Baile à fantasia, de Rodolpho
Chambelland: A figuração do frenesi
Arthur
Valle
VALLE,
Arthur. Baile à fantasia, de Rodolpho
Chambelland: A figuração do frenesi. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 4, out. 2008. https://www.doi.org/10.52913/19e20.III4.14a
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Rodolpho Chambelland (1879-1967), Baile à fantasia, 1913
Óleo sobre tela, 149 x 209 cm.
Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes
1. Na Galeria de Arte Brasileira Moderna e
Contemporânea do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (MNBA/RJ), se
encontra atualmente exposta uma pintura com a qual mesmo o menos iniciado dos
apreciadores de arte não poderá deixar de se impressionar. Aproximando-se dessa
obra de dimensões consideráveis (149 x 209 cm), um suposto visitante
perceberia, em um primeiro momento e com crescente nitidez, as figuras de
dançarinos fantasiados que, sozinhos ou em pares, parecem se agitar
freneticamente em sua eterna imobilidade. Todavia, quando esse mesmo visitante
estreitasse suficientemente a sua distância da obra, as figuras se dissolveriam
aos seus olhos e exibiriam com franqueza aquilo de que são, de fato, feitas:
tinta aspergida, salpicada e espalhada espessamente com golpes ousados de
pincel e espátula. Nessa proximidade, nosso visitante poderia então ler a
etiqueta do quadro: nela está escrito o seu título - Baile à fantasia [Figura 1]
-, bem como o nome de seu autor - o pintor, decorador e professor Rodolpho Chambelland (1879-1967).
2. Quando pintou Baile à fantasia, em
1913, Rodolpho - irmão de outro talentoso artista fluminense, Carlos Chambelland -, embora
fosse ainda considerado por muitos críticos um artista ‘novo’, não era, de
maneira alguma, um principiante. Ex-aluno livre da Escola Nacional de Belas
Artes (ENBA), ele conquistou, na Exposição Geral de Belas Artes de 1905, a
maior recompensa que um artista podia almejar no meio artístico fluminense - o
Prêmio de Viagem ao Exterior -, o que lhe rendera uma estadia de dois anos na
Europa, especialmente em Paris. Em 1911, Rodolpho voltou ao “Velho Mundo”, como
membro da equipe de decoradores do Pavilhão Brasileiro na Exposição Universal
de Turim, dando início, assim, a uma bem sucedida
carreira como pintor de decorações públicas. Na Exposição Geral de 1912, ele
conquistou a Medalha de Ouro, com um retrato figurando José Mariano Filho.[1]
Por fim, como uma espécie de corolário da sua consagração nos meios artísticos
oficiais da 1ª República, Chambelland passou a ocupar, após um concurso
realizado em 1916, a cátedra de Desenho de Modelo Vivo da ENBA. Para a
conquista desse último cargo, no qual substituiu o seu antigo mestre Zeferino da Costa e que ocupou
até a sua aposentadoria, em 1946 , certamente influiu o
grande sucesso que Chambelland obteve com Baile à fantasia, quando o
quadro foi exibido na Exposição Geral de 1913.
3. Já a pintura que lhe valera o referido
Prêmio de Viagem em 1905, chamada Bacantes em festa [Figura 2],
possuía não poucas afinidades com Baile
à fantasia. Obra na
qual Gonzaga Duque, em uma
crítica mormente elogiosa, vira “muito talento e não pequena somma de artificio”,[2] Bacantes em festa, como o próprio
nome adianta, retrata um grupo de adoradores do deus grego Dionísio, chamado Baco pelos antigos romanos, dançando
em meio a uma paisagem ensolarada. Na época em que foi realizada, a obra se vinculava
ao já bem estabelecido gênero de pinturas chamadas “neo-pompeianas”
e, simultaneamente, parecia dialogar
com uma
tendência perceptível no panorama das letras brasileiras que se definia pela referencia à Grécia antiga e ao paganismo como um campo
privilegiado para a exposição de ideais de liberalidade moral, tendência essa
bem clara em escritos de autores como Martins Fontes, Raul de Leoni e Alvaro Moreyra.[3] Bacantes em festa antecipava
assim, oito anos antes, alguns traços
que podem ser verificados em Baile à fantasia, tanto em
termos de conteúdo, como também
de composição: é, por exemplo, nas personagens de Bacantes que se deve buscar os
precedentes para a jovem com o pandeiro, que figura na extrema esquerda do Baile.
4. Até onde pude apurar, Baile à fantasia não
foi exibido antes da referida Exposição Geral de 1913; além disso, o quadro
parece não ter sido fruto de qualquer encomenda. É provável, portanto, que ele
tenha sido pensado, desde o início, como uma peça que figuraria com destaque no
ambiente do ‘Salão’. O vernissage da Exposição
de 1913 ocorreu no dia 30 de agosto e ela foi franqueada ao público no dia 1 de
setembro, com grandes pompas, inclusive com a presença do então Presidente da
República, o Marechal Hermes da Fonseca. Além de Baile à fantasia, que
figurou sob o número 56 no catálogo da mostra, Chambelland ali expôs mais duas
outras obras, Retrato do doutor A. P. (n.57) e Retrato da doutora A.
B. (n.58). Desde o primeiro momento, esses trabalhos, muito especialmente o
Baile, mobilizaram as atenções dos críticos, como se pode facilmente
perceber na consulta aos periódicos de época.
