Lucílio de Albuquerque na arte brasileira (*)
Piedade Epstein Grinberg
GRINBERG, Piedade Epstein. Lucílio de Albuquerque na arte brasileira. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 3, jul. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/la_peg.htm>.
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Nada mais aproxima os povos que a Arte. Poder-se-ia mesmo afirmar, sem exagero, que onde a Arte termina começa a desarmonia.
Lucílio de Albuquerque, 1921
Quando, em 1906, Lucílio de Albuquerque ganha o prêmio de viagem ao exterior no Salão Nacional de Belas Artes e parte para a Europa com sua esposa, a pintora Georgina de Albuquerque (1885-1962), o crítico de arte e escritor Gonzaga Duque se refere ao jovem artista como “um desses moços que seguem direitos para a sua aspiração [...] reúne a essa proveitosa disposição excelentes qualidades de uma fina organização de artista. É um temperamento delicado, sensível, admiravelmente tramado por componentes privativos para a receptividade artística. Tem a imaginação fogosa, a alma emocional, o olhar observador [...] Está o moço artista entregue à sua arte: agora tudo depende de seu esforço, porque, para chegar a ser o que almeja, terá a lição dos grandes mestres, o excitamento dos célebres centros artísticos e os museus da Europa.”[1]
Nascido em Barras (PI), em 1877, de tradicional família pernambucana, muda-se para São Paulo, onde inicia seus estudos de direito, que abandona no 1º ano para ingressar, em 1896, na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, como aluno livre.
Anos mais tarde, declara sobre sua primeira aula de desenho figurado:
A maior emoção de minha carreira recebi-a quando, pela primeira vez, me vi, na minha primeira aula de Desenho Figurado, de fusain em punho, diante de uma folha moldada em gesso, para copiar! Passei os olhos por tudo quanto me rodeava. Os veteranos, com uma semana de trabalho, já haviam marcado as suas tarefas, bustos, estátuas, torsos. Tive a impressão de que aquilo tudo era uma maravilha e senti-me incapaz de fazer o mesmo. Quando a aula terminou, corri como um louco para o meu quarto, o meu pobre quartinho de pensão! E completamente só, desanimado, eu que até aquela data tinha vivido dentro da casa ampla e feliz de meus pais, não pude conformar-me com a minha situação, que me parecia horrível, e chorei como uma criança inconsolável [...] Felizmente o dia seguinte trouxe-me o alento, enxugou-me as lágrimas e deu-me ânimo para continuar nessa luta, que nunca mais cessou, e para a qual também nunca mais me faltou a coragem precisa. [2]
Discípulo de desenho de Zeferino da Costa e de pintura de Rodolfo Amoedo e Henrique Bernardelli, torna-se aluno matriculado em 1901. Como registro de suas atividades acadêmicas, o Museu D. João VI da Escola de Belas Artes da UFRJ conserva em seu acervo desenhos a carvão de 1899 como prova (1º lugar), obras de 1903 e 1906, a pintura Sansão e Dalila [Figura 1], resultado de concurso escolar de 1903, e os trabalhos enviados como pensionista em Paris.
A partir de 1901 inicia sua participação em diversos Salões de Belas Artes, e em 1902 recebe a menção honrosa de 2º grau com o quadro Stella; depois, em 1904, a menção honrosa de 1º grau com o quadro Retrato e a medalha de prata de aluno.
