Pintor e crítico - Antônio Parreiras n’O Estado de São Paulo (1894-1895)

Valéria Salgueiro *

SALGUEIRO, Valéria. Pintor e crítico - Antônio Patrreiras n’O Estado de São Paulo (1894-1895). 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/criticas/ap_vs.htm>.

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... A orientação artística hoje é uma só e tem por divisa esta legenda: a arte é a natureza vista através de uma janela ...

A. Parreiras, O Estado de São Paulo, 21/09/1895

Introdução

                     1.            O período entre 1893 e 1898 constitui momento significativo da carreira de Antônio Parreiras (Niterói, 1860-1937) em que o pintor passou a atuar no campo artístico do estado de São Paulo realizando exposições na capital paulista e em Campinas, e executando pinturas panorâmicas de propriedades rurais por encomenda de fazendeiros ligados à agricultura cafeeira que se achava em expansão. Nessa ocasião, o pintor mantém também um relacionamento com homens da emergente imprensa paulista que lhe abrem espaço no jornal O Estado de São Paulo (ESP) para uma atividade nova para Parreiras - a de crítico de arte. O objetivo do presente texto é examinar essa atividade do pintor como estratégia de construção de sua carreira artística, ao mesmo tempo procurando identificar premissas e valores estéticos sublinhando a crítica de arte praticada por Antônio Parreiras no jornal O Estado de São Paulo, bem como os contornos assumidos por sua inserção no debate do campo artístico de sua época.

                     2.            Para a realização do trabalho observou-se, além das críticas de Parreiras publicadas em 1894-1895 n’O Estado de São Paulo, também as críticas de articulistas e colaboradores do jornal que fizeram referência ao pintor e à sua obra em variadas ocasiões antecedendo suas exibições na capital paulista, em artigos que cobriram os preparativos das suas exposições desde 1893 até o ano de 1898, quando o artista não colaborava mais para o jornal e nem expunha mais no estado de São Paulo, as notícias sobre ele tornando-se cada vez mais escassas.[1]

Esfera pública, opinião pública e crítica de arte

                     3.            No âmbito do espaço público, um conjunto de manifestações humanas na forma de expressão de idéias, informes, cartas abertas e troca de cartas, debates e manifestos conformam aquilo que chamamos por opinião pública, constituindo a crítica de arte publicada nos jornais uma parte desse conjunto de ações formadoras de opinião. No período observado neste presente trabalho são ainda incipientes os traços de uma esfera pública onde circulam idéias e formam-se opiniões com a penetração de valores críticos em diferentes segmentos da sociedade, dado o grau de desenvolvimento de nossa imprensa escrita. Esta apenas nos anos de 1870 começa a tomar maior vulto e a manifestar-se com maior liberdade em nosso país,[2] mas a década seguinte foi crucial para a ampliação do espaço público nas cidades do Rio de Janeiro - sede política do país - e de São Paulo - centro vital da economia do café. Com a agitação política e o aumento da temperatura social em decorrência da campanha abolicionista e em prol da república, a expressão do pensamento e a formação de uma opinião pública começam a assumir cada vez maior vulto, tornando-se a imprensa a principal fonte de divulgação da produção cultural e literária no país. O jornalismo brasileiro vive aí seu primeiro grande momento (MELLO, 2007, p. 79).

                     4.            Alguns autores destacados dedicaram-se à reflexão da estreita relação entre esfera pública (ou espaço público) e imprensa escrita, como Habermas que, não só aos clubes, jornais e cafés, atribui também grande importância aos periódicos para a esfera pública “onde indivíduos privados se reúnem para um intercâmbio livre de discursos racionais, envolvendo-se em um corpo coeso cujas deliberações podem assumir a forma de uma força política poderosa.”[3] Para Arendt, esfera pública, ou espaço público, “é o espaço da palavra e da ação, aquele espaço que, quando existe e não está obscurecido, tem como função iluminar a conduta humana, permitindo a cada um mostrar, para o melhor e para o pior, através de palavras e ações, quem é e do que é capaz.”[4] Esses dois autores observaram a força política poderosa que pode ser exercida pela esfera pública, inclusive no campo que nos concerne aqui - o das artes plásticas - aspecto que também foi tratado pelo crítico cultural Terry Eagleton, que a definiu como uma “formação política fundada na sociedade civil, cujos membros são tanto individualistas ferrenhos quanto ligados aos seus próximos por um intercurso esclarecido e imerso num leque comum de comportamentos culturais.”[5]

                     5.            Comum aos autores que se debruçaram sobre o tema da esfera ou do espaço público está o reconhecimento do peso da imprensa escrita e da relevância de uma crítica que nela se trava para a formação da opinião pública. Essa crítica dita racional adquire imensa importância ao final do século 19 com o prestígio do cientificismo que marcou a época. Conforme Mello (2007, p. 120-121), a “crítica passou a ser sinônimo de método científico, de objetividade, até mesmo de filosofia ou teoria do conhecimento, além de uma disciplina literária”, de modo que, em meio à ampliação da esfera pública, “tudo foi submetido à crítica, palavra que emprestava dignidade a qualquer discurso”. Situado exatamente entre o público e o artista, o papel do crítico de arte torna-se crucial na formação da opinião pública, pois ao articular idéias e premissas ele alerta, julga, censura e aponta caminhos - torna-se a bússola do público leitor. Seu trabalho pode levar aos píncaros ou destruir de um só golpe uma carreira artística, de modo que exercer a função de crítico é, acima de tudo, uma forma de poder.[6]

                     6.            Ao lado de tantos outros periódicos e revistas que circulavam nas principais cidades do Brasil, sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo, o jornal O Estado de São Paulo sem dúvida exerceu seu papel na formação de uma opinião pública brasileira ao final do século 19, inclusive no campo da arte. Os debates e a crítica de arte travados em suas páginas trabalharam para a constituição dessa esfera animada pela busca de parâmetros de entendimento da arte que vinha sendo progressivamente praticada em nosso país por pintores de outros circuitos para além da AIBA (Academia Imperial de Belas Artes, depois ENBA - Escola Nacional de Belas Artes), desejosa de oferecer esclarecimento público sobre questões percebidas como relevantes naquele momento que tanto iriam orientar o consumo no emergente mercado de arte paulista quanto dirigir o trabalho dos artistas e sua produção voltada a esse mercado banhado pela riqueza do café.

