Relatórios Ministeriais sobre a Academia Imperial das Belas Artes - 1888, Anexo

transcrição de Arthur Valle e Camila Dazzi

Relatórios Ministeriais sobre a Academia Imperial das Belas Artes. Transcrição de Arthur Valle e Camila Dazzi. Texto com grafia atualizada, disponível em: http://www.dezenovevinte.net/

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BRASIL, MINISTÉRIO DO IMPÉRIO

MINISTRO ANTONIO FERREIRA VIANNA

RELATÓRIO DO ANO DE 1888 APRESENTADO À ASSEMBLÉIA GERAL LEGISLATIVA NA 4a SESSÃO DA 20a LEGISLATURA EM MAIO DE 1889.

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ANEXO C

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ACADEMIA DAS BELAS ARTES

RELATÓRIO DA DIRETORIA APRESENTADO EM 26 DE MARÇO DE 1889

ILLM. E EXM. SR.

Nomeado por Decreto de 9 do corrente Diretor desta Academia, cargo que exercia interinamente desde 17 de março do ano próximo findo, cabe-me a honra de apresentar a V. Ex. o relatório que prescrevem o art. 95, n. 19, dos Estatutos promulgados com o Decreto n. 1.603 de 14 de maio de 1855 e o art. 6°, § 7°, dos Estatutos mandados observar pelo Decreto n. 8.226 de 20 de agosto de 1881, compreendendo este mesmo relatório uma exposição circunstanciada das ocorrências que se operaram no movimento da Academia das Belas Artes e do Conservatório de Musica, a partir de 2 de maio do ano próximo passado, data da útima informação.

Academia das Belas Artes

Síntese do estado geral do estabelecimento. - No que é relativo à parte material da Academia, o nosso estabelecimento de instrução artística tem melhorado consideravelmente, como é notorio e poderá ser atestado por grande número de pessoas ilustradas que o têm visitado, contando-se entre elas V. Ex. que o honrou em fins do ano de 1887 e a 8 de fevereiro do corrente ano.

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Em uma das três grandes galerias do palácio da Academia, galeria ocidental, acha-se exposta a antiga e mui valiosa coleçao de telas, ascendendo ao número de 225 quadros, entre os quais se contam muitos estimados originais de grandes mestres, como sejam Corregio, Murillo, Dominiquino, Lucas Jordão, Hespanholeto, Miguel Angelo, Caravaggio, Annibal Carrache, Paulo Veronez, Vandick, Velasquez, Salvador Rosa, Perugino, Greuse, Simão Vouet, Jouvenet, Van der Meulen, H. Gentileschi, Rubens, Tintoreto, Albano, Barocchio, Bassano, Tassi, Guercino, Lucas Cambiasi, para não falar de outros muitos. Esta preciosa coleção, sem contestação a primeira da América do Sul, acha-se disposta por escolas, na seguinte ordem: Francesa, Flamenga, Holandesa e Alemãs, Espanhola e Italianas, desde a mais moderna até a mais antiga.

Na galeria do centro exibem-se 99 quadros, sendo dois de grande máquina, pela maior parte de artistas nacionais, entre os quais se contam importantes telas de Pedro Américo, Victor Meirelles, João Zeferino e outros laureados pintores.

Na galeria, oriental 50 telas, entre as quais se acham valiosas pinturas de Victor Meirelles, Pedro Américo, Amoêdo, Ferraz de Almeida, H. Bernardelli, Parreiras, F. Monteiro, Belmiro e outros.

Na sala da frente, no pavimento superior, 39 quadros, compreendidos um guache, duas aquarelas e um pastel, de pintores contemporâneos, entre eles Morell Tacio, De Martino, Ciccarelli, Grimm, Langerock, Vinet, Facchinetti, o malogrado Leôncio da Costa, e alguns outros. Na pequena, sala da escada 11 e em uma sala do pavimento térreo 74.

Todos os quadros, dispostos de modo regular e com ordem estudada, nas grandes galerias e salas do pavimento superior, estão guarnecidos de molduras e seu conjunto produz agradável impressão ao visitante.

Toda esta riqueza artística, representada por mais de 550 telas, das quais mui pequeno número aguarda restauração, está conservada e disposta como merece, prestando-se com vantagem à apreciação dos amadores e ao estudo dos cultores da arte: e atesta, em grande parte, o empenho da superior administração do Estado em opulentar, à custa de não pequenos dispêndios, as provas do culto de apreço que consagramos às Belas Artes.

