A pintura brasileira do século XIX - Museu Mariano Procópio *

Vanda Arantes do Vale **

VALE, Vanda Arantes do. A pintura brasileira do século XIX - Museu Mariano Procópio. 19&20, Rio de Janeiro, v. I, n. 1, mai. 2006. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/mprocopio.htm>.

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O objeto de nossa pesquisa é o acervo de pintura brasileira (143 telas), executadas por artistas nascidos durante o século XIX, e que se encontra no Museu Mariano Procópio em Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.  Preocupou-nos, na elaboração deste texto, o destaque da formação intelectual destes artistas, segmento social onde foram recrutados e a referendação ou não da sociedade da época aos seus trabalhos.  Procuramos entender o contexto social onde estes trabalhos foram criados, circularam como mercadorias e o significado de suas presenças no museu em estudo. Pela exiguidade de espaço, faremos de forma sucinta a apresentação do contexto nacional do período, enfatizando as idéias dominantes na organização das instituições nacionais entre os anos de 1870 a 1930.  O acervo em estudo, pertence ao Museu Mariano Procópio em Juiz de Fora, a "Manchester Mineira", epíteto dado à cidade por suas características industriais. Apresentaremos os aspectos essenciais desta sociedade, que se organizou espacialmente e institucionalmente em oposição à sociedade colonial.

Tentaremos fazer a leitura destes quadros, como um texto onde estão presentes elementos que explicam, além de seus aspectos formais, a presença destes no museu de Juiz de Fora.  O museu em estudo, organizado de 1900 a 1930, constitui-se em importante amostragem do universo simbólico na reordenação de relações sociais, econômicas e institucionais no Brasil de 1870 a 1930. Identifica ainda, o imaginário que os grupos dirigentes queriam fazer de si e do país.

BRASIL - JUIZ DE FORA (1880 -1930)

A independência das Treze Colônias Americanas, em 1776, a Revolução Francesa, de 1789, são os fatos mais conhecidos que evidenciam os traços de uma nova época, marcos factuais do mundo capitalista industrial.  Novos símbolos visuais deveriam ser criados para o universo das revoltas coloniais, nacionalismos, rebeliões populares, anticlericalismo e racionalismo, elementos identificadores do Liberalismo.  A arte sacra do universo formado pelo Pacto Colonial deveria ser laicizada. No Novo Mundo, as elites locais fizeram as independências nacionais, em sua maioria de 1811 a 1825, norteadas pelas ideias liberais inglesas e francesas. Artistas europeus, com formação nas Academias de Belas Artes, foram contratados para a montagem das iconografias dos novos estados.

Sinais do liberalismo no Brasil podem ser detectados em medidas administrativas tomadas após a transferência da Corte para o país em 1808.  Atos administrativos como a abertura dos portos, permissão para a instalação de manufaturas, doações de sesmarias em áreas despovoadas, instalação dos primeiros imigrantes, Escolas de Medicina do Rio e Bahia, Imprensa Régia, Banco do Brasil, identificam modificações substitutivas da organização colonial.  A contratação do grupo de artistas e estudiosos que ficou conhecida como Missão Francesa de 1816 assinala o desejo de se montar no país, uma nova organização simbólica, substitutiva da colonial. O artesão-santeiro da colônia deveria ser substituído pelo artista intelectualizado do vice-reinado e posteriormente do país independente.

O ensino artístico atrelado ao Governo Imperial foi um de seus sustentáculos ideológicos; ambos inadequados ao final do século XIX, quando foi proclamada a República e a disciplina neoclássica entrou em declínio. A ligação do ensino acadêmico no Brasil com o Império pode ser percebida na divisão que Adolfo Morales de Los Rios (1942, p. 7)  faz do mesmo: 1816 a 1826, “preparação”; 1827 a 1840, “encaminhamento”; 1841 a 1860, “consolidação”; e de 1861 a 1890, como “caracterização”. Segundo  Taunay:

[...] Ao empirismo, ou automatismo dos processos correntes de aprendizagem artística e   profissional, substituiu uma metodologia. Terminava a época antididática e iniciava-se a de caráter didático.

[...] na pintura - o antigo, a mitologia e a história substituíram a obra quase que exclusivamente sacra dos "santeiros" pictoriais da colônia e do último Vice-Reinado (TAUNAY; 1983, p. 49).

O Brasil, até a década de 70 do século XIX, foi uma sociedade de poucos homens livres-brancos, uma imensa maioria negra-escrava e uma camada média sem expressão. Esta organização retardou o aparecimento de um mercado de bens artísticos, o que já existia na Europa desde o século XVI.  Até a década de 1860, a aquisição de obras de arte ficou na órbita do governo imperial. Nos anos 1870, aumentou-se a circulação de mercadorias artísticas, graças ao lucro com o plantio e comércio do café, mudando-se o quadro no comércio de arte. Como as telas por nós estudadas, em sua maioria, são de artistas atuantes de 1870 a 1930, e estas datas também identificam a industrialização de Juiz de Fora, sobre o período faremos algumas observações nos próximos parágrafos.

Em nossos estudos sobre a pintura brasileira de inícios do século XIX (1995), dentre vários aspectos detectados na mesma, chamou-nos a atenção a quase total ausência de negros como temática. Percebíamos no atrelamento ao estado da Missão Francesa-Academia Imperial de Belas Artes-Escola Nacional de Belas Artes, o desejo de se montar uma iconografia laica, racional e branca do país. Contudo, faltavam-nos informações que corroborassem nossas observações. Esta questão foi resolvida com a leitura do livro O Espetáculo das Raças de Lilian Schwarcz.

Os estudos de Schwarcz (1993) mostram que a Razão Científica, porta-voz do Capitalismo Industrial, postulada como neutra, descobriu, nas características e peculiaridades étnicas, justificativas para as políticas expansionistas e nacionalistas de paises europeus. Em países como o Brasil, apontado na época como caso único de miscigenação, “homens de ciência”, formularam teorias que, na prática referendavam a dominação econômica e as desigualdades sociais.

A discussão racial envolveu as instituições brasileiras de 1870 a 1930. O assunto foi abordado nos estudos de frenologia dos Museus Etnográficos, na leitura dos germânicos pela Escola de Recife, na análise liberal da Escola de Direito de São Paulo, no meio católico evolucionista dos Institutos Históricos e  Geográficos, nas questões eugênicas  das Faculdades de Medicina e no ensino artístico da Academia Imperial de Belas Artes-Escola Nacional de Belas Artes, como falamos anteriormente. Instituições criadas ou reorganizadas como parte do aparato urbano que se estava implantando e contemporâneas à preocupação da intelectualidade com o reconhecimento de uma identidade nacional.

