Cartas
de Rodolpho Bernardelli a Maximiano Mafra, entre 1878 e 1885
organização
de Camila Dazzi
DAZZI, Camila (org.). Cartas de Rodolpho Bernardelli a Maximiano
Mafra, entre 1878 e 1885. 19&20, Rio de
Janeiro, v. II, n. 2, abr. 2007. Disponível em:
<http://dezenovevinte.net/documentos/cartas_rodolfobernardelli.htm>
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Entre março de 1878 e julho de 1885, Rodolpho
Bernardelli, então pensionista da Academia Imperial de Belas Artes na
Itália, envia uma série de dezenove cartas ao seu amigo, e secretário da
Academia, João Maximiano Mafra. As cartas foram transcritas a partir
de fotocópias datilografadas pertencentes ao Arquivo do Museu Dom João
VI/EBA/UFRJ. Por não estarmos lidando diretamente com os originais, que
infelizmente não foram encontrados, optamos por seguir a grafia adotada nas fotocópias.
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Roma, 21 de Março de 1878.
Ilmo Sr. Profr. J. Mafra
Amigo e Senhor
Approveito o ensejo de partir hoje o Correio Inglez para responder logo
a estimada carta de Va Sa que recebi esta manhã juntamente com o Diploma para
entregar ao Profr Guilherme De Sanctis.
Infelizmente acho-me n'um estado tal de tristeza e desanimo que não
tenho cabeça para poder dizer a Va Sa o effeito que me produzio a noticia que o
novo Ministro queria diminuir-me a pensão (se já não o fez). Fui ter logo com o
Exmo Barão de Javary e contei-lhe o que me acontecia, elle procurou animar-me
dando-me esperanças que talvez não aconteça, com quanto as cousas estejão
muito más.
Eu porem confio muito em Va Sa assim como no Exmo Sr Director para que
de accordo cora o respectivo corpo Academico fação ver ao Ministro que minha
pensão reduzida a 1:500$000 não chega para poder cumprir as obrigações
prescriptas nas Instruções
Como farei! como farei? não sei!
e o meu trabalho com o qual ainda tenho tantas despezas a fazer, ai!!
estou quasi arrependido de o ter feito.
Não lhe posso escrever muito extensamente porque não tenho o espirito
tranquillo, pelo correio próximo lhe escreverei mais extensamente quero ver se
o Ministro faz o officio a Academia para que esta me de licença e ajuda de
custas para hir a Paris (será talvez cousa inútil, mas enfim) durante a
Exposição tambem juntarei o pedido porá obter fundo para a comprar o
marmore para a copia da estatua que será a Vénus do Capitolio.
Tenho a honra de participar-lhe que mudei de Atelier,estou agora na Via
de St Nicolo da Tolentino no 72 (Studio no 3) como ve, é a rua do nosso bom
Director.
Senti bastante saber que estava, novamente doente, Deos queira que se
restabeleça promptamente.
Quanto ao Crusifixo eu o farei benzer pelo intermedio
do Visconde d’Araguaya e já que não pode ser pelo Papa Pio IX será pelo
Leão XIII que parece ser muito bom, as reliquias creio que d 'esta vez
não foram distribuídas, eu procurarei informar-me pelo Ministro Visconde
d'Aragaya
Termino aqui, Snr. Mafra confiando na amizade que sempre
me honrou; que Va Sa fará o que puder para que minha pensão não venha a soffrer
o golpe de que está ameaçada.
Tenha a bondade de reconunendar-me a Exa sua Familia e
digne-se aceitar os sentimentos do meu profundo respeito e consideração.
Obrigdo am° discípulo
As) r. Bernardelli.
Via de St. Nicolo da Tolentino no 72
N. escreva-me o que houver de novo.
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Roma 19 de Agosto de 1878
Illmo Snr. Profr J. M.
Mafra
Amigo e Senhor
Não sei mais o que pensar pelo grande silencio que Va
Sa tem tido commigo, tenho porem consciência de não lhe ter causado motivo
para tal merecer, pois que um destes dias receberei carta de Va Sa
na qual me tranquilisará sobre este respeito. Creio q. já deve ter recebido a
Phota do meu trabalho e por isso me faço como dever de
participar-lhe q. desde o dia 5 do corrente o Expedi e se não houve algum
contra tempo deverá ter partido de Genova pelo Vapor de 14 corrente.
Sinto muito em dar-lhe uma triste noticia - o Crucifixo
não partio d'esta vez e a rasão foi puramente financeira como já creio lho
haver ditto - as imagens esculpidas em madeira não s'incontrão em. Roma só ha
de marfim-ouro-prata-bronse o mármore; tinha decidido q. o melhor era aquistar
um Crucifixo de marfim tive porem despezas imprevistas a fortes com a execução
do baixo relevo, e com a mudança do Atelier; que me achei a meu grande pesar
impossibilitado de dispor de 200frs para
acquista-lo, não fique porem contrariado porque faço intenção de mandar
particularte algumas cousas a meu irmão Henrique
[Bernardelli] d'aqui a alguns mezes e terei o cuidado de enviar-lhe o seu
pedido. Expedi-lhe com meu trabalho 2 caixinhas nas quaes Va Sa
encentrará, n`uma, a collecção de medalhas dos Papas (as q. pude encontrar) e
n'outra encontrará algumas dos homens celebres, o q. lhe envio d`esta he cousa
de poco, porem Va Sa me desculpará certamente
Agora permitta q lhe de algumas explicações acerca da
maneira de desencaixotar o collocar meu trabalho: Va Sa
encontrará escripto sobre a caixa as competentes indicações - Alto - Baixo
-Parte Anterior - Parte Posterior etc etc.
A caixa deverá ser aberta em pé e tendo o cuidado de
tirar os parafusos das taboas indicadas numericamente, primeiro a parte
Anterior e dopois a Parte opposta a Posterior n'esta encontrará diversos
objectos que mando a minha familia cada um tem escripto seu destino.
Depois q. se tiver tirado as duas partes maiores da caixa se deverá com todo o
cuidado tirar o trabalho (que terá uma delicada espécie de moldura de madeira)
collocar-se ha sobre um cavalette, o banco de um metro e quando assim se achar,
principiar a tirar cautellosamente os papeis, estopas e algodão q. colocou o
gesso. Pele Phota Va Sa poderá ver
á verdadeira precisa pa seu effeito, e creio q, a única sala mais
competente seja a da Paysagem (onde fiz meu concurso) tapando-o a chuva o [...]
se possível fazer o desencaixotamento na e sala onde
deverá ser exposto, peço também q. mande por (quando for exposto) alguma corda
o cosa idêntica q. não deixe acercar o publico, porque a menor pancadinha pode
quebrar algum [...] o cabecinha, maior for a distancia mais
effeito obterá, enfim Snr. Mafra peço-lhe como um pae pede por seu
filho e confio em Va Sa para q. este meu filho seja acolhido
satisfatoriamente.
Eu porem agora vejo q. sou demasiado importuno e peço
perdão, porem Va Sa he artista e sabe quanto custa a fazer uma obra
d'arte, e deve pois ser mais difficil ainda pa quem he novato,
peco-lhe pois perdão para um pai moço; e confiando na vossa bondade fico
tranquillo pelo bom êxito de meu trabalho.
Já estou procurando assumpto pa o novo
baixo relevo que tenho intenção de executar grande talvez da historia
sagrada.
Temos tido um calor horrivel a
sombra!! anh!!
Termino aqui por hoje pedindo-lhe mil perdoes por o ter incommodado
tanto tempo e por não ter podido satisfazer os seus pedidos. Tenha a
bondade de recommendar-me a Exma sua familia e queira receber
sempre os sinceros votos de respeito e consideração.
d'este seu discipulo e
amigo
as. Bodolpho Bernardelli
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Roma, 7 de janeiro de 1879.