Por ofício de 23 de junho de 1888 solicitei do antecessor de V. Ex. a expedição do aviso (Aviso de 12 de julho do mesmo ano) proibindo que a título de exposições transitórias se desmontem as galerias, as quais devem ser conservadas, como estão, em condições fixas de exposição permanente.

Estão colocadas no alto de um corredor do pavimento térreo algumas telas pintadas por alunos premiados com a grande medalha de ouro. Esses trabalhos atestam, de modo irrecusável, o manifesto progresso do ensino na aula de pintura.

E em abono da verdade posso dizer mais, como afirmo sem receio de contestação séria, que, conhecendo a Academia, onde servi na qualidade de professor mais de 33 anos e na de Vice-Diretor por mais de 27, desde mui longa data, posso dizer que desde 1843 estou no caso de afirmar que tem havido verdadeiro e mui real progresso, não só nesse como em todos os diversos ramos do ensino acadêmico.

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Os preciosos mármores do distinto professor Rodolpho Bernardelli, suas inspiradas produções em estatuária, as coleções de gesso e medalhas, arabescos de Raphael, bustos e medalhões, ornam e guarnecem muitas outras salas.

A biblioteca da Academia, constituída de livros especiais, ultimamente enriquecida com autorizações devidas à esclarecida solicitude administrativa de V. Ex., contêm, em boa conservação, importantes obras de subido valor artístico e literário.

Outras dependências do mesmo estabelecimento, onde não há luxo, mas somente a decência, o asseio e a ordem compatíveis com a sua categoria e especial destino, completam a boa impressão que hoje, produz a nossa escola de Belas Artes.

Se a esse lisonjeiro estado ainda não corresponde, em absoluto, o que é relativo ao ensino, porquanto em algumas aulas ele ressente-se de alguns vícios e lacunas, provenientes, pela maior parte, de defectivas disposições regulamentares, não é menos certo que esses senões não constituem defeitos insanáveis que não possam ser removidos, como convêm e hão de ser, com a eficiente ação do Governo e com a cooperação das luzes da Congregação.

Demais, a Academia conta hoje entre seus professores alguns de alta nomeada, nobremente adquirida pela exibição de produções artísticas de subido merecimento; e dos talentos e aptidões desses festejados cultores da arte muito se deve esperar em prol do gradual e progressivo desenvolvimento do ensino, afim de que, elevando-se ao mais alto grau de perfectibilidade, corresponda, de modo pleno, a Academia ao que de sua instituição com todo direito exige a coletividade nacional.

Atividade escolar. - Em 1888 matricularam-se 55 alunos nas diversas aulas abaixo mencionadas, e foram nelas admitidos mais 25 indivíduos na qualidade de amadores ou ouvintes.

Os 55 alunos matriculados freqüentaram as seguintes aulas

1a de Matemáticas aplicadas (elementos de aritimética, de geometria, de trigonometria, de mecânica e de ótica) ...............................................................................................................................................27

2a de Matemáticas aplicadas (desenho geométrico, perspectiva e teoria das sombras)..............25

Desenho figurado.....................................................................................................................37

Desenho de ornatos.................................................................................................................1

Desenho e pintura de paisagem, flores e animais.......................................................................20

Pintura histórica.......................................................................................................................14

Arquitetura..............................................................................................................................1

Estatuária................................................................................................................................2

Escultura de ornatos................................................................................................................0

Anatomia e fisiologia das paixões.............................................................................................10

Modelo-vivo............................................................................................................................25

História das belas artes, estética e arqueologia..........................................................................1

Xilografia.................................................................................................................................0.....163

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Abatem-se

Alunos que freqüentaram mais de uma aula, e por isso vão repetidos em cada uma delas, sendo :

9 em quatro aulas.......................................................................27

37 em tres aulas..........................................................................74

7 em duas aulas..........................................................................7.....108

Alunos matriculados....................................................................55

Dos 55 alunos matriculados, inscreveram-se para exame das aulas teóricas, isto é, matemáticas aplicadas, perspectiva e teoria das sombras, anatomia e fisiologia das paixões e história das belas-artes, estética e arqueologia, 26 alunos, com o seguinte resultado

Aprovados com distinção em uma só aula..................................................2

Aprovados plenamente em uma aula e simplesmente em outra....................1

Aprovados plenamente em uma aula, não comparecendo em outra.............3

aprovados plenamente em uma só aula.......................................................2

Aprovados simplesmente em uma aula, não comparecendo em outra..........2

Aprovados simplesmente em uma só aula...................................................3

Reprovado em duas aulas..........................................................................1