O Sr. Lucílio de Albuquerque, que há de ser outro artista de amanhã, expõe dois pastéis e dois quadros a óleo, sendo um desses um bonito retrato de senhora, tratado com largueza no busto e louvável minúcia na cabeça.[3]
Em 1905, com o quadro Pigmalião e Galatéia [Figura 2] recebe a medalha de ouro de aluno. Apresentou sempre ótimo desenho e uma “palheta quente como a dos flamengos e sua fatura já era marcadamente larga e pastosa”.[4]
Em janeiro de 1906, tendo terminado o curso da Escola Nacional de Belas Artes, ganha, em concurso, o prêmio de viagem à Europa por cinco anos,[5] com a composição Anchieta escrevendo o poema à Virgem [Figura 3] [6], obra de inspiração religiosa e mística, assim descrita pelo crítico Gonzaga Duque:
Fez o apóstolo nos seus momentos de meditação, à beira-mar, quando, ao cair da tarde, ia compor seus versos que escrevia na areia. Com aturada leitura sobre o assunto, compulsando memórias, histórias e ficções referentes ao companheiro de Nóbrega, reconstruiu o tipo e o compôs nas suas minúcias, interpretou o seu estado de alma provável, estudou um canto dessa nossa linda paisagem fluminense, onde Anchieta sentiu crescer a sua fé, e deu-lhe a participação no assunto pelo tom agreste da sua primitividade. A obra foi unanimemente aprovada, e deve-se dizer que raros concursos têm sido tão justamente premiados como esse.[7]
Durante o período acadêmico em Paris, que se estende até 1911, estuda na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts e na Académie Julian, sendo aluno de Jean Paul Laurens, Henry Royer, Gervais e Marcel Baschet, freqüentando também a École Guérin com o mestre do art nouveau e da arte decorativa, Eugène Grasset.
Desse curso de Grasset existem cadernos de Lucílio com desenhos e apontamentos de classe, numerados a partir do estudo das plantas e de decoração, com visíveis orientações às tendências do art nouveau que incluía o simbolismo, os pré-rafaelitas e o art and crafts inglês [Figura 4].
Alguns exemplos teóricos sobre a questão da representação da natureza: “Na natureza todas as combinações são encontradas”; “Procurar os motivos perfeitos, evitar os defeitos da natureza”; “É preciso que não se faça uma aplicação de um estudo a partir da natureza, mas deve-se fazer uma composição que se queira; criar, fazer qualquer coisa de nós mesmos”; “No estudo do natural podemos fazer todas as modificações que quisermos, uma vez que respeitemos o caráter”; “Para ter-se um estilo é preciso transformar a natureza”.
Sobre o dualismo entre forma e conteúdo: “Devemos conservar a maior clareza no desenho”; “Devemos subordinar todas as formas à nossa vontade, não ao acaso”; “É preciso traçar a forma geométrica, mas não escravizar-se a ela. Uma vez feita, apagá-la”; “Ocultar o fundo o mais possível”; “Não é preciso ficar limitado ao espaço geométrico e convém mesmo sair um pouco, e que o ar penetre; nada de contornos rígidos”.[8]
Não há dúvidas de que a aquisição desses conhecimentos serão aplicados em vitrais e murais como o que foi executado para o antigo Conselho Municipal, depois Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro em 1921.
O prêmio de viagem implica uma série de obrigações que o artista cumprirá rigorosamente e de forma satisfatória nas obras que executa, ao mesmo tempo em que observa os impressionistas e experimenta os seus processos.
Influenciado também pelos simbolistas, que acreditavam que a arte deveria ser uma síntese entre a percepção dos sentidos e a reflexão intelectual, além de enfatizar a pureza, a espiritualidade e a ingenuidade dos personagens, executa o quadro Agnus Dei e recebe a grande medalha de prata na 14ª Exposição Geral de Belas Artes, em 1907.
O Sr. Lucílio, cujo talento conquistou grande número de admiradores, entre os quais tenho orgulho de me incluir, não pôde enviar trabalhos que nos indicassem o seu aproveitamento, aliás, inesperado porque há pouco tempo que ele iniciou os seus estudos em Paris.
O seu inacabado quadro intitulado Dante (canto V do Inferno) tem largamente do quanto ele daqui levou, e que foi o bastante para conquistar, com brilho, o seu lugar de pensionista. A composição acusa o que ele ainda nos poderá dar, para satisfazer o alto conceito em que todos o temos. Assim é justo que esperemos, mesmo porque, o seu Agnus Dei, que acompanha o esboçado quadro já referido, não corresponde à expectativa dos seus admiradores.
