Celita Vaccani: Manuscrito sobre sua trajetória artística e acadêmica

organização de Tathyane Höfke *

HÖFKE, Tathyane (org.). Celita Vaccani: Manuscrito sobre sua trajetória artística e acadêmica. 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 2, abr. 2010. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/cv_depoimento.htm>.

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Celita Vaccani foi uma escultora, cuja história caminhou lado a lado com a própria história da Escola de Belas Artes da UFRJ. Sua paixão pelas artes se manifestou desde muito cedo, quando teve seu primeiro contato com os irmãos Rodolpho e Henrique Bernardelli. O manuscrito de Celita Vaccani, aqui reproduzido, foi utilizado como um roteiro para a entrevista que ela deu, aos 75 anos de idade, para Rádio MEC em 1988 no Programa “Esse Rio que eu amo”. Cuidadosa e detalhista, a artista aponta neste singelo documento os dados que não podem ser esquecidos de toda a sua carreira. Devido ao fato de ser um documento dirigido a ela mesma, sem a pretensão de ser lido por outra pessoa, a liberdade que a artista destaca os aspectos de sua vida, sua infância, sua carreira, seus valores, bem como a forma como o texto é escrito, nos segredam, de uma forma muito pessoal, quem foi Celita Vaccani. Neste documento, Celita faz uma breve retrospectiva sobre sua carreira artística e acadêmica, fala da sua infância (brincando à sombra do atelier dos Irmãos Bernardelli), assinala a importância do aprendizado junto ao Mestre Rodolpho Bernardelli e resume sua trajetória junto à Escola de Belas Artes. Numa linguagem muito livre, Celita aponta os principais fatos de sua vida, narrando-a em doces palavras, onde mostra com orgulho suas principais obras e prêmios conquistados. Este breve manuscrito é de suma importância, para em poucos minutos, conhecer Celita Vaccani, suas paixões, suas motivações e sua história.

A transcrição foi feita a partir do documento original, pertencente ao Acervo da Família de Celita Vaccani, guardado com todo o zelo e cuidado pelo seu sobrinho Rodolpho Rezende. Feito de folhas de fichário grossas e já amareladas da antiga Papelaria União amarradas por uma grossa fita vermelha. A oportunidade de ter acesso a este tipo de fonte é inestimável. Mantivemos a ortografia original e tentamos conservar ao máximo a formatação do texto utilizada pela artista.

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Celita Vaccani: Manuscrito sobre sua trajetória artística e acadêmica

Rio de Janeiro, 15/01/88

Radio MEC

Programa: “Esse Rio que eu amo”

Direção de Aglaia Santos Peltier

É com imensa alegria, que hoje dou essa entrevista à Rádio MEC, “Esse Rio que eu amo”. Também porque considero o rádio, como meio de comunicação de massas, uma força poderosa, especialmente a partir de 1945 com a chegada do transistor, entre nós.

Como acontece à inúmeras pessoas, digo orgulhosa:

Eu amo o Rio

Sou apaixonada pelo Rio

Não só porque sou carioca (nasci na Tijuca - Rua Conde Bonfim, nº. 20), mas porque acho o Rio lindo, mágico, encantador, com seu céu azul, maravilhoso mar que cria lindas praias e fraternidade entre a população, montanhas poderosas de caprichosas formas que guardam a magia da floresta virgem de nossas matas.

Sou brasileira, filha de pais brasileiros: Rodolpho Vaccani e Evelina Carlota Watson Vaccani, a quarta filha de cinco que tiveram.

Quando contava 3 anos, meus pais mudaram-se para Copacabana, Rua Goulart, nº. 27 (hoje Rua Prado Júnior).

Meu pai, médico maravilhoso, achava importante que crescêssemos tomando banhos de mar e brincando na areia da praia, para desenvolvimento da saúde, liberdade e fantasia. A lembrança do mar e as lições que dele guardei, têm me servido por toda vida como a da necessidade de correr, enfrentar e furar uma grande onda, para assim vence-la, eu associo esse momento aos problemas que a vida me oferece.