5. Já no dia seguinte ao vernissage, um
comentarista anônimo do jornal A Imprensa destacava o Baile entre
os quadros mais “dignos de nota”
do certame.[4] A 5 de setembro, o articulista da seção Notas de Arte do Jornal do Commercio -
muito provavelmente o jornalista Carlos
Américo do Santos - chamava a atenção, logo no início da sua série de
resenhas dedicadas à mostra de 1913, para o quadro de Chambelland, focando em
sua bravura técnica e na brasilidade de seu tema:
6. Incontestavelmente,
o quadro que mais de pronto chama a atenção e empolga, é o denominado “Baile à
fantasia”, do jovem artista Rodolpho Chambelland. É uma poderosa nota de cor,
magnífico espécime de técnica colorista executado com singular gosto e habilidade.
7. O tema
desse quadro possui grande carácter local, e adapta-se completamente ao
tratamento que lhe deu o artista, que soube interpretar com bastante felicidade
o seu espírito popular. Nem lhe falta o sentimento de expressão amorosa e algo erótica da dança.[5]
8. O conhecido crítico Gonçalo Alves também iniciou a sua série de notas sobre o
‘Salão’ de 1913 pelas telas de Rodolpho Chambelland. Especificamente a respeito
do Baile, ele traçou as seguintes linhas:
9. O
terceiro quadro (56) é um tumultuoso [...] Baile à fantasia. Parece que o
artista, cansado da tranquilidade de seus modelos, sofreu os ímpetos de uma
intima revolta, e comandou ele próprio a rebelião de seu
pincéis. É uma tela alucinante. Serpentinas, veludos, arminhos e confetis, agitam-se e rodopiam. O maxixe arrasta os pares
ao tablado. Há um tipo de [ilegível] ao primeiro plano que traz triunfantemente
nu o rosto. Os demais estão às precauções do estilo...
10. [...]
Rod. Chambelland deu mais um interessante documento do seu grande progresso.
Confesso que ele me agrada menos do que qualquer um dos retratos, apesar de
reconhecer o flagrante com que artista alcançou o movimento de alguns
personagens de sua composição.
11. Rod.
Chambelland conquistou evidentemente a simpatia do público com os trabalhos
apresentados no atual “Salon”. Caberia, pois, “par droite
de conquête”, a primeira referência feita nessa
coluna aos trabalhos ora expostos.[6]
12. Quase duas semanas após a abertura da
Exposição Geral, o entusiasmo a respeito do Baile à fantasia parecia não ter arrefecido. O colunista
G. de O., d'O Correio da Manhã, que via em Rodolpho e em seu irmão
Carlos, bem como em outros pintores de sua geração, como Arthur Timótheo, Alvim Menge ou Luiz Cristophe, “a
vitalidade toda que faz sobressair o certamem”,
dava destaque à recepção vitoriosa do quadro:
13. Rodolpho
já se vae atirando aos grandes trabalhos em que as difficuldades
se amontoam para não raro, vencidas, attestarem os
seus dotes de artista consciente.
14. O seu
baile tem qualidades consideraveis e provocaria mesmo
uma pagina de critica sizuda a exaltar-lhe os meritos, no fundo tenue de alguns raros defeitos. A sagração teve-a elle por isso copiosa e abundante na admiração e no applauso.[7]
15. Mas, essa “sagração” de Baile à fantasia não se limitou à admiração e
aos aplausos, igualmente perceptíveis
nas demais críticas publicadas à época. Na edição do dia 14 de
setembro de 1913, o mesmo Correio da Manhã anunciava que a lista de
obras a serem adquiridas pela ENBA, proposta pela Comissão Diretora da
Exposição Geral, havia sido aprovada e que o Baile à fantasia seria comprado por 5:000$000 (cinco contos de réis).
Entre os quadros adquiridos naquele ano - que, passando a fazer parte da
pinacoteca da ENBA, hoje figuram no acrevo do MNBA/RJ -, tal cotação foi o
maior: nem obras de mestres já consagrados como João Baptista da Costa ou
Gustavo Dall'Ara atingiram
preço igual.[8] Desde então a obra vem sendo reproduzida
e comentada com destaque em todos os principais catálogos do MNBA, bem como nas
mais significativas obras de referência sobre a pintura brasileira surgidas nas
últimas décadas.[9]
16. Creio que muito do apelo imediato que Baile
à fantasia guarda ainda hoje, passados quase cem anos de sua realização, se
deve ao tema nele figurado. Sem dúvida, se encontram representadas no quadro
certas particularidades do Carnaval antigo que hoje caíram em um relativo
esquecimento, tanto no que diz respeito às fantasias (cf. os “dominós”,
apresentados de costas no quadro), quanto aos passos dos foliões (estes dançam,
como pontuou Gonçalo Alves, o maxixe, ritmo que, no início dos anos
1910, era ainda considerado polêmico pela forma desenvolta e sensual como era
bailado). Todavia, penso que a frenética evolução das figuras dentro de um
recinto fechado, salpicado de confettis e
serpentinas, pode, ainda assim, ser facilmente identificada pela maioria dos
apreciadores dos dias atuais.