Antônio Parreiras e a critica de Arte n’O Estado de São Paulo

                     7.            A publicação de matérias de arte n’O Estado de São Paulo por Antônio Parreiras deu-se ainda no início de sua carreira, após sua primeira viagem à Europa, numa prática incomum entre os nossos pintores. Isso se deu nos anos de 1894-1895, posteriormente à sua primeira exposição na cidade de São Paulo, em 1893. Essa sua atividade no campo da arte, não como artista, mas como crítico, relaciona-se a uma fase em que ele por diversas ocasiões esteve no estado de São Paulo expondo trabalhos, realizando obras por encomenda e travando relações com membros da elite cafeeira que pudessem de algum modo impulsionar sua carreira. Pesquisas sobre o pintor revelam que, longe de ser o paisagista sonhador que seu livro[7] autobiográfico sugere, Parreiras possuía espírito prático e era um artista ativo, determinado, que não ficava esperando a chance cair-lhe no colo, mas sim ia ao sem encontro.

                     8.            O pintor assinava suas matérias n’O Estado de São Paulo com seu nome por extenso, e não com suas iniciais ou com um pseudônimo, como era usual à época, o que, aliás, faz bastante sentido em vista das evidências que hoje temos, por diversas fontes, de que Antônio Parreiras era um artista vaidoso que não hesitava em insinuar-se nos espaços por onde transitava e de que apreciava fazer-se notado, possuindo temperamento independente cujo ingresso na arte deu-se por seu próprio esforço, desprovido que era de capital social. Acreditamos que o entrelaçamento de seus objetivos - a crítica de arte e a busca de reconhecimento como artista - exerceu influência em seu posicionamento de crítico.

                     9.            É importante ressaltar que as colunas sobre arte no jornal O Estado de São Paulo apenas começavam por essa época, mas tornaram-se logo regulares no período em que Parreiras publicou suas matérias, indicando que a passagem do pintor por São Paulo coincidiu com o nascimento da crítica de arte na imprensa paulista. Isso nos permite lançar a hipótese de que a cidade de São Paulo tornava-se um importante mercado de arte na década de 1890 e que O Estado de São Paulo era um importante legitimador de artistas entre a elite paulista. Parreiras sabia que caminho trilhava, nesse sentido, e fez uso dos recursos que conseguiu alcançar para projetar-se tanto como pintor quanto como crítico.

                  10.            Entre os colaboradores do jornal tratando de Antônio Parreiras destacam-se: o poeta Filinto de Almeida,[8] o qual mantém um diálogo com Parreiras em seguidas edições no mês de agosto de 1894 em torno do pintor Pedro Alexandrino (1856-1942) e da reforma da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA); os redatores-chefe Julio Mesquita e Garcia Redondo; o pintor Benedito Calixto (1853-1927), que publica uma matéria altamente laudatória sobre Antônio Parreiras; e Rodrigo Soares, que publica uma crítica severa à proliferação de obras de arte visando o mercado, destacando jocosamente o nome do pintor Antônio Parreiras nesse sentido.

                  11.            Quanto às matérias do próprio Antônio Parreiras, a maioria foi publicada em momentos nos quais o autor se encontrava na capital paulista para realizar suas exposições de pintura ou para entregar obras encomendadas. Essas exibições em São Paulo ocorreram de forma episódica entre os anos de 1893 e 1895. Em cada ano houve pelo menos uma exibição do pintor com quadros trazidos por ele do Rio de Janeiro. Exposições menores, isto é, com um número reduzido de quadros, foram também realizadas durante esse período em diversos locais particulares da capital paulista que ainda não possuía galerias de arte, tendo por objetivo expor ao público as encomendas feitas ao pintor por fazendeiros da região, sobretudo panoramas e grandes vistas de suas propriedades rurais.

                  12.            Entre as matérias críticas de Antônio Parreiras encontramos diversas referências a artistas contemporâneos seus, como Almeida Júnior, Vitor Meireles, Pedro Américo, Amoedo, Rodolpho Bernardelli e Décio Villares. Seus principais textos críticos, porém, são sobre o pintor Pedro Alexandrino (São Paulo, 1856-1942) e a pintora Bertha Worms (França, 1868 - São Paulo, 1937), havendo também uma longa crítica ao pintor Ferrigno,[9] um texto exaltando o pintor Estevão Silva (1844-1891), e uma série de três longos textos críticos sobre um pintor alemão proveniente de Munique - Wille Reichardt. As matérias de Antônio Parreiras foram escritas por ocasião da exibição de trabalhos por esses artistas, sendo que a realização dessas exposições, segundo o jornal, era algo que havia crescido na década de 1890 e estava intimamente relacionado ao crescimento do mercado de arte na região que enriquecia com o café, o que contribuiu para a formação de um centro artístico na capital.