As instituições anteriormente mencionadas funcionaram como instrumentos ideológicos para a inserção do Brasil na ordem capitalista. A Abolição, em 1888 e a República, em 1889, foram modernizações institucionais que garantiram a permanência no poder, das oligarquias do Império até 1930. As fraturas desta organização se fizeram visíveis, com o movimento dos Tenentes em 1922, 1924 e 1926, a fundação do Partido Comunista e a Semana de Arte Moderna em 1922.

Juiz de Fora, cidade industrial, "Manchester Mineira", organizada após a década de 60 do século XIX, constitui-se um ícone das forças econômicas e sociais que puseram abaixo, resquícios coloniais que adentraram no Brasil pelo século XIX.  Cidade nascida em decorrência da abertura do Caminho Novo (século XVIII), plantio do café após 1840 e industrializada de 1870 a 1930. A industrialização da cidade deu-se no contexto denominado Capitalismo Monopolista por alguns economistas, como João Manuel Cardoso de Mello (MELLO; 1984, p. 35) , e , a  implantação de indústrias em cidades como  Juiz de Fora é identificada como industrialização  tardia da América Latina.

Em Juiz de Fora, foram fatores da industrialização: a transformação da força de trabalho em mercadoria (assalariamento), tornando-a farta através da imigração; criação de um mercado interno, no caso o café, gerando a necessidade e a capacidade de se importarem alimentos, meios de produção e bens de consumo; condições favoráveis de financiamento governamentais; baixos salários; isenção tarifária concedida à importação de máquinas e equipamentos. Neste quadro foi possível então, surgirem indústrias de bens de consumo, especialmente a têxtil. O memorialista Pedro Nava (1901-1983) identificou a  Rua Halfeld como um divisor geográfico dos grupos sociais da cidade:

A Rua Halfeld desce como um rio, do morro do Imperador e vai desaguar na Praça da Estação. Entre sua margem direita e o alto dos Passos, estão a Câmara; o Forum; a Academia de Comércio com seus padres; o Stela Matutina, com suas freiras; a Matriz com suas irmandades; a Santa Casa de Misericórdia, com seus provedores; a cadeia com seus presos (testemunhas de Deus-contraste das virtudes do Justo)- toda uma estrutura social bem pensante e caferdenta que, se pudesse amordaçar a vida e suprimir o sexo, não ficaria satisfeita e trataria ainda, como na frase de Rui Barbosa de forrar de lã o espaço e caiar a natureza de ocre.

Já a margem esquerda da Rua Halfeld marcava o começo de uma cidade mais alegre, mais despreocupada e mais revolucionária.  O Juiz de Fora que se dirigia para as que conduziam a Mariano Procópio era, por força do que continha, naturalmente oposto e inconscientemente rebelde ao Alto dos Passos. Nele estavam o Parque  Halfeld e o Largo do Riachuelo, onde a escuridão noturna e a solidão favoreciam a pouca vergonha. Esta era mais desoladora ainda nas vizinhanças da linha férrea, onde a rua Hipólito Caron, era o antro de treponemas. Havia fábricas, como a do Eugeninho Teixeira Leite, e a Mecânica, onde homens opacos se entregavam a um trabalho que começava cedo e acabava  tarde no meio de apitos de máquinas e palmadas de couro nas polias.  Foi dali e do Largo do Riachuelo que vi, uma dia bando escuro vir desfilar desajeitadamente na  Rua Direita, com estandartes, cantos e bandeiras (tão lento que parecia   uma procissão !) e ser dispersado a espaldeiradas diante da casa de minha avó que aplaudia da janela a destreza dos policiais.  Ouvi pela primeira vez a palavra greve - dita por uma das minhas tias, tão baixo e com um ar de tal escândalo, que pensei que fosse uma indecência igual às que tinha apreendido no Machado Sobrinho e corei até as orelhas (NAVA; 1973, p. 14).

As instituições mapeadas por Nava identificam a organização de uma sociedade industrial.  Cidade laica e possuidora de instituições necessárias a seu funcionamento. Estes fatos fizeram da cidade um centro urbano não somente diferente, mas oposto aos núcleos populacionais coloniais.  Cidade que, além dos descendentes de portugueses e africanos, teve na formação de sua população, a presença de diversas correntes imigratórias, com destaque em ordem cronológica, para os alemães, italianos, sírios e libaneses.  Marca a cidade também o pluralismo religioso, além de numerosos espíritas fazem parte da história educacional de Juiz de Fora: o colégio católico - Academia de Comércio e o metodista Granbery.

No Ocidente, a organização dos museus deu-se junto à elaboração dos marcos simbólicos da hegemonia burguesa . Em 1753, a Inglaterra  abriu o estatal  British Museum ao público.  Em 1793, o Museu Francês do Louvre, abriu suas portas à visitação pública e gratuita.  A criação de museus como suportes visuais dos avanços do capitalismo  e símbolos de formação de imaginários nacionais pode ser percebida nos estados germânicos do século XIX, como um dos esforços para sua unificação.  Percebemos no mapeamento da industrialização, a criação de museus como parte do aparato institucional da mesma.  Pelas especificidades de Juiz de Fora, não é de se estranhar a presença de um museu com as características do  Mariano  Procópio.

A história do Museu Mariano Procópio é indissociada à de Juiz de Fora.  Mariano Procópio Ferreira  Lage  (1821-1871) foi um dos pioneiros da cidade. Nome ligado à construção da estrada União e  Indústria (BASTOS, 1991, p. 14-19) para a qual contratou imigrantes alemães que marcaram profundamente a industrialização da cidade.  Nas proximidades  das oficinas ligadas à construção da estrada, construiu a “Villa” sede do Museu que recebeu o seu nome.  Inaugurada em 1861,  na mesma data da estrada União e indústria, a casa foi projetada pelo engenheiro alemão Carlos Augusto  Gambs.

Estilisticamente, a construção evoca a “Villa” romana, como foi vista pela Renascença.  A proposta arquitetônica renascentista usando linhas retas, com materiais industrializados, faz desta residência um dos ícones da industrialização da cidade, mundo que se sobrepôs aos resquícios coloniais com suas curvas barrocas.  A informação de que a construção foi projetada pelo engenheiro  germânico Gambs indica para dois aspectos: a valorização da mão de obra intelectualizada e especializada e o primado da teoria sobre a prática dos mestres-de-obras.  A nacionalidade germânica de Gambs identifica a presença de trabalhadores livres, imigrantes, necessários  à industrialização.