17. O fato é que a essência dos bailes em clubs
fechados parece ter mudado pouco desde o momento que Chambelland pintou seu
quadro: estes bailes representavam então uma já bem estabelecida tradição,
iniciada ainda em meados do século XIX, como uma espécie da reação da elite e
da classe média aos festejos de rua, caracterizados pela brincadeira pouco
refinada do entrudo. O contaste entre um Carnaval “externo”, popular e
grosseiro, e outro “interno”, mais elitista e refinado, se perpetuou pelas
décadas que se seguiram, e foi essa última versão da festa que Chambelland
optou por fixar em sua tela.
18. Para além da sua qualidade intrínseca, Baile
à fantasia representa, sem dúvida, um dos pontos altos da relação entre
artes plásticas e Carnaval, relação esta que, desde finais do oitocentos até os
dias de hoje, vem colocando em cheque a distinção
entre arte erudita e arte popular, e cuja história, creio, não foi ainda
devidamente estudada. É possível mesmo afirmar que, ao menos no Rio de Janeiro,
nenhuma outra festa popular se relaciona tão intensamente às artes plásticas
quanto os festejos de Momo. Mais precisamente, como bem adiantava Mário Barata
em um texto escrito já há quase meio século,[10]
essa relação apresenta duas facetas principais: a primeira diz respeito à
efetiva participação de artistas na confecção do Carnaval carioca; a segunda, à
representação do Carnaval em obras de desenho e pintura. Aqui, ainda que
rapidamente, gostaria de me deter nas duas facetas da questão.
19. Sabe-se que é a partir dos anos finais do
II Reinado que começam a surgir as notícias de artistas famosos sendo
contratados por clubes, sociedades carnavalescas ou “cordões” para decorar
salões, preparar carros alegóricos e/ou pintar estandartes. Essa última
atividade é aquela da qual mais sobreviveram registros. No derradeiro Carnaval
da Império, em 1889, por exemplo, Rodolpho
Amoêdo e Décio Villares
realizaram as pinturas de estandartes para duas das mais tradicionais
sociedades carnavalescas rivais - respectivamente, os Tenentes do Diabo e
os Fenianos[11]; ao fazê-lo, poder-se-ia dizer, como que
antecipavam o duelo que travariam, no campo das idéias,
quando da Reforma da Academia de artes do Rio, em 1890. Mas Amoêdo e Villares
não foram os únicos artistas de renome a elaborar estandartes. Como enumera o
escritor Luiz Edmundo, recordando os festejos de Momo de sua juventude, “Henrique Bernaredelli, por exemplo, em sua mocidade pintou
diversos distintivos desses. Belmiro de Almeida tinha garbo em dizer que os pintava. De
múltiplos pendões sabemos pintados, ainda, por artistas como Helios Seelinger, irmãos Timóteo, Chambelland e Fiúza Guimarães”.[12]
20. Além disso, diversos outros artistas
trabalharam, desde a primeira década da República, como “técnicos”, termo pelo
qual eram conhecidos, à época, os profissionais que se dedicavam à criação e à
realização dos préstitos carnavalescos.[13] Foi o caso dos cenógrafos de origem
italiana Gaetano Carrancini e Oreste Coliva;
do já citado Fiúza Guimarães, incansável colaborador dos Fenianos; de Púbio Marroig,
organizador do cortejo dos Democráticos;[14] de Modestino Kanto, o escultor e
cenógrafo dos Tenentes do Diabo, já por isso muito conhecido antes mesmo
de conquistar o Prêmio de Viagem ao Exterior, na Exposição Geral de 1918.[15]
Também atuaram como “técnicos” André Vento, Manoel Faria, o inveterado boêmio Calixto Cordeiro, dentre
outros mais.
21. A outra faceta da relação entre os artistas
eruditos e a festa de Momo acima referida, a da representação do Carnaval em
desenhos e pinturas, me interessa aqui mais diretamente. No campo das artes
gráficas e da caricatura, por exemplo, é bem conhecida a longa tradição de
imagens que, começando, digamos, com Jean-Baptiste Debret, atravessa todo o século XIX e tem um
de seus pontos altos nas ilustrações de Angelo Agostini, artista nascido
na Itália e que foi uma das mais proeminentes figuras da imprensa carioca nas
décadas finais do século XIX: em várias oportunidades, Agostini retratou o
Carnaval ou dele se valeu com instrumento para vincular suas ácidas críticas à
situação política brasileira. Nesse mesmo campo, é necessário lembrar ainda do
excepcional trabalho de toda uma plêiade de caricaturistas e desenhistas que,
surgidos durante a 1ª República, se debruçaram com grande interesse sobre os
festejos de Momo. Cumpre lembrar, nesse sentido, nomes como os de Raul Pederneiras, do citado
Calixto, J. Carlos, Nono,
J. B., Julião Machado e o “modernista” Di
Cavalcanti; o próprio Rodolpho Chambelland também produziu belas
ilustrações inspiradas em motivos de Carnaval.[16]
22. Todavia, é mais difícil reconstituir a
genealogia de pinturas
brasileiras versando sobre temas carnavalescos, uma vez que escasseiam as
referências escritas e - ainda mais - os registros iconográficos de quadros do
gênero. Ainda assim, o mais provável é que Baile à fantasia não
constituísse, à época em que foi realizado, algo sem precedentes. Em 1908, por
exemplo, Helios Seelinger expôs, em uma mostra
individual realizada no Museu Comercial, uma composição intitulada Frisa
carnavalesca, que foi comentada por Gonzaga Duque em um artigo da revista Kósmos, no qual se encontram reproduzidos,
inclusive, dois fragmentos da obra.[17] A escolha do tema por Seelinger era bastante compreensível pois o Carnaval se
adaptava, quase naturalmente, àquela veia “panteísta” que o pintor desenvolvera
nos ateliês que frequentara em Munique desde meados dos anos 1890. Em termos
formais, porém, a concepção marcadamente decorativa da Frisa carnavalesca de
Seelinger se afasta do registro mais “realista” do
quadro de Chambelland.