O crítico Parreiras

                  13.            Conforme Mello (2007, p. 81), um dos traços marcantes da extraordinária expansão da imprensa foi a combatividade, qualidade que identificamos como moderada na crítica de Antônio Parreiras no periódico pesquisado. Duas questões se destacam como as que mais o mobilizavam o pintor: a questão em torno de uma arte nacional e a polêmica sobre a reforma do ensino na ENBA que se seguiu à República.

                  14.            Claramente percebe-se pelos textos de Parreiras, um dos raros artistas brasileiros a viver exclusivamente da sua arte até o final de sua vida, um desejo de o pintor afirmar-se como artista no mercado emergente de arte de São Paulo, valendo-se, para isso, dos meios ao seu alcance, inclusive da crítica na mídia impressa, para que esta lhe servisse de trampolim para os vôos mais altos que ele ambicionava. Isso certamente jogou importante papel para que Parreiras fosse sempre bastante cuidadoso com as palavras. Num estilo diplomático, os textos no jornal O Estado de São Paulo do moderado crítico Parreiras caracterizam-se ora por sua expectativa de uma competência técnica do artista criticado, ora pela identificação de uma afinidade deste com a perspectiva naturalista, percebida por Parreiras como a tendência mais avançada de seu tempo,[10] muito embora o naturalismo na Europa já fosse etapa vencida na última década do século 19.

                  15.            Suas matérias seguem, no geral, o formato epistolar herdado da crítica literária, sendo orientadas por critérios na maioria das vezes impressionistas, posto que baseadas em impressões pessoais e simpatias particulares, mais do que em premissas fundadas em teorias mais elaboradas. Por vezes seus comentários prendem-se a valores pertencentes ao universo cultural mais amplo da época, como, por exemplo, o desejo de ver florescer na arte uma expressão genuinamente nacional, anseio da época, aliás, manifestado não apenas nas artes plásticas, mas na cultura brasileira de um modo geral, sobre o qual tratamos logo adiante.

                  16.            Muitos traços do temperamento de Antônio Parreiras encontrados em seus escritos de épocas posteriores[11] estão também já presentes em suas matérias críticas publicadas n’O Estado de São Paulo, como, por exemplo, a contradição entre uma pretendida humildade de atitude crítica que reivindica manifestar tão somente sua opinião de artista, e uma postura que não hesita em mostrar-se experiente, por vezes professoral, mesmo. A modéstia do pintor, inconfundivelmente uma estratégia de afirmação, pode ser exemplificada por uma crítica de Parreiras ao pintor Ferrigno publicada no ESP de 12/06/1895:

                  17.                                                  Sempre que escrevemos sobre arte, principalmente sobre um quadro, esquecemos completamente que somos artistas. Não predomina em nós a nossa maneira de sentir, nem tampouco as praxes da nossa escola. Vemos o quadro como um simples amador, como um diletante. Se somos bem impressionados, procuramos sempre tornar público o nosso agrado. Se, porém, a visita a uma exposição nos deixou indiferente, guardamos o mais absoluto silêncio.

                  18.                                                  Tenha, pois, em vista este nosso modo de proceder e aceite o leitor o que escrevemos não como uma crítica severa e abalizada, mas sim como uma pura e despretenciosa impressão pessoal.[12]

                  19.            A humildade, porém, subitamente se esvai, tomando-lhe o lugar um tom autorizado, superior: “quando um pintor de talento como Ferrigno pinta um retrato, é quase certo que esse retrato será um quadro” (ESP, 12/06/1895). Ou, em outro exemplo, no aconselhamento visionário a Pedro Alexandrino: “Caminha, caminha, seja a arte o teu único ideal, o trabalho a tua única preocupação, e, um dia, lá para o futuro, receberás os louros da vitória. Avante! Avante!” (ESP, 03/08/1894)

                  20.            Outro traço do crítico Antônio Parreiras é o seu idealismo, exemplificado na crítica ao artista alemão Wille Reichardt (ESP, 21/09/1895):

                  21.                                                  [...] para que a arte brasileira possa progredir é indispensável, é forçoso mesmo, que nos unamos, que reconheçamos em nossos colegas o mérito que possuem, e que não demos ao público o espetáculo tristíssimo de uma guerra mesquinha e indigna de artistas, movida pelo interesse que pudermos conseguir com o nosso trabalho.

O desejo de uma arte nacional: o lugar da paisagem

                  22.            Nas matérias do pintor estão já presentes também algumas de suas posições frente à arte brasileira, veiculadas nos discursos proferidos pelo pintor na Academia Fluminense de Letras, em Niterói, cerca de duas décadas depois.[13] Encontramos freqüentes referências, por exemplo, à necessidade de se desenvolver uma arte nacional que, segundo o autor, deveria privilegiar os elementos genuinamente brasileiros. Ao criticar o pintor de natureza morta Pedro Alexandrino (ESP, 03/08/1894), Parreiras exalta as qualidades do mestre deste pintor - o também paulista Almeida Júnior - ao qual atribui “a excelente qualidade de pintar sempre aproveitando os nossos pitorescos costumes, a nossa história, a nossa grande e incomparável natureza.” Esses valores sublinhando sua crítica aparecem na apreciação que Parreiras faz de um dos quadros de Pedro Alexandrino - Preparativos para o doce - em que afirma que “o quadro ... é simples, naturalíssimo - um fogão, um tacho, um jacá, algumas laranjas e nada mais. Este nada é tudo no quadro de Pedro Alexandrino. Eis o principal prestígio de sua produção” (ESP, 03/08/1894). No mesmo texto crítico, essa premissa reaparece quando Parreiras aborda o gênero natureza-morta:

                  23.                                                  A natureza morta requer, como toda obra de arte, ser surpreendida, e não procurada.