Alfredo Ferreira Lage  (1865-1944), filho e herdeiro de Mariano Procópio, fez os primeiros estudos na Europa (BASTOS, 1991, p. 237-247)  e formou-se em 1890 pela Escola de Direito de São Paulo.   Encontramos em sua biografia e na adoção de hábitos urbanos, traços de uma nova maneira de viver da elite brasileira.  Herdeiro de imóveis no Rio e em Juiz de Fora, em 1915 recebeu a Villa como herança materna, levando para ela suas coleções que já então constituíam um museu particular.

Juiz de Fora, por uma série de especificidades já mencionadas, industrializou-se no período de 1870-1930.  Não é estranho, portanto, que um dos representantes de sua elite se dedicasse ao colecionismo de objetos raros e artísticos.  Alfredo Lage, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, centro difusor do Positivismo, parece que teve nesta corrente de pensamento a influência maior na organização de suas coleções.  O acervo do museu possui caráter enciclopédico e foi doado ao município de  Juiz de fora em 1936, ficando seu fundador como Diretor  Perpetuo da instituição até sua morte em 1944.

A PINTURA BRASILEIRA DO SÉCULO XIX - MUSEU MARIANO PROCÓPIO

O professor Quirino Campofiorito (1983) reconheceu, na pintura brasileira do século XIX, as seguintes fases: A pintura remanescente da colônia (1800-1830);  A  Missão Francesa e seus discípulos  (1816-1840);  A pintura posterior à Missão Francesa (1835-1870);  A proteção do Imperador e os pintores do segundo reinado (1850-1890) e A República e a decadência da disciplina neoclássica (1890-1930).  O acervo do Museu Mariano Procópio quanto à pintura brasileira do século XIX, é formado basicamente por artistas das duas últimas fases.  Os estrangeiros incluídos no estudo, tiveram atuação no Brasil após os anos 50 do século XIX.  Apresentaremos os nomes dos artistas, data de nascimento, morte e número de obras no museu em estudo.  Ao final, faremos comentários sobre aspectos básicos de alguns biografias dos artistas como: premiação, circulação de seus trabalhos e observações sobre o ensino artístico brasileiro no século XIX.

Em ordem cronológica e com número de telas, os estrangeiros presentes na coleção de pinturas do Museu  Mariano Procópio  são:  Henry Nicolas Vinet (França, 1817- Brasil, 1876) 1 tela ;  Nicolao  Antonio Fachinetti  (Italia, 1824 - Brasil, 1900) 1;  Henry Langerock,  (Bélgica, 1830 - França, 1915) 2;  Insley Pacheco  (Portugal, 1830 - Brasil, 1906) 7;  Edmond Viancin (França, 1836 - Brasil, 1877) 2;  Edoardo De Martino  (Italia, 1838 - Inglaterra, 1912,) 3;  Johan  Georg Grimm (Alemanha, 1846 - Alemanha, 1877) 2;  Benno Treidler (Alemanha, 1857 - Brasil, 1931) 2;  Luis Graner  (Espanha, 1863 - ?, 1929) 1;  Francisco Manna  (Itália, 1869 - Brasil, 1943) 1;  Carlo Servi (Itália, 1888 - Itália, 1947);  Jules Balla (França, ? - França, ?) 4;  L. Lecor  (?) 2;  Ad. Rinc (?) 1 e James Stewart (?) 3.

Dentre os artistas brasileiros, pertencentes ao período denominado por Campofiorito de A proteção do imperador e os pintores do segundo reinado (1850-1890), possui o Museu Mariano Procópio telas de:  João Zeferino da Costa (1840-1915)1;  Pedro Américo de Figueiredo Mello (1843-1915) 2;  Estevão Roberto da Silva (1844-1894) 1;  Antônio Correia e Castro (1848-1929) 1;  Decio  Rodrigues Villares (1851-1931) 7;  Horácio Hora (1853-1885) 1;  Francisco Aurélio de Figueiredo Mello (1854-1916) l;  Pedro Alexandrino Borges (1856-1942) 2;  Rodolfo Amoedo (1857-1941) 5;  Henrique Bernardelli (1858-1936) 13;  Belmiro de Almeida  (1858-1935) 1;  Hipólito Caron 1862-1892) 5;  Alberto André Feijó Delpino (1863-1942) 1;  João Batista da Costa (1865-1926) 10;  Felix Bernardelli (1866-1905) 3;  Oscar Pereira da Silva  (1867-1939) 1; Augusto Luis de Freitas (1869-1912) 3.

Com atuação profissional após os anos 90, período denominado por Campofiorito de A República e a decadência da disciplina neoclássica (1880-1918), estendido por nós até 1930, encontram-se no Museu Mariano Procópio:  Eugéne Latour (1871-1942) 2; Lucílio de Albuquerque (1877-1939) 1;  Antônio Parreiras (1880-1937) 2;  Georgina Albuquerque (1885-1962) 1;  Leopoldo  Gotuzzo (1887-1983) 1;  João Batista de Paula Fonseca (1889-1960) 3;  Anibal Mattos  (1889-1969) 1;  Olga Mary  (1891-1963)  1;  Henrique Cavalleiro  (1894-1975) 1;  Manuel Faria  (1895-1980) 1;  Luis Fernando de Almeida Junior  (1894-1970) 1;  Haydéa Santiago  (1896-1980) 1;  Armando Vianna  (1897-1992) 1;  Manuel  Santiago (1897-1987) 2 e  Maria Pardos (? -1928)  37.

Buscamos nas biografias dos artistas nascidos no século XIX, estrangeiros ou brasileiros, presentes com suas telas no Museu Mariano Procópio, o que estas significaram em nível nacional e na coleção em estudo.  Priorizamos as informações sobre premiação, aceitação ou rejeição pela crítica e presença em publicações.  Enquanto alguns artistas como Amoedo, Zeferino da Costa, Henrique Bernardelli, Pedro Américo,  Batista da Costa e outros já mereceram estudos dos mais diversos,  muitos pintores do período foram esquecidos constituindo-se em dificuldades de informações sobre os mesmos, e, de alguns, como L. Lecor e Ad. Rinc, não nos foi possível obter quaisquer notícias.  Por limites do espaço disponível, limitar-nos-emos aos comentários dos dados coletados. Como amostragem da pinacoteca em estudo, destacaremos as biografias de quatro artistas:  o alemão Georg Grimm destaca-se neste universo por sua contribuição para o paisagismo nacional; De Martino, como Pintor de Batalhas, identifica uma das funções da arte do período;  Estevão Silva,  negro,  possivelmente filhos de escravos,  exemplifica um segmento social dos artistas do período; e,  Maria Pardos  pela importância que teve na organização do Museu Mariano Procópio.