23. Significativamente, no mesmo Salão de 1913,
Arthur Timotheo da Costa expôs outro quadro versando sobre o Carnaval,
denominado O Dia Seguinte [Figura
3]. Dir-se-ia que essa obra constitui um verdadeiro pendant do Baile,
mostrando o que foi reiteradamente interpretado como um momento melancólico
posterior ao frenesi do quadro de Chambelland[18]
- um dos personagens, o Pierrô de branco, parece mesmo se repetir nas duas
obras. É difícil dizer que tipo de acordo houve entre Chambelland e Arthur
Timótheo, conhecidos de longa data,- para a exibição
dos dois quadros tão interelacionados, no mesmo
certame. O certo é que a crítica de então percebeu a ligação óbvia, e, por
vezes, as duas obras foram comentadas em conjunto, com clara desvantagem para o
quadro de Arthur Timótheo, que sofreu críticas devido aos seu aspecto de esquisse
e seu clima mais sombrio.
24. Essa exibição simultânea de Baile à
fantasia e d’O Dia Seguinte no Salão de 1913 me parece, por si só,
um indício do interesse pelos temas carnavalescos que vicejava entre os
artistas brasileiros de então. Pode-se aqui levantar
algumas das possíveis razões por trás disso: por um lado, sem parecer
demasiadamente provinciano, o Carnaval encarnava uma brasilidade e um carácter
local avidamente procurados e valorizados em um meio artístico como o da 1ª
República, que constantemente se interrogava a respeito de sua identidade
distintiva. Por outro lado, o Carnaval parecia representar, igualmente, um
aspecto daquela modernidade dinâmica e efêmera louvada já nos escritos de
Baudelaire, um verdadeiro ícone daquele heroísmo boêmio que marcou toda a
geração de Chambelland.
25. Ainda nesse sentido de imagens da
modernidade, cumpre recordar que todo um filão temático, versando sobre novos
modos de sociabilidade, se afirmou e passou a ser amplamente explorado pelos
artistas na Europa, a partir de meados do século XIX, com alguns dos quais
Chambelland tinha afinidades declaradas.[19]
Não por acaso, na produção de tais artistas, pode-se encontrar obras que mantêm
grande afinidade com o Baile de Chambelland. Vou me limitar aqui a
alguns exemplos franceses relativamente conhecidos: em 1873/74, por exemplo,
Edouard Manet pintou um Bal masqué à l'Opéra [Figura 4],
que, enquanto tema, não deixa de ter relações com o Baile à fantasia,
embora divirja consideravelmente em sua concepção formal, marcada pela singular
rigidez dinâmica da maioria das figuras. Um pintor como Pierre-Auguste Renoir
abordou por vezes a agitação das cenas de dança, como no seu tríptico La danse à Bougival, La danse à la campagne
e La danse à la ville, pintado entre 1882 e 1883; mas é o célebre Le
Moulin de la Galette
(1876) [Figura 5], na sua fatura iridescente e na atitude
dos casais de bailarinos representados à esquerda, seu quadro mais se
aparenta, em espírito, ao Baile à fantasia. Outros artistas como
Toulouse-Lautrec, em La danse au
“Moulin Rouge” (1899/90) [Figura
6] e talvez mais ainda Marius-Joseph Avy, em
seu impressionante Bal Blanc (1903) [Figura 7],
produziram obras nas quais é plausível que Chambelland, durante a sua estadia
em Paris, tenha colhido diretamente sugestões de composição e de tratamento
que, anos depois, voltariam a emergir quando da realização de seu Baile.
26. A relação do quadro de Chambelland com as
obras francesas acima citadas se evidencia ainda mais quando se analisa os
métodos compositivos do pintor brasileiro. Um olhar mais detido nos permite
perceber como a cena vertiginosa que se apresenta aos nossos olhos, à primeira
vista tão informal, como se de um instantâneo fotográfico se tratasse, se
encontra alicerçada em uma composição das mais calculadas. Contornando as
cabeças de todos os personagens, constata-se que a linha sinuosa resultante [em
azul, no Esquema
1] se organiza em torno de uma direção horizontal explícita e bastante
estável [em vermelho, no mesmo Esquema 1]. Uma outra linha [diagonal em vermelho,
em baixo, no Esquema
1] liga os pés dos dançarinos, desde o casal de Pierrô e Colombina no
primeiro plano, à direita, passando por um outro casal à média distância, e
chegando, finalmente, à rapariga que segura um pandeiro, no fundo, à extrema
esquerda.