                  24.                                                  Uma vez que se pouse um objeto, por mais talento que tenha o artista, jamais ele terá a nota belíssima da naturalidade; o arranjo aparecerá sempre. E como para mim a arte é uma janela aberta através da qual se vê a natureza, não posso, para ser sincero, deixar de notar nos referidos quadros este pequeno senão, aliás insignificante, para diminuir a minha admiração de que me ocupo neste ligeiro artigo.

                  25.            O culto da brasilidade pelo prisma dos temas nacionais e da natureza brasileira na crítica de Parreiras não escapa, contudo, da contradição e da incoerência que sublinhou nossa produção artística e literária. Na mesma matéria, Parreiras sugere que Pedro Alexandrino “necessita ir ver os quadros dos grandes mestres, necessita ir à Europa”, sob o argumento de que “a influência que exercem no artista os centros europeus é tal, que sem lá ir é quase impossível vencer o termo da aprendizagem”. Percebe-se aí a ambigüidade de uma postura que não consegue libertar-se do paradigma da arte européia, embora privilegie os temas nacionais, na prática um projeto que busca encaixar o assunto nacional (ou regional) numa forma européia consagrada na tradição e na história da arte. As idéias de Parreiras encarnam essa tensão, dominante na cena intelectual brasileira desde meados do século 19 e que se acentua na passagem para o século 20 - uma tensão entre a imitação do civilizado e um nacionalismo forjado por um sentimento que amadurece no país no sentido de pensar o Brasil por si mesmo, suficientemente potente para realizar seu papel de nação moderna, com suas peculiaridades, frente às demais nações civilizadas. Nesse afã, emerge uma contradição que foi, aliás, bem observada pelo crítico literário Antônio Cândido (2006, p. 179), “entre o orgulho de ser criador de algo novo, e o desejo de ter uma velha prosápia”. Essa contradição, aliás, parece não nos abandonar até hoje.

“Novos” e “velhos”

                  26.            Há na crítica de Antônio Parreiras uma revolta diante da chamada Reforma Bernardelli do ensino da Escola Nacional de Belas Artes (ESP, 07/08/1894), a qual, segundo Filinto de Almeida (ESP, 04/08/1894), com quem Parreiras troca publicamente uma série de cartas sobre o assunto, enfatizou métodos já ultrapassados de ensino de arte e, uma vez mais, privilegiou a arte européia, com professores brasileiros demitidos e substituídos por outros professores, oriundos da Europa. Filinto de Almeida lamenta a reforma, segundo ele próprio “a Marquês de Pombal”, que teria causado dissensão entre os artistas, posto que Rodolpho Bernardelli, na qualidade de diretor da ENBA, “importou da Europa vários professores para diversas cadeiras da nova Escola, com preterição a artistas nacionais habilitados”, motivando, em conseqüência, a recusa de artistas como Pedro Américo, Vitor Meireles, Décio Villares, Aurélio de Figueiredo, Pedro Peres, Belmiro de Almeida e o próprio Antônio Parreiras de participar de exposição da ENBA.[14] Filinto de Almeida evoca o mundo europeu da arte lamentando que os artistas revoltosos não tenham se unido para organizar uma exposição paralela,

                  27.                                                  que pudesse ser contrastada com a exposição oficial da Escola - como há alguns anos fizeram em França os desgostosos do salon de Paris, com Puvis de Chavannes à frente, antepondo ao concurso oficial do Palácio da Indústria o concurso livre do Campo de Marte.

                  28.            Para Filinto de Almeida, não expor na ENBA, mas sim organizar uma exposição alternativa, teria sido a forma correta de os artistas congregados contribuírem para o progresso da arte brasileira e provarem “definitivamente a inutilidade ou, ao menos, o pouco valor da Escola” e “o tão malsinado ensino oficial, contra o qual, aliás, foi Rodolfo Bernardelli um dos primeiros a protestar em tempo”.

                  29.            Antônio Parreiras, em longa carta (ESP, 07/08/1894), responde a Filinto de Almeida que a importação de professores estrangeiros não havia sido a maior razão da discórdia entre os artistas da Escola e nem de seu (dele, Parreiras) afastamento do ensino naquele estabelecimento. A verdadeira razão da confusão que então reinava na Escola, segundo Parreiras, devia-se à reforma do ensino naquela instituição realizada por iniciativa do governo, episódio em que Bernardelli teria se revelado antiético e oportunista. A reforma do ensino de arte quando da queda do Império e instauração do regime republicano buscava dar uma resposta à forte crítica que se fazia à época à Escola e seus métodos, uma crítica que vinha sendo travada no meio literato e na imprensa liderada por Pardal Mallet, na Gazeta de Notícias, e José do Patrocínio e Bastos Barboza, no periódico Cidade do Rio, tendo se instaurado um debate com foco no que eram chamados os novos e os velhos da Academia, conforme o pintor. Tratava-se de um debate instaurado já anteriormente à República, sendo o momento que se seguiu à Proclamação percebido como uma oportunidade de renovação.[15]