Reprovados em uma aula, não comparecendo em outra..............................2

Não compareceram...................................................................................10

Alunos inscritos para exame.......................................................................26

Foram premiados 16 alunos, sendo um em duas aulas. Os prêmios foram :

Pequena medalha de ouro..........................................................3

Medalha de prata......................................................................4

Menção honrosa.......................................................................10

Reforma dos Estatutos da Academia. - No começo do ano findo, observando passivamente a marcha dos fatos relativos à escolha e designação da pessoa que devia preencher o honroso lugar vago pela renúncia voluntária do pranteado e mui honrado cidadão que dirigiu a Academia, pareceu-me inconveniente, e até mesmo impolítico, agitar a questão de reformas, achando-me então n'uma posição de interinidade; e por isso me abstive de pronunciar-me a respeito, no meu Relatório de 2 de maio do ano findo. Hoje porém, que o Decreto de 9 do corrente definiu a posição de alta responsabilidade em que me acho colocado, julgo-me no rigoroso dever de externar sem reserva de espécie alguma a minha opinião sobre este mui dificil e complexo objeto.

Entrarei, pois, no assunto que procurarei tratar de modo conciso, afim de evitar desenvolvimentos que serão oportunamente apresentados, se assim aprouver a V. Ex. em seu esclarecido critério.

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Em uma memória que apresentei à Diretoria da Academia, em data de 21 de janeiro de 1886, e que mereceu a aprovação da Congregação da mesma Academia, com um único voto discordante, escrevi o seguinte :

V. Ex., que possue altos dotes de esmerada cultura mental, reunidos à longa prática de administração e gerência de importantes serviços públicos, sabe como é de difícil solução prática o complexo problema de dar útil e fecunda organização ao ensino das belas artes, mormente quando disso se trata num meio social, onde não se tem educado e desenvolvido o culto do sentimento do belo, ou, melhor, onde o senso artístico do povo ainda existe em estado rudimentar, e ainda se pensa que a Academia das Belas Artes, cuja missão atual não deve ser outra mais do que a de exclusivamente votar-se ao verdadeiro culto da pureza estética da arte clássica e da sua propagação evolucionista fomentadora do aperfeiçoamento da arte moderna, pôde por si só crear o gosto em matéria de sentimento artístico, considerado em si mesmo e em relação à real influencia que ela exerce no ameno campo da beleza da forma dos artefactos industriais; meio apático e tibio, onde, à escassez dos nossos recursos financeiros e econômicos, se vem juntar a falta mui sensível da benéfica propaganda a que os ingleses chamam tão caracteristicamente - National Art-movement - meio onde mal se conhecem e menos ou pouco se estudam as relações da arte com as indústrias; e onde as discussões técnicas que constituem a pedra de toque em todos os problemas referentes aos elevados princípios da arte, seu salutar influxo sobre os costumes, bem-estar e prosperidade das classes laboriosas, aparecem, apenas de passagem sem encontrar eco nas diversas esferas de atividade da nossa vida social, sem poderem vencer a indiferença geral, que se opõe pela inércia à criação de escolas d'arte aplicada e de museus d'arte industrial, que franqueiem exposições permanentes das producções dessa opulenta fonte de riquezas, fecundada pelas belas artes, e sem ao menos poderem despertar interesse ativo e eficiente na questão capital, entre nós tão descurada, da difusão, na mais larga escala, do ensino do desenho elementar - the root of alls - nas massas populares por meio das escolas primárias.

E V. Ex. sabe também que essa dificuldade assume maiores proporções e toma-se mais embaraçosa, quando, não se tendo de cogitar da organização de um plano geral e sistemático de boa educação artística, que importe uma reforma completa e radical do ensino das belas artes e que tenha de ser posta em execução com o auxílio de todos os mais amplos meios necessários, se trata apenas, de na escassez ou deficiência desses meios, reformar parcialmente, decretando modificações ou retoques, que corrijam defeitos de um regime, em grande parte condenando pela experiencia e pelas exigências do ensino moderno.”

Na mesma memória exarei o que abaixo se lê:

Depois desta ligeira e mui superficial análise da defeituosa organização atual dos estudos, na Academia das Belas Artes, não se deve estranhar que eu, com a franqueza que me impuz para bem servir à causa publica, reprove o que ali subsiste feito em relação ao ensino, e me pronuncie sem hesitação pela necessidade imediata, tão palpavel quão imprescindível, de uma reforma completa e radical desse mesmo ensino.

