolpho Bernardelli procurou um meio propicio
para desenvolver as suas possantes faculdades, dirigindo-se a Roma e passando ahi meia duzia de annos, na frequencia dos grandes
artistas e nos trabalhos de atelie.
As suas primeiras obras, revelaram logo, para
os mestres, uma esperança esplendida.
Seguiu-se esse trabalho, subterraneo
e mysterioso, em que o artista lucta
braço a braço com a natureza a toda as horas do dia, e mesmo nos sonhos phantasticos das suas noites agitadas, até que, como um
conquistador, começa a devassar dominios incognitos.
***
Na ultima exposição
de bellas-artes vimos, com surpresa e admiração, o Santo
Estevão, um prodigio de realismo, que é o encanto
dos artistas, e aonde não se sabe que mais admirar, se a expressão dolorida e
resignada da phisionomia, que se volta para o ceu, se a flagrante verdade d’aquelle
corpo emagrecido, que tomba aos golpes do supplicio.
Fica-se extactico.
Tambem a Faceira,
esse typo das nossas florestas, essa concepção que
nos affirma que a mulher é a mesma sob todas as fórmas, esse mixto de belleza e graça, revela-nos, a cada ponto de vista novo em
que nos collocamos, os recursos magistraes
do artista.
Mas, aonde o talento de Bernardelli deu o vôo mais audacioso, foi no grupo monumental de Christo e a adultera.
Diante delle, a
multidão passa silenciosa, como se receiasse profanar
com uma banalidade, o drama palpitante que o marmore
nos desvenda.
Como concepção, não sabemos que defeitos notar-lhe. A figura do Christo,
segundo as tradicções e os trabalhos de toda ordem a
que tem dado lugar, parece-nos interpretada de modo superior. O crente, o
apostolo e o reformador estão ali, na uncção do
olhar, na serenidade da decisão da phisionomia, no
vigor da sua dominate attitude.
Os seus gestos teem a apostrophe
e teem o perdão. A seus pés a adultera, sente-se
protegida, diante de um povo maculado, que a cobre de imprecações.
A ideia que inspira a obra d’arte, parece nos,
pois, ter todos os requisitos da esthetica moderna:
clara, verdadeira, e commovente.
Quanto a execução é ella
primorosa.
Resiste, mesmo, a uma prova terrivel,
tal como ter sido calculado e realisada em dadas condiçõs de luz, recebendo-a de cima, para que as sombras
deem o necessário relevo ás expressões e ás roupas, e estar exposta, a uma luz
inteiramente diversa, que afere de lado, alterando completamente, a obra do
artista. E, na esculptura, o jogo de luz é o unico elemento de que o estatuario
dispõe, para arrancar da pedra os effeitos que elle imagina.
Mesmo n’estas condicções
inferiores de exposição, a obra de Bernardelli, sobressae
extraordinariamente, e se descessemos aos detalhes da
execução, teriamos de extasiar-nos, ante a
habilidade, a paciencia, as difficuldades
infinitas de processo, com que o artista teve de luctar,
para extrahir do blóco o marmore inutil, que circunscrevia
a fina madeixa, os braços suspensos, as dobras as roupagens, e as curvas sensuaes da adultera. E, no ponto em que ella impelle as roupas do Christo, e curva o braço escondendo o seio, ha detalhes dignos da mais alta admiração. As difficuldades materias que a esculptura offerece são enormes.
Basta, que cada um, supponha estar vendo o blóco, como o descreve o padre Antonio
Vieira, quando diz: Arranca o estatuario uma pedra
d’essas montanhas tosca, bruta, dura, informe... e depois seguir as linhas
harmoniosas da figura.
***
Rodolpho Bernardelli deve estar saptisfeito. A sua patria tem a
aspiração de ser um pais artista, e inclinamo-nos a crer, que, na America, é mesmo o unico que dá
serias esperança de o conseguir. Actualmente, porém,
o espirito publico, não tem, nem a liberdade nem o dezejo de se despreocupar das pungentes questões, que lhe
lavram o seio. Conta-se de Clemenceau, que, durante a guerra prussiana ninguem o viu rir, uma só vez. Com o Brazil,
no intimo do seu coração, dá-se o mesmo. Como Tantalo, elle morre de sêde á beira dos regatos crystalinos, e o ár puro
florestas traz, não sabemos de onde, alguma coisa de deleterio.
N’estas condicções é admiravel como a
vitalidade nacional ainda se manifesta e como ella
esquece, por um momento, a sua desgraça, para atirar um punhado de flores á
fronte dos artistas.
Julio Verim.
1885, ano X, n.421, p.6
Rodolpho Bernardelli
Sexta-feira passada, alguns artistas, amigos de
Bernardelli, offereceram lhe um jantar, no hotel Novo
Mundo.
Homens de letras e artistas ahi
se achavam reunidos, á hora aprazada, em face de um menu
de primeira ordem, mas que podia perfeitamente queixar-se, de não ter recebido,
da parte da maioria dos convivas, as attenções a que
tinha direito! As maxillas, salvas honrosas
excepções, moviam-se, muito mais para conversar, do que para fazer ao banquete as
honras principescas, a que tinha todo o direito.
Não queremos com isso dizer que fosse um jantar
platonico. Não. O que queremos expor é que elle poderia reclamar contra o facto de ser um simples
pretexto. Essa missão foi perfeitamente cumprida, realizando um rendez-vous
entre as seguinte pessoas: Dr. Ferreira de Araujo da Gazeta
de Noticias, França Junior do Paiz,
Arthur Azevedo do Diario de Noticias,Valentim
Magalhães da Semana, Angelo Agostini da Revista
Illustrada, não tendo podido comparecer o Sr. Laet do Jornal do Commercio. A roda dos artistas
compunha-se de Rodolpho Bernardelli, Zeferino da Costa, Cernicchiaro, Medeiros,
Belmiro, Decio Villares, Felix Bernardelli, Peres e
Duarte.
Achava-se, tambem,
entre os convivas o estimado negociante Sr. André de Oliveira.
A festa correu animadissima
e de modo a estreitar, ainda mais, as relações entre artistas e homens de
letras.
Conversou-se, largamente, na creação de uma sociedade, tendo por fim dar encremento ás artes, sendo um ponto de reunião para os
artistas, fazendo exposições de trabalhos, e enviando ao salão, de Paris, os
que fossem escolhidos por um jury. A sociedade
procuraria meio de subsidiar alguns artistas, de modo a que podessem
estudar na Europa; emfim, empregaria todos os
esforços para tirar o movimento artistico, no Brazil, da apatia em que se encontra.
Bella
ideia, e, a nosso ver, não muito difficil de realisar, desde o momento que os artistas se convençam que
a união faz a força e empreguem alguns esforços no sentido de terem, tambem, o seu club, com ateliers de trabalho, licções, e exposições periodicas.
Bernardelli foi muito festejado durante o
correr do banquete; mas, como elle se sentiria
lisonjeado, se d’esta festa, em sua honra, nascesse um tentamen,
serio e efficaz, em favor
da verdadeira arte e dos que a cultivam!
Sem assinatura.
1886, ano XI, n. 426, p. 6.
Rodolpho Bernardelli
A imprensa fluminense tomou a iniciativa de uma
subscripção nacional, destinada a ofertar ao artista,
cujo nome nos serve de epigraphe, um blóco de marmore e os meios necessarios para a execução do seu primoroso projecto de esculptura O Santo
Estevão.
Nada mais justo do que esse movimento de enthusiasmo por um artista que honra o Brazil
e cujos trabalhos teem sido altamente apreciados nos
maiores centros artisticos do mundo, e, entre nós
causaram não pequena impressão, valendo-lhe francos elogios de toda a imprensa,
e as maiores animações por parte do publico, que, em
grande numero, concorreu a admirar as suas obras, na
Academia de Bellas-Artes.
Infelizmente, porem,
o nosso paiz parece cada vez menos preparado, para
incitar esses trabalhadores extrenuos, n’um caminho
banhado pelo Sol da gloria, mas erriçado de urzes, ladeado de precipicios, e aonde a lucta com
os elementos é assustadora, faltando, muitas vezes, com as animações devidas a
esses espiritos de elite, cujos nomes, mais tarde, se
tornam um patrimonio nacional.
Quando a reclame ou o patronato, não se poeem á frente d’essas tentativas, em geral o publico, não liga a taes
assumptos a importancia que lhe devia merecer, ao
passo, que, grandes recursos são obtidos para obras de merito
equivoco, e de execução muito problematica, mas que
tiveram a felicidade de captivar as bôas graças do mundo official.
Então, os coffres publicos ou particulares abrem-se, valiosos auxilios são offerecidos a esses
ditosos, e, ao fim de alguns annos, ou não apparece coisa digna de attenção
ou vem á luz alguma obra enfesada,
que seria melhor continuar na obscuridade, d’onde nunca deveria ter sahido.
***
Rodolpho Bernardelli é um artista já consagrado
pelos grandes triumphos obtidos, e cujas obras ahi estão, para maravilhar os entendidos e impressionar até
os que não teem grande preocupação com as coisas da
arte.
O joven professor da
cadeira de esculptura, já condecorado pelo governo
italiano, por merito artistico,
é dos que se não contentam com os louros adquiridos. O Santo Estevão,
passa entre os entendidos, pela sua obra prima. Deixal-a
em gêsso, sem a vida propria
que a marmore dá ás concepções humanas, sujeita aos
estragos do tempo, e deteriorando-se cada dia, seria um crime, de que as
gerações futuras nos haviam de tomar serias contas.
Nada mais justo, pois, do que o empenho em que
se encontra a imprensa, de offerecer ao grande
artista os meios de executar uma de suas melhores concepções.
A subscripção vae seu
caminho.
Iniciada ha poucos
dias, conta já muitos subscriptores.
Orlando.
1886, ano XI, n. 438, p. 6 e 7.
Bellas-Artes - A
Igreja da Candelaria
Temos por habito frequentar poucas vezes as
igrejas e a razão é muito simples: os nossos tempos, em geral, são feios, pouco
asseados, de uma architectura impossivel
e cheia de ornamentação sem gosto, extravagante e excessivamente pesada. Tudo
isso tira ás igrejas o caracter severo e grandioso
que devem ter, e, apezar de não sermos ultra-catholicos, não podemos deixar passar, sem reparo,
essa falta de respeito á casa do Senhor e ás linhas architectonicas, completamente sacrificadas por uma
infinidade de arabescos e ornamentos, que não significam outra cousa senão o
desejo de gastar muito dinheiro inutilmente.
A igreja de S. Francisco de Paula, é um exemplo
do que acima fica dito. Pareceria-nos antes o tempo
das deusas da farinha ou da cal, se estas existissem. Dizem-nos que toda a
ornamentação é obra de talha; se assim é, porque
razão escondel-a sob uma camada de cal ou de tinta
branca? Fizessem-n’a logo de gesso; o effeito seriao mesmo e teriam
poupado centenas de contos de réis.
A irmandade da Candelaria
tem, felizmente, a idéa de sahir
fóra desse systhema,
empregando, em lugar de madeira pintada de branco, o marmore,
que é muito mais proprio e duravel.
Ahi, ao menos, não ha
receio de cupim nem de nenhum bicho damninho.
São dignos de louvor os provedores e irmãos que
presidiram ás obras desse templo, o primeiro, incontestavelmente, de todo o imperio e talvez da America do
Sul e bem inspirados foram elles entregando a pintura
sacra e decorativa da igreja ao Sr. Zeferino da Costa, artista consciensioso e de real merecimento.
Antes de commeçar os
seus trabalhos o Sr. Zeferino voltou á Italia, onde tinha passado alguns annos,
como pensionista da nossa Academia de Bellas-Artes e ahi, estudando o melhor meio de ornamentação para uma
igreja nas condições da Candelaria, consultando
mestres e visitando innumeros templos, conseguio voltar com todo o plano de ornamentação já
pronto, contando-se n’elle inumeros
esboços de figuras e quadros sacros perfeitamente estudados, para poder, com
toda a certeza, executal-os nas gigantescas
proporções que exigem um templo como o da Candelaria.
E é por essa razão que olhando-se para a parte concluida da igreja, vê-se tudo em perfeita harmonia, tanto
nas côres como nas proporções, conservando o trabalho
do Sr. Zeferino o mais rigoroso desenho e effeito de
perspectiva, admiravelmente bem combinados com a parte architectonica
da igreja.
Não é assim que procedem, em geral, os mais
artistas e architectos entre nós; consultando
simplesmente o seu orgulho, julgam-se uns Migueis Angelos de genios, e, mettendo as mãos a obra, ou antes os pés, executam um sem numero de disparates...
Mas voltemos á Candelaria.
Devendo se concluir a nave da igreja e as
partes lateraes, o Sr. Zeferino da Costa apresentou á nova administração das obras da Candelaria
o seu projecto para a pintura do tecto,
onde, em varios paineis, se
vê a historia da fundação da mesma igreja e a Invocação
de S. Cecília que deve figurar na parede, diante da qual se acha o côro da igreja. Esta bella allegoria foi executada em ponto grande, sobre papel e collocada no proprio lugar, para
dar melhor idéa do effeito
que deve produzir, mais tarde, quando pintada.
O excellente partido
que tirou o artista das tres janellas
produzem um admiravel effeito
de perspectiva que faz suppôr a igreja maior do que
ela é.
Ao Sr. Zeferino da Costa damos um bom aperto de
mão pelos seus bellos trabalhos e aos irmãos
administradores da Candelaria as nossas mais sinceras
felicitações por terem encontrado um artista habilissimo,
consciensioso e trabalhador.
No mesmo atelie do
Sr. Zeferino trabalha Rodolpho Bernardelli. Antigos companheiros da Academia,
tiveram occasião de estar juntos em Roma, onde as
suas almas de artistas sentiram a mesma impressão que produz a grande arte.
Hoje, elles não são
simplesmente amigos, são dois verdadeiros irmãos.
Quando se procura um, tem-se quasi a certeza de encontrar, também, o outro.
Quem quizer, pois,
ver os trabalhos do Bernardelli deve ir ao côro da Candelaria. Ahi, terá occasião de vêr alguns bustos que
devem ser fundidos em bronze, o do distincto
rabequista J. Withe, o do Sr. Visconde de Amoroso
Lima, e um outro para a camara municipal de Juiz de Fóra. São de uma semelhança perfeita e de uma execução...
de uma execução... á Bernardelli; não é preciso dizer mais nada. Tambem vê-se um S. Lucas, (gesso), projecto
para uma estatua em marmore,
em ponto maior do que o natural, para a igreja da Cruz dos Militares.
Além dessa estatua e para a mesma igreja, o Sr.
Bernardelli devia fazer tambem a de S. Marcos. Era
essa, pelo menos, a opinião do Sr. Dr. Ferreira Vianna que induziu o nosso artista
a começar o trabalho.
Bernardelli fez o S. Lucas mas... recuou diante
do S. Marcos. Lembrou se do rifão “O homem põe e Deus dispõe” e applicou-o ao caso. O Dr. Ferreira Vianna propoz mas a irmandade ainda não se dispoz
- a mandal-o executar.
No emtanto, se nessa
irmandade presidisse o gosto, o amor á arte e á religião, o S. Lucas não ficaria, simplesmente, n’um projecto em gesso. Basta olhar para elle,
para comprehender que é um crime não fazel-o executar em marmore.
É isso que o Dr. Ferreira Vianna devia fazer comprehender á irmandade. Um
homem tão intelligente e illustrado
póde prestar os melhores serviços, dando bons
conselhos; parece-nos que, se poupassem alguns centos de mil réis na cera e
armação da igreja e no foguetorio por occasião das festanças, sempre se economisariam
uns poucos de contos de réis que poderiam ser applicados
a obras de melhor utilidade e duração eterna. A cera derrete-se, mas as
estatuas ficam.
Outra imagem, e esta deve ser de um effeito deslumbrante uma vez executada em marmore é a da Virgem da Candelaria.
Suspensa no ar e o manto ainda arrastando em graciosa curva sobre o mundo que
lhe serve de pedestal, a virgem, segurando nos seus braços o menino Jesus,
produz uma impressão tão bella, tão sympathica, ha um não sei que de
celestial e sereno em toda ella, que parece impossivel ser o que se vê, a obra de um ente humano.