27. Essa estrutura de base, bem como uma série
de outros paralelismos compositivos que relacionam entre si os personagens do Baile
[Esquema 2
e Esquema 3],
evidencia como o aspecto frenético que emana da obra não encontra eco em um
agrupamento meramente aleatório das figuras: muito pelo contrário, o
frenesi emerge, algo paradoxalmente, de uma concepção pictórica extremamente
calculada. Uma estrutura de base muito semelhante pode ser observada nas obras
de Renoir, Lautrec e Avy acima referidas [Figura 8], o
que sugere que um verdadeiro tipo compositivo[20],
associado a representações de cenas de dança - mas não só a elas[21]
-, se encontrava bastante difundido na pintura ocidental, em finais do século
XIX. Por intermédio desse tipo,
os artistas podiam oferecer uma representação precisamente composta de um
importante tema subjacente em suas pinturas, a saber, a ausência de propósito
comum dos personagens, um sintoma da atomização da sociedade idividualista moderna.
28. As linhas diagonais dos Esquema 1, Esquema 2 e
Esquema 3,
que sugerem recuos especiais, são responsáveis igualmente, em um nível
compositivo mais profundo, pelo forte efeito de dinamismo que emana de todas as
figuras principais de Baile à fantasia: deslocadas centripetamente
de seus eixos verticais, estas se equilibram precariamente sobre suas bases
instáveis [Esquema
4]. Faço questão de destacar esse jogo linear, um tanto árido se
comparado com a obra que sintetiza, por julgar que, no contexto da arte
brasileira da 1ª República, ele está carregado de implicações semânticas. Para
demonstrar isso, porém, devo fazer uma referência, necessariamente ligeira, aos
novos conceitos de expressão artística
que se afirmaram na pintura do período.
29. Nesse sentido, o que se pode observar entre
os pintores da 1ª República é uma convivência verdadeiramente eclética entre,
de um lado, concepções já seculares, como aquelas adiantadas pelos teóricos
renascentistas e sistematizadas por Charles le Brun,
ainda no século XVII, que professavam uma idéia da
expressão fundada essencialmente sobre a figura humana, sobretudo sobre o seu
jogo fisionômico e, de outro lado, concepções de expressão mais modernas, que
compreendiam a expressão artística como sendo veiculada já pelas
características puramente visuais dos elementos que constituem a imagem (linha,
cor, textura, etc.)
30. Nesse último caso, é digna de nota a
difusão das idéias do artista e teórico holandês David Pierre Giottino Humbert de Superville,
muito especialmente aquelas expressas em seu livro Essai
sur les signes
inconditionnels dans l'art (Leiden, 1827-1832). Nessa obra, se encontram
traçados pela primeira vez os esquemas de Superville,
que se tornariam celebríssimos, para três expressões fundamentais, calma,
tristeza e alegria. O autor faz corresponder, a cada uma dessas
emoções, um arranjo linear específico [Figura 9]:
a imagem do centro, regida por linhas horizontais, caracterizaria a calma; a da
esquerda, com suas diagonais “expansivas”,
exprimiria o sentimento de alegria; a da direita, com suas diagonais “convergentes”, corresponderia
ao sentimento de tristeza.
31. Os esquemas de Superville
tem analogias notáveis com alguns desenhos feitos ainda no século XVII por Le
Brun. Mas, nos escritos do holandês, a esfera do que é expressivo deixa de ser
meramente antropocêntrica e se expande a ponto de incluir elementos abstratos.
Em última análise, para Superville, as faces de seus
esquemas transmitem as suas expressões específicas porque as linhas que as
compõem já se encontram carregadas de significado - e não o contrário. Essa
concepção, que mantêm analogias com aquelas adiantadas por um autor como Johann
Kaspar Lavater,[22]
implica em uma singular generalização da aplicação dos esquemas: segundo ela,
todo fenômeno, seja animado ou inanimado, passa a ser, portanto, potencialmente
expressivo.[23]
32. Para exemplificar isso, me deterei aqui na
rápida consideração do esquema das diagonais expansivas, por sua analogia com o
esquema do Baile, destacado no Esquema 4.
Por um lado, no decorrer do Essai, este
esquema é associado, para além da alegria, com uma série extensa de valores
expressivos e mesmo morais, que possuem uma dinâmica análoga: paixões vivas,
movimento, vacilação, agitação, dispersão, volúpia, inconstância etc. [Figura 10]
Por outro lado, ele é relacionado não só a figuras humanas (algumas portadores
de significados iconográficos precisos, como a deusa Vênus ou uma bacante),
mas, igualmente, a motivos não-humanos (animais e vegetais) e a motivos
inanimados, como elementos da arquitetura chinesa [Figura 11].
33. A ideia de que as estruturas abstratas
subjacentes ao que é visto são já carregadas de significação se afasta das
concepções mais conhecidas de expressão artística, segundo as quais esta última
deriva de processos psicológicos centrados no sujeito observador, como a
associação ou a projeção empática. Superville
adianta, assim, certas teorias que só seriam propriamente formuladas no século
XX, como a teoria gestaltista da expressão.[24]
Me parece que no Baile de Chambelland, no qual o esquema abstrato de
diagonais expansivas é utilizada como esqueleto estrutural da composição, se
encontra materializada uma das mais interessantes possibilidades contidas no Essai: a de imprimir não somente no rosto de uma
figura, mas em todo um quadro - ou mesmo em todo um estilo - um determinado
conjunto de valores expressivos.