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GRIMM, Johann Georg

George Grimm foi talvez o pintor de maior sucesso entre os pintores alemães que se estabeleceram ao Brasil e a sua influência na pintura brasileira é considerável.  Era uma grande personalidade artística que tinha um grande círculo de alunos talentosos.  O artista bávaro iniciou o estudo rebelando-se contra as convenções e tradições antigas e transferiu as suas aulas da sala para o ar livre.  Nas florestas e montanhas dos arredores do Rio ensinou seus alunos a contemplarem as nastureza para bem saberem representar  (Karl Oberacker,  Revista Intercâmbio,  Apud  PEIXOTO; 1989,  p.180 -181).

Sobre a formação de Georg Grimm, encontramo-lo fazendo estudos com Karl von Pilov e Franz Adam.  Em 1868 - Munique  (Alemanha) - matriculou-se na Antikenerlasse da Akademie der Bildenden Kunste.  Temos notícias de que entre 1870 e 1878 o pintor estava viajando pela Itália, Grécia,  Turquia,  Palestina,  norte da Africa,  Espanha e Portugal;  de 1878 a 1882 o artista percorreu as cidades de Petrópolis e Valença (RJ) e Minas Gerais;  de 1885 a 1886,  fez novas viagens pelo Brasil,  visitando as cidades de Teresópolis (RJ),  São João del Rei,  Nova Lima e Sabará (MG),  e novamente retornou a Valença e Petrópolis (RJ).

Quando chegou ao Brasil trabalhou junto com Driendl,  como decorador de interiores.  No período 1882/1884 foi contratado como professor interino da cadeira de Paisagens, Flores e Animais da AIBA.  Não renovando o contrato com a Academia por divergências quanto a métodos de ensino,  Grimm retira-se com um grupo de alunos para Niterói,  onde pintam paisagens ao ar livre.  Os artistas alunos de Grimm foram os paisagistas Castagneto,  Caron,  Garcia y Vasquez,  Francisco Ribeiro e Antônio Parreiras.

Na permanência de Grimm no Brasil, nove anos, o artista expôs em 1882,  no Rio de janeiro (RJ),  em mostra coletiva na Sociedade Propagadora das Belas Artes,  no Liceu de Artes e Ofícios.  Junto com Grimm,  expuseram os artistas brasileiros Vitor MeirellesSouza Lobo,  Leopoldo Jardim de Faria,  Angelo AgostiniAugusto Rodrigues Duarte,  Belmiro de Almeida e Décio Villares.  Em 1884,  expôs no Rio de Janeiro (RJ),  na exposição de Belas Artes,  onde recebeu a Medalha de Ouro.  Postumamente,  os quadros de Grimm estiveram nas seguintes exposições:  1948 - Rio de Janeiro (RJ) - "Retrospectiva da Pintura no Brasil", no Museu Nacional de Belas Artes (RIio);  1953 - São Paulo (SP) - II Bienal de São Paulo - Sala "A Paisagem Brasileira";  1980 - "O Grupo Grimm:  Paisagismo Brasileiro no século XIX", no Museu da Casa Brasileira.   O Museu Mariano Procópio possui dois Retratos feitos por Grimm.

Carlos Roberto Maciel Levy,  autor do livro  O grupo Grimm,  além  da biografia do artista,  apresenta-nos dados sobre os demais participantes do grupo.  Destacamos as seguintes observações de Levy sobre a Exposição de 1882:

Ao público até então acostumado com o academicismo,  as cores fortes e a maneira ampla que caracterizava as obras do artista alemão pareceram algo de exepcionalmente inovador.  A esse propósito,  escreveria mais tarde,  em 1888,  o brilhante crítico de arte que foi Gonzaga Duque,  comentando também a influência de Grimm como professor: "...duas coisas que no Rio de Janeiro  ninguém conseguiu fazer e Georg Grimm alcançou realizar:  reunir em exposição cento e cinco (sic) quadros e fundar escola!  Em uma das salas do Liceu de Artes e Ofícios,  reuniu e suspendeu aos muros uma notável bagagem artística.  Ali expôs ele tudo quanto  possuia em trabalhos.  Paisagens de Capri e vistas de Roma,  marinhas de Gênova e jardins de Florença,  contos da Alemanha e estudos da natureza da Africa,  estradas de Tunis e vilas do Brasil,  uma mesquita de Constantinopla e um portão do Allambra,  pirâmides do Egito e panoramas de Portugal.  Em duas,  três ou cinco horas fazia-se em frente às suas telas uma viagem à volta do mundo.    (LEVY; 1980,   p. 22 - 23).

LIVROS:

-150 anos de pintura no Brasil:  1820 -1970.

- BERGER,  Paulo.  Pinturas e pintores do Rio Antigo.   1990.

- CAMPOFIORITO,  Quirino.   História da pintura brasileira no século XIX.   1983.

- FREIRE,   Laudelino.   Um século de pintura;  apontamentos para a história da pintura  no   Brasil :   1816 -1916.  

- LEVY,   Carlos Roberto Maciel.   O grupo Grimm.   1980

- MARINO,   João.   Tradição e ruptura:  síntese de arte e cultura brasileiras.   1984

- PEIXOTO,   Maria Elizabeth Santos.   Pintores alemães no Brasil durante o século XIX.   1989. 

REFERÊNCIAS:

- CAVALCANTI,   Carlos,   AYALA,   Walmir.   Dicionário brasileiro de artistas plásticos.  1980.

- LOUZADA,  Julio.   Artes plásticas;   seu mercado,   seus leilões.   1988

- PONTUAL,   Roberto.   Dicionário das artes plásticas no Brasil.  1969. 