É este o effeito que
produz a grande arte. Olhamos para certas obras que parecem emanar directamente de Deus e quando os nossos olhos procuram o
autor, parece-nos impossivel que elle
seja uma creatura humana, exactamente
igual a nós. Era esta a impressão, com certeza, que
produzia no publico que visitava a Academia, a figura
do Bernardelli ao lado do seu grupo “O Christo e a
mulher adultera”.
(continúa).
1886, ano XI, n. 439, p. 6 e 7.
Bellas-Artes
(continuando do n. 438).
Pouco tempo depois da morte do duque de Caxias
e Marquez do Herval, alguns patriotas, movidos por
uma justa admiração pelos relevantes serviços prestados por tão illustres brasileiros, promoveram uma subscripção
popular que attingio a uma boa somma
de contos de réis, os quaes estão, provavelmente, a
dormir nos cofres de algum banco.
O fim desta subscrição, era mandar erigir um
monumento para perpetuar a memoria desses dois vultos
que pertencem hoje á historia patria
e, ao mesmo tempo, significar o justo apreço em que elles
são tidos por todos que sentem pulsar em seus peitos, o mais nobre e patriotico sentimento: o da admiração e reconhecimento por aquelles que tanto souberam honrar a patria.
Fomos dos primeiros a applaudir
a iniciativa destas subscripções que sempre pensamos
seria coroada de pleno sucesso. Não nos enganamos e grande parte do povo
correspondeu ao appello dos patrioticos
cidadãos que se collocaram a testa desta.
Mas... já lá vão seis a sete annos que se fizeram as subscripções
e até hoje nunca mais se ouvio fallar
nem em monumentos nem em cousa alguma.
O mesmo aconteceu em relação a outra gloria
nacional, José de Alencar: verdade é que sendo este um litterato,
a subscripção conservou-se nos limites da mais pura modestia.
Sempre caipóra a litteratura entre nós; até mesmo depois da morte!
Verdade é, que Alencar deixou, com suas obras,
verdadeiros monumentos litterarios, mas isto mesmo é
uma razão para que se lhe erija um de bronze.
Comprehendemos que
os dignos cavalheiros encarregados das subscripções
não tivessem, até hoje, dado andamento para a execução de tao
importantes obras artisticas, por não encontrarem, no
Rio de Janeiro, quem dellas se pudesse encarregar:
mas, desde que chegou Rodolpho Bernardelli, não ha
mais razão para uma demora que hoje não tem mais explicação.
Concluindo o modelo para o tumulo de Jose Bonifacio, o patriarcha da Independencia, Bernardelli retirou-se para a Europa, de
onde mandará, executados em marmore e bronze, os
poucos trabalhos que lhe foram confiados durante a sua estadia no Rio de
Janeiro.
É muito provavel, que
uma vez em Roma, elle não volte tão cedo. Conhecido
na Italia, como um dos melhores artistas modernos,
nunca lhe faltará nem trabalho nem gloria, e nós teremos o desgosto de ter affastado do nosso paiz, um
grande artista, de real merecimento, a quem se pódia
confiar os trabalhos de quem acima fallamos.
Se o duque de Caxias, marquez
de Herval e José de Alencar constituem tres glorias nacionaes, nada mais justo que Bernardelli, outra gloria
nacional, seja o encarregado desses tres monumentos
que honrarão o paiz.
O que esperam então as commissões?
---
Consta-nos que o Sr. Almeida Reis, pretende
apresentar-se candidato para a execução da Virgem da Candelaria.
É impossivel que elle
ignore que o Bernardelli já fez e apresentou o seu projecto.
Ou o Sr. Almeida Reis, toma os irmãos
encarregados das obras da Candelaria como uns
imbecis, ou então é de uma audacia que só encontra
desculpa na sua profunda ignorancia em materia d’arte.
Não pense o Sr. Almeida Reis, pelo facto de
termos lhe já feito alguns pequenos louvores, que tenhamos pelos os seus
trabalhos a menor admiração como obra d’arte, não.
Quando se tratou do monstro em bronze que se
acha no frontispicio da estação da Estrada de ferro
de D. Pedro II, representando o Progresso, (não é o da esculptura, com certeza) a Revista publicou algumas
palavras animadoras, é verdade, mas, com o unico fim
de não molestar ao autor e não prejudical-o na
opinião dos que lhe confiaram esse trabalho, pois por isso podia influir, algum
tanto, nos seus interesses.
Sempre fomos indulgentes e generosos para com
os artistas que trabalham, sem exigir que as suas producções
sejam obras primas; julgamos cada um segundo o seu merito:
o que não admittimos, porém, é o orgulho, a inveja e
a audacia.
O Sr. Almeida Reis deveria conhecer-se melhor,
e se a sua intelligencia não é bastante clara para
saber da differença que ha
entre elle e o Bernardelli, nós lh’o diremos já:
É a mesma que existe entre o Sr. Almeida Reis e
um servente de pedreiro boçal.
Se um destes se tivesse apresentando a tal
estatua do Progresso, o Sr. Almeida Reis teria dado com certeza, uma boa
gargalhada. Foi justamente o que fizemos, quando nos disseram que o autor do
tal Progresso e do Antonio Jose
pretendia fazer concurrencia ao autor do Christo e a adultera.
Sr. Almeida Reis, quer um bom conselho?
Vá tomar lições com Bernardelli.
X.
1886, ano XI, n. 441, p. 7.
Bellas-Artes
N’uma das salas do pavimento terreo da Typographia Nacional expoz o Sr. Rodolpho Bernardelli, grande quantidade de
quadros a oleo e a pastel feitos pelo seu irmão
Henrique Bernardelli, actualmente em Roma.
De todos os artistas modernos brasileiros que
foram para a Europa aperfeiçoar-se na arte da pintura, este parece ser o que
mais tem aproveitado.
Será por ter mais talento ou por ter ido para a
Italia de preferencia á França, onde se acham seus collegas
Amoedo e Monteiro que seguem, mais ou menos, o mesmo genero
de pintura?
Não queremos, por ora, manifestar nossa opinião
sobre o talento desses artistas que ainda estão estudando. Mais tarde, elles se encarregarão de o patentear por meio de
composições mais importantes, onde a imaginação artística na composição de um
assumpto e o savoir faire
no modo de executal-o, permittirá
formar uma opinião mais segura.
Por ora, nos limitares a dizer que Roma offerece muito mais vantagem a quem quer estudar do que
Paris. Esta grande capital, tem a vantagem, é verdade, de ver para ahi affluir tudo o que ha de melhor em materia d’arte;
as suas exposições annuaes no salon
dão uma idéa geral do movimento artistico
de todos os paizes; mas isto será sufficiente
para quem precisa estudar? Não nos parece. Será muito bom talvez para quem já
sabe e que só preciso vêr; mas para quem pretende apprender não ha outro paiz senão a Italia e sobretudo
Roma, onde se reunem os melhores alumnos
de todas as academia do mundo, que para ahi são
enviados pelos seus respectivos governos para aperfeiçoarem-se nas artes da
pintura, esculptura, architectura
e musica.
Essa quantidade de moços de talento, vindo de
toda a parte, formam um conjuncto artistico
como não se encontra em parte nenhuma do mundo. Roma será sempre a capital da
arte; é esta a sua especialidade. Paris é a capital do engenho humano, quer da sciencia, na industria ou nas
artes, mas, só em tempos determinados, por occasião
das suas grandes exposições.
Quem quer aprender vá a Roma; quem quer vêr ou expôr vae a Paris.
Henrique Bernardelli foi para a capital da Italia; elle queria estudar e não
podia escolher melhor.
Eis ahi a vantagem
que vemos nas suas pinturas sobre a dos outros seus collegas
da Academia, que estão na Europa.
Os seus quadros já são bem aceitos nas
exposições da Italia e de Paris e o mais brilhante
futuro espera o jovem pintor que muito honra a nossa Academia das Bellas Artes,
apezar desta ter sido algum tanto injusta para com elle.
Notaremos, de passagem, que o Henrique
Bernardelli não foi pensionista da Academia, mas sim do seu irmão Rodolpho, que
dividio a sua pensão para elle
poder estudar.
Hoje, procurando ainda ajudal-o,
Rodolpho Bernardelli reuniu varios quadros e grande
quantidade de estudos, emquadrou-os em elegantes e originaes molduras e espera que o publico
de bom gosto os levará para a casa para ornar os seus salões.
Por nossa parte podemos garantir que os quadros
de Henrique Bernardelli representam uma boa collocação
de capital. Comprar uma obra artistica, é o mesmo de
que comprar uma acção de uma empreza
cujos lucros, ás vezes, quadruplicam e mais o valor da mesma acção. Estamos convencidos de que com os quadros do
Henrique Bernardelli acontecerá o mesmo.
Admittindo que
algum pessimista nos diga que o nosso calculo é
duvidoso, ainda assim podemos garantir, e ninguem nos
contestará, que, a compra de um desses quadros é sempre uma boa acção.
Nessa mesma exposição acham-se algumas paysagens do Sr. Fachinetti.
Parece-nos inutil fallar desse sympathico artista,
já tão conhecido de nosso publico.
Estamos convencido de que elle
encontrará apreciadores, pois que em materia d’arte, ha gostos para todos os generos.
O systema de pintar do Sr. Fachinetti
pertence a elle só, em qualquer galeria de quadros de
algum amador fluminense, e ainda mesmo collocado
muito alto, com toda a facilidade se dirá: aquillo é
um Fanichetti.
No salão Vieitas, onde o publico
vê sempre expostos objectos d’arte e de fantasia,
como bronzes, quadros á oleo ou aquarellas,
louças porcellanas artisticas,
gravuras etc., o Sr. Castagnetto vae expor um grande numero de quadros.
Ainda não os vimos mas estamos convencidos que
devem agradar.
O Castagnetto tem
muito talento e no genero marinha que elle adoptou, elle chegará um dia
a ser notado como um dos melhores pintores.
Que os expositores sejam felizes e que seus
quadros sejam bem aceitos na opinião dos amadores e sobretudo nas suas salas, é
o que desejamos.
---
Do insigne gravador Sr. Leopoldo Heek recebemos um bello especimen de gravura, primorosamente executado, e que bem póde soffrer o confronto com as
produções similares, que nos veem do extrangeiro.
X.
1886, ano XI, n. 442, p. 3.
Exposição artistica
Continua aberta e tem sido muito frequentada a
exposição de quadros de Henrique Bernardelli e Nicolau Fachinetti,
na Imprensa Nacional.
Com a remessa de mais quatro quadros,
ultimamente vindos de Roma e que se acham igualmente em exposição, podemos
garantir e sem receio de sermos contestado por gente que entenda de pintura,
que o Sr. Henrique Bernardelli é o pintor brasileiro que mais se tem
distinguido até hoje.
Sem assinatura.
1886, ano XI, n. 444, p. 3 e 6.
Bellas-Artes
Encerrou-se no domingo, 5 do corrente, a
exposição de Henrique Bernardelli, na Imprensa Nacional.
A concurrencia do publico, apezar de não pequena,
ainda assim, não correpondeu ao que esperavamos em relação ao merito
dos trabalhos expostos. Segundo a opinião de alguns, foi isso devido á falta de reclames. É possivel
que assim seja; mas se o artista de merito tem de
lançar mão de annuncios pomposos para chamar a attenção publica, como fazem os charlatães, para impingirem
suas drogas, é preciso concordar que é bem triste semelhante expediente, que colloca a arte na mesma altura que a Herva
Homeriana ou a Salsaparrilha de Bristol!
Outra vantagem do annuncio,
sobre tudo quando este é grande ou repetido varios
vezes, é chamar sobre o assumpto annunciado a attenção da folha ou a benevolencia
da critica.
Ainda hontem tive uma
prova disso, fallando com um collega,
que taxou de estopada as corridas no Hyppodromo
Guanabara.
- Como
assim?
- Ora imaginem; a gente toma a barca Ferry para
ir ao Porto das Neves; á chegada quasi
sempre a barca encalha, ora para a direita, ora para a esquerda; toca a andar
para traz, depois para diante; com o movimento das rodas a agua torna-se
escura, pardacenta, grossa, e fedorenta; e depois de algum tempo de vae e vem,
desembarca-se no tal Porto das Neves, que muito melhor seria chamar-se porto da
lama.
- Creio que não é absolutamente necessario teres o incommodo de
lá ir. É facil saber se do resultado dos diversos pareos, por meio de informações que...
- É impossível; não tenho remedio
senão ir. Pois não viste que bom annuncio elles mandaram?...
---
Rodolpho Bernardelli não mandou annuncios para a imprensa, nem tão pouco fez o menor pedido
ás redacções, para fallarem dos quadros do seu irmão.
Enviou convites a todas as folhas e esperou que estas manifestassem a sua
opinião.
Assim, entendemos nós, devem proceder os
artistas serios e de merito
reconhecido.
Infelizmente, com a maioria de nossos
jornalistas, esse systema nem sempre produz bom
resultado para os que contam com a opinião imparcial da imprensa.
Não posso explicar d’outro modo, a frieza que
notou-se em quasi todos os artigos concernentes a
essa bela exposição artistica e em muitos dos quaes liam-se os maiores disparates.
A não ser O Paiz
que soube notar a boa impressão que lhe poduziu o bello talento do Henrique Bernardelli, os outros jornaes falaram d’este, não como de um artista já feito,
mas como de um moço que dá boas esperanças, para o futuro!
Ora bolas, para os taes
criticos...
Se depois de sete annos,
que o Bernardelli está em Roma e estudando muito, elle
só consegue dar esperanças, o melhor é aconselhal-o a
largar os pinceis, ou vir então para o Rio de Janeiro, estudar pintura com os
nossos criticos.
E se o Bernardelli não fizer isso, está perdido
para a arte, (nacional bem entendido).
Ninguem
imagina as altas capacidades que temos na imprensa, para tratar de bellas-artes! São verdadeiros maestros.
E, para provar o que aqui fica dito,
transcrevemos alguns trechos do artigo Bellas-Artes
publicado na ultima “Semana” e que muito nos fez rir.
Ahi vae essa grande peça artistica:
..........................................................
“A obra, embora não accuse
um mestre, é, hoje, grande promessa de um artista do futuro. Feita por uma
verdadeira vocação artistica, illude
muito, mormente aos julgadores inexperientes; mas uma analyse
regular, e imparcialmente feita, nos dá a conhecer certo maneirismo de toque,
certa falta de precisão no empasteamento das tintas,
como se a mão vacillasse na escrima
da espatula, e, para affectar
largueza fosse accumulando tinta e mais tinta”.
- Accumulando asneira
e mais asneira, é o que fez o illustre critico, com o
que ahi está escripto; mas,
vamos adiante:
“Noto, tambem, abuso
de tons azues e de sombras, violaceas,
já nas figuras já nas paizagens”.
Se o illustre critico
se desse o trabalho de reflectir, veria que as
paisagens e figuras feitas em pleno ar, não podem deixar de participar da luz
do céo: e sendo este azul, toda a parte que não for illuminada pelo sol ha de ser
forçosamente azulada, sobretudo nos planos mais distantes. Continua o mestre:
“Para que houvesse uma razão de ser na
prodigalidade de sombras violaceas, seria preciso que
os corpos illuminados fossem de uma determinada côr, isto é, amarella”.
Não me consta que outra qualquer côr refflicta sombras
ligeiramente roxas” !!!
- Só na cabeça do illustre
critico é que pode haver côr violacea
ou roxa, feita com amarello!
Ahi vae
uma tirada impagavel e com a qual termina tão sabia e
succulenta critica:
“Entre os quadros expostos figuram alguns que
estão em desharmonia com as aspirações estheticas do nosso tempo (!) - Estes parenthesis
são nossos - “Bacchanal, Depois da Bacchanal, Banhos romanos e Profano-sacro, são obras sem o minimo interesse, porque são inuteis.
(?!) A arte moderna tem um destino a cumprir - é a cooperadora da organisação social” (!!!)