34. A hipótese de que Chambelland tenha se
valido das ideias de expressão de Humbert de Superville
ganha respaldo quando se considera a referida difusão dessas últimas no meio
artístico brasileiro. A partir dos finais dos anos 1910, por exemplo,
referências a elas podem ser encontradas em programas de aula, textos e teses
de artistas formados na ENBA durante a 1ª República.[25]
Certamente, as idéias de Superville
eram conhecidas no Brasil bem antes disso.[26]
Muito provavelmente, os brasileiros leram o Essai
de uma maneira indireta, filtrado pela sua difusão no contexto artístico da IIIe Republique francesa. Muito importante,
nesse sentido, foi a apropriação feita por Charles Blanc, que, na introdução de sua célebre Grammaire des arts du dessin
(Paris, 1867), citava diretamente o pensamento de Superville.
Por sua vez, é notória a influência da Grammaire
de Blanc - de cuja terceira edição, datada de 1876, a Biblioteca da ENBA
possuía exemplares - na produção de importantes artistas franceses do final do
século XIX, sendo o caso comprovado mais famoso, provavelmente, o de Georges Seurat.[27]
35. O reflexo das ideias de Superville,
via França, pode ser percebido igualmente em alguns detalhes do Baile de
Chambelland. Um exemplo é o rosto do Pierrô em primeiro plano no quadro, que
parece derivar da recepção, nos meios artísticos franceses, das experiências
realizadas pelo fisiologista Guillaume B. A. Duchenne
de Boulogne e divulgadas em seu álbum Mecánisme
de la physionomie humaine ..., de 1862.[28]
Associando eletrofisiologia e fotografia, Duchenne produzia
e registrava expressões fisionômicas ao estimular, com choques elétricos, os
músculos faciais de pacientes atacados de paralisia facial - insensíveis,
portanto, à dor. Tais fotografias foram por vezes pensadas como uma espécie de
comprovação científica dos esquemas de Superville e
reproduzidas em outros trabalhos célebres, como os do Charles Darwin[29]
ou de Mathias Duval,[30] professor de Anatomia da École des Beaux Arts
francesa. Uma comparação de ilustrações retiradas dessas obras com o referido
Pierrô de Chambelland [Figura 12] revela analogias flagrantes e é o índice
de uma intensa circulação de referências figurativas, cujo estudo espera pelo
devido aprofundamento.
36. Deixei deliberadamente para o final um
último aspecto do Baile à fantasia que, embora um tanto distinto dos que
foram até aqui apresentados, contribui de maneira igualmente decisiva para o
caráter frenético da obra: a vibração da sua fatura de superfície.
37. A fatura pictórica do quadro de Chambelland
é, na verdade, bastante diversificada. Áreas de empastamento vigoroso, onde as
pinceladas se justapõem de maneira franca, se alternam com outras onde a tinta,
aplicada de forma mais diluída, deixa transparecer o fundo, ou ainda outras nas
quais o uso de veladuras serve como elemento de unificação dos contrastes de
valor ou de cor. Novamente, o aspecto aparentemente improvisado da técnica de
Chambelland é, na verdade, o fruto de um esforço calculado e intencional, envolvendo
vários estágios independentes de execução.[31]
A sua técnica evidencia, ainda, um alto grau de virtuosismo: em uma área
relativamente pequena, como aquela que representa o babado da capa do dominó,
no centro do quadro, é possível perceber não menos do que uma dúzia de matizes
diferentes.
38. Mas é na faixa superior do quadro que o
trabalho de fatura adquire a sua maior autonomia [detalhe da
Figura 1]. Nela, excetuando o tênue padrão formado por algumas
verticais paralelas, todas as constrições estruturais se encontram ausentes: a
faixa vibra como textura pura. Chambelland emprega aí, predominantemente, um
tratamento divisionista semelhante aquele de suas
pinturas decorativas, o que traduz admiravelmente a atmosfera da sala de baile,
salpicada de confettis. Mas é possível
perceber também, especialmente nas linhas irregulares que remetem a
serpentinas, um procedimento muito semelhante àquela que pintores ligados ao
chamado Expressionismo Abstrato, como os estadunidenses Jackson Pollock ou Mark
Tobey, empregariam décadas depois.
39. Elucidativa dessa inusitada convergência
seria uma comparação entre a faixa superior de Baile à fantasia e outra
obra que também pertence ao MNBA/RJ, o quadro de Antônio Bandeira chamado A
grande cidade iluminada, de 1953 [Figura 13].
As convergências formais encontradas entre os dois quadros, cujas realizações
se encontram separadas por um hiato de quarenta anos, poderiam ser citadas como
um indício da modernidade - dessa vez formal - de Rodolpho Chambelland, um
pintor que certamente merece mais do que a tímida celebração que recebeu até
hoje em nossa historiografia de arte. Certamente, não devemos esquecer das
diferenças de intenção existentes entre Chambelland e os ditos pintores
informais: no Baile, como adiantei, a fatura não é simplesmente
abstrata, mas remete para elementos semânticos bem definidos, como os confettis e serpentinas, que fazem literalmente
vibrar o ar do salão. Todavia, a exaltação do gesto do pintor, em boa parte a
própria razão de ser de uma obra como a de Bandeira, é igualmente importante no
Baile à fantasia, onde se afirma como uma
derradeira e eloquente tradução, desta vez no próprio fazer pictórico, do
frenesi do Carnaval.