Ilmo Sr. Prof. João M. Mafra.
Amigo e Senhor
Como presente de anno novo recebi sua prezada carta de 8 de dezembro
P.P.:, estimo muito saber que sempre continua bem de saúde assim como toda sua
Exa. família.
Certamente a carta de 8 de agosto que Vª Sª me fala foi extraviada
juntamente com uma dos AM°s Zeferino
[da Costa] e Villaça; foram ter a Paris, porém eu já me achava na Suíça ou em
Milão, em todo o caso essas cartas hão de vir ter às minhas mãos; eu já dei os
passos necessários.
Quanto ao meu infeliz So Sebastião, com grande mágoa li que ainda se achava preso
na Alfândega, e digo-lhe que estou muito desanimado por ver a sorte que
tem tido um trabalho que me custou tantos meses d`estudo e sacrifícios e faço
este raciocinio quando eu mandar uma estatua em mármore cujo frete custará
muito mais, quanto tempo ficará n`Alfandega? Por exemplo, agora tinha intenção
de fazer um baixo relevo grande, como trabalho do 2° semestre do 2° ano, porém
estou sem entusiasmo, visto o que está acontecendo com o primeiro. O senhor tem
muita razão em dizer que nunca a Academia foi tão mal governada, eu ao
menos desde que a conheço não acho um fato idêntico ao que acontece com meu
infeliz trabalho, o trabalho de outros pensionistas nunca acharão tanta
dificuldade para chegar à Academia; naturalmente se dirá que eu sou o culpado
por não dirigir bem a coisa, porém eu já disse a Vª Sª como se faz aqui e não
creio que o am° Zeferino fizesse de outra maneira; ao menos ele nunca me disse
tivesse feito de outro modo.
O próximo envio será muito maior e custará mais do que o último, eu,
porém antes de o mandar pedirei ao Diretor como devo fazer e a quem devo
dirigir para evitar inconvenientes, que diz?
Não faz idéia como me impressionou quando li a desgraça que aconteceu
aos belos quadros do mestre Victor
[Meirelles], é muito caiporismo deveras, porém quem será o culpado neste fato?
(o que vale que meu trabalho é gesso, senão aconteceria o mesmo). É fato que
nosso governo trata das belas artes como uma coisa de última importância, e por
isso acontecem tantos fatos que são para tirar a coragem ao homem mais
persistente.
O prof. Victor é caipora, e no entanto há outro (que é feliz) e
queixa-se! Choraminga que não o ajudam!!!!!!
Faço idéia o prof. Victor como deve estar! E nós perdemos uma das nossas
mais belas páginas da história contemporânea das nossas artes.
O fato que acontece ao Am° Medeiros
é único no universo, faz-se um concurso, há um vencedor, e em vez de darem-lhe
o seu prêmio, quase lhe o negam, não me entra deveras na cabeça semelhante
coisa - o concurso vale de alguma coisa, ou então melhor era fazer nomeação;
porém estar a amofinar um pobre homem durante tantos meses depois de o ter
feito passar por uma prova, é injusto, é cruel; são fatos me parece que não dão
muita coragem a quem estuda: o melhor porém quanto ao meu parecer era decidirem
de uma boa vez logo que a congregação dos professores votou; não pode
haver mais obstáculo, que diz? O governo por ventura entende-se mais do que os
professores?? Aqui na Itália assim como na França e em qualquer parte da
Europa, as decisões dos corpos acadêmicos são invulneráveis; enfim, eu espero
que o nosso excelente diretor saiba resolver essa questão. Estimei saber que o
Duarte tinha voltado para o Rio, quanto a ele ser todo entusiasmado por Paris e
pelos franceses se compreende muito bem, não vi outra coisa; eu quando
estive pela 1ª vez, também fiquei entusiasmado, e não via o momento de deixar
Roma para ir para Paris, felizmente porém para mim, achei quem me ajudasse para
fazer as despesas que necessitava para ir ver a grande Exposição e queria com
grande ansiedade conhecer a impressão que me causaria Paris, depois de conhecer
quase todas as cidades da Itália, seus museus, suas riquezas artísticas e
arqueológicas. È fato sabido que talvez exista outra nação que depois de sofrer
uma guerra desastrosa e ter pagado 5 milhares faça uma exposição universal,
como foi a de 78.. Só a França! Porém para nós artistas, de tanta coisa
lucramos apenas o poder ver muitas obras de arte reunidas. O negociante é quem
tira partido e como também ao meu ver a arte na França tem por primeiro fim
ofuscar os olhos dos espectadores, grandes quadros etc etc. Enfim eles têm uma
palavra da qual se servem muito amiúde, c’est epatant! A qual caracteriza muito
os artistas, porém, voltando ao que queria dizer, achei que tudo era fútil,
tudo me cheirava a cocotte, não sei porque, porém fez-me essa impressão,
já soube, falo para o gênero de vida que pode ter um estudante artista sei
muito bem que ali trabalha-se muito, porém é um fato que quem quer trabalhar
seriamente deve ir fora, pelos arrabaldes de Paris. Confesso-lhe, meu caro
senhor Mafra a minha impressão foi péssima, depois de alguns dias estava tão
aborrecido que se não fosse estar com alguns amigos e precisar servir-lhes de
intérprete perante alguns negociantes de belas artes, ter-me-ia raspado depois
de ter visto o melhor possível a grande Exposição. Ah! A Itália Itália!! Não
temos uma Paris, porém temos uma Roma com suas inumeráveis galerias, museus,
monumentos antigos, etc. Temos uma Nápoles com iguais riquezas, Pompéia e
Herculano e um belo céu como o do Brasil, e seu majestoso Vesúvio, temos uma
graciosa Florença, cheia de recordações do renascimento das artes. Veneza única
no mundo na qual vai se ver o grande Ticiano, P. [Veronese] e o famoso
[Tiepolo], [Tintoretto] e Sansovino com suas obras em bronze e muitas
outras belezas que levam a alma até o delírio. Milão, Turim, etc, etc. Com 85
francos em papel tem-se o direito de ver todas estas maravilhas pelo tempo de
45 dias!!! Quantas impressões, quantos sonhos, quanta variedade e quanto
sossego de espírito. Se tivesse meios iria a Paris todos os anos para
comprar estofos, ver óperas novas, mandar fazer roupas, camisas,
perfumaria, etc, etc, tudo o que se torna necessário hoje em dia para
ser chic (quando se é rico [se] é obrigado a seguir a moda), porém eu
sou pobre e se neste momento não tenho necessidade de pensar no dia de amanhã
daqui a alguns anos me acharei como estava, antes de ter a felicidade de ser
pensionista, à mercê de alguma orquestra ou de algum retrato:
portanto é preciso que aproveite muito bem meu tempo e em Paris não vá. Aqui na
Itália estou muito bem e mesmo os artistas franceses sonham sempre em vir para
ela, embora depois de ter bebido suas boas qualidades tratem de a rebaixar. O
[Augusto] Duarte
faz muito bem em elogiar Paris, porém veremos quais foram os lucros que ele
tirou!
Temos tido um tempo diabólico, chuvas e mais chuvas, ventos quentes
(Sciroco) e nada de frio, a luz é péssima para trabalhar e os artistas mandam
mais pragas que podem. Já principiaram desde outubro os trabalhos de noite, o
nosso círculo artístico já deu também o seu primeiro sarau na véspera de Natal,
havendo no fim do concerto uma tômbola cujos prêmios só conferidos às senhoras,
eram quadrinhos, aquarelas e esbocetos em terracota. A festa foi muito
brilhante.
As Legações estão esperando a próxima visita do Visconde do Rio Branco e
do Senador J. Alfredo.