“Toda obra que, nesta épocha,
se fizer sem o cunho caracterisrico do enorme
movimento que se opera em todas as sociedades civilisadas,
por melhor pintada que seja, tende, fatalmente a cahir
e a desapparecer da chronologia
dos productos artisticos do
ultimo quartel do seculo
dezenove” (!!!!)
Com uma lição destas, dada por tão abalisado critico, o Henrique Bernadelli
não tem outra cousa a fazer, senão pegar nos quadros das Bacchante
e outros acima mencionados, que se acham em desharmonia
com as aspirações estheticas do nosso tempo, fazel-os desapparecer da chronologia e das vistas do nosso illustre
critico e pintar individuos
de cartola e casaca, n’uma payzagem em que se vejam
muitas chaminés, locomotivas, fios electricos, bonds etc etc,
tudo enfim que tenha o movimento que se opera em todas as sociedades civilisadas.
Fazendo isto e empregando amarello
para fazer tintas violaceas e roxas, terá conseguido
uma grande victoria e os applausos
do nosso primeiro critico em malas-artes. Tão pouco não dará motivo a esta phrase, com que elle termina o
seu artigo:
“Os pintores das plaisanteries
tiveram - sua época”.
Outro tanto não se póde
dizer do escriptor d’estas plaisanteries
que assigna-se Alfredo Palheta.
Esta palheta é, naturalmente, a tal que serve
para o famoso amarello nas tinas rôxas.
Não teriamos dado a
menor importancia a esse amontoado de tolices, se
estas não viessem publicadas n’um jornal tão conceituado, como é A Semana
e cujos redactores principaes
tanto estimamos pelo seu talento e illustração.
Mas não podiamos
deixar passar tantos disparates e tanto pedantismo da parte de um individuo que tem a petulancia de
querer passar por entendido aos olhos do publico,
quando, na realidade, elle não passa de um... tolo,
muito ignorante.
Queiram desculpar os collegas
Valentim e Felinto tão rude franqueza.
Se um dia, quem firma esta sarabanda, se
lembrar de querer criticar-lhes algum artigo litterario, caiam-lhe em cima de riho
e sem piedade. Mas d’isso estamos livres, pois só costumamos fallar d’aquillo de que
entendemos perfeitamente.
Digam, pois, ao tal Sr. Palheta que trate
d’outro officio.
Henrique Bernardelli está tão altamente collocado, como pintor, na opinião dos que entendem de
arte, que não se pode deixar de reconhecer que o Sr. Palheta deu-se a um grande
disfructe, em querer dar-lhe uma lição de pintura.
X.
1886, ano XI, n. 445, p. 7.
Artes & Industrias
Os Srs. Pacheco & Filho, acabam de
apresentar mais uma novidade ao publico, com a
exposição que fizeram, em seu estabelecimento photographico,
á rua do Ouvidor 102, de um novo systema
de retratos em porcellana, vitrificados a grande
temperatura.
Já todo mundo sabe que os retratos esmaltados
por esse modo, são indeleveis á acção
da luz, do ar e do tempo, e duram seculos; o que não
acontece com os originaes em quem o tempo - este perfido - com toda a semcerimonia
e ferocidade, altera as feições por meio de rugas, que ninguem
pede, branqueia os cabellos e disforma o corpo. É horrivel!
A sciencia tem dado
grandes passos, mas ainda não chegou á maxima perfeição!
Quando se descubrir o
meio de fazer-nos viver seculos, sem alterar as
nossas feições, então sim; mas, emquanto se tratar,
simplesmente, das nossas veronicas, as grandes
descobertas, com certesa, ainda não disseram a sua ultima palavra.
Verdade, é, que o Sr. Pacheco declarou-nos que
esses retratos são mettidos n’um forno e passam por
uma temperatura de 1200 gráos de calor! Irra!
Apezar do
nosso desejo de viver muitos annos, não estamos muito
resolvidos a supportar tamanho suador!
Esses retratos que o Sr. Pacheco & Filho
acabam de expôr, podem ser obtidos por um preço tão
modico, que esta ao alcance de qualquer.
Uma grande companhia, que actualmente,
funcciona na Inglaterra, conseguio
o fabrico deste producto que tem por base a photographia; por este meio, a companhia acha-se habilitada
a fornecer, para toda parte do mundo, retratos esplendidos sobre chapas de porcellana, bastando, para isso, enviar-lhe os retratos em
papel ou clichês photographicos.
Os esmaltes que, até hoje, custavam centenares de mil reis, podem ser obtidos actualmente, pelos preços de dez até 50$000.
Esta grande revolução na arte photographica, é toda em favor do publico,
o qual, por uma insignificante quantia, poderá guardar eternamente a imagem dos
entes que lhes são mais caros.
Quem quizer pois
aproveitar essas grandes vantagens de uma nova industria
criada em beneficio de todos, dirija-se aos Srs.
Pacheco & Filho, que tratarão de satisfazer esses desejos.
X.
1887, ano XII, n. 447, p. 3.
Bellas Artes
Um destes dias fui convidado para ir ver um
novo quadro que se acha no paço municipal. Para lá dirigi-me, ou antes,
dirigimo-nos, pois que eu estava em companhia do autor do dito quadro, o Sr.
Pedro Peres.
Se, bem que este já me tivesse prevenido que o
seu trabalho se achava collocado muito alto e em pessimo luz, nunca pensei que me causasse tão má impressão.
Debalde o artista fechava umas janellas e abria
outras; em vão eu aproximava-me ou recuava, procurando o melhor ponto de vista,
ora indo para a direita ora para a esquerda. Um sem numero
de reflexos insupportaveis brilhavam, aqui e acolá,
de modo que me era quasi impossivel
perceber o quereproduzia essa tela, de não pequena
dimensão.
As janellas muito
baixinhas e estreitas para uma sala d’aquellas
proporções, cuja largura e comprimento contam-se por dezenas de metros, só
deixa entrar a luz até menos da metade do assoalho; este, a seu turno, a
reflete sobre o quadro, ou melhor, os quadros, pois que lá existem outros.
Imaginem, que luz!
A cara do Peres não exprimia, positivamente, um
grande contentamento, e pareceu-me até notar no seu olhar a mais profunda
indignação, quando se dirigia para as malditas janellas!
Se o architecto, que construio o municipal edificio, apparecesse, na occasião, creio
que teria recebido a mais valente descompostura que póde
passar um pintor - em desespero.
Excusado é
dizer que eu o teria ajudado.
Mas voltemos ao quadro: Representa elle uma das sessões festivas da nossa Municipalidade, em
que os illustres edis remettem
á Serenissima Princeza Imperial um certo numero
de cartas de liberdade, para a mesma Augusta Princeza
entregal-as aos escravos, que, desse momento em
diante, passam a ser livres como qualquer cidadão. É nestas festas que a
imperial voz de S. M. costuma dizer aos vereadores: Prosigam
ou Não esmoreçam, ou Espero não morrer sem ver livre o ultimo
escravo. Palavras essas que a Historia registrará, com o maior jubilo e satisfacção.
Se D. Pedro II nada fez para a abolição da
escravatura, ao menos mostrou que tinha boas tençôes!
É o que dirá a historia.
Mas, tornemos a voltar ao quadro. Oh diabo! Aquelles reflexos são insupportaveis!
Mas emfim, dando o
devido desconto aos ditos, vemos que no centro acha-se o throno,
emmoldurado por um riquissimo
docel, diante do qual vê-se o Imperador, a
Imperatriz, o conde d’Eu e a Princeza entregando as
cartas, a um grupo de escravos.
Á direita do quadro estão os vereadores, muito
bem agrupados, assim como algumas senhoras e meninas. Á esquerda veem-se outros
grupos, o dos libertandos, e outro, onde se distingue
perfeitamente alguns membros do corpo diplomatico e varios figurões com fardas ou sem ellas.
Grande quantidade de meninas, vestidas de branco, veem até o primeiro plano.
Nesse grupo é que se póde notar..
Maldicto
reflexo! O melhor é não notar nada, por ora.
Digo por ora, porque o Sr. Peres faz tenção de
pedir licença á illustrissima e nova Camara, para mandar o quadro para a Academia das Bellas
Artes, na primeira exposição que houver.
N’essa occasião, é
que poderei tratar, mais detidamente, d’este quadro, um dos mais importantes e
trabalhosos, que se tem pintado no Rio de Janeiro.
Limito-me, por ora, a dizer a minha impressão
sobre o todo d’elle, sem entrar em detalhes.
Agradou-me muito e fiquei, realmente, sorprehendido de vêr o Peres sahir-se tão bem, de uma empresa tão difficil,
como essa.
Aceite o jovem artista os meus sinceros parabens.
---
Os alumnos da
Academia das Bellas Artes fizeram uma exposição n’uma das salas terreas do edificio, onde, tambem, a luz não prima pela abundancia.
Ahi,
porem, longe de ser um mal, é um bem; e se a maior parte d’aquelles
ensaios, que lá estão expostos, se achassem em plena escuridão, seria, para os
seus autores, um verdadeiro beneficio.
Como não havia catalogo, na occasião
em que lá fui, não me é possivel especificar alguma
cousas melhores, que vi, e, entre essas, varias aquarellas.
Sei que um busto, um esboço, é feito por Sr. Berna, moço cheio de boa vontade e
trabalbador [trabalhador], que, com certesa, chegará a ser alguma cousa, um dia, se continuar,
sempre, a trabalhar com o mesmo affinco.
---
Quem tambem trabalha
muito e com verdadeiro enthusiasmo, é o França
Junior.
Ultimamente, esteve em exposição na Glace Elegaute [Elegante] uma sua paizagem,
em que se via, no ultimo plano o Corcovado.
Essa tela, pintada com simplicidade, tem uma justesa
de tom e um effeito dos mais agradaveis.
Com certesa, é uma
das melhores que o França Junior tem produzido. Parabens,
pois, ao distincto amador.
X.
---
N. B. - Este amador, como todos
sabem, é o Dr. França Junior, mas em materia de arte,
não se quer saber de titulo de Doutor.
Quando elle estiver
no seu juizo, então sim senhor. Mas, como aqui se
trata do pintor e não do curador de orphãos, zas! riscamos o doutor. Tenha paciencia.
1887, ano XII, n. 457, p. 3.
Pequenos Echos
***
O distincto pintor
Firmino Monteiro, tão justamente apreciado por todos os que teem
o sentimento da arte, prepara uma exposição dos seus ultimos
trabalhos.
Ahi terá
o publico occasião de vêr e apreciar os progressos realisados
pelo artista, e ao mesmo tempo verificar que elle não
tem estado inactivo.
Contamos que o publico
suffrague esses bellos
trabalhos, com o apreço de que elles são, a todos os
respeitos, dignos.
***
Dominó.
1887, ano XII, n. 459, p. 2.
Palestra
É, a todos os respeitos, lamentavel
a situação dos artistas no Brasil.
O publico, pouco
preparado para o movimento artistico, nem sempre lhes
dá os subsidios de que são dignos, e que se lhes
tornam indispensaveis á
vida.
O Estado, esse, gasta alguma cousa, mas sempre
movido pelo espirito politico e pelos empenhos.
D’ahi uma crise
permanente, que obriga os artistas a abandonarem o seu ideal, a viajarem como
mascates, e a cuidarem, em vez de obras de arte, de obras de encommenda.
Ao fim de alguns annos,
o cansaço e o desalento toma os melhores indoles, e
as vocações mais promettedoras estiolam-se. Os que,
por excepção, querem conservar o fogo sagrado, refugiam-se no estrangeiro,
ficam n’uma especie de exilio, que tambem não lhes dá grande alento, pois passam a soffrer a nostalgia do paiz
natal.
É uma desgraça!
Os paes previdentes,
que quizerem preparar um futuro risonho a seus
filhos, terão de prohibir-lhes que toquem com os labios, a taça encantadôra e
maldita, por onde se bebe a sêde de gloria, que, em
outros paizes, tem coberto de louros a fronte dos
predestinados!
Aqui, tudo se conjura, para tornar o artista de
vocação uma victima infausta.
E das manias, que a respeito de bellas-artes soffre uma parte do publico, havia assumpto para escrever bons e interessantes
volumes de anecdotas.
Agora mesmo um caso d’esses vem á suppuração.
Tratemos d’elle.
---
Todos sabem que aqui ha
uns 8 annos se levantaram fortes subscripções
que attingiram, umas, a centenas de contos e outras a
sommas muito regulares, para se elevarem estatuas a
Caxias, Marquez do Herval etc.
Depositado, nos bancos, o producto
de taes subscripções,
parece que ninguem mais pensou em tal. Os annos teem decorrido, sem que
nada se faça.
Agora, porem, apparece
a noticia de que a commissão
promotora da estatua a Caxias estava resolvida a applicar os 120 contos destinados a esse effeito.... a um Asylo.
Com que direito? perguntamos.
Pois seremos nós um paiz
de tal ordem caracterisado, como de mendigos, que só
se pense em asylos?
Pois os que subscreverem para que se elevasse
uma estatua, hão de ver agora, sem serem consultados,
as suas contribuições applicadas a outro fim?
Quem auctorisou a commissão a fazer tal?
É claro, que no trabalho de uma estatua, não pequeno numero de
artistas poderá usufruir algum lucro. E, até esse magro resultado lhes querem
tirar!
É de tal modo revoltante a decisão da commissão, que nos recusamos a dar-lhe credito.
Acham que os escandalos
e as vergonhas são poucas, com os estabelecimentos do genero,
que por ahi ha?
Ou haverá, algum negocio
de olho, com qualquer casarão em ruinas, que se quer comprar por bom preço, á custa de estatua de Caxias?
---
Depois, suppondo que
se faz a coisa, o asylo, o necroterio,
ou lá o que diabo é, com que meios hão de sustental-o?
É uma miseria!
E o que mais nos revolta é o appêllo que n’estas occasiões,
sempre fazem ao utilitarismo.
Pois haverá maior utilitarismo do que o moral?
Todo esse povo, que crusa
um largo, aonde se ergue a estatua de um patriota,
não leva comsigo uma semente do bem, não pensa ou não
falla nos actos, do heroe ou do bemfeitor, que a
nação sagrou, grata aos beneficios que lhe deve, e
que ali está recebendo homenagens da posteridade?
Provavelmente, é mais util,
que o povo falle do preço dos fornecimentos e das
obras de algum asylo asqueroso, n’uma terra que já
tem diversos, quasi perecendo á
mingua ou vivendo de donativos particulares ou de trabalho esforçado dos asylados?
Não sabiamos que a
burguesia fluminense era tão iconoclasta!
Mas, nós nos opporemos
a essas torpes machinações, que nem sequer respeitam
a memoria sagrada dos mortos e os sentimentos do
povo.
E as estatuas hão de ser erigidas.
Voltaremos ao assumpto.
Sem assinatura.
P. 6 e 7.
Bellas Artes
Fui um dia d’estes ao Gremio
de Lettras e Artes, rua do Hospicio
n. 93, sobrado.
D’esta vez não havia lettras,
só vi a arte, e esta representada por varias paisagens de pequenas dimensões. Em compensação
via-se uma, mas colossal e mettida n’uma... moldura
ainda mais colossal.
Olhei com attenção
para todas ellas e vi que realmente o Parreiras tem
progredido bastante, na difficil arte de botar tinta
sobre tela. O jovem artista tem vontade de chegar a ser alguma cousa, e, pelo
muito que já tem feito, não tendo tido, por assim dizer, mestres, é provavel que, se o ajudarem, consiga realizar os seus
desejos.
Não pretendo fazer critica d’esses quadros,
apontando defeitos aqui e acolá, como fazem alguns, a torto e a direito, nem
tão pouco pôl-os nas nuvens como tambem
fázem muito. Gosto de fazer observações, mas é em
particular, aos artistas quando m’as pedem.
Se o Parreiras não tivesse merito
nem jeito para a arte eu dir-lhe-ia francamente: mude de officio.
Mas como cejo que elle
poderá vir a ser alguma cousa, então digo lhe simplesmente: continue a
trabalhar e que Deus e o publico o ajudem.
Se eu proclamasse, como já vi escripto em um jornal, que elle é
o primeiro paisagista brazileiro, elle
tomaria isso por debique da minha parte e teria razão.