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[2] DUQUE ESTRADA, Luiz
Gonzaga. Salão de 1905. In: Contemporâneos - Pintores e esculptores. Rio de Janeiro: Typ.
Benedicto de Souza, 1929, p. 122.
[3] Cf. MACÁRIO, Paula
Gomes. Neo-gregos da Belle Époque
brasileira. Campinas, SP : [s.n.], 2005
(Dissertação de Mestrado).
[4] Escola Nacional de
Bellas Artes - O vernissage do 'Salon' de 1913, A
Imprensa, 31 de agosto de 1913.
[6] Notas do 'Salon', A
Noite, 8 de setembro de 1913, p. 2. Autor: Gonçalo Alves.
[7] Artes e Theatros - Salão de 1913, Correio da Manhã, 13 de
setembro de 1913, p. 4
[8] Artes, Theatros & Sports - O Salão de 1913, Correio da
Manhã, 14 setembro de 1913 [cfr. link]. Entre outras obras importantes adquiridas pela
ENBA na Exposição Geral de 1913, constam Caminho do Curral, de Baptista
da Costa (4:000$000), Tarefa pesada, de Gustavo Dall'Ara
(2:000$000), Estudo de reflexos e Supremo esforço,
ambas de Carlos Oswald, e Bianca,
de Eugenio Latour.
[9] Creio que a seguinte
lista parcial de publicões que estampam e comentam Baile
à fantasia serve como um indício do caráter verdadeiramente paradigmático
da obra no contexto da arte brasileira: ACQUARONE, F.; VIEIRA, A. Q. Primores
da Pintura no Brasil. Rio de Janeiro, 1941, n.p.; REIS JÚNIOR, J. M. História
da pintura no Brasil. São Paulo: Editora Leia, 1944, il. 219; MUSEU
Nacional de Belas Artes. Colorama, s/d, p. 98-99;
CAMPOFIORITO, Quirino. História
da Pintura Brasileira no Século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke,
1983, n.p.; Arte brasileira, século XX: Catálogo da galeria Eliseu Visconti:
pinturas e esculturas. Rio de Janeiro: MNBA/CNEC, 1984, p. 31; LEITE, José R.
T. Dicionário Crítico da Pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre Ltda., 1988, p. 51; ACERVO Museu Nacional de
Belas Artes - Collection Museum
of Fine Arts.
(Coordenação H. A. Lustosa; textos Amândio M. Santos [et al.]). São Paulo:
Banco Santos, 2002, p. 132; CARDOSO, Rafael. A arte brasileira em 25 quadros
(1790-1930). Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 160-171.
[10] BARATA, Mário.
Desenhos de Carnaval e Angelo Agostini, Diário de Notícias, 28
de fevereiro de 1954.
[11] Uma quadra publicada
no jornal O Paiz fazia referência ao embate carnavalesco entre os
artistas: “Dois estandartes soberbos /
Obras de artistas valentes / Pinta o Decio o
dos Fenianos / O Amoedo o dos
Tenentes” (citado em ENEIDA. História do Carnaval. Rio de
Janeiro: Editora Civilização Brasileira S. A., 1958, p. 275).
[12] EDMUNDO, Luiz. O
Rio de Janeiro de meu tempo. Brasília: Edições do Senado Federal, 2003, p.
499.
[13] A esse respeito,
consultar o trabalho de Helenise Guimarães, A Escola
de Belas Artes no Carnaval Carioca: Uma relação secular e a revolução
nas Escolas de Samba. In: TERRA, Carlos G. (org.). Arquivos da Escola
de Belas Artes n. 16, Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2003, em especial p. 73-76.
[14] Com sua habitual verve
irônica, Agrippino Grieco assim se referiu aos trabalhos carnavalescos desses
dois últimos artistas: “[Fiúza Guimarães] Preparou, anos a fio, o cortejo carnavalesco do Fenianos, aliás com absoluto insucesso popular,
voltando-se toda a admiração para o cortejo dos Democráticos, preparado pelo Púbio
Marroig, que não fora prêmio de viagem nem era
professor da Escola de Belas-Artes” (GRIECO, Agrippino. Memórias -
Rio de Janeiro I. Rio de Janeiro: Conquista, 1972, p. 75).
[15] “Antes desse galardão [o Prêmio de Viagem] com que o consagravam eruditos da pintura e
escultura, o povo nas ruas, na expansão que o carnaval propicia, já o havia
glorificado” (EFEGE, J. Figuras e coisas do carnaval carioca. Rio
de Janeiro: FUNARTE, 1982, citado em GUIMARÃES, Helenise.
Op. cit., p. 75).
[16] Como comprovam seus
desenhos do Diabo e do Velho, reproduzidos nas páginas 484 e 486
do livro de Luiz Edmundo referido na nota 12.
[17] DUQUE ESTRADA, L.
Gonzaga. Helios Seelinger, Kósmos,
ano5, n.3, mar. 1908, p. 33-36 [cfr. link].
[18] Cfr
. CARDOSO, Rafael, op. cit., p. 169.