Não sei se lhe disse que estava fazendo o retrato do V. de Araguaia, meu
irmão Henrique deve ter recebido uma foto do carro, está atualmente
preparando-se um belíssimo mármore de carrara, o pedestal, que são livros
representando suas obras, será de bronze.
Eu por hoje deixo minha pequena palestra esperando tenha tido boas
festas e desejando-lhe mil felicidades e saúde assim como toda sua Exmª
família.
Creia-me sempre seu respeitador e amigo sincero e disponha deste seu
Ass. R. Bernardelli.
N. Peço-lhe q. tenha a bondade de dizer-me se o Exm° Sr. Diretor recebeu
meu ofício.
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Roma, 17 de novembro de 1879
Ilmo. Senhor Mafra
Amigo e senhor;
Tenho presente sua muito prezada carta com data de 8 p.p. e estimo muito
que sua saúde como a [de] toda sua Ex.ma. família continue sempre bem.
V.ª S.ª é injusto com as frase com que principia sua última carta, não
há tanto tempo que não lhe escrevo, diga que esteve muito ocupado com os
negócios da Exposição e por isso não se lembra quanto tempo há que não recebeu
cartas minhas, eu porém estou pronto a ser o culpado; respondendo-lhe a sua
última dou-lhe algumas notícias que certamente como meu amigo lhe devem
interessar e agradar.
A infausta notícia do falecimento do grande General Osório produziu-me
tristeza por ver o país privado de um vulto muito influente nos negócios
políticos e certamente pode fazer alguma crise, a morte que é coisa natural
deixa sempre uma impressão e sobretudo quando ceifa a vida preciosa de um vulto
como era o Osório, nome que pode simbolizar coragem e honra.
Os nossos descendentes porém devem saber quem foi este homem grandioso e
só a escultura é chamada a imortalizar-lhe a figura; foi com este pensamento
que meu coração foi criando a esperança de ser eu o escolhido para esse fim,
desculpe-me a ousadia, porém sou moço, amo minha arte como tenho-o provado até
hoje e sou ambicioso de gloria, poderei ser condenado por isto? Ocasião mais
propícia para mostrar o meu talento certamente não terei mais! Peço portanto a
V. S. que sempre se mostrou meu amigo e protetor de ajudar-me e guiar-me se
puder em tão séria tarefa; já me lembrei que se a Academia fosse chamada
a dar seu parecer sobre o meu projeto ela poderia por como obstáculo os
trabalho de pensão a fazer, peço, porém, a V. S. que me escreva logo que isto
não pode ser. Não acha?
Quanto a ajuizar o meu trabalho e capacidade bastará ver as fotografias
do projeto, e se for necessário mesmo o projeto.
Oh! Meu amigo Senhor Mafra não pode imaginar o quanto estou preocupado
com este negócio, ajude-me, ajude-me! a Arte, minha família, e eu lhe seremos
sempre gratos. Para o mês mandar-lhe-ei as fotografias. Tenho muito medo da
França, neste negócio [ela] já conquistou dois campos e quem sabe se o
terceiro também não terá o fim dos dois outros!!!! Se assim for, paciencia será
para outra vez! Mas não! Não devo desanimar tão cedo, coragem, avante. Deus me
proteja e os amigos me ajudem....
Não sei com que humor lerá esta minha carta porém seja como for fique
certo que São linhas traçadas por um coração de artista e sincero, e se nelas
alguma coisa pôde ofende-lo, peço mil vezes perdão; porque meu espírito acha-se
muito preocupado.
Estou muito contente em saber que o Conselheiro Diretor está
restabelecido e tomou posse novamente da Diretoria de nossa Academia, espero
muito que ele se dignará [a] interessar por mim, pelos meus trabalhos e meus
pedidos.
Hoje temos tido um frio danado! Até tivemos neve, o Henrique está todo
encapotado, nunca se viu em semelhante sorvete, continua sempre a trabalhar com
o Zeferino e seus cartões vão magnificamente, a Candelária ficará soberba, as
composições são muito boas.
Vai chegando a hora de por as cartas no correio e preciso ainda escrever
algumas cartas, por isso peço licença para terminar minha trela aqui,
pedindo-lhe desculpas pelo tempo que lhe tenho roubado.
Recomende-me a sua Ex.ma. família e receba muitas saudades do seu afeiçoado.
Amigo e discípulo
Rodolpho Bernardelli
N. O Henrique também manda-lhe muitas lembrança e promete escrever pelo
próximo correio.
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Roma, 21 de março de 1880.
Ilmo. Senhor Com.dor. J. M. Mafra.
Amigo e senhor:
Espero que receba esta minha em perfeito estado de saúde, assim como
toda sua Ex.ma. família, e que tenham feito boa páscoa; por aqui, apesar de ser
quase primavera continua a fazer frio, produzindo muitas moléstias, eu porém
estou sempre [bem] de saúde.
Espero igualmente que V.ª S.ª já tenha recebido o reconhecimento das
caixas que contém meus trabalhos e que já esteja em viagem alguma notícia
consoladora acerca dos ditos trabalhos, o que é muito de admirar é que o
expedicionário ainda não recebeu respostas da casa a quem foram dirigidas as
ditas, certamente se sabe que chegaram ali no dia 10 de dezembro, porém, isto
sabe-se pelo correspondente de Gênova: creia que me tem amofinado semelhantes
contratempos, o Expedicionário veio ter comigo, eu dissera-lhe o que V.ª S.ª me
dizia na sua última carta, porém, queria mandar um oficio ao cônsul italiano
ali por meio do Ministério dos Estrangeiros aqui, visto isso levei-o a casa do
nosso excelente Ministro Senhor Barão de Javary, o qual ficou de escrever ao
nosso bom diretor, porém, repito creio que quando esta chegar os trabalhos
estejam já na Academia.
Já conclui o esboceto para o Monumento ao General Osório, vou mandar as
fotografias brevemente neste esboceto só se poderá ver minha idéia, como
plástica não pode existir mais do que o necessário para um croqui, tenho porém
em mente fazer outro projeto em proporções maiores e mais rico, talvez tudo
seja debalde porque não terei a comissão do monumento porém sempre mostrarei
com isto que sou vivo e que penso!
Tenho também uma idéia estupenda para um monumento dos nossos maiores
vultos literários, posso dizer que será novidade. O que lhe parecerá demasiada
audácia! Estou pensando, lendo e desenhando mais tarde nos longos dias de verão
piano piano porém o croqui em execução a figura principal terá um metro, terei
muito fio que torcer, porém, tenho coragem e lá irei.
O fato de o Ministro ter comprado os quadros do [Pedro] Peres e
do [Firmino] Monteiro é um fato digno de ser observado, o qual faz
antever um futuro melhor para os artistas que começam e que expões já então se
poderá esperar alguma recompensa monetária, isto dever dar muita coragem aos
rapazes.
Tenho bastante prazer de saber que finalmente o professor Victor foi
pago embora tenham feito suspirar bastante, eu tenho que lhe escrever porém
quero escrever uma carta na qual faça ver do baixo-relevo prospectico a superioridade
sobre os outros, provando aplicar-se a qualquer parte arquitetônica, não tenho
porém tido sossego de espírito e por isso ainda não lhe tenho escrito.
Assim como existe a mania de querer matar os monarcas, assim existe a
mania de quererem fechar as Academias, isto em Paris está sempre em moda e a
Academia tem sofrido grandes guerras. Na Itália já não existem Academias,
existem institutos e grandes concursos a dinheiro para quem ganhar; ali porém
no Rio de Janeiro a Academia é necessária, estou certo que o Governo em vez de
fecha-la a engrandecerá e a tornará mais importante.
Por hoje peço licença para terminar aqui minha pequena trela,
pedindo-lhe que me recomende a sua Ex.ma família assim como aos meus
respeitáveis professores, receba sempre os sinceros votos da minha profunda
estima e consideração.