Bem pintado, não há dúvida, bem desenhado também, mas medíocre de impressão por inadaptabilidade da figura ao assunto, que é de feitio decorativo e exigentemente místico.
Se não fosse o título, se não fosse a composição tendente a moldes de pura fantasia, eu me limitaria e elogiá-lo.[9]
De 1908 a 1910, expõe no Salon des Artistes Français, La campagne [Figura 5], “composição cujos efeitos de luz, distribuição de tintas, correção de desenho, nada deixam a desejar e colocam o seu autor no nível dos mais hábeis e modernos pintores”[10] e Rapariga do Minho [Figura 6], respectivamente.
O ano de 1911 foi um dos mais frutíferos para a carreira do artista: expõe no mesmo Salon o quadro Sono, [Figura 7] belo desenho de nu, no qual é possível constatar a especial estrutura da matéria; participa do Salão Internacional de Bruxelas com o quadro Despertar de Ícaro [Figura 8], uma de suas pinturas mais conhecidas, de forte influência simbolista,[11] remotamente sugerida pelo vôo pioneiro de Santos Dumont e executa vitrais para o Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Turim, na Itália, representando A República Brasileira guiada pela Ordem e Progresso, desenvolve seu comércio e sua indústria, alegoria do Cruzeiro do Sul simbolizado por figuras femininas.
Várias obras são executadas em Paris como, por exemplo, Paisagem de Lemesnil [Figura 10]; Morte de Anchieta; Primavera em França [Figura 11]; Prometeu; Visão da floresta; Freira e enfermo; Paraíso restituído [Figura 12], entre muitas outras.
Ainda em 1911, retorna ao Brasil e realiza, na Escola Nacional de Belas Artes, sua primeira exposição no Rio de Janeiro (em conjunto com a pintora Georgina de Albuquerque), com cerca de 107 pinturas, além de desenhos diversos, desenhos de academia, croquis de nus, cartões para os vitrais do Pavilhão do Brasil em Turim e os estudos para esses cartões, todas obras realizadas na Europa [cf. Catálogo]; participa da primeira exposição brasileira de belas-artes no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, e é nomeado professor temporário de desenho figurado na Escola Nacional de Belas Artes, substituindo o artista e seu antigo professor Zeferino da Costa, cargo ao qual é reconduzido, como catedrático em 1916, e no qual se mantém até o seu falecimento.
Em 1912 recebe a pequena medalha de ouro na 19ª Exposição Geral de Belas Artes da ENBA com o quadro Despertar de Ícaro, “tela magistral pela concepção, pelo desenho, pelo colorido e pela execução”,[12] que já havia suscitado críticas favoráveis na imprensa em 1911 como a de Oliveira Lima no O Estado de S. Paulo, de Aníbal Matos no O Mundo e de Oscar Lopes em A Semana, destacando que ”Lucílio tem acentuadas qualidades sugestivas. A sua tela Despertar de Ícaro é pela idéia uma trouvaille, o assunto que muitos outros artistas desejariam ter encontrado. É uma tela admiravelmente bem sentida, bem desenhada e bem pintada”.[13]
A imprensa também aprecia a obra histórica Expedição à Laguna (1914) [Figura 13], encomenda do governo do Rio Grande do Sul após exposição individual de Lucílio em Porto Alegre, chamando a atenção para o novo quadro e a dificílima tarefa confiada a um dos mais talentosos da nova geração de artistas brasileiros.
De 1913 a 1933 participa praticamente de todas as Exposições Gerais da Escola Nacional de Belas Artes, além de realizar individuais em Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Recife.
Podemos destacar o Salão de 1920, quando recebe a grande medalha de honra com o quadro Retrato de Georgina [Figura 14] que, numa intenção de renovação, aproxima o artista de um estilo decorativo ainda incipiente na pintura brasileira, porém praticado por vários desenhistas e ilustradores, influenciados pela acentuada simplificação e estilização do traço, materializando uma linguagem moderna.