                  30.            É difícil captar as verdadeiras premissas do debate acima referido a partir da carta de Parreiras a Filinto de Almeida publicada na edição de 07/08/1894 d’O Estado de São Paulo. Não se consegue captar exatamente sobre quais pressupostos essa polarização entre “velhos” e “novos” se configura, e muito menos se consegue perceber uma coerência nessa polarização, indicando em tudo isso haver, na verdade, um incipiente amadurecimento de propostas que impedia um embate de contornos mais definidos. Por exemplo, qual era exatamente a proposta dos “novos” (ou modernos)? Em que medida seu suposto projeto era coeso e, como tal, repelido pelos chamados “velhos” (ou antigos)? Parreiras afirma que, como professor da cadeira de paisagem, que assumiu em 1891, adotou “métodos modernos” em suas aulas: “[rompi] logo com todas as convenções e com todo carrancismo do ensino antigo, instalando minha aula ao ar livre”. Destaca-se dessa sua afirmação a premissa da observação empírica do mundo natural como fator de novidade, ou, melhor dizendo, de modernidade, em oposição à idealização, esta entendida como um indicador de passadismo. Essa premissa sublinha a postura crítica de Parreiras em diversas ocasiões nas matérias publicadas n’O Estado de São Paulo, indicando que o pintor era bem sensível à penetração de valores da ciência no mundo da arte do final do século 19. Mas não era só isso. Para um mercado de riqueza recentemente formada, como era a riqueza do café, de ilustres emergentes sem uma iniciação na cultura humanista erudita da arte voltada aos temas mitológicos e históricos, o gênero da paisagem era de melhor receptividade, sobretudo se a paisagem abordada fosse aquela que produzia a riqueza dos compradores - sua propriedade. E Parreiras sabia muito bem disso.

                  31.            Mas, teria de fato ocorrido, no âmbito da ENBA, um confronto amadurecido de visões quanto ao método de ensino baseado na polaridade observação/idealização? Isso foi de fato um dilema a atravessar a reforma do ensino artístico que se seguiu à República? Tudo parece nos indicar que a revolta dos artistas não era, na verdade, contra a Academia e suas doutrinas. Sendo ainda recente o ensino acadêmico no Brasil, não havia entre nós um peso da tradição, como na França, que justificasse a revolta nos termos narrados por Antônio Parreiras. É certo que, ainda que de forma distante, ao Rio chegavam da França os rumores da constituição da arte como um campo autônomo, reivindicando o direito de definir os princípios de sua legitimidade, cujo ápice seria a queda da Academia e do Salon. Isso tudo certamente influenciava uma atitude de revolta aqui cujo epicentro nos era, todavia, distante e estranho.Quer nos parecer, porém, que a revolta na ENBA era muito mais uma manifestação impulsionada pelo ambiente das idéias da época e pelo que a Academia significou para o Império como instituição de legitimação do poder do que uma decorrência de posicionamentos coesos e maduros se confrontando sobre métodos de ensino artístico.

                  32.            Temos também elementos para pensar que, por outro lado, não era assim tão inovadora a visão crítica de uma arte mais sensível aos valores da ciência positiva, observadora da realidade empírica em busca de inspiração no mundo visível. Traços desse debate já aparecem entre nós quando das primeiras teorizações sobre o gênero artístico da paisagem mescladas ao esforço de construção da identidade nacional, as quais dominaram as preocupações artísticas e literárias do século 19, como já observado. Nosso país, então recentemente independente, indagava sobre seu futuro de país escravocrata, mestiço e tropical quando Araújo Porto-alegre colocou essa preocupação no meio artístico acadêmico em 1855 ao procurar desenvolver entre os professores da Congregação da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) conjecturas referentes à arte em relação ao Brasil e aos progressos do mundo.[16] Suas preocupações colocavam uma dúvida sobre as possibilidades de uma arte brasileira no sentido de uma escola que evidenciasse um caráter tipicamente brasileiro, sua novidade residindo em procurar na arte uma expressão que se afastasse do passado colonial dependente do país e que exprimisse uma nova ordem, a do Brasil independente em busca da sua identidade como nação frente às demais nações do mundo. Porto-alegre destaca a paisagem como aquele gênero artístico no qual a brasilidade da arte do país melhor poderia emergir, desde que trazendo para a expressão pictórica a floresta, as matas e outros componentes da paisagem nativa brasileira, evocados em sua singularidade sem paralelo diante de outras paisagens do mundo. Ao colocar suas teses para a Congregação da AIBA, Porto-alegre chega a levantar como questão a utilidade para o paisagista do estudo das ciências da Botânica e da Geologia,[17] evidenciando com isso um profundo esforço na direção de se galvanizar um novo método de ensino e a adoção de princípios de trabalho que contribuíssem para uma arte genuinamente brasileira.[18]

                  33.            Como é possível perceber pela crítica de Antônio Parreiras, persiste na década de 1890 a idéia da arte de paisagem como um fator de modernidade e sua prática como o caminho para a nacionalização da arte brasileira em sua busca de uma ruptura com o passado colonial de atraso e subjugo. O crítico Félix Ferreira era outro que não tinha dúvida de que uma escola brasileira de pintura se afirmaria entre nós essencialmente no campo da “paisagem”, para a qual abundavam os exemplos no país de tão variada natureza. Segundo ele,

                  34.                                                  É da natureza que os nossos pintores têm de haurir todo o nosso engrandecimento artístico futuro; é na contemplação e no estudo desses primores que o Criador derramou as mãos pródigas por essa terra em que nascemos, que o artista encontrará os elementos da verdadeira Escola Brasileira. Quanto mais nos vamos afastando do período da guerra do Paraguai, mais se vai extinguindo o entusiasmo popular por essas heroicidades de Riachuelo e Avay; eis porque os quadros dos Srs. Pedro Américo e Vitor Meireles que tratam de tais assuntos vão pouco a pouco caindo no olvido ou na indiferença.[19]