Seu discípulo amigo
Rodolpho Bernardelli
* * * * * * * * * * * *
Roma, 25 de novembro de 1880.
Ilmo. Senhor J. Maximiano Mafra
Amigo e senhor;
Há muito tempo que não tenho a honra de lhe dirigir minhas pobres
linhas, andei sempre me iludindo de poder escrever-lhe uma longa carta, mas
estava com uma estatua grande ao natural as voltas e fui transferindo de
correio em correio e assim é que fiquei tanto tempo sem dar sinal e vida,
felizmente a estatua concluiu-se e hei-me de novo ocupando a sua atenção.
A razão de não ter mandado até hoje o orçamento para as despesas
necessárias a fazer com a copia em mármore que deverei executar, é como disse
dispor de pouco tempo para andar indagando em diversos negociantes de mármore
assim como de escarpelinos, assim mesmo faço um cálculo aproximativo, e a razão
é esta, os mármores as vezes se acham na praça, porém, outras vezes é
necessário mandá-los vir, e era que logo custa mais, também é preciso achá-lo
sem defeito porque do contrário é ando para quem compra, enfim mil coisas, eu
entendo que o mármore deve ser do melhor, isto é, de primeira qualidade, já que
é pela sua cor como pela transparência e é o assim chamado Saravessa, é raro
achar-se manchas; creio que a Academia terá desejo de possuir uma estátua sem
defeito e por isso pus de primeira qualidade; peço a V.ª S.ª que faça ativar o
mais possível este negócio.
Já estou pensando o assunto para fazer o esboceto com o qual deverei
pedir prolongamento da pensão, e aproveito da ocasião para pedir-lhe seu
auxílio dando-me alguma idéia. Estou muito inquieto com a questão do dinheiro
já com o que nosso Governo me tirou sofri um desarranjo e agora, fala-se que o
governo italiano vai abolir o papel moeda, pondo o ouro e prata em circulação,
é bom para o país, porém para mim faz-me um grande desarranjo a libra esterlina
estava a 27 fr. e 50º e hoje está a 26fr e 08º (só com a questão na Câmara dos
Deputados!).
Nunca pedi nada ao governo e fiz minhas viagens fazendo economias, vendendo
algumas coisinhas, para isso, porém se me ver muito apertado será necessário
que faça mais trabalhos para vender (o que me rouba tempo) tenho 130 fr. de
aluguel do atelier e casa, não me atrevi a pedir ao Governo um auxiliar, vendo
as contas e as economias que tem feito; (e aqui entre nos) porque pensei sempre
que a Academia me mandasse alguma coisa, mas vejo que minha escola tem me
adquirido antipatias, eu sempre trabalhei pensando de fazer o bem visto o
progresso que por aqui há, mas vejo que politicamente fiz mal, agora é preciso
deixar andar até que voltando lá pegue [ilegível] antiga escola.
Meu mano está pintando, estudando, e não vai mal, está [ílegível]
galerias e museus.
Soube pelos jornais que meu mestre Chaves Pinheiro tinha concluído seu tempo, porém, não sei o
que decidirão, respeito a direção da aula, seria lhe muito agradecido se me
fizesse saber alguma coisa.
Os expedicionários dos meus últimos trabalhos ainda não receberam a
importância, eles têm reclamado por meio do ministro dos Estrangeiros daqui ao
Cônsul daí, mas não tem tido resultado, eu estou um tanto vexado, a culpa é
deles.
Termino aqui esperando receber alguma carta sua, peço lhe que me
recomenda a sua Ex.ma. Família, assim como da parte de meu mano, e aceite
sempre os sinceros abraços deste seu respeitoso e,
Obrigado discípulo e amigo,
Rodolpho Bernardelli
Via S. Basílio, n. 16
Roma
O Pedestal que pus em conta é muito necessário e não [há] estátua aqui
sem ele.
* * * * * * * * * * * *
Roma, 2 de agosto de 1881.
Amigo Senhor Mafra:
Há muito tempo que não lhe escrevo, e por isso começo pedindo-lhe mil
vezes desculpas; deram-se tantas combinações que sempre me fizeram transferir
de dia para dia a minha correspondência com V.ª S.ª. isto a meu dano e bem a
meu pesar, porque pode ter feitos muitos comentários sobre o meu silêncio.
Suas últimas cartas datam de janeiro p.p., enviando-me o aviso do
Ministro que ordenava o pagamento da quantia necessária para as despesas com a
cópia da Vênus; só no mês de maio pude receber dinheiro para pagar o mármore e
desde esse dia comecei a girar para cá, para lá, procurando comprar o mármore
que depois de esboçado não seja obrigado a por de parte, por causa do defeito,
felizmente até agora não há nada e não haveria nada, tenho esperanças de
manda-la lá para novembro. O mármore é lindissimo.
Estive bem triste e incomodado no mês de junho com inflamação nos olhos,
e a causa creio que foi o ter apanhado [sereno] sobre o Tibre na noite da
grande Girandola (fogo de artificio) o caso é que não podia fixar a luz
felizmente hoje já estou restabelecido tenho porém sempre a vista cansada ao
mínimo esforço; um pouco [ilegível] com este incomodo e com os giros que tive
de fazer para comprar mármore e gesso para a Vênus
Calípigia, cheguei ao último momento para fazer meu pedido sobre a
prorrogação da minha pensão, V.ª S.ª dirá que eu espero sempre para o último
momento, mas se estivesse aqui veria que precisa sujeitar-se a andar
lentamente; mando pois por este mesmo correio o requerimento a V.ª Ex.ª Senhor
Diretor e Ilustre Professor, esperando em Deus que me seja atendido o que peço;
e também mando o esboceto, o qual ponto não sei se agradará a V.ª S.ª e aos
senhores professores eu o escolhi porque me dava mais campo a poder compor
alguma coisa de novo; o esboceto não tem mais do que o sentimento, não procurei
acaba-lo muito porque pretendo fazer mudanças, se o fizer no grande,
sujeitando-me também a as que os Senhores Professores me aconselham.
Estou muito satisfeito de saber que o Leoncio foi escolhido qual
professor de paisagem é um moço de talento e ilustrado, poderá fazer muito bem
a mocidade artística.
Não sei o que se passa por ali, há muito tempo que não há exposição
artística, quando haverá? Peço-lhe que me diga porque quero preparar alguma
coisa; minha estátua chegou?
V.ª S.ª me diz em sua carta de 31 de janeiro p.p. que minha nova
escola não me tem granjeado pessoalmente, quero bem me deixar levar
pelo que tão bondosamente me diz, mas eu sei (isto aqui entre nós) que
compararam meus trabalhos a bonecos de gesso que os italianos vendem por
ali nas ruas, honra seja feita aos meus professores não saiu deles: mas dos
meus companheiros enfim aceito o título e fico calado, eu soube disso por
pessoa que não é artista.
Agradeço do íntimo do coração as boas palavras que me diz e o desejo de
me ver na Academia, eu trabalho e estudo com amor! Quem sabe chegarei a meta.
Há dias que vejo um futuro na minha carreira artística, mas há outros
que tudo me parece miséria, desejaria deixar tudo e tornar perto de minha
família; isto todo o homem que trabalha para um fim é sujeito, e por isso
procuro com o trabalho distrair essas nuvens que me entristecem a alma.