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V. Ex. melhor do que ninguém está no caso de me dar plena razão neste meu modo de ver e neste meu franco pronunciamento, porquanto, havendo acompanhado com esclarecida atenção a marcha do ensino na Academia, acha-se não só informado pela própria observação dos fatos, como pela longa exposição escrita que, a 6 de fevereiro de 1875, tive a honra de submeter à elevada apreciação de V. Ex. descrevendo o deficiente e vicioso estado do ensino de que agora de novo me agora ocupo, como além disso também sabe que, pensando já naquele tempo como agora penso, tomei a mim a árdua incumbência de elaborar um projeto de reforma, que apresentei logo depois organizado, e que se não vingou não foi por falta de bem intencionados esforços de V. Ex., mas sim porque atuaram causas poderosas totalmente estranhas à ilustrada direção da Academia.

Me parece não ser necessário acrescentar mais nada para demonstrar que os verdadeiros interesses da instrução artística exigem e estão imperiosamente reclamando que se atenda à necessidade palpitante e urgente de uma tão geral quão profunda reforma nesse mesmo ensino, como de há muitos anos grande número de fatos está evidenciando. Esta necessidade, posso afirmá-lo com pleno conhecimento de causa, é de vulto muito maior do que parece quando se atende simplesmente ao lisonjeiro fato de um certo grau de progresso mui sensível que as artes manifestam no nosso país, progresso esse, porém, que é principalmente devido a certas causas eficientes que até certo ponto tem superado a inegável deficiência de um bom plano de ensino artístico.”

Depois destas considerações que aqui reproduzo para sumariamente justificar a imprescindível necessidade de uma reforma de Estatutos, me será permittido afirmar que de longa data observando a marcha dos fatos ocorridos na vida da Academia tenho opinião formada sobre esse assumto que me tem merecido longas cogitações, elaboradas no intuito de contribuir, como me cumpre, na qualidade de antigo funcionário da Academia, para a realização de uma reforma, como de há muito com insistência exige a voz pública, mas em harmonia com as novas necessidades do ensino, com os modernos preceitos pedagógicos e com as imperiosas exigências do espirito e das aspirações da época atual.

Sei que essa reforma depende de meios pecuniários que devem fazer objeco de novas consignações orçamentarias: e para que seja fecunda em seus resultados práticos e não nos traga amargas decepções, é indispensável que se firme nas largas bases seguintes:

1.a Dar ao ensino artístico uma feição tal que seja feito de sorte que não estrague vocações naturais e não levante óbices que estorvem o novel artista de imprimir em suas produções um cunho de originalidade individual ou esse caráter pessoal que é, por assim dizer, o timbre e como que o selo monográmatico do talento do artista.

2.a Constituir cursos distintos e especiais que permitam a obtenção de diplomas, quando estejam terminados os estudos de cada curso de paisagem, pintura histórica, estatuária, escultura, arquitetura e gravura.

3.a Fazer que o curso de arquitetura, na Academia, seja tão completo como convêm aos mais altos interesses da Arte Nacional, devendo compreender a técnica

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da construção e a estética da forma, mesmo quando seja preciso fazer com que os alunos vão procurar na nossa Escola Politécnica as bases matemáticas que lhes são indispensáveis.

4.a Fazer com que os concursos para o 1° prêmio ou para pensionista da Academia assentem sobre bases que só permitam concursos exclusivos entre alunos que se dediquem ao estudo da mesma especialidade artística.

5.a Que os concursos para provimento de cadeiras na Academia sejam julgados por professores escolhidos e nomeados pelo Governo.

6.a Permitir a instalação de cursos inteiramente livres, nos quais possam professar quaisquer artistas, mesmo que não façam parte do corpo docente da Academia.

7.a Permitir exposições gerais de objetos artísticos, julgados por quem o Governo designar.

8.a Ampliar os meios materiais da Academia, de sorte que se faça a indispensável aquisição de lugar onde se possam estabelecer ateliês, para os professores do ensino prático da mesma Academia.

9.a Ampliar a consignação destinada às exposições da Academia e à aquisição de produções de artistas nacionais ou domiciliados no Brasil.

10. Aumentar os vencimentos dos professores e demais funcionários da Academia.

11. Criar as indispensáveis aulas preparatórias, anexas à Academia das Belas Artes.

Não desconheço que, nas condições em que estamos, talvez não se possa pensar em realizar desde já tão complexa reforma, que, para ser inteiramente profícua, nos levaria a sacrificios pecuniários de alguma sorte incompatíveis com a atual estreiteza de recursos financeiros do Tesouro Público, mas faça-se desde já o que for possível sobre este plano apenas esboçado, e aguarde-se estado mais próspero em que se possa com largueza realizar a sua conclusão, trabalhando-se com afincado esforço e perseverança no patriótico intuito de criarmos uma verdadeira escola moderna de Belas Artes, profícua em seus resultados e capaz de angariar a simpatia da opinião e a estima publica.