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DE MARTINO,   Edoardo

Foi tenente da Marinha italiana,  da qual desertou.   Encontramos notícias de De Martino no Rio Grande do Sul no período de 1868 -1869,   quando foi encarregado pelo governo brasileiro de retratar os combates que estavam ocorrendo com o Paraguai.   Recebeu a Medalha de Ouro na Exposição Geral de Belas Artes de 1870 e expôs em 1872 e 1875.   Em 1881 fez parte da comitiva do Príncipe de Gales em viagem à India,  sendo,   no mesmo ano,  nomeado pintor da corte inglesa.   O Museu Mariano Procópio possui quadro Marinhas do artista.   Segundo Gonzaga Duque:

Em começo da sua vida artística entre nós,  a crítica não o acolheu bem, nele não distinguindo as qualidades indispensáveis de um bom pintor, e considerando-o de educação incompleta, falho de desenho,  vacilante e incorreto.   Mais tarde,  porém,  essa mesma crítica fez-lhe a devida justiça, proclamando-o artista paciente,   minucioso,   correto e dotado de qualidades apreciáveis,   amplamente reveladas nas inúmeras marinhas.Foi efetivamente na interpretação delas que se distinguiu o pintor italiano,  somente excedido por Castagneto,   o nosso melhor marinhista  (Instituto Cultural Itaú,  p.  107).

LIVROS:

-150 ANOS de pintura no Brasil:   1820 -1970.   1989.

- ABRIL Cultural.   Arte no Brasil.   1979.

- CAMPOFIORITO,   Quirino.   História da pintura brasileira no século XIX.   1983.

- FREIRE,   Laudelino.  Um século de pintura;  apontamentos para a história da pintura no Brasil: de 1816 -1916.   1983.

- MARINO,   João.   Tradição e ruptura;  síntese de arte e cultura brasileiras.   1984.

- REIS JUNIOR,   José Maria dos.   História da pintura no Brasil.   1944.

- RUBENS,   Carlos.   Pequena história das artes plásticas no Brasil.   1941.

REFERÊNCIAS:

- BRAGA,   Theodoro.   Artistas pintores no Brasil.   1942.

- CAVALCANTI,   Carlos,   AYALA,   Walmir.   Dicionário brasileiro de artistas plásticos.   1973-1980.

- PONTUAL,   Roberto.   Dicionário das artes plásticas no Brasil.   1969.

- LEITE,  José Roberto Teixeira.   Dicionário crítico da pintura no Brasil.   1988.

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SILVA,   Estevão Roberto

Negro,   possivelmente filho de escravos.   Em 1864 matriculou-se na AIBA,   onde foi discípulo de Vítor Meirelles,   Agostinho da Mota e Jules le Chevrel.   Sabe-se ainda que o pintor trabalhou como professor do Liceu de Artes e ofícios e que,   em 1890,   no Rio de Janeiro,   recebeu o Prêmio Aquisição na Exposição Geral de Belas Artes. O Museu Mariano Procópio possui uma Natureza Morta de Estevão Silva.   Transcrevemos José Roberto Teixeira Leite,   em texto sobre o pintor:

A mais antiga referência a Estevão remonta a 1879 a um seu ato de altiva rebeldia,   perante o próprio Imperador Pedro II,   na sessão solene de entrega de prêmio àqueles que se distinguiram na Exposição Geral da Academia,  o pintor levantou-se para protestar contra a premiação que lhe coubera,   dizendo-se injustiçado.   O escândalo foi enorme,   tanto que,   quase um ano mais tarde,  a 20 de fevereiro de 1890,   uma comissão nomeada pelo diretor para apurar o incidente aplicava a Estevão a pena de suspensão por um ano,   reconhecendo que praticara  "um atentado sem exemplos nos anais da Academia", da qual só não foi expulso porque a mencionada comissão,   após lhe ouvir a defesa, convencera-se de que agira "por acanhamento da inteligência". Em sua autobiografia,   Antônio Parreiras,   que assistiu ao acontecimento descreve o fato:

- Estávamos convencidos de que o primeiro prêmio seria conferido a Estevão Silva.   Ele trêmulo,   comovido,   esperava.   A  sua cabeça pendeu, seus olhos se encheram de lágrimas.   Recuou,  e foi ficar atrás de todos. Íamos nos revoltar - Silêncio!    Eu sei o que devo fazer.   Tão imperiosamente foram ditas estas palavras,   por aquele homem que chorava,   que obedecemos.   Um por um,   foram sendo chamados os premiados.   Finalmente,   o nome de Estevão Silva ecoou na sala.   Calmo,   passou entre nós.   A passos lentos atravessou o salão.   Aproximou-se do estrado,   onde estava o Imperador. Depois,  belo oh! muito belo! - aquele negro ergueu arrogantemente a cabeça e forte gritou: Recuso!   (LEITE,   1988,  p.  476).

LIVROS:

- ACQUARONE,   Francisco Vieira,   Adão de.   Primores da pintura no Brasil.   1942.

- DUQUE-ESTRADA,   Luis Gonzaga.   A arte brasileira:   pintura e esculptura.  1888.

- ______________________________.   Contemporâneos:   pintores e esculptores.   1929.

- FREIRE,   Laudelino.   Um século de pintura;   apontamentos para a história da pintura  no  Brasil:  de 1816-1916.   1983.

- PARREIRAS,   Antônio.   História de um pintor contada por ele mesmo:  Brasil - França: 1881-1836.   1942.

- RUBENS,   Carlos.   Pequena história das artes plásticas no Brasil.   1941.

REFERÊNCIAS:

- CAVALCANTI,   Carlos,  AYALA,   Walmir.   Dicionário brasileiro de artistas plásticos. 1973-1980.

- LEITE,   José Roberto Teixeira.   Dicionário crítico da pintura no Brasil.   1988.

- PONTUAL,   Roberto.   Dicionário das artes plásticas no Brasil.   1969.

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PARDOS,   Maria   (  ?  , Espanha -1928,  Rio de Janeiro)

Antes de passarmos aos dados biográficos de Maria Pardos, artista com 37 trabalhos no acervo em estudo,  comentaremos brevemente sobre a presença feminina na pintura brasileira.   O domínio de elementos básicos em desenho e pintura passou a fazer parte do universo feminino burguês,  com o capitalismo em expansão no século XIX.  A participação ativa feminina no ensino e em movimentos artísticos no Brasil só ocoreu no século XX,  sendo pioneiras,  no Rio,  Georgina de Albuquerque em São Paulo,  Anita Mafalti,   Zina Aita e Tarsila do Amaral.