*
Castagnetto está
nas mesmas condições de que o Parreiras; tem igualmente muita habilidade e
algum talento, mas se continuar muito tempo a pintar no Rio de Janeiro, elle conseguirá apenas encher telas com tina, mas nunca
pintará um só quadro que tenha merecimento.
E isto que vae dito, não é porque, entre nós,
um artista não possa chegar á perfeição no genero da pintura que escolhe, sobretudo sendo paisagens ou
marinhas. O Rio de Janeiro, melhor que nenhuma outra cidade do mundo, apresenta
uma natureza propria para estudos de paisagens, assim
como um porto de mar e uma bahia, talvez a mais bella do mundo, onde um pintor de marinha tem campo vasto
para produzir centenas de quadros, cada qual mais variado.
Quando digo que os artistas não devem ficar
aqui, é unicamente por causa dos nossos criticos em bellas artes, que, não entendendo absolutamente nada desta materia, concorrem poderosamente para arruinar qualquer
vocação artistica com elogios bombasticos
e estapafurdios, a proposito
de qualquer borracheira pintada.
O resultado d’isto é que quasi
todos os que foram enthusiasticamente elogiados pela
nossa imprensa, tem ido para traz ou ficaram completamente estacionarios
por julgarem ter attingido ao nec
plus ultra da perfeição.
*
Castagnetto tem
sido cantado em prosa e em versos por quasi todos os soi disant escriptores de bellas artes que,
por desgraça do publico e dos artistas, escrevem nos jornaes desta Côrte. Pois bem,
fui vêr o seu ultimo
trabalho que está exposto na rua do Ouvidor e... vi que deixa muito a desejar.
Porque? Porque Castagnetto julga já ser um grande
artista, e metteu-se a pintar um quadro acima de suas
forças.
Não notarei os defeitos aqui, pois seria muito
longo: são tantos... Mas estou prompto, quando elle quizer, tanto a elle como a seus admiradores, a apontar os erros gravissimos que existem em todo o quadro.
É possivel que os seus
enthusiastas não se convençam, pois que nada ha como a ignorancia para ser
teimosa; mas elle, com certeza, entenderá e verá que
tenho razão.
Se quizer um
conselho, eil-o:
Faça o possivel para sahir do Rio de Janeiro e ir á Italia estudar.
E depois de muito estudar, verá que ainda tem
muito que aprender, mas, ao menos, pintará cem vezes melhor do que pinta hoje.
É possivel que nessa occasião os nossos illustrados criticos lhe mettam as botas.
É a melhor gloria que possa ter, pois que só
gostam do que é mediocre.
*
Uma boa e importante noticia
sobre a arte é a encommenda da estatua
equestre do general Ozorio.
Bernardelli vae dar mais uma prova do seu immenso talento e a cidade do Rio de Janeiro será
enriquecida com um monumento de grande valor artistico.
Os subscriptores para
a estatua do denodado guerreiro, terão occasião de verem realisados os
seus desejos de immortalizar-se em bronze um dos
maiores vultos da nossa historia.
Damos os parabens á commissão encarregada de mandar executar o monumento, tel o [tel-o] confiado ao
primeiro artista brazileiro, que por seu talento tem
honrado a arte nacional no estrangeiro.
Como todos os brazileiros,
Bernardelli sentiu pulsar o seu coração ao acompanhar, por occasião
da guerra do Paraguay, os feitos heroicos de legendario
general.
Elle não
executará simplesmente uma obra d’arte perfeita e correcta;
o que sahir de suas mãos ou antes da sua cabeça, será
uma obra patriotica.
Parabens ao paiz.
*
Como o Jornal do Commercio deu, ha dias, noticia que a commissão
encarregada de mandar executar o monumento do Duque de Caixias
[sic], resolvêra empregar a importancia
da subscripção em comprar uma casa para um asylo, não posso deixar de dar os pezames
a todos os subscriptores que foram enganados pela commissão.
Esta não pode assim dispôr
de uma quantia superior a 120 contos de réis para dar-lhe um destino diverso d’aquelle para que era destinada.
Não ouso ainda qualificar esse procedimento,
porque custa a acreditar que os cavalheiros que fazem parte dessa commissão sejam capazes de mal proceder n’um negocio tão melindroso como esse.
Procurarei pois ter todas as informações
precisas para voltar a esse assumpto que me parece bastante grave.
X.
1887, ano XII, n. 462, p. 6 e 7.
Bellas Artes
De algum tempo a esta parte a pintura tem
tomado um incremento extraordinario.
Nada menos de quatro exposições em pouco mais
de dois mezes, fora alguns quadros avulsos, expostos
na rua do Ouvidor.
Os amadores da pintura tiveram occasião de aprecial-a em quasi todos os seus generos,
vendo as marinhas de Castagnetto, as paizagens do Parreiras, as fructas
do Estevão Silva, alguns retratos de Decio Villares,
cuja maestria no pincel e delicadeza de colorido ninguem
eguala, os quadros historicos
de Firmino Monteiro e por ultimo o quadro de genero de Belmiro de Almeida, intitulado Arrufos e
que tem causado um verdadeiro successo.
Já não se pode dizer que não temos arte entre
nós, nem artistas que não trabalham: o que falta é serem estes animados pelo publico, que não só deve ir vêr
os seus quadros como tratar de adquiril-os.
O Sr. Firmino Monteiro expoz,
n’uma das salas da Academia das Bellas Artes, nada menos de quatro grandes
quadros historicos, tres de
genero, tres paizagens e alguns estudos.
Tudo isso foi pintado em menos de dois annos, o que parece incrivel, a
vista da importancia dos assumptos escolhidos, que
obrigam a executar muitas figuras e uma infinidade de detalhes que por si só
demandam muito tempo e paciencia. Não ha duvida que o Sr. Monteiro tem feito innumeros
progressos sobre a rapidez de execução e é provavel
que d’aqui a mais dois annos, elle
nos apresente oito grandes quadros historicos e não
sei quantos de genero. Mas um dia o fertil pintor não encontrará sala bastante grande para
expor os seus quadros, o que lhe causará serio embaraço; é bom que pense n’isso
e resolva-se de uma vez a progredir na qualidade e não na quantidade.
Eis o que a seu respeito dissemos, em Outubro
de 1884 por occasião da exposição da Academia das
Bellas Artes:
“O Sr. Monteiro não tem ainda bastante
conhecimento de desenho para atirar-se a composições d’estas, sem primeiramente
estudar bastante do natural.
“Intelligente activo, e trabalhador, tem todos os requisitos necessarios para o successo, se
para lá chegar, tomar o bom caminho. Não é pintando muitas telas: é pintar
pouco, porém bem.
“Aconselhamol-o pois
a que estude bastante, antes de apresentar quadros historicos
ou de genero”.
O que dissemos em 1884 é o que repetimos em
1887.
---
Na casa Dewilde á rua 7 de Setembro n. 102, n’uma salinha construida expressamente para exposição de quadros e
ornamentada com gosto verdadeiramente artistico,
vimos os trabalhos de Belmiro de Almeida, entre os quaes
destacam-se alguns que denotam no joven artista um
verdadeiro talento para a pintura e um certo desembaraço em atirar-se ao
modernismo, deixando as convenções antigas para atacar corajosamente o
realismo, com todas as suas bellezas e estravagancias artisticas.
A viagem que ultimamente fez a Europa, foi
curta para poder estudar convenientemente, mas foi bastante para abrir-lhe os
olhos e em menos de um anno, Belmiro conseguir dar um
passo gigante.
Se elle tornar a ir
de novo a Europa e estudar, o paiz contará com mais
um artista notavel, do que muito precisamos para
nosso desenvolvimento artistico, algum tanto atrazado e academico.
O quadro intitulado Arrufos que o
Belmiro expoz, causou-nos a mais agradavel
sorpreza pela sua esplendida execução. Alguns
pequenos senões que só um artista poderia notar, desapparecem
diante a harmonia geral do quadro, um dos mais bellos
que se tem pintado no Rio de Janeiro.
Ao Belmiro os nossos sinceros parabens.
X.
1887, ano XII, n. 463, p. 3 e 6.
Bellas-Artes
Voltando á exposição
de quadros do Sr. Firmino Monteiro, na Academia das Bellas-Artes,
ahi vimos os trabalhos da Exma. Sra. D. Bertha
Ortigão, distinctissima amadora e filha do grande escriptor Ramalho Ortigão.
São oito télas, e, destas,
duas de figuras representando um retrato e uma camponesa, quatro de flôres, uma de natureza morta e outro de paysagem. Esta ultima, pequenina
e collocada muito alto, não pudemos observal-a bem; todavia causou-nos boa impressão.
As quatro télas de flôres são muito justas no tom e bem pintadas; a natureza
morta executada valentemente, bien empâtée nas luzes e transparente de tom, produz excellente effeito, tanto de
perto como vista de longe.
O Retrato e a Camponeza
estão bem tratados, causando esta ultima agradavel impressão, pela originalidade dos trages.
São oito telas, representando quatro generos diversos, que revelam muito estudo, nenhuma
pretensão a effeitos convencionaes
e muita simplicidade na composição, ás vezes, até em demasia.
Na maior parte d’ellas
a côr é justa e bem comprehendida,
a execução franca e o desenho bem cuidado.
Desejariamos,
porém, que a distincta amadora procurasse illuminar menos os seus quadros. Obteria, com certesa, melhores effeitos de luz
e portanto mais relevo, sem maior e até com menor trabalho.
Sabemos que hoje trata-se obter verdadeiros tours
de force procurando destacar objectos claros
sobre fundo claro, despresando completamente as
combinações de claro escuro, mas, raramente, produzem bom effeito e cahe-se facilmente no
chato e no duro. Um objecto illuminado
de frente nunca terá o mesmo relevo do que recebendo a luz de lado.
Por mais que se queira imitar a natureza, esta
tem tal pujança de côr, que é impossivel
ignalal-a, sem empregar algum artificio que produza,
por meio do contraste das côres e uma boa combinação
de luz, o effeito que se deseja ou que mais se
aproxima do natural.
Somos apologistas da escola moderna, mas, como
em todas, esta, tendo suas bellezas tem, tambem, suas extravagancias. Ficar-se em um justo meio, tal
parece nos ser o mais acertado caminho que possa escolher um artista.
A boa impressão que nos causaram os trabalhos
da Exma. Sra. D. Bertha Ortigão não nos surprehendeu.
Além dos mestres que tem tido, ha um que a accompanha sempre, e
é de todos o melhor. Excusado é dizer que nos
referimos ao Sr. Ramalho Ortigão, cuja penna
transforma-se, muitas vezes em primoroso pincel, para apresentar aos olhos de
seus leitores os mais bellos quadros. Com tal mestre
para insinar-lhe a interpretação da natureza, estamos
convencidos que em pouco tempo a distincta amadora se
tornará uma verdadeira artista.
---
Outro amador, o Dr. França Junior, vae cada dia
subindo, palmo a palmo, a grande e ingreme ladeira
que conduz ao successo. Se elle
olhar para a frente, verá que tem muito que andar ainda; mas, em compensação,
se olhar para traz, terá a satisfação de ver que o ponto de onde partiu tambem está longe; e isto deve animal-o
a proseguir e a avançar, com a mesma coragem, que tem
tido até hoje.
O seu quadro, ultimamente exposto na rua do
Ouvidor, é uma prova de que elle vae cada dia
progredindo e por esse motivo damos-lhe os nossos sinceros parabens.
---
Outro, tambem que vae
caminhando pela mesma ladeira, luctando com mil difficuldades, mas cheio de coragem, é o Sr. Parreiras.
Ainda tem muito que andar, mas já percorreu boa
porção de caminho e isto deve animal-o a ir para
diante. Vê-se na rua do Ouvidor um grande quadro, que elle
expoz ultimamente, representando uma paizagem na qual nota-se muito estudo e real progresso.
Todavia, ha uma
cousa, no seu trabalho, que mais tarde elle comprehenderá melhor, com a practica
e a observação da natureza: é o ceu estar em completa
desharmonia como a hora em que pintou a sua paizagem. Modificando isso, como espero que fará mais
tarde, o seu quadro ganhará immensamente e poderá ser
considerado um trabalho de real merecimento.
Avante pois e não pare! Não faça como outros
que julgaram ter chegado ao ponto final e vencido todas as difficuldades,
e estão actualmente rolando pela ladeira abaixo, sem
se aperceberem disso, por terem dado ouvidos a louvores exagerados de imbecis
que nada endendem de arte e só servem para perder aquelles que lhes prestam attenção.
O orgulho e a vaidade são os maiores inimigos
da arte, e, por mais que saiba, o verdadeiro artista vê sempre que tem muito
que aprender. Avante pois, e trate de não rolar.
---
Os alumnos da
Academia de Bellas-Ares entraram, afinal, em concurso
de viagem para a Europa.
São sete pintores e um architecto;
este é carta fóra do baralho, e portanto um absurdo fazel o [fazel-o] concorrer com
pintores. Além d’isso não está bastante preparado na arte a que se dedica, pois
que pelo que vimos de seus trabalhos de architectura,
elle não passa do b, a, ba.
Julgou-se já uma capacidade e está
completamente perdido, se não lhe acudirem a tempo. Tivemos a infelicidade de vêr alguns projectos de
monumentos funebres que elle
garatujou, do modo o mais estapafurdio. Tambem vimos o tumulo do Fagundes Varella executado no cemiterio de Maroim em Nitheroy e ficamos deveras indignado! Que grande attentado! Pobre Varella!!!
D’ahi deduzimos que
todos esses projectos de tumulos,
feitos pelo o joven e sai disant
architecto não serviram senão para enterral-o.
Estamos promptos a
estender lhe a mão e a tiral-o da cova, comtanto que deixe a vaidade de lado e se convença de que
não sabe nada ainda e muito tem que aprender.
Mude de rumo e encontrar-nos-ha
sempre ao seu lado, animando-o e fazendo esforços para empurral-o
para diante.
O ponto escolhido para a composição do quadro
do concurso é a Flagellação do Christo. Vejam lá os Srs. alumnos
como vão tratar esse assumpto. Pelo amor de Deus não flagellem
muito a arte.
X.
1887, ano XII, n. 471, p. 6.
Bellas-Artes
Toda a imprensa tem sido unanime em censurar
severamente o proceder da Congregação da Academia das Bellas Artes, em relação
ao importante Concurso de viagem, para o qual se apresentaram sete
pintores e um architecto.
Como é sabido, é n’essa prova que se reconhece
qual o mais habilitado, para ir á Europa, como
pensionista do Estado, estudar mais 6 ou 8 annos para
aperfeiçoar-se na pintura, esculptura ou architectura.
Para isso deve haver o maior escrupulo na escolha dos professores, que tem de dar o seu
parecer e parece natural que os mais habilitados sejam os escolhidos para esse
fim.
Pois bem, tudo quanto é natural, tudo quanto é
justo, tudo quanto é onesto, é posto á margem, para commeter-se, na
tal Academia de Bellas-Artes, que deveria antes
chamar-se das más Artes, as mais clamorosas e repugnantes injustiças!
Ali, o merito não tem
o menor valor e essa casa tem poderosamente contribuido
para atrophiar a arte entre nós e desgotar
os que tem verdadeira vocação.
Com o tal concurso, duvidamos até da sua
capacidade do director. Devendo elle
escolher tres professores e dos mais habilitados para
formar commissão que devia dar parecer sobre os
quadros do concurso, nomeou o Sr. Bittencourt, professor de architectura,
o Sr. Medeiros, professor de dezenho e o Sr. Mafra,
professor de ornatos.
Havendo um architecto
no concurso, era natural a escolha do professor dessa materia;
porém como se explica a não escolha do professor de pintura, apresentando-se
sete pintores?
Porque razão o Sr. director
escolheu de preferencia o Sr. Medeiros ao Sr.
Zeferino da Costa, professor de pintura historica? E
o Sr. Mafra em lugar do Sr. Rodolfo Bernardelli, o artista mais distincto de entre todos os que tem havido na Academia?
É que tanto este como o Sr. Zeferino não se
prestam as machiavellicas combinações e jesuiticas intrigas de alguns membros dessa congregação de
professores, que em bem da arte, ha muito tempo
deveria ter sido... aposentada.