Era um grupo grande de crianças que juntas brincavam, criando e organizando os mais diversos folguedos: circo, teatro, futebol, chicote-queimado, pegar, pique-nique, procissão, estátua, 31 de janeiro, armarinho, além dos banhos de mar, duas vezes ao dia.

Muitas dessas brincadeiras eram feitas na Rua Goulart, ou nos quintais de casas dos participantes. Mas, o melhor lugar considerado por todos, era a sombra do atelier dos Irmãos Bernardelli (na Rua Berfort Roxo, nº. 10, esquina com a Avenida Atlântica).

Assim sendo, desde pequena, 4 anos, passei ao entrar, apreciar e me emocionar com as obras de escultura e pintura existentes no atelier desses grandes artistas brasileiros. Isso acontecia quando uma aluna de um desses artistas esquecia de fechar o grande portão, ao penetrar no prédio, a criançada parava o que fazia e, de mansinho entrava por aquelas magestosas salas no térreo, repletas de escultura, principalmente, porque o atelier de pintura era no 3º andar e o 2º era o da moradia desses grandes mestres.

Nessa época, o grande poeta Manuel Bandeira era nosso vizinho, morando com sua família na casa a seguir da nossa, e muito se divertia vendo a garotada brincar.

Quando ainda cursando o colégio público fazendo os estudos de 1º grau, foi que ingressei aos 9 anos, como aluna do Professor de escultura, o grande Mestre Rodolpho Bernardelli.

Os estudos de 2º grau, ciclo correspondendo ao ginasial, foi feito por mim no Colégio Rezende. Aliás, nesse Colégio também estudaram minhas quatro irmãs: Gilda, Sylvia, Evelina e Beatriz.

Durante 7 anos tive o privilégio de ser aluna de Rodolpho Bernardelli em convívio diário. Assim, em 1930 conquistei o 1º prêmio no Salão Nacional de Belas Artes, também minha grande admiração acontecia em relação ao grande pintor Henrique Bernardelli.

Já muito doente, pouco antes de falecer, o grande escultor, pediu ele ao Diretor da Escola de Belas Artes, da UB, seu antigo discípulo, o mestre escultor José Otávio Correa Lima, que continuasse a orientar meus estudos de escultura.

Durante 2 anos, estudei no seu atelier particular, ingressando depois como, aluna matriculada de Escultura da Escola Nacional de Belas Artes, da UB.

Terminado o curso, seguem-se as fazes de participação em inúmeros concursos públicos, dos quais participei, conquistando importantes premiações.

Após ter viajado à Europa no gozo do Premio Caminhoá, da Escola de Belas Artes, minhas convicções como artista mais se firmaram e,

No concurso realizado para a Execução do Iº Mausoléu dos Aviadores Militares, mortos no cumprimento do dever”, conquistei entre 24 concorrentes o 1º lugar e executei a obra.

Pouco depois, vencia o concurso para o Mausoléu do Prefeito Pedro Ernesto, que também tive a honra de executar, focalizando a “Saúde e Educação” como suas grandes realizações.

É dessa época o meu ingresso para o Magistério, na Escola de Belas Artes, antes Universidade do Brasil e depois Universidade Federal do Rio de Janeiro.

De assistente de Ensino, após concursos realizados passei à Docência, posteriormente mencionada disciplina de plástica.

O IIº Mausoléu dos Aviadores Militares é obra de minha autoria, assim como vários trabalhos no Campo do Afonsos, RJ.

Ao final de 39 anos de grande trabalho, reformulando programas e conceitos estéticos, cheguei à aposentadoria pela compulsória (idade máxima p. Professor) na Universidade do Brasil.