Na exposição do Popolo que se faz anualmente expus duas cabeças em
terracota, das quais creio ter-lhe mandado fotografias, tem por título, Furba e
Gigetto, são dois estudos que os amigos me influíram que expusesse enfim lá
foram e agradaram a todos, os jornais citaram elas como das melhores e alguns
escreveram alguma coisinha, o melhor para mim foi vendê-las, agora vejo-me
obrigado a assim fazer, preciso vender porque a pensão não me basta e para mais
caiporismo, a Itália pôs o ouro e a prata, de modos que não ganho mais nada
sobre os ditos, os pensionistas franceses entre os quais tenho alguns amigos,
disseram-me que o governo, visto a pensão ter diminuído não havendo mais
cambio, aumentou-lhes a pensão! Esses é que são felizardos, tem atelier
formado, casa e 500 fr. dos quais todos os meses depositam 100, vindo a receber
400, com isto eles não tem mais que pagar modelo, comida (ali mesmo no palácio)
e vestir-se, quando fizeram seus trabalhos o governo compra-os para mandar para
as províncias, também são os únicos, os espanhóis têm seu palácio, mas a pensão
é pouca, os alemães a mesma coisa.
Estão agora preparando um grande palácio aqui para a Exposição
Geral de Belas Artes em dezembro de 1882, os artistas estão preparando grandes
quadros! Eu tenho que fazer alguma coisa, mas... estou esperando.
O mês passado houve grandes questões e escândalos provocados pelos
homens fanáticos de ambos os partidos clericais e assim ditos liberais, comeram
ações pouco honrosas para com o salmo de defunto Papa Pio IX, eu não vou nunca
a estas aglomerações do Popolo, primeiro porque corresse o risco de apanhar
alguma moléstia, respirando os miasmas do povo a maior parte sujos e segundo
porque pode cair alguma paulada por engano sobre o meu côco, coisa que não
faria muito prazer, contento-me de ouvir e ler os jornais, pelo que li todos
tinham culpa, mas ainda o chefe da polícia que não soube fazer cessar os
primeiros provocadores de uma parte, e de outra perderam completamente o juízo,
que chegando a um tumulto, houve muitos presos e felizmente nenhuma morte, o
Pio IX merecia ter sido mais bem tratado.
Vou lhe dar uma notícia, tenho muitas probabilidades de arranjar um
pedaço de pano da batina do Pio IX, desejaria tê-lo?
O bustinho de sua filhinha partirá junto com a estátua.
O Henrique há um mês que está no campo, pintando, fazendo estudos a óleo
e a aquarela, eu tenho a intenção de ir, mas quando V.a. S.a. tiver a presente
eu estarei de volta.
Respeito ao esboceto [do Cristo e a Mulher Adúltera] tenho de
participar a V.a. S.a. que partirá amanhã daqui, para tomar o vapor de 14 do
corrente de Genova e estará lá para o dia 8 e 10 de setembro, é inútil dizer a
V.a S,.a. que é simplesmente um esboceto, e que devendo executá-lo, terei que
fazer muitas mudanças e a túnica do Cristo não será aquela, ao menos me
prometeram depois que tinha concluído o trabalho de mandar-me uma túnica verdadeira,
isto é, uma túnica hebraica a qual se não me engano não tema as mangas tão
grandes como as que eu fiz.
Enfim, vou terminar esta minha cartinha prometendo voltar mais a miúdo a
conversar com V.a. S.a.
O Villaça me escreveu que tinha estado com o professor Vitor [Meirelles] em Paris, e que
ele parecia ter remoçado, vou lhe escrever, estou a tanto tempo para fazê-lo
que quem sabe o que pensará de mim.
Temos atualmente muito calor, em Roma, não se vê quase ninguém todos
foram para fora.
Continuo esperando que V.a. S.a. me anunciará boas notícias na próxima
carta, conto muito sobre sua bondade, e creia que o que eu puder fazer para
provar-lhe meu sincero reconhecimento o farei.
Peço-lhe que me recomende tanto a sua Ex.a. família e digne-se a aceitar
um bom abraço deste seu sincero amigo e obrigado,
de coração,
Rodolpho Bernardelli
* * * * * * * * * * * *
Roma, 21 de janeiro de 1882.
Ilmo. Senhor João Maximiano Mafra
Amigo e senhor;
Esperei até a presente data para responder a sua consolante carta de 15
p.p., esperando poder participar a V.a. S.a. que tinha recebido o dinheiro que
me dizia ter partido ordem para me ser dado, mas infelizmente não recebi nada
até agora, nem mesmo participação de Londres! Vivo sempre sobressaltado e cada
ia minha posição torna-se mais crítica, Deus não me abandonará porém
certamente, é o único consolo que tenho, estou muito desesperado porém!
Creio que finalmente o Diabo do esboceto já foi para a Academia e espero
sua primeira carta que me tire desta horrível posição. Arrrrre! Tenho comido o
pão que Satanás amassou! Diz o ditado que depois da tempestade [vem] bonança,
deve esperar pela bonança? Espero e por isso peço desde já a V.a. S.a. para que
veja que a Ilustre Congregação decida a minha sorte o mais breve possível, pois
o dinheiro que me deve chegar agora, só servirá para satisfazer meus
compromissos.
Folgo muito em saber que nosso país tem prosperado e isso o prova as
várias exposições que aí se abriram, a exposição que creio deve ser muito
interessante é a da história do Brasil. Espero que meus trabalhos tenham tido
boa colocação na Exposição.
No dia 5 do p. mês irá abrir-se a exposição de belas artes anual da
Praça do Povo, meu mano exporá alguns trabalhos porém coisa para vender,
contudo tem merecimento artístico, eu talvez exporei um retrato.
Temos um companheiro novo, é um pensionado português paisagista [Henrique Pousão] de
grande merecimento, vem de Paris, onde não pode ficar por causa do clima,
parece um bom rapaz.
Novidades poucas, isto é, dizem que no fim do ano, teremos a Exposição
de Belas Artes para a qual está se preparando um grande palácio, o círculo
artístico do qual faço parte pediu para ser adiada a época por não haver tempo
suficiente para preparar-se, mas parece que a comissão não quer atender a este
pedido. Eu estou sou pensando! Mas assim que tiver a decisão da nossa Academia
e que ela me seja favorável preparo um trabalho para apresentar–me, sou
bastante conhecido e graças a Deus estimado, e creio meu dever fazer honra aos
meus colegas ajudando com meu trabalho esta primeira grande festa artística.
Os teatros continuaram a funcionar e parece que vão bem.
O inverno não tem estado mau, o frio ainda não apertou, mas a lenha é
preciso comprá-la.
Termino por aqui por hoje esperando com grande ansiedade sua próxima
carta, e meu breve julgamento.
Peço-lhe que me recomende muito a sua Ex.ma. família assim como por
parte do meu mano Henrique e receba sempre o meu afetuoso abraço.
Seu respeitador discípulo,
Rodolpho Bernardelli
Via S. Basílio, n° 16.
* * * * * * * * * * * *
Roma 17 de março de 1882.
Ilmo Sr. Maximiliano Mafra
Amigo e Senhor:
Escrevo esta pequena cartinha apenas para não perder ainda este correio,
deixando assim tardar a minha obrigação que é em 1° lugar agradecer-lhe
imensamente pelo que tem feito por mim, e acusar-lhe o recebimento de todas as
suas respectivas cartas e ofícios. Vejo pela sua carta de 8 de fevereiro que
fiz mal em escrever-lhe debaixo da impressão que tinha da sua carta de 1° de
dezembro fui demasiadamente precipitado, mas Vª Sª terá bem compreendido o meu
estado e terá logo desculpado.
Por outro paquete hei de escrever-lhe mais extensamente, creia porém e
desde já lhe afianço que não me dou a pena de escrever ao Senhor Chaves, não
compreendo porque ele agora se declara meu inimigo! Nunca lhe fiz coisa alguma!