Cadeiras vagas e cadeiras não ocupadas pelos catedráticos. - É de sentir que circunstâncias atendíveis tenham deixado que por tanto tempo estejam interinamente regidas tantas cadeiras, na Academia, não obstante algumas delas estarem entregues à proficiência e ao zelo de mui distintos professores honorários.

As cadeiras hoje vagas são: as de desenho geométrico ou 2a de matemáticas aplicadas, arquitetura, paisagem, escultura de ornatos e xilografia.

Além dessas estão por motivos ponderosos e mui justificados, ausentes das cadeiras de que são proprietários, três professores efetivos. Estas três cadeiras foram durante o ano findo regidas interinamente por professores honorários, distribuidor do seguinte modo.

A de pintura historica, pelo distinto pintor Rodolpho Amoêdo.

A de anatomia e fisiologia das paixões, pelo muito illustrado Dr. Rozendo Moniz Barreto.

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A de história das belas artes, estética e arqueologia, pelo proficiente e mui provecto bacharel Theophilo das Neves Leão.

Dois outros professores honorários foram incumbidos, também interinamente, de dirigir o ensino em duas das cinco cadeiras vagas, sendo um, o engenheiro civil Paulo Cirne Maia, o qual regeu gratuitamente a cadeira de desenho geométrico, a contar de 15 de outubro do ano passado, e o outro, o mui distinto pintor João Zeferino da Costa, que teve a seu cargo a direção da aula de paisagem, durante todo o ano escolar.

De conformidade com as disposições do art. 95, n. 15, e a do art. 128 dos Estatutos vigentes, designei os mesmos professores honorários para regerem as mesmas cadeiras durante o corrente ano.

Professores honorários. - Por Decreto de 25 de outubro de 1888 foi nomeado professor honorário, da secção de arquitetura, o engenheiro civil Paulo Cirne Maia, o qual tomou posse a 5 de novembro seguinte, satisfazendo a exigência da primeira parte do art. 127 dos vigentes estatutos, com a apresentação de uma memória, de lavra própria, sob um ponto de perspectiva linear.

É este o único professor honorário daquela secção, para a qual, desde 1855 até hoje, nunca nenhum havia sido eleito: e foi incumbido da regência da aula de desenho geométrico, na qual se havia oferecido servir gratuitamente, e onde havia então 25 alunos matriculados, aguardando, desde 30 de agosto, a nomeação de um professor afim de concluírem os seus estudos do 1° ano acadêmico.

Na seção de pintura há eleitos seis professores honorários; mas a eleição de três destes últimos, entre os quais se contam o festejado e mui laureado artista Décio Villares, ainda não foi aprovada pelo Governo, pelo que ainda não tomaram eles posse do cargo para que foram eleitos pela Congregação a 1 de setembro de 1887.

Na seção de ciências acessórias há 10 professores honorários, mas quatro desses, eleitos naquela mesma data, ainda não tomaram posse pelo mesmo motivo.

Entretanto, seja-me lícito dizer, com o maior acatamento e subordinando o meu juízo a criterio superior, que acho acertado que se façam aquelas esperadas nomeações, porquanto não há a recear que daí possam provir novos encargos aos cofres públicos nem que se firmem direitos que por qualquer modo sejam invocados, contrariando as elevadas vistas administrativas do Governo no ulterior provimento das cadeiras vagas.

Aquisição de objetos de arte. - Fez-se aquisição de nove quadros, que são: Uma cópia antiga de um dos originais que representa o Sacramento da Extrema Unção, de Nicolao Poussin, e quatro paisagens modernas, sendo três de H. N. Vinet e uma do Sr. Buvelot, compradas ao Dr. Lacaille pela quantia de 3:000$ ; um original de Belmiro Barbosa de Almeida, intitulado “Arrufos, pelo preço de 2:000$ um original de Rodolpho Amoêdo, intitulado “A Narração de Philetas, por 5:000$; e dois originais antigos, marinhas de Antonio Tempesta, comprados ao Dr. Jeronymo Silvano por 2:000$000.