Consultando a lista dos contemplados  (LEITE;  1988,  p.  423 - 424) com a premiação máxima,  encontramos apenas seis mulheres conseguindo esta honraria.   Das participantes das Exposições Gerais de Belas  Artes  (  LEVY,   1990),   a pioneira foi Emma Gabrielle Piltegrin Gros de Pranguey.   Diversas participantes destas exposições se escondiam no anonimato,   como a Senhora D.  N.   S.   em 1848.

No Museu Mariano Procópio estão as telas de Georgina Albuquerque,   artista e professora de destaque a seu tempo no Rio.   Casada com Lucílio de Albuquerque,   pintor de grande reconhecimento social,   Georgina,   no entanto,   teve carreira própria.   Diversamente,   Haydéa ficou à sombra do marido,   Manuel Santiago,   fiigura presente e marcante de seu tempo.   Olga Mary teve mais reconhecimento social do que o marido,   Raul Pedrosa,   do qual não conseguimos quaisquer informações.   Enfim,   Maria Pardos,   conhecida nos meios artísticos de seu tempo e de quem falaremos a seguir.

Casada,   não oficialmente,   com Alfredo Lage,   foi colaboradora deste na criação do Museu Mariano Procópio.   Foi aluna de Amoedo,   o que nos leva a pensar que está aí a explicação de numerosos discípulos deste mestre na pinacoteca do referido museu (RUBENS; 1941, p. 240).   A artista foi premiada no Salão Nacional,   em 1913,   com Menção Honrosa de Primeiro Grau;   em 1914,  com  Medalha de Bronze;   em 1915,   com Medalha de Prata e em 1918,   com 500 mil réis,  doados aos pobres.  Os trabalhos com que concorreu nestes salões foram:   Flores,   Conciliadora,   Serenidade e Pensativa.   Julgamos que o fato de Maria Pardos não ter se mantido presente nos estudos atuais de arte  brasileira,   deve-se ao fato de sua obra não ter sido comercializada,  o que era corriqueiro na época.   Quando de seu falecimento a imprensa do Rio de Janeiro noticiou amplamente o fato. 

LIVROS:

- BASTOS,   Wilson de Lima.   Mariano Procópio,   sua vida,   sua obra,   descendência, genealogia.   1992.

- RUBENS,   Carlos.   Pequena história das artes plásticas no Brasil  1941.

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As informações sobre os artistas estudados foram encontradas em publicações editadas até a década de 1940 de nosso século.  Na década de 1950, a proposta modernista tornou-se dominante após 1950 e os estudos predominantes sobre a criação artística passaram a eleger como interesse prioritário, este período e o colonial.  Durand  observou que, apenas em meados dos anos oitenta do século XX iniciou-se, nos meios acadêmicos e artísticos, a reavaliação da arte do século XIX (DURAND; 1989, p. 5).  Segundo o autor, este interesse seria fundamentado no esgotamento do mercado para as obras da primeira geração modernista.  Os artistas por nós pesquisados nasceram entre as décadas de 10 e 90 do século XIX e foram dominantes no mundo artístico brasileiro até os anos 50 do século XX.

A coleção de pintura brasileira do século XIX do Museu Mariano Procópio é constituída por trabalhos de 48  artistas, sendo 15 estrangeiros e 33 brasileiros.  Os estrangeiros predominam entre os nascidos nas décadas de 10 a 30 do século XIX e continuam presentes nas posteriores.  Os artistas acadêmicos brasileiros, nascidos na década de quarenta, despontaram no mundo artístico nos anos 70 e seus trabalhos foram pilares do academicismo nacional.  Ainda que não se obtendo informações sobre a escolaridade de seis artistas, pode-se observar que os demais 42 tiveram aprendizado formal em academias ou ateliês.  Não conseguimos notícias sobre a premiação de oito artistas e o exercício de atividades, além das artísticas de 14 e quaisquer informações sobre dois:  L. Lecor e Ad. Rinc.  Ainda que contando com estas lacunas no levantamento de dados, julgamos possível algumas observações sobre os mesmos nos parágrafos seguintes.

O Rio de Janeiro, como capital do país, centralizou o ensino artístico no século XIX na Academia Imperial de Belas Artes (Império)- Escola Nacional de Belas Artes  (República).  Esta aprendizagem referendada nas Exposições Gerais de Belas Artes, no Império,  e nos Salões Nacionais de Belas Artes  na República,  criou uma arte brasileira sem lugar para especificidades regionais.  Os artistas estudados neste trabalho passaram pelo ensino oficial da época, foram referendados socialmente com prêmios e estão presentes em livros sobre o assunto.  Temos, pois,  na coleção em estudo,  uma amostragem expressiva da pintura brasileira do século XIX.

Os artistas estrangeiros pertencentes à historiografia da arte brasileira, presentes no Museu Mariano Procópio não constituem um universos heterogêneo no reconhecimento social de seus trabalhos e qualidade dos mesmos.  Langerock, como outros artistas estrangeiros,  foi andarilho na Europa e no Oriente, percorrendo  no Brasil novas regiões abertas ao povoamento no século XIX.  Não podemos considerar como estrangeiros Henrique Bernardelli e Maria Pardos, nascidos respectivamente no Chile e Espanha, pois que no Brasil tiveram suas formações e atividades artísticas.  James Stewart,  Viancin,  Ad. Rinc,  L.  Lecor e Balla estão no acervo do Museu Mariano Procópio com Retratos, como mostra do predomínio do mercado para este gênero artístico.

A diversidade física e cultural do Brasil foi percebida de maneiras diferentes pelos estrangeiros.  Na paisagem de Vinet nota-se o encantamento pela natureza brasileira, sabemos que o artista adotou o "plein-air", uma inovação no momento.  Fachinetti, minuciosos e observador detalhista, procurava captar os elementos "ao natural"  e depois trabalhava-os no ateliê;  sua paisagem da coleção estudada é um bom exemplo desta abordagem acadêmica.  Insley Pacheco, além de fotógrafo e negociante de quadros, foi aquarelista.  Francisco Manna destacou-se no período pela temática social e a busca de subjetividade, sendo a Cena de Exterior presente na coleção, um exemplo desta segunda abordagem.

Nome pouco conhecido ou estudado pela historiografia da arte brasileira é Granner.  As paisagens do artista caracterizam-se pelo abandono do desenho acadêmico, colocando-o como um dos pioneiros do Impressionismo fora da França.  Carlo Servi deixou na paisagem encontrada na coleção, mostra de interesse pelas cores locais.  Finalmente, dentre os estrangeiros, encontramos Grimm, marco da história da pintura do paisagismo brasileiro.  No museu em estudo, estão presentes dois Retratos feitos pelo pintor alemão, o que nos parece raro em sua obra.  Os Retratos feitos por Grimm diferem dos da maioria, no período, pela ambientação intimista e coloquial que dá aos retratados.