Nem lhe teria feito; nem lhe farei!! Sempre me lembrarei que ele foi meu 1°
mestre; quanto a ele achar mal tudo o que faço está no seu direito, o artista
infelizmente está sujeito a isso, e não deve espantar-se, nem se persuadir que
o que faz é tudo bom, o trabalho contínuo e com consciência mata e derruba
todas as barreiras, eu lá chegarei, se Deus me ajudar, certo não será o Senhor
Chaves que me poderá tirar o que deve ser meu.
Acho o parecer muito bem formulado, e para mim é um documento do qual
devo ter orgulho, procurarei mostrar minha gratidão esmerando-me o mais que
puder na execução do grupo, e minha esperança é de contentar os Senhores
Professores.
A Vênus tem estado parada porque tenho necessidade de preparar todo o
necessário para meu grande trabalho, ele tem me feito suar, os panos tem me
feito tocar violino, que creio quando acabar ficarei o 2° Paganini (no mármore)
daqui a mais alguns meses espero expedi-la bem como seu bustinho.
Termino aqui porque ainda quero escrever duas linhas para casa, soube
que minha boa mãe esteve muito doente e estou inquieto.
Meu mano pede-me que aceite suas recomendações e que tenha a bondade
também de o recomendar a sua Exma. família eu junto-me a ele e novamente
agradecendo-lhe peço-lhe que disponha sempre deste seu amigo e
Discípulo Obrigado
Ass. Rodolpho Bernardelli.
* * * * * * * * * * * *
Roma, 20 de fevereiro de 1883.
Ilmo. Senhor J. Maximiano Mafra
Amigo e senhor,
Já deveria ter escrito pois que a cópia em mármore partiu a quase um
mês, mas tenho andado tão ocupado que contado não parece verdade, mas desejaria
que Vª Sª se achasse aqui para verificar o quanto digo, basta dizer-lhe
que no dia 21 do mês passado abriu-se a exposição de belas artes e pode
imaginar a afluência de artistas de todas as partes da Itália e da Europa que
aqui vieram por essa ocasião, pondo de parte todas as festas o congresso
artístico, o grande número de artistas que tive que acompanhar porque novos de
Roma, digo-lhe que tive de modelar o anjo e o retrato para o monumento do
Visconde de Araguaia, sem contar diversas pequenas coisas que completam o
monumento, mas enfim já está tudo pronto, estão trabalhando a toda rapidez e
espero para fins de março de poder expedir o dito monumento para o Rio, Vª Sª e
os professores terão ocasião de ver mais um trabalho meu que sempre é prova do
meu contínuo trabalho.
Porém agora vamos falar do que mais nos interessa, isto é, do que vai
dentro das caixas na caixa pequena está o pedestal pus as relíquias para Vª Sª
e mais uma coisa para minha mãe, para tirar estas coisas será necessário abrir
a caixa por baixo antes de por o pedestal para fora da caixa, dentro da
caixa grande onde está a estátua pus um vestido para minha mãe e mais um
embrulho para meu mano. Das relíquias que lhe mandei vão seis Agnus Dei, um
fac-símile das correntes de S. Pedro, uma medalha em bronze do Leão XIII, os
cravos de Cristo e as fotografias do menino D´Aracoeli, mandei também relíquias
de Santa Rosa que obtive de uma pessoa que as possuía desde 70 anos, as
relíquias do Padre Pio IX mando-as com a presente por ser mais seguro, não sei
porque pensei assim mas tenho costume de seguir sempre os conselhos do meu
coração e ele me dizia que devia mandar-lhe pelo correio. Do que Vª Sª me pediu
só faltou mandar-lhe as relíquias que tenho que ir a São Paulo procurar isto
poderei mandar sempre pelo correio, espero que tudo receberá sem novidade e sobretudo
sem demora.
Já dei começo ao mármore do meu grupo [Cristo e a Mulher Adúltera] e espero que sempre a
Academia me faça o benefício de obter do Governo Imperial o outro ano que pedi
tanto mais que haverá uma grandiosa exposição em Turim e que tendo meu trabalho
concluído naturalmente desejaria apresentar-me estou quase certo que obterei
muito sucesso, aqui já sei que o grupo é bem aceito e não está [ilegível] gesso
o Senhor achará que sou pouco modesto com estas minhas frases, mas creia que
para que eu [ilegível] deste modo é necessário que eu tenha comparado minhas
forças com a de muitos artistas. Na presente exposição só pude apresentar uma
cabeça grande em bronze, retrato de um dos bons médicos daqui, e esta minha
cabeça tem atirado [sic] a atenção de todos que visitam a exposição assim como
dos críticos, para mim só espero que Academia me faça o favor de obter do
Governo mais aquele ano já porque concluirei melhormente meu grande
trabalho e porque poderei apresentar-me e receber meu batismo de artista na
Europa, inútil me parece dizer-lhe que toda a minha confiança neste negócio
está no Senhor, e tantos são já os favores que lhe sou devedor que
quereria que ainda me fosse concedido agradecer-lhe novamente. Diga-me se
é necessário que faça outro requerimento e como o devo fazer.
A Exposição não teve o sucesso que muitos esperavam, os nobres não compram
e o Senhor bem sabe que o artista depois das glórias necessita vender trabalho,
o Palácio é mal concebido e estando a estação de inverno com a umidade que
existe por estarem as paredes frescas não se pode resistir e precisa correr
para evitar alguma pulmonite ora compreenderá que para quem tem necessidade de
vender é um dano: eu lhe mandarei diversos jornais que se ocupam da exposição.
As coisas políticas por aqui andam cada dia mais no escuro, a França tem
estado muito mal e tenho muito medo que aquilo acabe em comunismo ou
bourbonismo - a última notícia mais importante é a morte de Wagner, para a arte
musical é uma grande perda, eu tive a felicidade de vê-lo quando estive em
Veneza no mês de setembro por ocasião da grave moléstia do Henrique, tinha um
sobretudo de lã branca completamente, aquilo causava surpresa e assim
perguntava-se quem era; contam muitas anedotas, nas quais dizem-no orgulhoso.
O Henrique está completamente bom e quer preparar um quadro de assunto
brasileiro para a Exposição de Turim.
Está chovendo a cântaros e faz um frio bastante úmido é meia noite e
termino por hoje, para recomeçar em breve agora vou continuar a escrever
amiudadamente.
Recomende-me a sua Exma. família e receba tantas lembranças do Henrique
eu peço-lhe que me diga como chegou aquilo tudo. Receba um bom abraço deste seu
discípulo e amigo do coração
Ass. Rodolpho Bernardelli.
R. Estes pedaços de camisa e batina me foram dados no Vaticano pelo Frei
Agostino que está como élémosinaire do Papa.
* * * * * * * * * * * *
Roma abril 83
Ilmo. Senhor João Maximiano
Mafra
Amigo e Senhor:
Recebi ontem 19 do corrente sua prezada carta de 26 p.p. e nele li com
prazer que então completava seus 60 anos! Estimo que este fato se repita ao
menos três vezes e sempre em companhia de toda sua estimada família.
Esta sua carta me fez uma impressão de achar-se Vª Sª em uma temperatura
bem mais fria! Mas vejo pelo que me diz a respeito da febre amarela que ali
então fazia calor, não sei a que atribuir a temperatura dessa sua conversa,
terei eu lhe causado alguma contrariedade? ? Estou, como é natural, pronto a
pedir desculpas.
Espero que já a Vênus esteja em casa ela lá, vai ser rainha como também
o é aqui, mas lá com mais razão porque as outras personagens são de gesso! Eu
não desespero de ver tudo ali na nossa Academia de mármore.
No entanto está-se preparando outro mármore, que irá lá também fazer
contraste com nossos modelos de gesso, e a propósito dele quero entreter Vª Sª.