Jubilação de professores. - Por Decreto de 25 de abril de 1888 foi jubilado o provecto e distinto professor da aula de arquitetura, civil Francisco Joaquim Bethencourt da Silva. O único aluno dessa aula pediu então que lhe fosse trancada a respectiva matricula, o que lhe foi concedido por esta Diretoria.

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Por Decreto do 30 de agosto do mesmo ano obtive jubilação nos termos da lei, na 2a cadeira de matemáticas aplicadas.

Pensionistas. - Não ha hoje na Europa nenhum pensionista da Academia.

Desde 31 de outubro de 1878, data do concurso em que o premio de 1a ordem foi conferido ao laureado ex-aluno Rodolpho Amoêdo, último pensionista que completou seus estudos artísticos na Europa, a nenhum outro laureado foi dado aproveitar os favores da lei. Convém resolver de sorte a permitir que produza seus salutares efeitos esse poderoso meio de incentivo e emulação entre os alunos que mais se distinguem nos estudos acadêmicos.

Felizmente o recente Aviso, expedido por V. Ex. a 19 do corrente, consultando a Academia sobre esse ponto, deixa nascer a esperança de que o Governo dispõe-se a resolver, de modo favorável ao bem do ensino, esta questão há tanto tempo adiada.

Provimento de cadeiras. - Parece-me ser da maior conveniência, para impulsionar a marcha da Academia e vivificá-la, resolver sobre o provimento das cadeiras vagas, mesmo quando se faça preciso alterar desde já as respectivas disposições vigentes. Por melhores e mais zelosos que sejam os professores não efetivos, a interinidade no magistério traz sempre consigo um caráter de instabilidade mais ou menos pronunciada, de dúvida e de incerteza, que desgosta muitas vezes o professor e exerce influência nociva no ensino, estorvando o seu aperfeiçoamento.

Tenho razão para esperar que este importante objeto terei favorável solução, provocada pelo recente Aviso a que acima me refiro.

Por associação de idéias, julgo de meu dever chamar a esclarecida atenção de V. Ex. para a conveniência de restabelecer a cadeira de gravura de medalhas e pedras preciosas, quando mesmo seja para isso indispensável suprimir a cadeira de xilografia.

Para não dissimular a verdade devo dizer que a supressão da antiga cadeira de gravura de medalhas, o que se fez substituindo-a pela de xilografia, é, na minha opinião, um fato que não se justifica, porquanto importa um atentado ao alto ensino da arte e um deplorável corpo de delito que depõe de modo irrecusável contra a elevação e progresso do ensino artístico no país.

V. Ex. bem sabe que uma Academia de Belas Artes é em toda parte uma instituição bem diversa de uma academia de arte aplicada.

Para sucintamente demonstrar a procedência do que levo dito, seja-me permitido reproduzir aqui o que a respeito se encontra na mesma memória a que acima me refiro :

E o que fica exposto relativamente a esse ensino, ainda não é tudo que se faz necessário ao escopo didático em que tenho empenhado as minhas cogitações.

Proseguirei, pois, nesse intuito, dizendo que haveria grande acerto em ser restabelecida a aula de gravura de medalhas e de pedras preciosas, visto que não é possível admitir que possa haver uma academia de belas artes bem organizada e que portanto bem possa preencher seus altos fins no clássico ensino da arte, sem uma aula especial em que se ensine tudo o que for relativo aos processos técnicos usados na prática dessa bela arte do desenho, a qual tem o seu valor intrínseco enaltecido pela rigorosa verdade contida no apoftema do eminente sábio Diderot: La gravure

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tue le peintre qui n'est que coriste. E do fato, numa academia, onde funciona uma aula em que só ensina com a maior elevação mental a história das belas artes, a estética e arqueologia, sem excluir a gliptografia, não é possível deixar de existir uma aula de gravura sobre metais e pedras preciosas, compreendendo a gravura em medalhas, que representa a gravura moderna em que só transformou a invenção do ourives florentino Maso Finiguerra, e a glíptica, legitima representante da gravura antiga, que nos fornece nos primorosos trabalhos monetários de Siracusa, devidos à perícia dos gravadores Eveneto e Simon, as mais maravilhosas produções da arte humana, os quais na abalizada opinião de Turgan, se não são superiores, igualam por certo às mais belas estatuas da Grécia e aos mais belos trabalhos de Miguel Angelo e de Benvenuto.