O resultado dessa commissão
incompetente, foi uma flagrante injustiça.
Por essa razão elles
protestaram contra o parecer da commissão que nem
sequer ousou combater as razões apresentadas por esses dois distinctos
e honestos artistas, por occasião da votação.
Os Srs. Bittencourt, Mafra e Medeiros ficaram
calados; só o Sr. Rozendo Moniz que não fez parte da commissão é que se atreveu a discutir arte com tão abalisados professores. Esta scena
devia ser extraordinariamente comica e attingir ao cumulo do ridiculo.
O Sr. Conselheiro Tolentino, se occupasse dignamente, a sua cadeira (fallamos
como director e não como pessoa, cujas qualidades
apreciamos) deveria ter obrigado os membros da commissão
a discutirem o seu parecer antes da votação, para que elle
e os outros membros da Congregação podessem votar com
consciencia. Mas, assim não se fez. Pondo, immediatamente, a votos o parecer da commissão-carneirada
dos professores, que nada entende de arte, votou a favor deste.
O premio de viagem
foi conferido ao Sr. Oscar Pereira da Silva, a quem não contestamos habilidade,
mas que está muito longe do merito artistico dos Srs. Hilarião
Teixeira da Silva e Belmiro de Almeida.
Para nós e para todas as pessoas serias, que
entendem alguma cousa da arte, estes dois deveriam ter sido os escolhidos.
Fica-lhes, todavia, a gloria de terem tido o
voto dos melhores professores da Academia, o dos Srs. Bernardelli e Zeferino da
Costa, que acabaram por protestar contra tão iniquo julgamento.
Em 3º lugar collocaremos
o quadro do Sr. Eduardo Sá, discipulo muito
estudioso, mas que infelizmente teve a má sorte de ter por mestres os Srs.
Victor Meirelles e Medeiros que muito o viciaram no desenho. Nos outros quadros
do concurso notam-se algumas qualidades que nos fazem esperar, da parte de seus
autores, reaes progressos para o futuro.
Não irão a Roma nem verão o Papa como, acontece
actualmente com Hilariáo e
Belmiro, mas terão o prazer de ver o publico applaudir os seus trabalhos.
X.
1887, ano XII, n.478, p. 6 e 7.
Bellas Artes
Ao De Palanque
Acha-se exposto, ao publico,
n’uma das salas da nova Praça do Commercio em construcção,
o modelo, em gesso, da estatua equestre do general
Ozorio, executado pelo Bernardelli.
É mais uma prova do grande talento d’esse notavel artista, que o Brazil póde orgulhar-se de possuir.
A melhor descripção
que podemos fazer d’essa importante obra d’arte, é o desenho d’ella, que brevemente publicaremos.
Lendo o De Palanque, do nosso collega Eloy, extranhamos algumas
observações que, a respeito d’esse monumento, elle
fez. Estamos, porem, convencidos de que reformará o
seu juizo, examinando de novo o trabalho. O legendario e caracteristico poncho
rebelde, lá está nos dois baixos relevos que representam duas batalhas das
mais importantes, em que Ozorio tomou parte. Esses dois assumptos não estão
acabados; posso até garantir que nem estão feitos; o que se vê ali, é apenas
uma indicação ligeira de dois baixo-relevos, para dar
uma idéia do que será o monumento. Ainda assim, o
artista provou bem claramente não se ter esquecido do poncho e da lança,
que, no nosso entender, estão muito melhor collocado,
ali do que na estatua.
Se Bernardelli o tivesse posto, como parece
desejar o collega, o effeito
seria simplesmente detestavel; essa grande massa de
bronze cobrindo completamente o corpo do general deixando-lhe apenas apparecer a cabeça e as botas, daria uma perfeita ideia,
vendo a estatua pelas costas, de uma collossal tartaruga a cavallo ou
de uma não menos collossal concha marinha, privilegio
que só tem Venus, e ainda assim, collocada
debaixo dos pés e não sobre os hombros.
De maneira como a estatua
está executada, não só ve-se a cabeça do heroe, como tambem o seu corpo. O
movimento que este tem é cheio de energia e tudo isso sem ser forçado, sem
procurar nem a pose nem o effeito. É o Osorio no acto de commandar as suas tropas,
dando o signal de ávante.
Pela posição da cabeça, meia voltada para traz,
vê-se que o general está á frente de suas tropas,
ideia felicissima que teve o esculptor,
que não podia representar senão uma figura.
A posição do cavallo
é admiravel e sua execução esplendida, attendendo a se tratar de um simples modello,
para dar ideia do que será o monumento, em grande. O collega
sabe que esse projecto foi feito no côro da Candelaria e portanto
n’um logar impossivel de
fazer um estudo consciencioso, como o fará mais tarde, na execução da estatua, em atelier expressamente construido
para esse fim e podendo ter diante dos olhos um cavallo
que elle fará montar, para bem estudar todos os
movimentos. Ora, se, em condições pessimas o artista
tem conseguido fazer o que vemos actualmente, o que
não fará quando der começo ao trabalho definitivo.
Alguns teriam preferido, talvez, ver o cavallo em posição mais brilhante, correndo, ou estacado ou
empinado. Essa mesma ideia provavelmente a teve o artista; porém na practica, aquillo que nos parece
bom em ideia, torna-se inexequivel.
Correndo ou galopando é impossivel,
a menos de botar-lhe um tronco d’arvore por baixo da barriga para segural-o ao pedestal, o que seria horroroso.
Estacado, soffreado
pela rédea dá ideia de parar, o que não vae muito de accordo
com a divisa do general que era marchar ávante.
Empinado, é uma difficuldade enorme de equilibrio para uma estatua de
bronze, além do feio aspecto que representaria a pança do animal para quem
visse a estatua de frente, ficando completamente
escondido atraz do cavallo,
o corpo do general.
A posição escolhida pelo artista é a mais
adequada ao effeito que se deseja obter. De qualquer
lado que se olhe a estatua, o aspecto do cavalleiro e do cavallo é admiravel.
Para nós, esse monumento representa, ao mesmo
tempo, uma gloria militar e artistica, de que o Brazil se póde vangloriar.
Agora duas palavrinhas, a proposito d’este seu
trecho:
“Não vi o Osorio, de Almeida Reis, e não o vi propositalmente,
porque, tendo-se estabelecido certa rivalidade entre os dous
artistas, não quiz provocar azedumes nem desgostos”.
Se o collega é, na
realidade, amigo de um e de outro e não quer desgostar a qualquer d’elles, errou o seu proposito.
Em primeiro logar,
nego positivamente a sua amizade para o Bernardelli. Se assim fosse, não o
compararia ao Almeida Reis. Não póde haver offensa maior do que certas comparações, quando ha distancias de... leguas entre
o merito dos comparados.
Além d’isso, a amizade nunca deve entrar em
questão de arte.
O escriptor escreve
para o publico e não para os amigos; a não ser assim,
o critico fará sempre um triste papel.
Querer apresentar o Sr. Almeida Reis como rival
de Bernardelli, é de um ridiculo sem nome! É até, um
insulto que involuntariamente - estou convencido - atirou a um artista tão distincto quanto notavel.
O que vale é que todos darão o devido apreço a
semelhante disparate, levando-o á conta da ignorancia do auctor em materia de arte.
Não se escame agora o collega
comnosco, por termos a franqueza de fallar assim, e ponha, sempre que tiver de escrever para o publico, os seus amigos de parte.
Ou, então, não diga nada, que ainda é o melhor.
X.
1888, ano XIII, n. 481, p. 6.
Bellas-Artes
Um sincero agradecimento ao distincto
pintor Sr. Rodolpho Amoedo pela offerta de uma lindissima photographia, copia do seu esplendido quadro que figurou no Salão,
em Paris, Daphne e Cloé [imagem].
Brevemente, o publico
terá occasião de observar esse bello
trabalho, que servirá de consagração ao nome já festejado d’este notavel artista.
Depois que chegou - de perfeita saude e cheio de animação -, pelo que o felicitamos, Amoedo
não tem estado inactivo, applicando-se
aos trabalhos de preparo da sua téla, uma das mais
preciosas que vae contar a Academia das Bellas Artes.
Tendo permanecido oito annos
na Europa, no estudo da sua arte e no cultivo dos principaes
pintores, como pensionista da Academia, volta-nos o brilhante artista com o producto dos seus trabalhos e os melhores desejos de ver a
sua arte prospera e respeitada, aqui, aonde a teem
feito soffrer tantos supplicios.
Felicitando o talentoso pintor, reservamo-nos
para escrever com mais vagar sobre o seu quadro, quando fôr
aberta a exposição.
***
As commissões dos
monumentos a Osorio e Caxias, contractaram a execução
d’essas estatuas com o distincto esculptor
Rodolpho Bernardelli, um dos primeiros esculptores,
não dizemos que o Brazil possue,
mas que o mundo possue.
Rodolpho Bernardelli é condecorado, na Europa,
por merito artistico, e
bastaria a sua esculptura da Adultera para lhe dar um
dos primeiros lugares entre os esculptores modernos.
As commissões são
dignas de um voto de louvor, pela deliberação que tomaram e na qual só e
unicamente preponderou o merito do eminente artista.
Folgamos com esse acto
de justiça.
***
Acha-se publicado o relatorio
da aula de pintura da Academia, no ultimo anno. É da
lavra do distincto professor Sr. João Zeferino da Costa,
a cujos esforços se devem aos progressos reaes que os
alumnos da dita aula estão revelando.
O trabalho do Sr. Zeferino da Costa é digno da attenção dos especialistas e honra sobremaneira o seu
talento e a sua seriedade.
***
Por todo este mez,
inaugura o symphatico pintor A. Parreiras, uma
exposição de quadros e trabalhos seus.
Comparecem a Princeza
imperial e seu augusto esposo.
A exposição do Parreiras consta de uns 20
quadros, quasi todos executados em Cabo Frio, ha pouco tempo.
S. Marcial
1888, ano XIII, n. 482, p. 2.
Jorge Grimm
Com o maior pezar
recebemos a noticia do fallecimento
desse distincto artista, de quem, por varias vezes, nos temos occupado n’esta folha, quando, cheio de saude
e com um ardor infatigavel para o trabalho,
apresentava-nos télas dignas dos mais altos encomios pelo modo franco e largo com que eram pintadas,
notando-se em quasi todas uma perfeita observação da
nossa natureza, desesperadamente verde ás vezes, mas riquissima
e do mais extraordinario pittoresco.
Ainda nos lembramos de algumas paizagens que, pouco antes delle
partir para a Europa, vimos na casa do De Wilde. Representavam a serra dos Orgãos tomada de varios pontos,
cada qual mais original, mais phantastico. Eram as ultimas que elle tinha pintado e
com a intenção de leval-as comsigo.
Queria talvez, assim, não separar-se inteiramente, do Brazil,
onde tanto tinha trabalhado, e, ao mesmo tempo, concorrido poderosamente para
desenvolver o gosto pela paysagem.
Encarregado pela Academia de Bellas Artes de
dirigir essa aula, Grimm, cujo caracter franco e
brusco, ás vezes, não se conformava com o systema
retrogrado e jesuitico dos que dirigem esse
estabelecimento, tratou logo de carregar com os seus discipulos
para o campo e disse-lhes: “A verdadeira Academia é esta!”
O resultado foi magnifico, e, pouco tempo
depois, os seus discipulos apresentaram trabalhos que
mereceram geraes applausos.
Caron e Vazquez, actualmente na Europa, Ribeiro, França Junior, A. Parreiras
e outros, cujos nomes não lembramos, sentirão muito, estamos convencidos, a
morte de quem guiou os seus primeiros passos, levando-os, com decisão, pelo
verdadeiro caminho da arte.
X.
1888, ano XIII, n. 483, p. 6 e 7.
Bellas Artes
Os dois quadros que nos trouxe Amoedo e que se
acham expostos na Academia das Bellas Artes, são verdadeiramente dignos de
serem admirados. Não queremos dizer com isto que elles
representam a sua ultima palavra, não; o proprio artista está convencido de que ainda não fez tudo
quanto poderá fazer e muito temos ainda a esperar do seu talento, quando descançadamente poderá entregar-se ao trabalho, escolhendo
assumptos á sua vontade, para os quaes
sente maior vocação, sem os apertos em que geralmente se acha um pensionista
que tem de attender a escassez do tempo, ao genero do assumpto e quasi que,
até ao modo de pintar, para ter a approvação das
altas capacidades artisticas da nossa imperial
Academia das Bellas Artes.
---
Gostamos bastante dos dois quadros e mais ainda
do Daphnis e Chloé. A composição deste ultimo é esplendida.
Compenetrando-se perfeitamente do assumpto, o
artista deu um que de singelo, de agreste e de simplicidade que agrada immensamente á primeira vista; e
direi até, á segunda, se a entoação da carne do velho
fosse menos rosada, menos limpa, e outros pequenos senões de desenho.
Amoedo está convencido e eu tambem,
de que copiou fielmente o natural e que o modelo dava exactamente
esse effeito e essa côr.
Será essa uma razão para estar na verdade? Não. Se se tratasse de um estudo do
nu, de accordo, deve-se copiar exactamente.
Porém trata-se de um qadro; da reproducção
de um facto, que obriga a pensar mais um pouco, do que em pôr simplesmente na téla o que temos diante dos olhos.
Ora, como o velho Philectas
não andava nem de paletot, nem de calças e até mesmo
sem camisa, não podia ter a mesma côr de pelle dos modelos que só se despem diante dos artistas,
para a execução de seus quadros. É natural, pois, que a d’esse velho patusco,
exposta ao sol, á chuva e á
poeira, não tivesse uma cor tão delicada, e que a torna por demais semelhante á da joven Chloé.
Comprehendo que o
Amoedo não podia, com os poucos recursos de que dispõe um pensionista, dizer ao
modelo: Vá passear no campo, durante trez meses, com
os trajes do pae Adão e volte”. Mas nem por isso,
posso deixar de reparar nesse descuido.
Hoje, a critica
moderna, muito mais exigente do que em outros tempo, aponta todos esses senões,
o que obriga o artista a ser o mais realista possivel.
Alguns da escola antiga revoltam-se contra esse realismo e acham que uma perna
é mais bonita limpa do que empoeirada.
Mas a verdade é sempre a verdade; e esta não póde ser sacrificada a velhas convenções. Neste caso, eu
voto pela perna empoeirada.
---
O outro quadro, “Christo
em Capharnaum” é tambem agradavel de composição, se bem que este cheira um pouco a systema antigo. Aquelle doente
(com certeza não está para morrer) e apresenta igualmente a carnação de um
modelo forte, sadio e accostumado a passar bem. De
todas as figuras é esta a mais bem acabada: aquellas
pernas são admiraveis. A vista de um nu tão bello, Amoedo não resistiu e com todo enthusiasmo
attirou-se a elle. O mesmo
não podemos dizer das outras figuras. O artista entendeu que eram secundarias e
tratou-as com pouco caso, quasi que nem as acabou.
Não lhe levo isso a mal e o seu quadro pouco
perde com estarem ou não bem acabadas algumas figuras; o effeito
seria o mesmo e aqui a questão é mesmo de effeito.
Parece-nos prem que não deveria levar este até a
exageração, descurando figuras que se acham tão proximas
e cujo tamanho é quasi o natural.
O Christo entra bem e
tem bastante magestade, talvez de mais. Quanto a isto
nada ha a dizer; cada um trata-o como sente. O fundo
é simples, e terá um que de sombrio e mysterioso, em
todo elle. O que o torna muito agradavel.
Em summa, é um bello
quadro, ou antes, são dois bellos quadros, que
merecem os maiores applausos.
---
Com verdadeiro prazer vejo que o publico já não se mostra indifferente
pela arte, entre nós, como notava-se antigamente. As exposições já são
concorridas: os nomes dos Bernardelli, Zefirino, Amoedo, Decio
Villares, Almeida Junior, Peres, Driendl, Caron,
Vasquez, Duarte, Parreiras, Ribeiro, Gensollen, Hilarião, Belmiro Monteiro, e muitos outros, cujos nomes
não nos occorrem n’este momento, são amiudadas vezes
pronunciados nos grupos dos amadores que, cada vez mais, se vae engrossando,
discutindo sobre o merito de tal ou qual artista,
amador ou amadora, pois que entre estes contam-se alguns verdadeiramente notaveis: citarei o nome de França Junior, mas calo o das
senhoras, para não offender susceptibilidades com
algum esquecimento.