Como sabe foi em fevereiro do ano passado que tive a concepção para fazer esse
trabalho [...] Eu recebi aqui o ofício em março, e em abril comecei meu
trabalho concluindo-o em fins de dezembro, tempo que o gesso ficasse bem
enxuto, transporte de mármore etc etc, em março começou o trabalho a aparecer,
três homens estão todos os dias trabalhando, e como o trabalho é grande e cheio
de dificuldades só para o mês de agosto poderá me ser entregue o grupo esboçado
para que eu possa trabalhar; ora meu tempo acaba em dezembro! É possível
que eu faça o milagre de concluir este trabalho em 4 meses!!! Fiz então
este ofício que peço a Vª S que o veja, e se o achar bom que tenha a bondade de
o entregar ao Conselheiro Diretor, além deste favor peço que me apóie para que
este meu pedido seja atendido apresentando razões que creio muito justas; será
ainda mais um favor que terei que juntar aos tantos que me tem feito, e dos
quais quero agradecer quando for ocasião.
Como já sabe o Barão de Javari, faleceu em 27 de fevereiro p.p., pobre e
sem família com 69 anos, era um bom homem e por ele ser demasiado bom é que
morreu sem nada, quando eu me dispunha ir a sua casa agradecer-lhe pelo ofício
de que Vª Sª me falava é que ele sucumbiu repentinamente; ainda tinha que me
dar 300 frs do dinheiro que o Governo tinha me mandado para a cópia da Vênus,
esse dinheiro que eu adiantei creio não deverei perdê-lo, que diz? Vamos a ver.
O senhor Carvalho encarregado de negócios me mostrou uma cópia do
programa para um concurso Internacional, para servir de Biblioteca e Sala de
Conferências etc etc. esse programa deveria ter sido mandado em francês ou em
italiano, assim os arquitetos italianos teriam podido saber de que se trata,
aqui não me consta que ninguém o faça e se alguém o faz e por informação
particular o tempo também é muito limitado, como chega aqui o programa do
Concurso em março, e deve estar lá em junho!! Quem é que pode fazer o trabalho
que se exige com memorial e enfim todos os detalhes em 3 meses!!! Para um
concurso daquela importância 1.000.000 contos!! Aqui para qualquer concurso
nacional costumam a dar 1 ano; sinto bastante que neste concurso não concorram
grande parte de artistas europeus, para nosso país teria sido sempre um
benefício.
A família do finado Visconde de Araguaia já deve estar lá e o momento
que estou terminando partirá neste próximo mês de maio.
Por aqui como novidades mais frescas há a entrada do ouro e da prata em
circulação, coisa bela para o país mas que me causa um grave dano porque eu
sempre ganhava bastante para pagar o atelier.
Preparam grandes festas pela vinda do Príncipe Thomaz [que] recentemente
se casou [,] este príncipe é irmão da Rainha.
O calor já começou, aqui porém não há febre amarela, mas há febres de
malária.
A exposição ainda continua aberta no próximo correio espero poder
mandar-lhe alguns números ilustrados que tratam da exposição.
Diga-me se o Zeferino ainda é vivo e caso ainda o for tenha a
bondade de recomendar-me.
Espero muito breve receber cartas de Vª Sª bem longe, dando-me notícias
da Vênus e das Artes.
Peço que me recomende a sua Exma. família e aceite lembranças do Enrico.
Aceite sempre as saudades deste seu
Am° e discípulo
Rodolpho Bernardelli
N. Diga-me alguma coisa sobre meu requerimento.
* * * * * * * * * * * *
Roma 17 julho 1883.
Ilmo .Senhor J. Maximiano Mafra
Am° e Senhor:
Há já muito tempo que lhe escrevi e que lhe mandei numa carta
recomendada as relíquias do S° padre Pio IX, mais ainda mandei a Vª Sª um
requerimento pedindo com antecedência que a ilustre Academia me concedesse mais
o 3° ano que pedi (quando pedi ajuda de custa para o grupo) até agora não
tenho recebido nenhuma cartinha sua, isto me faz ficar num estado pouco
tranqüilo como é natural porque vejo que vou ficar sem meios para seguir até
dezembro, pois que Vª Sª sabe bem que a pensão sendo paga 3 meses antecipados e
tendo me sido pago o trimestre de 1°do corrente até o fim de setembro, não
posso mais receber se a Academia não me fizer o favor de ocupar-se do meu
pedido com antecedência, espero a cada momento uma sua cartinha mas como
estamos tão longe pensei bem de escrever a presente pedindo que se interesse
com calor ao meu pedido.
O meu grupo ainda não se concluiu completamente de esboçar havendo
grandíssimas dificuldades a vencer espero porém em breve poder comunicar eu
meter-lhe o ferro.
Já deve lá ter chegado o mausoléu que executei para o finado Magalhães
Visconde de Araguaia porém só o poderá ter visto em parte, eu aguardo aqui com
grande interesse notícias sobre esse meu trabalho o qual também servirá a
patentear o meu contínuo trabalhar. Agora estou fazendo um esboceto para
executar um pequeno monumentinho do Barão e Javari, mas isso será ou não será
feito, eu não o poderei executar se quiserem que depois de concluir meu grande
grupo, que aqui entre nós vai ficar XPTO.
Nada também me escreveu sobre a Vênus de Calipígia! E sobre as relíquias
que lhe mandei. Eu soube pelo Felix
[Bernardelli] que estavam construindo grandes salas novas na nossa Academia e
talvez suponho que seja essa a razão pela qual Vª Sª me tem esquecido. Enquanto
estão esboçando o grupo eu estou concluindo o bustinho de sua menina e verá que
lhe agradará bastante como o arranjei.
Muitas vezes me tenho querido dizer a Vª Sª se a Academia quisesse
fundir o busto do Taunay que me o mandasse porque estando eu aqui
pode-se fazer o trabalho por pouco assim como se se desejasse ter alguma
coleção de modelos da época do renascimento (creio que falta aí) que
aproveitassem da minha estada aqui.
Espero que sua saúde continue sempre bem, assim como a de sua Exma.
família, nós por aqui estamos em pleno verão, o que quer dizer 38 e 39 graus
cent°, o Henrique está trabalhando em Capri, e gozando de saúde esperemos que
este ano ele não se adoente, eu continuo sempre com a saúde que trouxe de lá.
Termino esta minha recomendando-me sempre que me faça saber em que
posição me acho, e pedindo que tenha a bondade de recomendar-me a sua Exma.
família.
Digne-se aceitar como sempre os sentimentos de amizade e consideração.
do seu afei. e obrig. am°s
ass. Rodolpho Bernardelli.
Via St Nicolo da Tolentino 13
* * * * * * * * * * * *
Roma 1o 5/85
Illmo. Senhor João Maxiano Mafra
Meu bom amigo
Acabo de receber uma carta de meu irmão Felix a qual me veio
desgostar muitissimo elle queixa-se de meu silencio para com o Senhor! foi uma
sorpresa! fiquei admirado por esta accusação, a qual era feita de minha parte,
e m1explico, no dia 15 de Dezembro o.p. lhe escrevi uma carta annunciando
a VaSa que meu grupo se achava em Génova e que esperava um vapor no qual
pudesse partir, n'essa minha carta fallava-lhe do desejo que o grupo não fosse
collocado sem minha chegada por ser um trabalho melindroso e querer
assumir eu qualquer responsabilidade pedia lhe que se interessa se por
este meu pedido caso houvessem oposições a carta continha mais a descripção da
minha prisão em Capri por causa do Cólera Morbus em Napoles e alguns tópicos
das minhas viagens fora da Itália. Ora depois de ter lhe escripto essa carta
esperava uma sua e nunca tive nada; em Fevereiro desgraçadamente cahi
gravemente enfermo com uma febre tyfoides e sé me levantei da cama no dia 19 de
Março ficando mez e meio de cama e correndo risco de hir para o Campo Verano em
vez de hir para o Rio, felismente salvei-me, e assim que me levantei quiz saber
noticias do meu grupo e pedi ao meu expedicionário que me disse se que noticias
havião, elle dissera me que o grupo tinha partido no mez de Fevereiro pelo
Vapor Malabar; escrevi lhe logo confirmando minha carta de Dezembro e pedindo
que tivesse a bondade de escrever me se o grupo tinha chegado bem, não
posso pois ainda compreender como he que Va Sa não tivesse recebido essas
minhas cartas, eu ottribui a esse seu silencio aos grandes trabalhos da
Exposição, e as veses a alguma intriga mas não podia comprehender o
porque! Creio que de mim não tem nenhuma queixa, assim como eu não tenho
que louvar-me de sua amizade, espero que esta ensalada se chegará a conhecer.