Durante esses anos, sempre trabalhei orgulhando-me agora de dizer que tenho trabalhos de escultura em 9 diferentes Estados do Brasil, a saber:

- Rio de Janeiro: Grande Rio / Estado do Rio de Janeiro

- Ceará

- Rio Grande do Norte

- São Paulo

- Espírito Santo

- Paraná

- Paraíba

- Bahia

- Santa Catarina

Já realizei a convite dos Governos estrangeiros Intercâmbio Cultural

- Nos Estados Unidos (pelo Departamento de Estado)

- Na Grã Bretanha (pelo Conselho Britânico)

Participando sempre com prazer quando lembrada, já por várias vezes mereci ser distinguida com honrarias, em diversos Estados do Brasil:

recebi em 1974 - Título de “Benemérito do Estado da Guanabara” (Resolução 2.041 da Assembléia legislativa do Estado da Guanabara).

em 1977 - Título de “Cidadã do Crato”, concedido pela Câmara Municipal da Cidade do Crato, Estado do Ceará, Resolução de 05/77, com a outorga do Título, na Cidade do Crato em 18/12/1979)

em 1978- Diploma de “Honra ao Mérito” pelo Município de Cachoeiro de Itapemirim, Estado do Espírito Santo, - Lei 1958 de 29/05/1978, com solenidade em 26/06/19780

em 1985 - Outorga do Título de “professor Emérito do UFRJ”, em 11/01/1985, no Prédio da Reitoria - Salão Muniz Aragão - Cidade Universitária.

em 1985 - Posse na “Academia Brasileira de Arte”, da cadeira nº. 8, Patrono Mestre Valentim, em 03/12/1985 - no Salão Nobre do MNBA/RJ.

em 1986 - Outorga da “Legião do Mérito Presidente Antonio Carlos” MEC e IIHG (Instituto Internacional de Heráldica e Genealogia), em solenidade realizada no Salão de Honra do Palácio da Cultura, RJ.

em 1987 - “Medalha Mérito Santos Dumont”, outorgada pelo Ministério da Aeronáutica no IIIº COMAR, no RJ, em solenidade realizada dia 20/07/1978.

em 1987 - Participação no Programa “Sem Censura”m coordenação da jornalista Lucia Leme, em 29/07/1987.

Entre atividades diversas, realizadas no Rio de Janeiro, participei sempre com dedicação, como Membro do Júri do Salão Nacional de Belas Artes, em várias ocasiões.

Também, mais de uma vez, atuei como Júri de Samba e Júri de Rancho, em época de Carnaval no Rio de Janeiro.

Colaborando com o Salão Nacional de Artes Plásticas, em 1984, na Sala Especial, estive apresentando o bronze “cabeça de Gilda Vaccani”, de 46x14x14, no “Salão 31” - Promoção FUNARTE / INAP, sob o patrocínio da Secretaria de Cultura do MEC, recordando o Salão Revolucionário de 1931” (no MNBA).

Em 1978 - convidada a expor na Exposição “50 Anos da Escultura Brasileira no Espaço Urbano” - Rio de Janeiro - Promoção “O Globo” - FUNARTE - SUL AMERICA SEGUROS”, de 1 até 31 de julho de 1978, na Praça Nossa Senhora da Paz, Ipanema, RJ.

Trabalhos apresentados:

- “Estácio de Sá e São Sebastião”, bronze

- “Bravios”, escultura em ferro.

Já tendo merecido a Isenção de Júri, no Salão Nac. Belas Artes e no Salão de Arte Moderna, recebi Medalha de Ouro no Salão Nac. de B. Artes com o Busto “Prof. Zaco Paraná”.

Tenho participado de inúmeras Exposições de Artes Plásticas, na sessão de Pintura e na de Escultura, sendo que já fiz 3 Exposições individuais de Pintura, e 1 de Escultura.

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* Doutoranda em História pelo PPGH/UERJ; Professora de História da Arte e Estética da Faculdade CCAA