Esse movimento artistico
notou-se de alguns annos a esta parte, desde que os
artistas tomaram a resolução de exporem os seus trabalhos, sem esperarem pelas
exposições officiaes da Academia das Bellas Artes,
que só apparecem, quasi, de
dez em dez annos.
A principio, só iam
os amigos; estes depois levaram outros, e, o que acontece com as vitrinas da
rua do Ouvidor, dá-se exactamente com as exposições
de quadros.
Qualquer objecto
exposto n’uma vitrina, quer tenha ou não valor, o publico
passa indifferente; se porém dois ou tres individuos se puzerem a olhal-o attentamente, em menos de 10 minutos perto de cem pessoas
estarão agrupadas em volta, procurando vêr, ou
indagando o que é? do que se trata? etc., etc.
Não admira, pois, a grande concurrencia
que tem havido nas duas exposições, que existem actualmente:
a do Amoedo que voltou de Europa de borla e capello e
a do Parreiras que para lá parte neste mez, onde irá
a perfeiçoar-se na sua arte de paisagista e de onde, estou convencido, voltará
um perfeito artista. Activo, intelligente
e trabalhador, Parreiras tem tido o bom senso de não inchar com o incenso
venenoso dos louvores exagerados; por isso tem elle
feito muitos progressos e ainda ha de progredir
porque elle sente que em arte não se chega facilmente
á perfeição, e por mais que se estude, sempre ha que estudar.
Os seus ultimos
estudos expostos na rua do Ouvidor em casa do Insley
Pacheco, tambem artista e o nosso melhor photographo, sempre prompto a
pôr, á disposição dos artistas tanto a sua pessoa
como a sua casa, tem tido muito apreciadores e creio que, até esta hora, estão
todos vendidos.
S. Alteza e Regente, honrou o artista com uma
visita e com a aquisição de dois quadros. Parabens ao
Parreiras e parabens, igualmente, ás pessoas que o
auxiliarem, comprando-lhe os seus trabalhos.
Um outro artista tambem
de muito merito e que merece igual protecção é o Ribeiro. Excessivamente modesto e de caracter em demasia acanhado, não tem podido ainda, até
hoje, fazer-se conhecer como merece. Os seus trabalhos expostos, haverá dous mezes, no acreditado
estabelecimento photographico dos Srs. Carneiro &
Tavares, na rua de Gonçalves Dias, agradaram-nos immensamente,
attendendo ás difficuldades
materiaes com que elle luta
para trabalhar.
Companheiro de estudos do Parreiras e tambem discipulo do Grimm, o
Ribeiro, que possue como os outros a mesma vocação e
amor ao trabalho, alcançará, esperamos, os meios de poder ir á Europa unir-se aos collegas
Caron, Vasquez e Parreiras, formando, assim, o mesmo grupo artistico
que via-se, ha tres annos acampar nas praias ou immediações
de Nietheroy, fincando cada um o seu chapéo de sol, abrindo o cavallete
e dispondo-se a reproduzir na tela a nossa esplendida natureza.
Só um companheiro faltará n’esse grupo, e esse
é o mais importante; é quem os guiava, quem lhes dava animo; quem lhes fazia supportar sol e chuva e muita rabugice quando o trabalho
não lhe agradava. Esse é o Grimm, o professor e o amigo, que tanto empenho
tinham em ensinar-lhes como elles em aprenderem.
Ás vezes, por lá tambem
apparecia um outro companheiro, quando os seus affazeres lh’o permittiam. Este
não pretendia dedicar-se á arte; a sua carreira
social era outra. Por isso mesmo, creio, achava certo encanto n’essa vida de
artistas, que mais se importam com a natureza de que com a humanidade, e que só
tem esta em consideração quando expõem, diante d’ella,
os seus trabalhos artisticos.
Este companheiro sui generis apparecia, pois, quando [...?] fora do seu juízo, -
isto dizia elle.
Já todos sabem que trata-se do França Junior,
doutor, quando curador de orphãos e amador-artista,
nas horas vagas.
O Grimm, infelizmente, como já noticiamos,
morreu em Palermo, na Sicilia, onde fora tratar-se as
terrivel molestia que appanhara nas nossas mattas, tão bellas quão perfidas. Confiando
na sua robustez, descuidou-se e já era tarde quando d’aqui partiu para nunca
mais voltar!
Deixou-nos alguns bellos
quadros e mais do que isso, uma herança preciosa; são os seus discipulos que enriquecerão as nossas galerias com os seus
trabalhos e que guardarão sempre na memoria a saudosa
lembrança do excellente mestre que lhes guiou os
primeiros passos, no difficil e espinhoso caminho da
arte.
No dia 30 de janeiro, os discipulos
do Grimm, Ribeiro, Parreiras, França Junior e alguns amigos mandaram-lhe dizer
uma missa, em manifestação de pezar.
---
Consta que Amoedo vae ser nomeado professor da aula
de pintura.
Até ahi, está bem,
mas dizem, igualmente, que o professor Medeiros, que ensina desenho e que, apezar d’isso, ainda não o apprendeu,
tem a pretenção de querer para si a cadeira da aula
de paisagem onde se senta actualmente o Zeferino da
Costa.
Isto é um cumulo... academico!
Não será uma pequena vingança da celebre
congregação contra este distincto professor, que
protestou juntamente com Bernardelli, contra o julgamento do premio de viagem?
O Sr. Maffra,
provavelmente, é quem póde informar.
X.
1888, ano XIII, n. 484, p. 2.
Pequenos Echos
***
Quadro impressionista
O Sr. Rouëde passou
para a téla a animada prespectiva
da ilha de Paquetá, durante a festa de domingo ultimo.
O quadro representa um effeito
de noite, á beira do mar, junto á
residencia do Sr. Lage.
Ao lado fica a nova ponte, illuminada
a luz electrica.
E, por toda a parte o brilho das [...?] nações,
dos balões venezianos, da explosão dos fogos, dão á
tela um brilho phantastico.
O quadro vae ser offerecido
ao Sr. Lage e é uma bonita lembrança.
***
Dominó.
1888, ano XIII, n. 488, p. 3.
Pequenos Echos
***
O Concurso da Academia
Até em sua ultima
hora, o ministerio demittindo
nos pregou uma partida!
Ora imaginem que tendo nós ficado furiosos, com
a classificação escandalosa do Concurso da Academia, agora, que o concurso foi annulado, teriamos immenso prazer em dirigir os nossos elogios, aos auctores de tão bello acto.
Mas, o ministerio não
existe mais, de sorte que não sabemos a quem dar os parabens.
N’estes apuros, attendendo
a que a annulação d’esse concurso é um dos actos mais justos e dignos de louvor, que se teem dado, nos ultimos tempos,
vamos dirigir os nossos parabens, aos dois
escolhidos.
Os Srs. Oscar e Berna, não imaginam que serviço
lhes prestou o governo!
Entrar na arte por uma porta-falsa - é o mesmo
que um suicidio.
***
Antonio
Parreiras
Partiu para Roma, aonde vae passar dois annos de estudo, o distincto
pintor paisagista Antonio Parreiras.
Que seja feliz e que attinja
o bello ideal, que o seduz - eis os nossos votos.
***
Dominó.
1888, ano XIII, n. 491, p. 3.
Rodolpho Bernardelli
Partiu para a Italia,
a bordo do vapor Provence, o insigne esculptor,
cujo nome nos serve de epigraphe e que, hoje, todos
consideram como a nossa primeira e mais notavel organisação artistica.
Bernardelli, tendo sido encarregado de executar
as estatuas do Duque de Caxias e Osorio, vae á Italia, buscar os materiaes, para
essas duas grandes obras.
Desejando-lhe feliz viagem, fazemos votos por
que sua demora não seja longa, pois d’esses espiritos
illustrados e d’esses caracteres serios,
muito carece o paiz.
Desde a sua entrada para a Academia das Bellas-Artes, que ali se nota um movimento benefico, que, esperamos, tirará essa instituição da apathia e da nullidade em que tem
vivido.
Um adeus a Rodolpho Bernardelli e - até breve!
Sem assinatura.
1888, ano XIII, n. 492, p. 3.
Um acto de Rodolpho
Bernardelli
Na ausencia de um
amigo, a quem sempre votamos amisade e admiração,
é-nos mais grato, ainda, registrar n’estas paginas um acto,
que, lhe faz muita honra, pois mostra que quando a vida se lhe abre mais
risonha, elle não sabe esquecer-se dos que teem de luctar com toda a especie de difficuldades, para attingirem um desideratum, semelhante ao seu.
A carta de Bernardelli, que abaixo publicamos,
dispensa qualquer commentario e por si só desvenda o
coração e o caracter do laureado auctor
do Christo e a adultera.
Alguns amigos já se associaram á bella iniciativa de
Bernardelli, e contamos, que em breve, Belmiro de Almeida poderá dispor dos
recursos necessarios para uma viagem de estudo, á Europa.
Eis a carta:
Rio de Janeiro, 27 de março de 1888.
Amigo Belmiro,
Não obstante as multiplas
attribuições que tenho a cumprir, referentes aos meus
trabalhos dos monumentos ao General Ozorio e ao duque de Caxias, não me esqueci
de ti.
Não foste feliz no concurso do Premio de Viagem á Europa apesar
do teu talento, em virtude da erronea deliberação
tomada pela maioria da congregação da Academia das Bellas Artes.
A justiça, porem,
praticada pelo governo imperial, annullando esse
concurso, se não te dá o direito que tinhas a esse premio,
pela superioridade do teu trabalho, te servirá, comtudo,
de conforto.
Estou bem certo que o novo concurso a que se
tem de proceder, tu o vencerás; mas, esse concurso ainda se demorará, e eu que
trabalho, como sabes, para o incremento das artes no nosso paiz,
entendo que não podes esperar mais tempo para o teu aperfeiçoamento, na Europa.
Promovendo, portanto, os meios para que possas completar os teus estudos na
Europa, sem o auxilio da Academia, esse beneficio recahirá em outro, dos
muitos moços, que aspiram ao mesmo fim.
Assim, entendo pôr á
tua disposição, por espaço de cinco annos, a quantia
de cinco libras sterlinas (L 5), mensaes.
Não é costume, entre nós, este genero de pensões particulares, mas estou convencido de que
abrindo eu o exemplo, os nossos amigos, que presam as artes não deixarão de
acompanhar-me em tão justo, quão civilisador fim.
Ficará subentendido, meu caro Belmiro, que esta pensão, que eu e os nossos amigos te offerecemos, será sob a nossa palavra de honra cumprida,
até ao fim do praso de cinco annos,
se conservares a conducta que até hoje tens sabido
manter, cômo homem e como artista.
Teu amigo dedicado,
Rodolpho Bernardelli.
Em seguida a estas bellas
palavras, e associando-se ao elevado sentimento que as dictou,
inscreveram-se, logo, algumas pessôas que tiveram
conhecimento da carta de Bernardelli.
A lista é a seguinte:
Rodolpho
Bernardelli................................................................................................L5
Carlos de Moraes......................................................................................................L3
Ferreira de
Araujo.....................................................................................................L2
Alfredo Coelho da Rocha..........................................................................................L2
Angelo
Agostino.......................................................................................................L2
Luiz de Rezende........................................................................................................L2
É com desvanecimento que tornamos publico este facto, desejando, que, em breve, ao talento
tão promettedor de Belmiro se abram novos e mais
dilatados horisontes e que o cultivo das artes e dos
artistas do velho mundo, nos restitua, d’aqui a uns annos,
completo e triumphante, um nome que venha honrar as tradicções do nosso paiz.
Taes são
os votos da Revista Illustrada.
J. V.
P. 6.
Bellas-Artes
De algum tempo a esta parte, tem-se notado extraordinaria mudança nos espiritos
e uma certa tendencia em sahir-se fóra
da rotina e preconceitos antiquados, que não servem senão de embaraço a
reformas das mais urgentes e imprescindiveis para um paiz predestinado pela natureza a ser mais alguma cousa, do
que tem sido até hoje.
A questão do elemento servil está felizmente a
expirar, para o bem de toda a humanidade em geral e do Brazil
em particular.
O novo gabinete é quem está encarregado de dar
os ultimos sacramentos a essa nefanda instituição,
causa principal de nosso atrazo politico
e social.
Que o diabo carregue semelhante praga e que a
escravidão, hoje odiada por todos, vá para o inferno expirar os horrores que
durante trez seculos
envergonharam o paiz... É o que sinceramente
desejamos.
Mas, o que tem as bellas-artes
com as taes reformas? perguntarão os nossos
leitores... Muito, dizemos nós, pois que a nossa Academia tambem
tem de ser reformada totalmente, tanto no estabelecimento, de todo o estrago
feito pelo Sr. Bithencourt da Silva, como no seu
pessoal, de que apenas se póde aproveitar trez professores.
O que aconteceu no ultimo
concurso de viagem, dá uma perfeita ideia do que é a tal congregação, na sua
maioria. Capitaneada pelo Sr. Mafra, cujo caracter e
quase o tornaria notavel na companhia de Jesus, e
secundado pelo tenente Silveira, porteiro do estabelecimento, a congregação diz
amen a tudo quanto ordena o poderoso
secretario, director.
Acostumado, de longos annos,
a governar a seu talante a Academia das Bellas-Artes,
a sua influencia exerce-se até sobre o proprio director Nicoláo Tolentino, cuja capacidade e conhecimentos artisticos ficaram provados, mandando, um dia, procurar os
braços da Venus de Milo, que julgava terem sido
quebrados pelos alumnos.
Sabendo pois o Sr. Mafra, que, se a commissão julgadora do Concurso de Viagem, fosse composta,
como marcam os estatutos, elle não levaria a sua ávante, tratou de arranjar uma commissão
a seu jeito, ponde de fóra o professor de pintura historica, o Sr. Zeferino da Costa, para tomar elle, simples professor de ornatos, o lugar d’este.
Felizmente, S. Quase a Regente, cujo modo de
ver ácerca de bellas-artes,
acompanha o progresso, não se deixou levar pela rotina do Sr. Mafra, já tão
mumificada quanto o é o seu physico, nem pela decisão
da commissão Mafra-Bithencourt-Medeiros,
nem pela votação dos carneiros de Panurgio, que
formam a congregação, nem pelo parecer do Conselho d’Estado, que, das materias d’esta ordem, entende tanto como eu de dizer
missa.
Consultando, simplesmente, o seu bom senso e o proprio regulamento da Academia, ácerca
do modo de formar-se a commissão para o julgamento do
Concurso de Viagem, S. Quase observou ao poder executivo que a tal commissão, que deve passear, não estava legalmente constituida e portanto nulla a
sua decisão.
E o Sr. Cotegipe, diante de tão justa e legal
observação, apressou-se em annullar o concurso.
O Director da
Academia, Sr. Tolentino, comprehendendo então, que o
Sr. Mafra tinha-lhe pregado uma peça, fazendo-o nomear uma commissão
illegal, pediu a sua demissão.
O Sr. Mafra, sentindo o seu poder abalado,
derramou copiosas lagrimas no collete do Silveira,
com quem se abraçará, e este, levantando os olhos para o tecto,
exclamou:
- Lá se desmorona a nossa igrejinha toda!
A congregação vendo o triste papel que tinha
feito estremece e comprehende que os retratos que d’ella démos, n’esta folha, estavam
parecidissimos. Assim, ao menos, o declarou o Sr. Rozendo Muniz, professor da Anathomia
e Physiologia das Paixões, que bastante apaixonado
ficou ao deparar com aquellas suissas,
ornando a sua veronica.
- Em outra não me pilham! disse o illustre vate, olhando para o Sr. Mafra. Para outra vez, eu
hei de pensar melhor; só consultarei quem entenda, antes de dar o meu voto.
Se assim fizer terá os nossos applausos e ninguem mais rirá á custa de suas bellas suissas.
(Continua)
X.
1888, ano XIII, n. 493, p. 6.