                  35.            No meio artístico buscava-se uma arte que melhor expressasse a nacionalidade brasileira e a paisagem parecia servir a esse objetivo por sua dimensão atemporal, descolada do passado colonial, da escravidão e do domínio imperial que se estendeu até a última década dos oitocentos, questões traumáticas da nossa história que permaneciam não resolvidas. E é desse caldo de cultura impressa que estava se formando no Brasil que Antônio Parreiras extrai as premissas de sua crítica, destacando-se sua defesa da arte de paisagem praticada a partir da observação empírica, esta sendo percebida pelo pintor como indicador do moderno, ou do novo, em nossa arte. O pintor destaca, inclusive, o papel do público nesse sentido, conforme seu segundo texto crítico sobre o artista alemão Wille Reichardt (ESP, 21/09/1895) no qual considera ser do público a responsabilidade por estimular o artista para pintar temas da realidade local (regional, nacional):

                  36.                                                  Para conseguir-se a alma brasileira é necessário ferir fortemente a nota sentimental - ir direto ao coração deste povo bom e, depois, aos poucos enfraquecer a intensidade da nota e cautelosamente se lhe vão impondo os quadros simples da vida real, que não são mais do que o espelho da verdade onde a alma do artista vibra soberanamente através de uma cena simples, sem o idealismo dos pintores antigos, sem o fogo de artifício dos pintores da Renascença.

                  37.            Infelizmente Antônio Parreiras não desenvolve a questão acima mais profundamente, embora sobre ela tivesse um posicionamento próprio[20]. Mas, tanto quanto se pode perceber, sua visão, prevalecente e ainda em voga em nosso país ao final do século 19, era a de uma celebrada aliança de pitoresco e patriotismo, um “brasileirismo” que, nas palavras de Schwarz (2000, p. 9), “se revelava uma prisão para a inteligência”, como se uma arte brasileira e um pintor brasileiro só pudessem existir se tratassem de índios, caipiras ou de roça, num meio crítico em que lhe era vedado manifestar-se sobre temas mais gerais, mais universais, transcendentes de nossas peculiaridades regionais e de nossa natureza física.

A Reforma Bernardelli e novamente a questão do nacional

                  38.            O tema do nacional volta sempre à baila nas matérias críticas do pintor Antônio Parreiras. Além de ligá-lo à idéia da paisagem e do método empírico (“moderno”), ele volta a ela a todo momento, como na matéria de 07/08/1894 d’O Estado de São Paulo, em que o pintor relata a Filinto de Almeida sua indignação para com Rodolfo Bernardelli e seu oportunismo que acabou levando-o à direção da ENBA. Conforme seu relato, Bernardelli havia formado com os pintores Décio Villares e Aurélio Figueiredo um grupo que reivindicava mudanças na Academia. O escultor, porém, teria se unido depois a Amoedo e se apropriado de um texto de reforma elaborado pelo diretor interino da Escola, o conselheiro Ernesto Gomes Moreira Maia[21]. O oportunismo do episódio causou profunda indignação a Parreiras, pois Maia era chamado de antigo pelos dois artistas, que se auto-proclamavam modernos. Indignado também com a incoerência de Bernardelli, que aceitou assumir a direção da Escola deixando de lado as reivindicações dos colegas por modernização, Parreiras deixa-nos uma pista de que o que se pretendia com a reforma do ensino e a busca de um ensino moderno era, na verdade, uma nacionalização da Escola, esta significando um corpo docente de professores brasileiros.

                  39.            Novamente temos aqui a questão da nacionalidade, permanecendo a dúvida de se esse objetivo se concretizava num corpo de professores meramente nascidos no Brasil, e, assim, nacionais em sua origem, ou se por “brasileiros” se entendia aqueles professores comprometidos com assuntos brasileiros - natureza, matas, paisagens nativas. É interessante observar que a questão de uma forma brasileira e de uma expressão brasileira, independente do assunto tratado na pintura, não estava presente nesse debate. O debate circunscrevia-se exclusivamente à dimensão temática, ao assunto.

                  40.            Conforme Parreiras, ainda na mesma matéria

A opinião pública esperou ainda, na expectativa de que o Sr. Bernardelli aproveitasse os elementos nacionais para reformar o ensino. Mero e triste engano! Do grupo só um ou dois artistas foram aproveitados; os mais vieram da Itália até para as cadeiras mais insignificantes, lançando assim naquele país a idéia de que no Brasil não havia artistas que pudessem ensinar meninos.

                  41.            E, mais adiante, prenuncia Parreiras: “Dia virá em que aquela academia bem merecerá o nome de nacional ...” O pintor pondera, contudo, que enquanto muitos artistas se afastaram da Escola, voltando-se para seus ateliês ou, como ele, retirando-se temporariamente para um contato mais direto com a natureza e inaugurando a escola “Ao Ar Livre”, como ele chama sua prática artística e o ensino de arte realizado por ele nas cercanias de Teresópolis, Bernardelli permaneceu “preso pelas garras do mesmo [ensino] oficial, imposto pelo regulamento de 1856”.[22] O troco, no entanto, veio a seguir, segundo Parreiras, quando a direção da Escola buscou captar obras para a Exposição de Chicago (1893) e para a exposição que Amoedo buscou organizar. Parreiras regozija-se em constatar que a nova direção da ENBA não conseguiu obras para se fazer representar, enquanto que os dissidentes reuniram grande número de telas e expuseram seus trabalhos em dois salões do Paço Imperial. Pergunta o pintor (ESP, 07/08/1984):

                  42.                                                  Que fizeram os professores que da Europa vieram?

                  43.                                                  Que fez até hoje a Escola? Onde [estão] os seus alunos? Onde [estão] as suas produções? Estão ainda na Itália. Talvez que um dia a diretoria da Escola mande importar também os quadros, como já fez com os professores.