D`entro da semana que vem, deverá partir d`aqui a Vénus de Medicis, bem
como o bustinho em mármore de sua filinha, contemporaneamente mandarei uma
caixa de minha propriedade contendo meus ferros gessos e alguns livros,
espero que tudo chegue lá em perfeito estado, a Venus terá que hir dentro de
duas caixas por causa de ser muito frágil, deixei fioar os punte11os os quais
tirarei uma vez collocada no lugar, a este respeito tenho que lembrar a Va
Sa que nunca recebi a medida da planta para servir a ditta Vénus, também no
grupo deixei alguma cousa que hei de concluir quando estiver no lugar.
Li com prazer a lista dos Condecorados por occasião da
Exposição [Exposição
Geral de Belas Artes de 1884] só senti não ver no rol d'elles, o nome do
nosso Am° Zeferino, creio que tendo tido uma condecoração o Vicente
Cernicchiaro pelas sua composições musicaes, o Zeferino merecia também igual
distinção pela decoração da Candelária, desculpe-me a franquesa espondo esta
minha opinião, mas aqui de longe a cousa parece natural, não entendo porem
criticar o facto. Sei que entre nós ainda não existe, a assim chamada camorra
como existe aqui na Europa na classe artística, assim é que os artistas para
fazerem guerra a commissão real por ter comprado trabalhos que não erão os
melhores na Exposição de Turim servião-se de tudo para que o Jury que devia dar
os premios não se pudesse formar, o Ministro para cumprir com a promessa dos
prendes, recompensou os artistas merecedores concedendo algumas
condecorações, e eu fui uum dos honrados com essa distincção, como lhe
dissera na minha carta de Março na verdade se tivesse tido uma medalha teria
tido segundo nossos regulamentos um premio em dinh° cousa que me teria servido
bastante, mas considero-me assim bem satisfeito tenho a satisfação de ver que
meu trabalho foi appreciado e creio que o nosso Governo também dará peso a este
facto.
Meu mano Felix m'escreveu que a Academia comprara um
quadrinho do Henrique, e que desejava também comprar a copia, sobre esta
ultima é que peço a Vo Sa que influa o mas q puder para que esse trabalho seja
comprado o bom Henrique espera nisso para commeçar um grande quadro, a eu não
lhe posso deixar grande cousa a minha partida o deixa quase a secco como se diz
aqui.
Quando lá estiver, muito teremos que conversar de
cousas d'Arte e espero fazer alguma cousa para melhorar o estudo dos moços, que
oommeção.
Por aqui andão os concursos aos lottes o um d'elles é
de 400 contos de reis para, executar um cavallo com o cavalheiro é verdade
que deve ser de Bronze dourado e do tamanho de 10 metros alguns compagheiros meus forão premiados
já no primeiro concurso, mas agora torna se a fazer e o concurso e
deve ser com o cavallo, grandesa natural, cousa bem dispondiosa e bem
difficil, quem será o felisardo que ganhará! os monumentos levantão se por toda
a Itália, e eu bem desejaria que algum bom vento carregasse para lá este
entusiasmo, assim teria mais esperança do que tenho n`este momento.
Antes de partir me demorarei alguns dias em Paris para executar
uns trabalhos que ma forão encommendados approveitarei da opportunidade para
dar um pulo até Anversa ver a exposição.
Concluo esta esperando que já tenha recebido as anteriores e que me
julgará melhor.
Peço lhe que recommende a Exma familia promettendo escrver ainda antes
de deixar esta velha e boa Europa.
Creia me sempre seu reconhecido amigo e velho discipulo
de coração sou seu Rodolpho Bernardelli
* * * * * * * * * * * *
Roma 18 6/85
Illmo senhor João Maximiniano Mafra
Meu caro amigo
Depois d'amanhã deixarei Roma; já conclui tudo o que me restava a
fazer a estatua em mármore da Venus de Medici já partio bem como em sua
companhia uma caixa pequena na qual está o bustinho em mármore de sua filinha e
diversas cousas minhas taes como livros, ferros, etc,etc.
A rasão de não ter partido antes é sempre devido a minha moléstia que me
atrazou em todas rainhas cousas, mas tudo é bem quando acaba bem!
e assim é que com esta concluo minha vida de pensionista entrando desde agora
na real vida do artista entregue a minha sorte, veremos o que será. Volto para
o Rio contente de um lado, porque como sabe o homem em geral a minha edade e
quasi todo elle formado d`esperança, as vezes é tudo illusão, veremos porém
agora o que farão de mim. Por aqui nossos patrícios me tem feito um quadro
muito desanimador respeito a minha vida artística futura, eu creio porem que a
cousa é exagerada querer é poder, quando virem o que sou capaz de fazer
não me poderão tratar com indifferença.
Meu mano é que fica um tanto embaraçado respeito a finanças e
bastante triste por nossa separação, mas elle ainda não pode
voltar, porque quer espor no Salão um quadro no qual funde boas esperanças de
sucesso e tem rasão n'isto: esperava poder n'este mez ter alguma decisão a
propósito da copia mas ate hoje ainda não nada soube.
Desejo antes de partir d'aqui poder obter do Sto Padre a benção
para vossa Sa e estou tratando d'isso, tenha desta vez paciência se não le
trago nada de valor artístico mas a rasão é que faltão os cobre; espero
estando lá poder provar-lhe o meu reconhecimento pelo que fez continuamente por
mim e pelos meus. Quanto a querer alguma cousa d'aqui teremos o Henrique que
será nosso correspondente.
Sei por minha familha que o grupo até a datta da ultima carta, ainda se
achava na Alfandega, o Expedicionário aqui não tevo ate agora nenhuna
communicação do seu correspondente, eu fui que lhe dei noticias, para que
não acconteça ainda com esta expedicão o costumado erro, pedi para que manda se
a Vo Sa a participação ao envio com isto sei que será mais uma massada para o
Sr mas creio que lhe evitará passas.
Novidades por aqui são a mudança do Ministro Callado substituido pelo
Ser Lopez Netto, o filho do Magalhães já lá deve estar e também o Secretario
Vieira de Carvalho - Roma está passando por uma febre de construção de espantar
estão fabricando casas as centenas e destruindo as bellas villas para reduzi
las a ruas direitas e grandes casas todas iguaes os artistas estão
desesperados Roma vae perdendo seu bello caracter antigo, mas â população vae
crescendo a vista d'olhos e a vida sempre encarecendo, enfim isto não se podia
parar é cousa que devia accontecer. O calor é já forte, e o Cólera na
Espanha está pondo tudo por aqui com medo terrivel esperemos que durante minha
viagem não tenha obstáculos por causa do tal mycrobio.
Terminando a presente peço a Vo Sa para que se interesse pelo negocio do
Henrique no qual elle funde todas suas esperanças presentes, eu não lhe posso
deixar muito, como sabe, e temo que não deva ficar atrapalhado. Queira
recommendar-me a sua Exmafamilha e creia me sempre seu amigo sincero e
reconhecido
Seu amigo de Coração
As. Rodolpho Bernardelli