Essa arte, irmã congênere da escultura, sendo uma das mais interessantes aplicações artísticas do desenho, tem, no grande movimento artístico determinado pela civilização, contribuído poderosamente para o progresso das belas artes, fornecendo o meio fácil e seguro, de fiel reprodução artística dos desenhos, dos quadros, das estátuas e dos baixos relevos; assim como tem auxiliado o desenvolvimento industrial que se prende a certas ciências e artes, e concorrido eficazmente para o progresso intelectual, facilitando o que é relativo à impressão da música escrita, as cartas topográficas, hidrográficas, geográficas e celestes, os planos de arquitetura e os papéis pintados.

Não se deve, pois, deixar de ensinar dessa arte liberal a sua parte mecânica e a sua parte artística; num curso de gravura que abranja todas as suas modalidades, com exclusão da xilografia, por ser arte acentuadamente industrial e quase mecânica, e portanto inteiramente ou de todo imprópria de uma academia de belas artes; curso esse instalado numa aula que deve fazer parte essencial do plano de ensino artístico ou do ciclo acadêmico em que se estudem todas as manifestações estéticas das belas artes.

Dizer-se que essa aula de gravura, que me parece indispensável restabelecer como existiu ou nas condições em que proponho que seja restabelecida, pode sem inconveniente ser substituída, na Academia das belas Artes, por uma aula de xilografia, é a meu ver tão grande absurdo como se fosse proposto dispensar as aulas de desenho de figura e de modelo-vivo, substituindo-as por uma aula de fotografia onde os alunos se habilitassem a manipular os reativos químicos e a usar dos aparelhos fotográficos que libertassem os artistas da necessidade em que rigorosamente estão de desenhar por sentimento”.

Parece-me suficiente o que fica transcrito, e que, como já disse, foi aprovado pela Congregação, para que eu insista, como insisto, naquele acerto que justifica a indicação relativa à reposição da antiga cadeira de gravura de medalhas, a que tenho aludido.

Exposição de trabalhos escolares e distribuição de prêmios. - Durante três dias, a partir de 20 de dezembro do ano findo, fez-se nas salas do palácio da Academia, como preceituam os estatutos, a exposição pública dos trabalhos escolares dos alunos de diversas aulas. A 22 do mesmo mês realizou-se, no salão do Conservatório de Música e segundo os estilos, a sessão pública de solene distribuição de prêmios. Essa so-

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lenidade acadêmica foi, segundo preceito regulamentar, presidida pelo Ministro do Império, então o Sr. Conselheiro José Fernandes da Costa Pereira Júnior.

Membros correspondentes e honorários. - Em sessão de 29 de agosto a Congregação elegeu, usando da faculdade que lhe confere o art. 86, combinado com o art. 130 dos estatutos vigentes, membros correspondentes e membros honorários, da academia, os ilustres artistas e distintos cavalheiros Felice Francolini, Nicolo Barabino, Luigi Frullini e Raphael Pasliacetti; Marquez Cario Ginori e Comendador Jacopo Cavalucci.

Os quatro primeiros são membros correspondentes e os outros dois membros honorários, cuja eleição foi aprovada pelo Governo como foi comunicado por Aviso de 11 de outubro do ano findo a esta Directoria.

Essas distinções, concedidas com extrema parcimônia pela Congregação, tem sido sempre muito apreciadas pelos artistas e tem eficazmente contribuido, em geral, não só para dilatar a esfera das relações da Academia nos grandes centros de ativo movimento artístico, na Europa, como, em muitos casos, para também tornar mais fácil a obtenção dos recursos necessários aos nossos jovens compatriotas que ali vão, na qualidade de pensionistas, procurar o aperfeiçoamento dos seus estudos acadêmicos.

Restauração de quadros. - Muitas telas da importante coleção de propriedade do Estado, entre as quais se contam algumas de subido valor artístico, têm sido restauradas na Academia. Esse serviço de natureza mui especial, o qual tem tanto progredido, merece, por sua importância, uma atenção constante, porquanto é do seu aperfeiçoamento e do desenvolvimento de seus recursos que depende de modo essencial a boa conservação de objetos artisticos, sempre de dispendiosa aquisição. Essa conservação, interessando à boa economia dos dinheiros públicos e à alta veneração que os artistas e os humens cultos consagram religiosamente às primorosas produções dos grandes mestres, recomenda-se à solicitude do administrador responsável e justifica a grande importância que ligo a esse serviço a que me refiro.