                  44.            Parreiras considera que toda a situação de total desentendimento por que passou o ensino na ENBA após a República adveio das medidas tomadas pela direção, apontando Bernardelli e Amoedo como seus autores. Conforme Parreiras (ESP, 09/08/1894), num tom de superioridade:

                  45.            Fazem doutores, e não pintores; estudam-se ciências, e não arte; fazem preleções, e não desenhos; estuda-se na Escola tudo, menos pintura, e quando chega a época de uma exposição, a Escola não tem trabalhos para expor, e vem pedi-los a nós, que estamos cá fora, que a salvemos.

                  46.            Parreiras, no entanto, considera em matéria de 09/08/1895 do ESP que a dissidência dos artistas em protesto contra a direção da Escola e sua reforma, além de carecer de verdadeiras causas e empunhar bandeiras reconhecíveis, na verdade produziu um mal bem grande para todos,

                  47.                                                  porque separados tornamo-nos fracos, porque separados negamos à Arte a nossa força, o nosso trabalho.

                  48.                                                  Somos tão poucos, tão limitado é o número de artistas no Brasil, que para o desenvolvimento da arte nacional não podemos dispensar o mais pequeno auxílio.

A crítica de Antônio Parreiras e o campo artístico de São Paulo

                  49.            Cumpre enfatizar que, paralelamente às críticas de Parreiras, foram publicados n’O Estado de São Paulo muitos artigos sobre o pintor no período entre 1893 e 1898. De fato, as exposições do artista em São Paulo receberam grande atenção do jornal que cobria desde os preparativos de Parreiras para a viagem até as visitas que este fazia a diferentes pontos do estado após as exposições. As exposições de Parreiras receberam, invariavelmente, cobertura diária, desde a abertura até a cerimônia de encerramento. Com informações detalhadas, notas no jornal informavam diariamente o número de visitantes e, entre esses, o nome das figuras mais destacadas, os quadros vendidos e o nome de seus compradores, além de descreverem, a cada dia, um dado número de quadros do pintor de tal modo que, ao encerrar-se a exposição, todos os seus quadros haviam sido descritos.

                  50.            Mas as exposições de Parreiras não serviam apenas para vender seus quadros em São Paulo, como assumimos. Elas significaram também importante oportunidade para a realização de encomendas de novas obras, observando-se entre os visitantes um grupo de fazendeiros, políticos e membros da elite paulistana que freqüentaram as exposições todos os anos, adquirindo e fazendo-lhe encomendas. Destacam-se, por exemplo, a presença do governador do estado acompanhado de sua família nas cerimônias de abertura e encerramento, e também alguns nomes de colaboradores importantes do jornal, como o poeta Filinto de Almeida, já observado, e os redatores-chefe Julio Mesquita e Garcia Redondo, os quais não poupavam referências constantes a Parreiras.[23] A partir desses dados podemos inferir que a cidade de São Paulo era já um importante mercado de arte durante a década de 1890 e que O Estado de São Paulo, com suas colunas sobre arte, era um importante legitimador de artistas entre a elite paulista e agente importante na formação da opinião pública. Durante esse período o jornal publicou também artigos sobre a exposição de outros artistas, como Benedito Calixto, Pedro Alexandrino, Almeida Junior, Bertha Worms, João Baptista Castagneto e Wille Reichardt, daí a explicação para as matérias críticas sobre esses artistas acima referidas. A realização dessas exposições, segundo o jornal, eram algo que havia crescido na década de 1890, sendo esse crescimento do mercado de arte na região o que contribuiu para a formação de um centro artístico na capital e o surgimento de uma crítica de arte e a formação de uma opinião pública sobre arte. Se para Parreiras era importante atuar na capital paulista para vender seus quadros, para São Paulo sua presença no mercado de arte, intimamente relacionado à riqueza advinda com o café, trazia maior dinamismo para a esfera pública e incrementava a prática de uma crítica de arte estreante naquele centro artístico emergente que viria a tornar-se uma importante instância de consagração.

Referências bibliográficas

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MACHADO, Humberto Fernandes. Imprensa abolicionista e a censura no Império do Brasil, Mônica Leite Lessa e Silvia Carla Pereira de Brito Fonseca, Entre a Monarquia e a República: imprensa, pensamento político e historiografia (1822-1889). Rio de Janeiro: Eduerj, 2008, pp. 243-259.

MELLO, Maria Tereza Chaves de. A República Consentida. Rio de Janeiro: FGV-Edur, 2007.

MORALES DE LOS RIOS Fº, Adolfo. O Ensino Artístico - subsídios para a sua história: 1816-1889, Anais do Terceiro Congresso de História Nacional, outubro/1938 (Boletim do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942.

O Estado de São Paulo. Edições dos anos de 1893 a 1898 em microfilme. Acervo da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

PARREIRAS, Antônio. 1998. História de um pintor contada por ele mesmo. Niterói Livros/Fundação de Arte de Niterói.

SALGUEIRO, Valéria. Antônio Parreiras: notas e críticas, discursos e contos - coletânea de textos de um pintor paisagista. Niterói: EdUFF, 2000.

SALGUEIRO, Valéria; TELLES, Lucas Travassos. Entre a tradição acadêmica e o modernismo: a crítica de arte de Antônio Parreiras na Academia Fluminense de Letras, in TEMPO/Departamento de História, vol. 8, n° 16, jan. 2004, pp. 115-141. Rio de Janeiro: 7 letras/EdUFF, 2004.

SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2000.

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* Professora associada da UFF, doutora em História Social/USP, pesquisadora do CNPq.

[1] A pesquisa do jornal O Estado de São Paulo contou com a colaboração de Lucas Travassos Telles, graduando em História da UFF e então bolsista da FAPERJ de Iniciação Científica.