[19] Em entrevista dada a Angyone Costa, em 1927, ao ser perguntado sobre qual
era o seu “genero pictural”, Chambelland respondeu sem
hesitar: “O impressionismo, que é um
termo médio, na pintura” (COSTA, Angyone. A
inquietação das abelhas (O que dizem nossos pintores, escultores,
arquitetos e gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil). Rio de Janeiro:
Pimenta de Mello & Cia, 1927, p. 97;
cfr. link).
[20] Tipo é aqui
compreendido no sentido preciso que Giulio Carlo Argan,
seguindo as indicações de teóricos como Quatrémère de
Quincy, lhe confere em alguns de seus escritos, em particular no verbete
Tipologia, da Enciclopedia Universale dell’Arte, e na Léccion II, La tipología arquitetonica, de El concepto de espacio
arquitetonico desde el
Barroco a nuestros dias. Buenos Aires: ediciones Nueva Vision, 1977, p. 29 sg.
[21] Cf., nesse sentido, o
comentário de Rudolf Arnheim sobre o célebre Bureau
du coton à la Nouvelle-Orléans, de Edgar Degas, em O Acaso e a
necessidade da Arte. Para uma Psicologia da arte / Arte e Entropia.
Lisboa: Dinalivro, 1997, p. 169-170.
[22] LAVATER, Johann K. Physiognomische fragmente,
zur Beförderung der
Menschen-kenntniss und Menschen-Liebe von -. Leipzig & Winterthur, 1775-1778. Lavater
postulava, por exemplo, que as silhuetas, com a sua característica redução do
aspecto do rosto humano a um puro contorno linear, eram mais adequadas para o
estudo dos nexos entre fisionomia externa e caráter interno do que a observação
direta da natureza, em constante transformação.
[23] STAFFORD, Barbara M. Symbol
and Mith: Humbert De Superville's Essay on Absolute Signs in Art. University of
Delaware Press, 1979.
[24] ARNHEIM, Rudolf. A
Teoria Gestalt da Expressão, op. cit., p. 59-79
[25] Discuti com mais
detalhes esse tópico em: VALLE, Arthur. A teoria da expressão de Humbert de Superville e sua recepção no meio artístico fluminense do
início do Século XX. 19&20,
Rio de Janeiro, v. IV, n. 4, out. 2009. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/criticas/av_superville.htm>.
Cfr. igualmente: PEDERNEIRAS, Raul. A máscara do riso. Ensaios de anatomo-physiologia
artistica. 2. ed. Rio de Janeiro: Officinas Graphicas do “Jornal do
Brasil”, 1917, p. 13; PEDERNEIRAS, Raul. Programma
da Cadeira de Anatomia e Physiologia Artísticas.
Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 2024, 20 de janeiro
de 1923, f. 2 recto, 48; ALBUQUERQUE, Georgina de. O Desenho Como Base no
Ensino das Artes Plásticas. Rio de Janeiro: ENBA, 1942, p. 39; MARQUES JUNIOR, Augusto José. Plástica das
expressões fisionômicas. Arquivo da Escola de Belas Artes. Rio de
Janeiro: Universidade de Brasil, 1955, p. 23 sg.
[26] Um exemplo: no
comentário a um retrato de D. Pedro II feito por Décio Villares, publicado na Revista
Illustrada, edição n.336 de 1883, o articulista
que assina J. Dast. expõe - sem todavia dar os
devidos créditos - a essência da teoria da expressão de Superville
e, baseado nela, uma curiosa interpretação da personalidade do monarca (cf. link).
[27] Cf. CHASTEL, Andre.
Une Source oubliée de Seurat. Fables, formes, figures. Reed., Paris: Flammarion, 2000, v.2,
p. 385-393; HERBERT, Robert L.. Seurat: Drawings
and Paintings. New Haven & London: Yale University, 2001, em especial os capítulos Parade de Cirque and the Scientific
Aesthetic of Charles Henry e Chahut,
1889-1890.
[28] O título completo da
primeira edição da obra de Duchenne era Mecánisme de la physionomie humaine: ou
Analyse electro-physiologique de ses
différents modes d’expression.
Outra edição, também de 1862, trazia novo subtítulo, que frisava o possível uso
artístico do livro: “Analyse electro-physiologique de d’expression des passions applicable
à la pratique de arts plastiques” (citado in BORDES, Juan. Historia de las teorias de la figura humana:
El dibujo/ la anatomía/ la proporcíon/
la fisiognomía. Madrid: Cátedra, 2003, pg. 350).
[29] The expression
of the emotions in man and animals. by Charles Darwin, M. A., F.R.S., & C. with photographic and
other illustrations. London: John Murray, Albemarle
Street, 1872. Com relação às fotografias de Duchenne,
ver, em special, os capítulos 8 e 12.
[30] Précis
de Anatomie à l'usage des artistes. Paris, n.d., pg. 314, reproduzido em BOIME, Albert. The teaching of fine arts and the
avant-garde in France during the second half of the nineteenth century. In: Las
academias de arte (VII Coloquio Internacional de Gaunajuato). D.F.: Univesidad
Autónoma do Mexico, 1985, n.p.
[31] Uma técnica
sofisticada análoga é observável em trabalhos de “impressionistas”, que
Chambelland admirava, como Claude Monet. Ainda hoje, tais trabalhos são,
frequentemente, louvados por uma fatura pictórica redutivamente
compreendida como improvisada; cf.. HERBERT, Robert. Method and meaning in Monet, Art in America,
set. 1979, p. 90-108.