Bellas-Artes
Antes de prosseguir n’este artigo, que
começamos no numero passado, seja-nos permittido endireitar aquillo que
sahiu torto e pôr as cousas de modo a que se comprehenda o que parece incomprehensivel.
Trata-se pois de uma errata.
Em lugar de “S. A. observou ao poder executivo
que a tal commissão que deve passear, não
estava legalmente constituida etc”
como sahiu publicado, leia-se:
... que a tal commissão
que deu parecer, não estava etc.
Ora, entre, “passear” e dar “parecer” há uma
grande diferença.
Dado este pequeno cavaco e collocados
as cousas nos seus eixos começamos, ou antes continuamos.
---
O Sr. Bithencourt da
Silva, profundamente escamado com a annullação do
concurso, e offendido em seus brios entendeu dever
acompanhar a resolução tomada pelo director da
Academia, e pediu a sua aposentadoria. Damo-lhe os parabens; não podia fazer cousa melhor.
Os dois outros membros da commissão
julgadoura Mafa e Medeiros
depois de bem pensar sobre o caso e pesar as vantagens e desvantagens que
resultariam de um pedido de demissão, que provavelmente seria aceito, e talvez
com enthusiasmo, resolveram engulir
a plilula, com uma coragem digna de melhor cousa.
Começaram então a comprehender
que as cousas mudaram e que o merito e a sisudez
vinham substituit a ignorancia
artistica e a manhosa direcção,
que por tanto tempo imperaram na nossa Academia em deprimento
das bellas artes, atrophiando
estas por todos os modos, impedindo as de desenvolverem-se e mostrando a maior
má vontade contra os alumnos, que revelavam
verdadeiro talento e de quem se podia esperar alguma cousa, para o futuro.
A chegada de Rodolpho Bernardelli é que occasionou essa revolução, simplesmente por ser elle um verdadeiro artista, honesto e sizudo.
Tomando a serio o seu cargo de professor, procurou
introduzir varios melhoramentos e um systema mais moderno de ensino, em beneficio
dos proprios alumnos, que elle desejava ver progredir.
Foi quanto bastou para conquistar a antipathia do illustre secretario, que não admittia que
lhe viessem bulir na academica igrejinha.
O Sr. Bithencourt não
tardou a alliar-se ao Sr. Mafra, na antipathia votada ao Bernardelli, pelo facto de este
declarar e provar que a reconstrucção da Academia
tinha completamente inutilisado todas as salas de
estudo, a ponto de não ser mais possivel ensinar nem
desenho, nem pintura, nem esculptura, nem cousa
alguma.
Na verdade, essa opinião não é só do
Bernardelli, é da e todas as pessôas que a nossa
Academia das Bellas Artes.
Entretanto, o Sr. Bethencourt diz cobras e
lagartos desse grande artista, que tanto honra a arte nacional e de quem
deveria orgulhar-se de ser collega.
Muito nos admira esse proceder do director do Lycêo, em quem ninguem pode negar intelligencia
e que passa ou deseja passar por um apostolo das bellas-artes
e propagador das mesmas.
É forçoso confessar que no caminho que elle toma, seja na construcção
dos edificios applicados ás
artes, ou na sua admiração ou antipathia, que elle dedica aos artistas, elle
anda completamente errado.
Com certeza, elle tem
consciencia d’isso e esperamos que, mais tarde
(entretanto já é tempo!) elle mude de parecer,
entrando no bom camingno.
(Continúa)
X.
1888, ano XIII, n. 494, p. 2 e 3.
Bellas-Artes
É mais que evidente, hoje, que a nossa Academia
de Bellas Artes precisa de uma reforma radical, começando por abandonar o edificio em que funcciona, por ser
de todo imprestavel. Não menos imprestaveis
os seus estatutos, fabricados quase que no tempo de D. João VI , o que para o
Brasil, em comparação á Europa, é equivalente á epocha anti-diluviana.
Por exemplo: qualquer deliberação tomada pela directoria ou pela congregação dos professores, presidida
pelo director da Academia, não pode ser posta em
execução, sem que seja consultado o Sr. ministro do imperio.
Precisa-se mudar o horario de uma aula, consulta-se o
ministro; necessita-se pagar vinte ou trinta mil réis a um individuo,
que serviu para modelo na aula de desenho, consulta-se o ministro, urge
comprar-se um espanador e mais duas vassouras, e pagar-se o carreto ao
portador, das ditas, avisa-se o ministro para este mandar satisfazer a importancia, por intermedio do Thesouro nacional.
E é deste modo que se pagam insignificantes e ridiculas quantias, para as quaes
são precisos officios, requerimentos, avisos e não
sei que mais, que sobem, baixam ou descem, durante uns poucos de dias, pelos canaes competentes - como dizem [...?] estylo
administrativo - formando enorme papelada, a qual leva não sei quantas rubricas
de chefes de secções e escripturarios, para tornar a
subir e de novo descer etc, até que, afinal, um bello dia, isto é, algumas semanas ou mezes
depois, vem publicado no “Diario Official”:
Pague-se ao Sr. Fulando dos Anzoes
Carapuça a quantia de 2$000 rs. etc.
E isto não é só em relação á
Academia; é em tudo que diz respeito á administração publica!
Todavia, um estabelecimento que tem á testa delle um director, um vice-director, um
secretario e não sei que mais, e além de tudo isto, uma verba especial no
orçamento do Imperio, para as suas despezas, párece-nos que deveria,
por si, resolver qualquer questão disciplinar, administrativa ou de regulamento
interno e pagar toda e qualquer despeza, que
estivesse dentro do seu orçamento, sem ser preciso consultar e incommodar, por bagatellas, um
ministro, que tem mais que fazer do que indagar se realmente as vassouras
velhas estão no caso de serem substituidas, por
outras novas, ou se o carreto poderia custar meia pataca ou menos.
O que é extraordinario
em tudo isso, é a posição do director da Academia!
Para que serve então um director, se por si não pode
resolver as questões mais simples de pura administração, n’um estabelecimento
que dirige? se qualquer deliberação tomada em congregação de professores, por elle presidida, não póde ter
andamento sem a approvação do ministro, que não
assiste á discussão e ignora totalmente o assumpto de
que se trata?
Já se vê que nada pode haver de mais absurdo,
do que esse systema, que colloca
o director de um estabelecimento dessa ordem, na
posição de um personagem verdadeiramente inutil e nullo, posição aliaz
resignadamente exercida, durante longos annos, pelo ultimo director, até ao dia em
que pediu a sua demissão.
Nesse dia, o Sr. Conselheiro Tolentino deixou,
de estar em posição ridicula!
Não era de esperar, que gozando da fama de
homem serio e sizudo e que
nem sequer tinha - felizmente para elle! - a desculpa
de necessidades, se sujeitasse, durante tanto tempo, ao triste papel que
representou, agravado ainda pela circumstancia de ser
leigo em mateia d’arte, ficando na retaguarda do ultimo
discipulo da Academia.
Ora, é preciso concordar que quando um
estabelecimento tem á testa da sua direcção uma capacidade artistica
dessa ordem não são para admirar todos os disparates que de lá teem sahido, emquanto
não se der uma nova direcção, que acabe de uma vez
com as constantes e justas queixas, que se levantam contra a Academia.
O ex-director, em
quem todos reconhecem qualidades apreciaveis, muita affabilidade e extrema dilicadeza,
tem em parte, grande culpa de tudo isso, por ter-se deixado governar, em
absoluto, pelo Sr. Mafra, secretario da Academia e
professor de ornatos.
O Sr. Mafra, de quase muitos annos, comprehendeu que o director verdadeiro devia ser elle,
em vista da falta de conhecimentos artisticos do director official. Por esse lado,
achamos que elle tem razão, pois que, se assim não
fosse, a atrapalhação academica ainda seria maior.
Dotado de muitos conhecimentos e intelligentissimo, o
Sr. secretario poderia prestar relevantissimos
serviços, se juntasse á sua vasta illustração
artistica, o desejo de acompanhar a evolução que a
arte tem soffrido, quase alguns annos
a esta parte.
Infelizmente, o Sr. Mafra é intransigente e não
admitte que a arte possa progredir, sahindo fóra das regras e
convenções das antigas escolas italianas, hespanholas
ou flamengas, que hoje todos repudiam, sem todavia deixar de admiral-as, por entender-se, e muito bem, que a arte deve
ser livre, podendo cada artista dar o cunho da sua individualidade, no modo de
sentir e executar, sem imitar nenhuma escola nem respeitar convenções e regras
estabelecidas.
Ora, o Sr. Mafra deveria comprehender
que essa evolução é toda natural; que hoje o modo de ver não é o mesmo de quase
cincoenta annos; que tudo
mudou e que a pintura, a esculptura, a musica e a architectura são
interpretadas pelos artistas de um maneira inteiramente diversa.
Repugnando aos artistas modernos sujeitarem-se
ao systema antiquado de ver do Sr. Mafra e respeitar
uns estatutos que hoje são uns verdadeiros disparates, é natural que haja uma
certa indisposição entre este e aquelles, dando em
resultado uma infinidade de cousas desagradaveis que
podem acabar em verdadeira chinfrinada, como ia acontecendo, não quase muito
tempo, e que, por deferencia aos dous
contendores, calamos seus nomes.
O Sr. Mafra julga-se forte, porque tem atraz de si quase toda a congregação de professores da
Academia, não se contando, felizmente, entre elles,
um só artista.
E essa congregação o acompanha, porque, até
hoje, o Sr. Mafra foi, sempre quem deu as cartas.
(Continúa).
X.
P. 6.
Academia das Bellas Artes
Do Sr. J. Zeferino da Costa, distincto lente da aula de paizagem,
da Academia das Bellas Artes, recebemos a seguinte carta, que, com prazer
publicamos.
“Snr. Redactor.
O interesse generoso que a imprensa d’esta Côrte tem dispensado aos acontecimentos da Academia das
Bellas Artes, principalmente depois do ultimo e
celebre concurso do premio - Viagem á Europa - anima-me a expôr,
pelas columnas de um jornal que com tanto fervor e criterio tem tratado d’essas questões, tudo quanto, em consciencia, entendo não dever deixar em silencio.
Uma das questões, que, n’este momento, por
desagravo de consciencia, julgo que nem a imprensa
nem o publico devem ignorar, refere-se aos interesses
da aula da paisagem, que, interinamente, dirijo.
Esta aula, que deveria como as outras da mesma
Academia, começar os seus trabalhos nos primeiros dias do mez
de março p. p, conforme determina o Regulamento, só hontem
(18 de Abril) começou a funccionar, ficando,
portanto, os respectivos alumnos prejudicados, já no principio do anno, em mez e meio de estudo!
Para que a responsabilidade d’esse facto
anormal vá pesar sobre quem o motivou, passo a expôr
o que a tal respeito se deu.
Depois da fatal questão do concurso ao premio - Viagem á Europa -
lembrei-me de apresentar á congregação da Academia um
relatorio dos trabalhos escolares, do anno ultimo, por occasião do
julgamento das provas dos alumnos.
Lendo, em congregação, esse trabalho, aonde
compendiava o meu modo de ver e as minhas observações, fui constantemente
interrompido pela maioria da congregação, quér em
termos inconvenientes, quér em apartes, que denotavam
um desagrado que já se manifestava sem rebuco.
Finalmente, o meu relatorio,
aquella exposição necessaria,
pelas verdades, que lhe davam o maior dos meritos,
teve a sórte dos papeis velhos: foi archivado!
Era a recompensa aos meus esforços; era o odio, germinando então, contra mim e os propositos
de vingança, que não se fizeram esperar.
Dicidi-me,
então, a publicar o relatorio, que mereceu da
imprensa favoravel acolhimento, dignando-se tambem V. occupar-se do assumpto.
A Academia não viu com bons olhos a innovação; tive, porém, o desvanecimento de, mais uma vez,
haver cumprido com o meu dever.
Mas, o professor J. Zeferino da Costa tinha
sido um temerario e deveria pagar muito caro a sua
ousadia!
Immediatamente
pensou-se na melhor fórma de magoal-o,
exonerando-o, e isto sem outras formalidades mais, do que pedir o professor da
Cadeira de Dezenho figurado transferencia
para a de Paizagem, leccionada por mim.
Manejada assim a intriga, como não desse
resultado, procuraram outros meios, que foram, igualmente, baldados.
Então, recorreu-se ao estratagema: para que
nenhum alumno pudesse matricular-se na aula de Paizagem organisou-se, para esta
aula, um horario official incompativel, com o das outras, não obstante as
providencias tomadas por mim, para que não acontecesse semelhante
irregularidade!
Quando, para tratar-se da organisação
do horario e programma das
aulas, reuniu-se a Congregação no dia 18 de Fevereiro p. p., não tendo eu
podido comparecer áquelle sessão, por incommodo de saude, dirigi um officio á Academia, em que muito
por precaução, propunha que o horario da aula de Paizagem fosse livre; isto é, que nunca deveria semelhante horario complicar com o das outras aulas; isso, em proveito
do incremento das artes no paiz, e porque,
naturalmente, muito alumnos matriculados em aulas differentes, poderiam matricular-se tambem
na de Paizagem. Na mesma occasião
apresentei o respectivo programma.
(Continua)
J. Zeferino da Costa.
1888, ano XIII, n. 495, p. 2 e 3.
Academia das Bellas Artes
(Conclusão)
Aconteceu, porém, que em principios
de Março p. p. quando deviam começar os trabalhos da aula de Paizagem, fiquei sorprehendido ao
saber que o horario da referida aula complicava com o
da de pintura-historica, com o da de Dezenho-figurado, e ainda com o da de estatuaria, e,
recebendo uma lista, assignada pelo Secretario da
Academia dos 18 alumnos matriculados na aula de Paizagem, verifiquei que estes alumnos
estavam alguns matriculados na de pintura-historica e
os mais na de desenho figurado.
Não sendo porém official
a communicação relativa ao horario,
pedi por officio de 15 de Março p. p., dirigido ao
mesmo Secretario, que me inteirasse a respeito e muito para meu governo.
O Secretario da Academia, respondendo promptamente, remetteu-me uma copia da - Tabella - official do horario, declarando
ter sido ella organisada
pela congregação na referida sessão de 18 de Fevereiro e approvada
pelo Governo em 23 do mesmo mez.
No dia 19 de Março assumindo interinamente a Directoria da Academia o Vice-Director
e tendo S. Exª. conhecimento desta questão,
convidou-me, pessoalmente, para conferenciar sobre o assumpto, concordando S. Exª. com as razões expostas por mim e promettendo
tratar da rectificação do horario.
Entretando, não
tendo até o dia 2 do corrente, recebido de S. Exª. communicação alguma a esse respeito, officiei
nessa data, declarando que os almnos da aula de Paizagem (que é uma das superiores da Academia) já se achavam
prejudicados em um mez de estudo, e que a bem do
progresso d’elles e como salvaguarda da
responsabilidade do professor, pedia que S. Exª. se
dignasse de resolver a questão.
Em data de 6, porem,
ainda não se tendo resolvido coisa alguma, dirigi-me a S. Exª.
o Sr. Conselheiro Ministro do Imperio e
apresentei-lhe minha representação, pedindo-lhe que com toda a justiça se
dignasse dar as devidas providencias, afim de que não fôssem,
por mais tempo, prejudicados no estudo os alumnos da
aula de Paizagem.
S. Exª. o Sr.
Ministro prometteu providenciar, nesse mesmo dia.
No dia 7 houve uma sessão na Academia, á qual não pude comparecer, e, em data de 13 baixou do ministerio do Imperio um aviso,
n’estes termos:
“Approvou-se o acto pelo qual a congregação da Academia das Bellas-Artes, á vista
do pedido do professor interino de paisagem, para que fosse alterado o horario das aulas na parte relativa á
Cadeira que rege, resolveu que o respectivo estudo se faça fora da Academia, ao
ár livre, de manhã ou á tarde, conforme a estação,
devendo todavia o dito professor comparecer no estabelecimento ás segundas,
quartas e sextas-feiras, das 8 ás 9 horas da manhã”.