[2] No Brasil, conforme Machado (2008, p. 247), “somente a partir do final da década de 1870 se desenvolveu uma imprensa atuante nos principais centros urbanos”.

[3] EAGLETON, 1993, p. 9.

[4] ARENDT, 1987, p. 1.

[5] EAGLETON, 1993, p. 29.

[6] Como bem observou Bourdieu (2002, p.69-70), os diretores de jornais “são personagens aduladas, que ninguém ousa desafiar, especialmente entre os escritores e os artistas que sabem que um artigo em La Presse ou Le Figaro cria uma reputação e abre um futuro”.

[7] Antônio Parreiras, História de um pintor contada por ele mesmo. Cf. PARREIRAS, 1998.

[8] Francisco Filinto d’Almeida (1857-1945): jornalista, poeta, cronista e teatrólogo português. Fixou-se no Rio de Janeiro a partir de 1868. Casou-se com a romancista Júlia Lopes de Almeida, em Lisboa. Colaborou no jornal literário A Semana, escrevendo crônicas e sonetos. Trabalhou como redator de A Província de São Paulo, depois transformada em O Estado de São Paulo, de 1889 a 1895. Foi deputado na Assembléia Legislativa de S. Paulo, de 1892 a 1897. Colaborou em A América (1879-1880), de que foi diretor, O Besouro (1878-1879), O Combate (1880), Folha Nova (1882), A Estação (1883), A Semana (1885-1887), O Mequetrefe (1886), todos do Rio de Janeiro; e no Diário de Santos (1898-1899) e A Comédia (1881), de São Paulo. No Rio de Janeiro foi proprietário do jornal Diário do Comércio, surgido em 1889.

[9] Antônio Ferrigno (Itália, 1863-1940). Nos doze anos em que permaneceu em São Paulo, entre 1893 e 1905, Ferrigno pintou paisagens paulistanas do interior e do litoral, bem como cenas de gênero retratando personagens populares. Diversas telas suas do litoral retratam praias de Santos, São Vicente, Guarujá e Caraguatatuba, tendo sido expostas numa exposição individual no ano de 1905. Da capital paulista, Ferrigno pintou, sobretudo, a paisagem urbana. Há uma tela sua no acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

[10] Conforme é perceptível no epígrafe do presente texto.

[11] Para uma coletânea de textos de Antônio Parreiras (notas, contos, discursos etc), ver SALGUEIRO (2000).

[12] Grifos do autor.

[13] Ver trabalho publicado sobre os discursos de Antônio Parreiras na Academia Fluminense de Letras em Salgueiro e Telles (2004).

[14] Filinto de Almeida se refere à Exposição Geral de 1890 (Cfr. link).

[15] O Cidade do Rio, pertencente a Patrocínio desde o final de 1887, teve papel abolicionista combativo e liderou agressiva luta contra Pedro II (MACHADO, 2008, p. 250). Sendo a estrutura monárquica e seu representante alvo de ferrenhos ataques por esse jornal, recaiu também sobre os pintores da AIBA, esta dependente direta da ação do Imperador, muito da ira e das acusações feitas no Cidade do Rio e em outro jornal seu, a Gazeta da Tarde.

[16] Na reunião da Congregação de 27 de setembro de 1855, Araújo Porto-alegre propôs a criação de um jornal de belas-artes e apresentou aos professores (Cfr. link) a serem desenvolvidas por cada um deles, entre elas a de que, “para que o Brasil formasse uma escola sua, que princípios deveria adotar a Academia como cânones invariáveis para que obtivesse o caráter peculiar que merecesse o nome de escola, sem, contudo, precipitar-se no estilo amaneirado?” Cf. ANTUNES, 1943, p.160.

[17] Cf. MORALES DE LOS RIOS Fº, 1942, p. 249. Porto-alegre era um homem iluminado, de variados interesses, e certamente um leitor de diferentes temas e assuntos, conhecedor do naturalista alemão Alexander von Humboldt, que em sua obra Cosmos (Cosmos. A Sketch of a Physical Description of the Universe. London: George Bell and Sons, 1886, vol. II) defendeu a importância da ciência da Botânica para o progresso da arte de paisagem.

[18] O mecenato de Pedro II e a situação de guerra do Brasil com o Paraguai anos depois não pareciam, porém, favorecer muito esse gênero de pintura voltada à observação empírica, aos moldes da Escola de Barbizon, na França, e dos pintores do Rio Hudson, nos Estados Unidos. Na verdade, o mecenato do imperador destacou-se, sobretudo, pela valorização da pintura de história, com os pensionistas brasileiros que iam estudar na França em viagens de aperfeiçoamento recebendo ainda uma grande influência daquilo que era sucesso nos salões de arte parisienses - a arte oficialmente reconhecida de Cabanel e de seu círculo. Cf. BAEZ, 1986, p. 9.

[19] FERREIRA, 1885, pp. 224-225.

[20] Esse posicionamento do pintor reaparece novamente, de forma mais elaborada, em outra oportunidade, em Pedro, o peixeiro, conto em que o pintor exercita forte crítica lusófoba e anticlerical. Ver SALGUEIRO, 2000.

[21] Maia assumiu interinamente a direção da AIBA em 1888.

[22] Refere-se Parreiras à chamada Reforma Pedreira (Cfr. link), que não foi de 1856, mas sim de 1855, elaborada sob a responsabilidade de Araújo Porto-alegre e que orientou o ensino da Academia até a queda do Império.

[23] Filinto de Almeida se afastou d’ O Estado de São Paulo em 1895, quando se mudou para o Rio, o mesmo ano da última exposição de Parreiras em São Paulo.