Quanto aos 33 artistas brasileiros constituem um universo diversificado.  A coleção é formada por artistas nascidos nas décadas de 40 a 90 do século XIX.  Estas décadas foram diversas em seus aspectos sociais e econômicos, trazendo, portanto, como veremos a seguir, novas questões e necessidades para o meio artístico.  Não faremos comentários sobre cada artista e obra, pois a proposta do trabalho é a apresentação da coleção.  Nosso interesse é a identificação de características do período, destacando alguns artistas e telas que julgamos relevantes para a historiografia da arte brasileira.

A geração de artistas nascidos na década de 40 estudou na Academia Imperial de Belas Artes já reformulada em 1855 e iniciou sua atuação após os anos 70.  Contemporâneos do aceleramento da urbanização brasileira e do contato com a Europa, graças à melhoria dos transportes.  A pintura do período tem maior diversidade temática (natureza morta, cenas de exterior e interior e pintura histórica), o que identifica o alargamento do comércio artístico.  Correia e Castro nasceu em Vassouras (cidade cafeeira fluminense) e após sua formação no Rio e Europa, radicou-se em Belo Horizonte.  A nova capital mineira atraiu profissionais liberais de todo o país e artistas necessários à sua organização sócio-econômica, como Delpino e Aníbal Mattos.  Estevão Silva, negro, possivelmente filho de escravos, é um exemplo da origem social dos alunos da Academia.  Oriundos de famílias pobres em sua maioria, buscavam no estabelecimento uma profissão de homens livres em uma sociedade escravocrata.  Estevão Silva e outros artistas deste universo pesquisado foram alunos e professores do Liceu de Artes e Ofícios, fundado em 1856, com a finalidade de formar mão-de-obra especializada.  As artes plásticas, no Império, continuaram como na colônia, a serem o universo possível de ascensão social para negros (minoria), mulatos e brancos pobres.

Ainda dos nascidos na década de 40, destacaremos a tela Tiradentes Esquartejado (1893) de Pedro Américo [Figura 1].  Trata-se de uma das telas brasileiras mais reproduzidas.  Maraliz de Castro Christo (CHRISTO; 1993, p. 331 - 333)  em Pintura Histórica na América Latina,  propôs-se a fazer o estudo deste quadro e do venezuelano Arturo Michelena,  Miranda en la Carraca,  estabelecendo paralelo com a tela do pintor francês e mestre da pintura neoclássica   Jacques- Louis David  (1748-1825),  no quadro   A morte de Marat  (1793) . A autora historizou a montagem da imagem de Tiradentes pelos positivistas republicanos e identificou os elementos formais usados nesta abordagem sacralizadora.  Segundo CHRISTO:

Tanto David quanto Pedro Américo utilizam a citação do braço pendente da Pietá de Michelangelo, ou do Sepultamento de Cristo de Caravaggio. Entretanto, em Marat esta citação apenas eterniza o movimento da morte e seu significado, servindo de elo entre um primeiro plano, onde convivem a faca assassina e a pena do revolucionário, e um segundo plano, onde se situa a figura do morto.  Já no quadro de Pedro Américo esta citação se soma as outras referências utilizadas, como o crucifixo paralelo à cabeça decepada, onde Cristo a fita, aproximando os dois dramas.  A perspectiva e posição da cabeça, colocada no eixo vertical e horizontal transformam o cadafalso em altar (CHRISTO; 1993, p. 331 - 332).

Vítor Meirelles, Pedro Américo e Zeferino da Costa enfeixam em suas obras, características do academicismo nacional.  Lygia Costa  comenta que com pequenas variações, como a precisão do desenho, sobriedade do colorido e cuidado na fatura ainda têm em comum

Se há desvelo no desenho, não há, entretanto a moderação de atitudes que o neoclassicismo determinava; neste ponto mais se aproximam dos românticos como temas escolhidos. Quanto à cor e à fatura, medeiam entre a emoção fria dos primeiros e a paixão dos segundos.  Não admira: formados nos ateliês europeus de representação já estabelecida, onde só era ensinado aquilo que o tempo consagrava, não entravam nossos jovens em contato com a arte mais avançada de seu tempo (COSTA;  1952, p. 9).

Nascidos nos anos 50 estão na coleção Belmiro de Almeida, Francisco Aurélio, Henrique Bernardelli, Rodolfo Amoedo, Horácio Hora, Decio Villares e Pedro Alexandrino.  Com a exceção de Hora, que faleceu precocemente, os demais atuaram até a década de 30 do século XX.  Contemporâneos de fatos como Abolição, República, I Guerra Mundial e outros estes artistas tiveram em comum a aprendizado acadêmico e de especificidades, a maneira como conviveram com as transformações artísticas do período.  Belmiro de Almeida colocou-se na contemporaneidade como aluno do pontilhista Seurat.  Decio Villares, com expressiva obra no Museu Mariano Procópio (oito telas), apresenta diversidade em suas obras.  Como retratista, percebemo-lo procurando no universo feminino uma linguagem mais subjetiva.  Segue o rigor acadêmico no Cristo e em Tiradentes (1928).  O alferes mineiro assemelha-se à litografia que o artista divulgou em 1890, onde o inconfidente é facilmente identificado com Cristo.

Após os anos 70, com a expansão da imprensa, diversos artistas dedicaram-se à ilustração e à caricatura.  No entanto, o meio de sobrevivência mais comum foi o magistério, como vimos nas informações biográficas.  Outro indicador constante nas biografias é o que, para se alcançar notoriedade, devia-se ser distinguida com encomendas oficiais.  Expandiu-se o consumo de objetos artísticos quando as províncias começaram também a se preocuparem com a formação de suas iconografias.  Antônio Parreiras, por exemplo, executou telas oficiais do Amazonas ao Rio Grande do Sul.  Ainda no período, destacamos a Ilha de Capri, de Henrique Bernardelli.  Percebemos neste trabalho certo encaminhamento para o realismo no uso de tonalidades mais claras e ricas.  Amoedo e Pedro Alexandrino mantiveram-se fiéis aos postulados neoclássicos, embora em algumas de suas obras observemos aportes românticos no colorido.