Em data de 14, recebi da Academia um officio, communicando-me este
aviso, mas occultando a circunstancia
de ser a alteração feita a meu pedido, em bem unicamente do ensino e do
progresso dos alumnos, embóra
mais incommoda para mim.
Eis, Sr. redactor,
tudo quanto me cumpre expôr, afim de justificar a
demora havida no inicio dos trabalhos da aula de
paisagem, assumindo eu a responsabilidade do que tenho dito, e garantindo a
veracidade dos factos allegados, que, todos, posso
justificar com os documentos que ficam em meu poder. Soccorrendo-me
da valiosa protecção da
imprensa, só tenho em vista tornar saliente a causa dos prejuizos
causados aos alumnos e precaver-me da censura,
qualquer que ella seja, em relação ao tempo perdido
de estudo.
Contra tal irregularidade e em bem do progresso
dos alumnos, fiz tudo quanto me era licito, não me
cabendo a minima parte de responsabilidade, pelas
delongas havidas em resolver uma questão tão simples, como essa, da
incompatibilidade do horario, cujos inconvenientes,
muito antes de começarem as aulas, procurei remediar.
Digne-se, pois, V. aceitar esta minha defesa em
tempo, e creia, que, com sinceridade lhe antecipo os mais cordeses
agradecimentos, subscrevendo-me de V. etc.
Rio, 19 de Abril de 1888.
J. Zeferino da Costa.
1888, ano XIII, n. 496, p. 2 e 3.
Bellas Artes
A sorte dos artistas, não é lá das melhores,
entre nós!
Um d’esses, que nos ultimos
tempos, muito se tem distinguido e trabalhado, adquirindo já, um nome notavel, entre os seus colegas, Belmiro de Almeida, lucta contra a má vontade de inimigos gratuitos e poderosos,
que na sombra, lhe difficultam os planos, por elle formados, para completar a sua educação artistica, na Europa.
Tendo Belmiro concluido
um quadro, e este merecido francos elogios da imprensa e dos entendidos, propôz o auctor á Academia das Bellas Artes a acquisição
do seu trabalho, afim de assim facilitar a sua projectada
viagem de estudo á Europa.
O quadro era bom e estava muito nos casos de
ser adquirido.
Foi mandado a uma commissão
de professores, para dar parecer e esta manifestou-se
nos seguintes termos:
“O assumpto d’esse quadro é simples e portanto
o é tambem a sua composição.
A attitude das duas
figuras e as suas expressões dão bastante clareza ao assumpto; grupam-se bem
entre si e com todos os accessorios do quadro; é
justo, tanto no desenho como na tonalidade das tintas, produzindo, por consequencia, um effeito muito
harmonioso, pelo que, estheticamente analysada esta composição, dá em resultado um conjuncto de linhas, massas e côres,
muito agradavel e verdadeiro.
Em resumo, é um quadro cujos senões são tão
insignificantes, de confronto com as bôas qualidades,
que a commissão não hesita em julgal-o
um bom quadro de genero”.
Belmiro pediu pelo seu trabalho o modico preço
de dois contos e com esse provento contava, á vista
do parecer, para a sua projectada viagem.
Taes
embaraços, porém, tem encontrado a realisação d’esta
ideia, da parte da Academia, que ha longos mezes o parecer dorme, e a solução final não dá signal de vida, prejudicando, assim, grandemente, um
artista de quem há muito e muito ha a esperar.
É preciso que o digno ministro do imperio, não deixe a Academia em liberdade de praticar o
mal e effectuar todos os escandalos,
que lhe passam pela mente.
Relatando este facto, aqui lavramos o nosso
protesto, contra os que querem exercer espirito de vingança em materia de artes, só porque o artista não é um adulador ou
um salafrario.
Contamos que este negocio
se decida, e que as vocações e os talentos brazileiros,
que são a honra da geração moderna, não estejam, a cada passo, á mercê da má vontade ou do máu
humor de certos rábulas, com pretenções a mandões, em
assumpto de bellas artes.
---
Para a pensão, aberta por Bernardelli, em favor
de Belmiro e que se achava, como demos noticia em 16 libras, concorreu mais o
Sr. Manoel V. Lisboa com L1, achando-se ella, actualmente, em L17, por mez.
Raul.
1888, ano XIII, n. 504, p. 2.
Firmino Monteiro
Falleceu
terça-feira ultima, repentinamente, este distincto pintor, um artista apreciado por todos os que
prezam as bellas artes e um moço, em cujo coração se
aninhavam os mais puros sentimentos.
Firmino Monteiro tinha já um nome bemquisto e bastante popular, que lhe provinha da execução
de alguns quadros de merito, taes
como o Vidigal, a Fundação da Cidade do Rio de Janeiro e outros.
Ultimamente, trabalhava n’uma téla, destinada a grande successo,
commemorando o grandioso facto da abolição.
A morte, colhendo-o de improviso, privou-nos de
um dos melhores talentos da geração moderna, de um amigo a quem, devéras apreciavamos, e de uma
obra, que a todos enchia de curiosidade.
Triplice face
dolorosa, de uma mesma dôr!
Nas paginas da Revista
já publicamos, em 1882, o retrato do laureado artista.
N’esse mesmo numero,
(29 de Abril de 1882) viu a luz o seguinte artigo:
“Mas não esqueçamos os vivos pelos mortos...
A Revista Illustrada
reproduz hoje a Fundação da Cidade do Rio de Janeiro, a esplendida téla do Sr. Firmino Monteiro de que eu, por mais de uma
vez, me tenho occupado.
Fui, mesmo, o primeiro a dar o alarme d’esse
grande quadro, que o Rio de Janeiro hoje admira.
A Revista Illustrada
tinha n’isso o empenho de um vaticinio; quando, ha trez annos,
o Sr. Monteiro expoz o seu quadro Exequias
do Camorim, nós dedicamos-lhe algumas palavras de
animação, augurando n’elle um artista muito além do
comum. Vemos, hoje, que não fomos mau propheta; a sua ultima obra colloca o notavelmente, acima do par.
Elle,
entretanto, só bem tarde desconfiou de que era um artista. Antes de entrar para
a Academia, o pequeno Antonio Firmino, encadernou
livros n’uma officina da qual, aos vinte annos, chegou a ser director.
Mas, então, ou porque o couro lhe cheirasse mal ou porque os in-folios lhe causassem horror, o encadernador
deixou de bom grado a officina e fez-se alumno do Instituto Pharmaceutico,
depois do Conservatorio de musica...
Jeronymo Paturot, á caça de uma profissão, nem as pilulas
nem os sustenidos nem os Deve - e - Haver o seduziram; e eil-o,
finalmente, na Academia de Bellas-artes, para de lá sahir senão já um artista celebre, mas como Minerva armada
para a conquista. Depois...
---
Depois trabalhou, trabalhou muito aqui, na
Europa, e trabalha sempre...
Ha mezes, quando eu
fui pela primeira vez ao seu atelier na esperança de ver apenas a Fundação
da cidade do Rio de Janeiro, fui agradavelmente surprezo
por uma galeria completa. É que para limpar os pinceis, depois do trabalho, elle suja adoravelmente uma tela d’alguna
paisagem que lhe trota no cerebro... Anda sempre
apressado. Outro dia eram tres horas da tarde elle voava para S. Domingos, onde foi esconder o seu
atelier.
- Onde vaes com tanta
pressa?
- Vou pintar uma cousinha d’après nature.
- A esta hora!
- É a unica hora em
que ainda não pintei, e vou aproveitar os effeitos da
tarde que promette estar magnifica.
Com todas essas qualidades, é todavia modesto,
como não ha exemplo. Na vespera
de abrir a sua exposição, diseutindo-se no escriptorio d’esta folha sobre o seu grande quadro, alguem lhe notou um quasi nada.
- Tens ahi a tua
caixa de tinta? empresta-m’a, diz elle
ao meu companheiro, ainda é tempo...
---
E tudo isso, elle diz
e faz satisfeito, alegremente. Porque muito contrariamente ao habito fastidioso
da maior parte dos nossos artistas, o Sr. Firmino Monteiro não choraminga a sua
sorte de artista e nem se lamenta da falta de gosto do publico,
nem maldiz o momento em que se fez pintor, “n’uma terra em que o governo só
cuida de política” nem descrê; nem desanima, não. Elle
crê, confia, trabalha e é um artista.
Não vão agora pensar por esse preito que eu lhe
rendo que o Sr. Firmino Monteiro é estrangeiro, não. Elle
é brasileiro, nascido na muito heroica cidade de S. Sebastião.
A Revista Illustrada
tambem é patriota - quando é tempo - Julio Dast”.
1888, ano XIII, n. 507, p. 3.
Pedro Americo
Acha-se na côrte, de
volta da Italia, onde esteve executando um quadro commemorativo da independencia, o
illustre pintor Pedro Americo, o laureado auctor da celebre téla A
Batalha de Avahy, que tanto renome lhe deu.
Regressando da Italia,
com a sua nova obra concluida, Pedro Americo, foi directamente, a S. Paulo, aonde a entregou á commissão do monumento do
Ipiranga.
De S. Paulo, Pedro Americo veio para esta
cidade onde tivemos, ha dias, o prazer de encontral-o e de conversar com elle
alguns instantes.
Comprimentando-o, pelo
exito da sua nova téla,
dissemos-lhe:
- O peior, é termos
de fazer uma viagem, para apreciar o seu quadro...
- Não, respondeu elle
sorrindo. Provavelmente, o quadro será exposto aqui.
Eis a agradavel
noticia que transmittimos aos nossos leitores.
Sem assinatura.
1888, ano XIII, n. 512, p. 3 e 6.
Pequenos Echos
***
Acha-se em exposição em uma das salas do
estabelecimento photographico do Sr. Insley Pacheco, á rua do Ouvidor,
uma colleção de quadros do Sr. Pedro Wintergarten, distincto pintor
rio-grandense.
São télas primorosas,
que revelam um artista de muito talento e de muitos recursos.
O Sr. Wintergarten, hontem desconhecido para seus collegas,
adquire, de repente entre elles a reputação de um
mestre.
Dizendo se que este
nosso compatriota tem vendido alguns quadros na Europa, e que outros são
reproduzidos, em gravura, nas Illustrações allemãs, teremos dito o sufficiente
para justificar a elevada impressão, que os seus trabalhos nos causaram.
É muito digna de ser vista e apreciada essa colleção.
***
Agora, um episodio
curioso...
Tendo o Sr. Wintergarten
offerecido ao Imperador um dos seus melhores
trabalhos, remettendo-o para aqui, acaba de
verificar, por acaso, que tal quadro não chegou ao seu destino.
Aconteceu o seguinte: tendo sido recebido o officio ou carta do pintor, offerecendo
o quadro, responderam-lhe, agradecendo a offerta,
mas... esqueceram-se de tiral-o da alfandega.
O Sr. Wintergarten
ficou tranquillo, com a resposta, certo de que o seu
mimo chegará ao destino que visava.
Enquanto isto se passava o quadro ficava na
alfandega e não sendo reclamado, era vendido em leilão por 160$000. O quadro
vale, talvez alguns contos de réis.
Agora trata-se de saber onde pára elle, e procura-se dar remedio a tão indesculpavel
desleixo...
***
Binoculo.
1888, ano XIII, n. 518, p. 2.
Angelo
Agostini
Rio, 13 de outubro de 1888.
Seguiu para a Europa, quinta-feira ultima, a bordo do vapor Portugal, o nosso chefe e
amigo Angelo Agostini, o fundador da Revista Illustrada e de tantos outros jornaes,
que fizeram época.
Tarefa inutil e mesmo
superior ás nossas forças, seria a de tentar fazer n’este momento a sua biographia. Vibramos ainda, com a impressão profunda, que a
sua auzencia nos causa e além d’isso iriamos repetir
o que está tão brilhantemente dito por quasi todos os
nossos collegas da imprensa, tanto da côrte como das provincias, que n’elle reconheciam um artista genial, cujo lapis inspirado e inesgotavel
esteve sempre ao serviço das grandes causas de nossa patria.
Os desenhos da Revista Illustrada
teem tido bastante notoriedade e não são tão antigos,
que possam estar esquecidos. E em cada pess;ôa que os
contemplou, póde-se affirmar
que Angelo Agostini conquistou um admirador.
D’esde o Cabrion, que o nosso director
illustrou em S. Paulo, até poucos dias antes da sua
partida, durante 25 annos, - ininterrompidamente -
esse previlegiado talento esteve constantemente em acção creando paginas,
ora de irresistivel hilaridade, ora de alta
significação politica e social, assombrando o publico com a fecundidade do seu genio
e o poder da sua imaginação.
Os proprios adversarios que a sua critica victimava, passado o primeiro momento de exasperação,
reconheciam de boamente, que o lapis do artista
obedecia a principios e não a sentimentos mesquinhos.
Dotado de indole
cavalheirosa, Angela Agostini seguia as ideias que o
fascinavam, sem indagar nunca, se isso lhe seria prejudicial ou não. Ardente, enthusiasta, de uma intrepidez que tocava as raias da
temeridade, elle nunca quiz saber se tal ideia lhe
traria uma chusma de assignantes ou a morte.
Logo que a sua concepção lhe parecesse justa e
espirituosa, não havia considerações, nem receios que o fizessem recuar.
Democrata sincero, amigo do povo, fanatico das ideais que hão de fazer a grandesa
do Brazil, o seu lapis
atacou todas as fôrmas da oppressão, com um brilho e
um impeto, que arrebatava a amigos e indifferentes.
A campnha abolicionista,
tão renhida e tão perigosa, teve-o sempre, nos pontos mais expostos e mais
arriscados.
Á libertação dos escravos, dedicou elle durante 20 annos, páginas e
páginas que ficarão memoráveis em nossos annaes,
desde um celebre desenho, na Vida Fluminense em 1870, até ás ultimas scenas d’esse morticinio de
escravos da Parahyba do Sul.
O primerio d’esses
desenhos representavam um voluntario regressando da guerra do Paraguay, coberto
de louros e encontrando sua mãe n’um tronco e seus irmãos sob o chicote do feitor.
O segundo era a via dolorosa de alguns martyres da escravidão, cortados pelo açoite judicial na
cadeia da Parahyba do Sul e arrastados exangues, ao
som das pragas e das chicotadas, atravéz das
estradas, onde a morte vinha colher os destroços d’esses corpos mutilados.
Diante d’esse quadro nefando, todo paiz estremeceu e o sangue subiu-lhe ás faces.
Angelo
Agostini expunha a chaga em toda sua nudez, certo de que esse seria o meio de cural-a, indifferente aos
insultos que lhe atiravam, e sem se importar absolutamente que dezenas e
dezenas de assignantes lhe devolvessem o numero, com inscripções affrontosas.
Ah! se o seu caracter
não fosse tão inquebrantavel, se elle
quizesse contemporisar um
pouco, fingir que não via...
Mas, qual! Bastava a suspeita de que alguem pensava n’isso, para que o seu lapis
se tornasse ainda mais violento. Não é outra a história de alguma das mais
esbraseadas páginas do seu jornal.
No perigo e diante das ameaças, a sua audacia era indomavel; fóra d’isso era um coração ingenuo
e bom, apaixonado pela sua arte, vivendo d’ella e
para ella, estranho a toda a sorte de interesses.
Após 25 annos de luctas e de trabalho ininterrompido, quando as paixões se applacam, quando os vencedores lhe fazem uma apotheose, e quando o povo agradecido o cobre de flôres, é que elle se julga com
direito a tomar um suéto, a gosar
de umas férias, a ir passar alguns mezes na Europa,
no convivio dos artistas e na irradiação dos grandes
centros civilisadores.
A sua viagem não será inutil
para a Revista Illustrada, pois um dos seus objectivos é conhecer dos melhoramentos e progressos que a
arte do desenho e das ilustrações tem feito, para applical-os
aqui.
O seu lapis não
ficará inactivo e contamos em breve publicar varias paginas, que elle ficou de enviar-nos e entre ellas
a continuação do apreciado romance - As aventuras do Zé Caipora.
Calculamos o vacuo
que a sua ausencia deixa nesta folha... Mas, o
caminho está traçado, e n’esse percurso que temos de fazer sós, o seu genio nos servirá de phanal.
Isto, nos alenta.
Julio Verin.