V. Ex. na minuciosa visita com que honrou a Academia ao examinar os trabalhos em andamento na oficina de restauração, compreendeu de pronto, com a lúcida intuição de seu cultivado espirito, toda a vasta extensão e todo o alcance dessa paciente operação que constitui o objeco exclusivo do útil ofício de restaurador, e deliberou fazer seguir para a Europa um artista idôneo, filho da nossa Academia, o hábil ex-auxiliar daquela officina, João José da Silva, afim de que esse artista se aperfeiçoasse no conhecimento prático dos processos modernos de restauração de pintura sobre tela, madeira e outras substâncias, frescos, encáusticas, illuminuras, gravuras e dourados, de sorte a poder, depois de profissionalmente habilitado nesse estudo especial, vir divulgar e propagar no país esses aperfeiçoados meios industriais e esses delicados processos técnicos que exigem do artista que tenha de aplicá-los requisitos e condições não vulgares de perícia artística, talento, habilidade, extrema paciência e rara destreza manual.

Aplaudindo com sinceridade essa deliberação, solicitei de V. Ex., em ofício de 18 do mês findo, a expedição das necessárias ordens e instruções, afim de se traduzir em fecunda realidade este acertado intento.

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Aguardando o quo solicitei, seja agora lícito chamar a esclarecida atenção de V. Ex. para esse importante objeto que depende de solução.

Disciplina escolar. - É-me muito agradável poder assegurar, como afirrmo a V. Ex., que, durante todo o ano escolar de 1888, foi exemplar o procedimento dos alunos da Academia; mui louvável o modo por que os empregados do estabelecimento desempenharam os seus deveres; e sobretudo que os dignos e mui honrados professores, não obstante atuarem na vida acadêmica muitas causas de justificado desalento, nunca entibiaram o seu zelo no cumprimento de tão árdua quão honrosa incumbência de laborar em proveito do progresso gradual do ensino e da propagação e aperfeiçoamento das belas artes no Brasil.

Catálogo. - A utilidade, direi mesmo a indispensabilidade de um catálogo explicativo em um museu ou galerias de objetos de arte, é de tal ordem ou tanto se recomenda por si mesmo, que se torna de todo ocioso encarecê-la.

Infelizmente a nossa Academia ainda não tem organizado de modo definitivo o seu catálogo geral.

O digno e mui honrado Secretário da Academia trabalha há muitos anos nesse operoso cometimento, que há de, quando terminado, mais ilustrar o seu nome já tão vantajosamente conhecido.

Possui de há muito esse provecto funcionário uma copiosa soma de mui valiosos apontamentos de preciosos subsídios tradicionais; mas trabalha desajudado e ainda não pôde dar por concluído esse interessante trabalho há tanto tempo esperado.

Em relação a essa lamentável lacuna só acrescentarei que trata-se de procurar os meios conducentes a sanar o que tão pouco recomenda e, até certo ponto, tanto desabona a nossa Escola superior de belas artes, dando mesmo lugar a que se tenham levantado contra ela serias e mui acerbas increpações.

Aproveitamento dos alunos. - A aplicação ao estudo e o aproveitamento dos alunos nas diversas aulas da Academia durante o último ano escolar, foi sensivelmente de melhores resultados do que havia sido no ano anterior.

Comparando-se os prêmios de animação conferidos pela Congregação n'um e n'outro desses períodos escolares, os do ano próximo findo dão testemunho dessa vantagem alcançada no ensino acadêmico.

Para esse vantajoso efeito contribuiu poderosamente o valioso concurso de distintos professores, salientando-se entre elles o ilustrado professor honorário da seção de ciências accessórias, Dr. Rozendo Moniz Barreto, que conseguiu dar ao ensino de anatomia artística, apesar da manifesta e mui lamentável insuficiência de preparatórios no limitado auditório daquela aula, a esclarecida orientação de um programma moderno, vasado nos moldes creados pelo sábio Mathias Duval, atual professor da notável Escola de belas Artes de Paris: esse fato tão significativo e auspicioso em matéria de ensino, basta por si só para constituir o digno professor Dr. Rozendo Moniz credor dos maiores elogios; e o talentoso e mui festejado professor efetivo de estatuária, Rodolpho Bernardelli, que soube com a maior proficiência dar aos estudos dos seus alunos um cunho novo da mais elevada orientação artística, tão justificativo da extensa reputação do grande mestre; e os laureados e mui distintos professores honorários João Zeferino

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da Costa e Rodolpho Amoêdo que se inspiraram nos novos preceitos do moderno ensino artístico, dirigido de modo proficiente os seus alunos nas aulas de paisagem e de pintura histórica.

Tudo isto para não dissimular a verdade, aqui menciono com a maior satisfação.

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O diretor

Ernesto Gomes Moreira Maia