Dentre os artistas nascidos na década de sessenta, dois nomes, na coleção Museu Mariano Procópio, mostram orientações diferentes: Hipólito Caron e Oscar Pereira da Silva.  Enquanto Caron, paisagista do grupo Grimm, buscou a ruptura com a rigidez neoclássica em suas paisagens, Oscar Pereira da Silva permaneceu fiel a ela até a década de 30.  Observamos, no entanto, que Caron trata as Alegorias à maneira acadêmica, como fazem outros, quando tratam de cenas históricas.  A também Alegoria de Oscar Pereira da Silva identifica seu apego ao s postulados neoclássicos, o desenho preciso e minucioso para conter o colorido suave.

Os artistas do universo artístico carioca, nascidos nas décadas de 70 e 80, foram contemporâneos dos modernistas paulistas.  Encontramos nos trabalhos dos primeiros, anexações de propostas realistas e impressionistas aos princípios neoclássicos. Em sua maioria, pertencentes aos segmentos mais desfavorecidos da sociedade, dependentes das encomendas oficiais e empregos públicos diferiam em muito dos paulistas no mesmo período.  Os modernistas de São Paulo, pertencentes à elite econômica, tiveram acesso às vanguardas européias ligadas à burguesia industrial, como na França.  Rupturas e acesso a essas propostas foram impossíveis aos egressos da Academia Imperial de Belas Artes - Escola Nacional de Belas Artes, direcionados para os ateliês acadêmicos italianos ou franceses.

Armando Vianna, Haydéa e Manuel Santiago, Henrique Cavalleiro, Luis Fernando de Almeida Junior, Manuel Faria e Olga Mary tiveram suas carreiras artísticas ao longo do século XX.  Em comum, permaneceram fiéis ao figurativismo.  Aderiram à temática do cotidiano, o colorido muitas vezes fazendo a função do desenho, procedimentos identificadores da formação acadêmica e característica da geração de modernistas do Rio.

Quando destacamos alguns aspectos dos contextos nacional e local, deparamo-nos com a reorganização institucional do país no momento em que o capitalismo se estendia mundialmente.   A Academia Imperial de Belas Artes - Escola Nacional de Belas Artes e a organização dos primeiros museus no Brasil ocorreram junto com os avanços das revoluções burguesas.  O capitalismo, quando se propôs ser laico, teve a necessidade de criar um universo simbólico e o fez, usando recursos de períodos anteriores, sacralizando, então, a racionalidade.  As Academias de Belas Artes foram, no momento, estabelecimentos onde os artistas na órbita dos estados nacionais criaram os suportes visuais dos mesmos para serem sacralizados nos Museus.  Juiz de Fora, cidade organizada pela industrialização no século XIX, com todas as instituições necessárias a seu funcionamento, deveria ter, obrigatoriamente, um museu.

Mariano Procópio e Alfredo Lage foram pessoas ligadas à industrialização da cidade.  Em suas biografias encontramos informações que mostram apego às inovações científicas e a adoção do hábito do colecionismo.  Juiz de fora teve seus suportes visuais importados da Europa, nos palacetes ecléticos e fábricas de modelos ingleses, por isso denominaram-na "Manchester Mineira".  Diríamos que a Europa obrigatoriamente deveria ser evocada na criação de um museu com as características do Museu Mariano Procópio.  No Velho Mundo, a criação dos museus no século XIX acompanhou a geografia da industrialização.

A pintura brasileira alicerçada na AIBA - ENBA se propôs o ser extensão da européia, desejo similar dos que queriam organizar institucionalmente o país como extensão do Velho Mundo.  A pintura nacional, nas coleções do período, a exemplo, presente no Museu Mariano Procópio, representam uma marca autóctone, necessidade de um museu organizado no Novo Mundo.  A coleção apresentada é uma ponta de iceberg do imaginário nacional no período de 1870 -1930.

O estudo desta parte da pinacoteca do Museu Mariano Procópio, com seus Retratos, Cenas Históricas, Alegorias, Marinhas, Paisagens, Cenas de Exterior e Interior, leva-nos a identificar a pintura como um dos símbolos do modus vivendi de nossas elites no período.  Este grupo marcou visualmente sua posição na sociedade através dos Retratos.  Ocultando o trabalho escravo, posteriormente o proletário, as populações negras e indígenas e o misticismo, a elite brasileira de então quis mostrar, nas pinturas do período, apreço ao lirisno, quando valorizou marinhas e paisagens, ao realismo, nas naturezas - mortas, ao intelectualismo, nas alegorias, ao heroismo, nas cenas históricas e à tolerância, nas cenas de gênero.

Referências Bibliográficas

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CHRISTO.   Maraliz de Castro Vieira.   “Pintura histórica na america Latina”.   IN:  BESSA,   Pedro Pires.   Integração Latino-americana. Juiz de Fora:  UFJF/FAPEMIG,   1993   (p. 331 - 332).

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LEITE,   José  Roberto Teixeira.      Dicionário crítico da pintura brasileira.   Rio:   Artlivre,   1989.

LEVY,   Carlos Roberto Maciel.   Antônio Parreiras;   1860-1937:   pintor de paisagem, gênero e história.   Rio de Janeiro:   Pinakoteke,   1980.

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MELLO,  João Manuel Cardoso de.   O capitalismo tardio.  3ª ed.  São Paulo,  Brasiliense,  1989.

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PONTUAL,   Roberto.   Dicionário das artes plásticas no Brasil.   Rio de Janeiro:   Civilização Brasileira,   1969.

RUBENS,   Carlos.   Pequena história das artes plásticas no Brasil.   São Paulo:   Nacional,   1941.

SCHWARCZ,  Lilian.  O espetáculo das raças;  cientistas e questão racial no Brasil -1870 -1930.  São Paulo:   Companhia das Letras,  1993.

STAROBINSKI,   Jean.   1789 - Os emblemas da razão.   Trad.  Maria Lúcia Machado.  São Paulo:   Companhia das Letras,   1988.

TAUNAY,  Afonso de E.   A  Missão artística de 1816.   Brasília:   EUNB,  1983.  (Coleção Temas Brasileiros,  34).

VALE,  Vanda Arantes.   Pintura brasileira do século XIX - Museu Mariano Procópio.  Rio de Janeiro: UFRJ/Escola de Belas Artes,  1995.  (Dissertação de Mestrado).


* Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora - Contato: vandaval@artnet.com.br

** Trabalho apresentado no XI Congresso da Associação dos Historiadores Latino-americanistas Europeus, Liverpool - Inglaterra, 1995.