Durante viagem a Salvador em 1924, Lucílio ficou impressionado e marcado pela luz tropical, o casario antigo, a população local, o mercado fervilhante, a indumentária feminina [Figura 15]. Esses elementos “[...] deram ao pintor um entusiasmo que, a partir de então, vai disciplinar diferentemente sua sensibilidade pictural: os pincéis foram substituídos pelas espátulas, essas mais convenientes ao trato pastoso e espontâneo das tintas, mais adaptadas a corresponder à sofreguidão visual”.[14]
A obra de Lucílio de Albuquerque, realizada sempre com dedicação, cuidado e apuro (o artista preparava as próprias telas e as espátulas) pode ser dividida em cinco fases: a acadêmica, quando estuda no Rio de Janeiro e em Paris, onde copia os grandes mestres europeus, aprimora as representações do corpo humano e aplica com esmero os exercícios de paisagem.
A fase das composições místicas e das “grandes idéias” que o pintor considerava as suas preferidas: “Todavia confesso-lhe que fico mais satisfeito toda vez que realizo um quadro de idéia, que faz pensar”.[15] Segundo a pintora Georgina de Albuquerque, “a plena posse da matéria plástica permite, na segunda etapa da sua arte, expansão aos dons de artista e à sua capacidade de poeta e pensador. Nobres e arrojadas, as composições giram em torno de idéias”.[16]
A terceira fase é a dos retratos; a seguir a das grandes composições históricas, e a última, a fase das paisagens quando o artista anula a estrutura acadêmica e suas pinceladas e manchas tornam-se mais consistentes e densas, comprovando os efeitos de luz sob um cromatismo variado, que evidencia um impressionismo tardio. A predominância dos tons verdes, amarelos, azuis e violetas, especialmente nas obras em que o pintor retrata uma paisagem-panorama, indica o rompimento com os contornos quando a sua palheta fica mais clara e arejada nas largas perspectivas.
Pintava suas paisagens en plein air sem violências inúteis, privilegiando os temas como pequenos recantos de rios, praias acrescidas de embarcações, de singela arquitetura ou de personagens locais. São trabalhos em pequeno formato com vistas pitorescas, o casario colonial inspirado nas cidades históricas mineiras e flamboyants floridos da paisagem niteroiense.
[...] e as suas paisagens são pedaços vivos, nítidos de nossa terra. Não são cantinhos de vegetação em banal sinfonia de verdes e amarelos. É a terra castigada pelas intempéries. É a terra que o sol queima e as enxurradas martirizam. É a terra forte, moça, cheia de seiva. [17]
Lucílio de Albuquerque evolui sempre. Onde seu pincel encontra expressões magníficas é nos velhos motivos coloniais. Um canto de rua que se esgueira deliciosamente, ladeira abaixo ou ladeira acima, na típica encarnação de uma época que se vai distanciando, cada vez mais querida. Sente-se que ele foi aos tipos de rua, às lavadeiras e doceiras, estudar-lhes a expressão fisionômica com o mesmo carinho que já lhes percrustou a psicologia. [18]
Lucílio de Albuquerque foi um grande divulgador da cultura artística brasileira, realizando conferências e outras atividades, sobretudo na missão desempenhada no Uruguai e Argentina por iniciativa do Ministério das Relações Exteriores em 1921, ocasião em que realiza uma exposição de seus trabalhos em Buenos Aires. A iniciativa do estabelecimento desse intercâmbio teve apoio da nova Sociedade Brasileira de Belas Artes (fundada em 1910 com o nome de Centro Artístico Juventas) constando, entre seus fundadores, Lucílio e Georgina de Albuquerque. [19]
Participa também de outras exposições internacionais como o Salão Internacional de Los Angeles (1926); Coletiva no Roerich Museum de Nova York (1927); Salão Internacional de Rosário, Argentina, conquistando o prêmio de estímulo (1929); The First Representative Collection of Paintings by Brazilian Artists, no Roerich Museum de Nova York (1930) e The 1935 International Exhibition of Paintings no Carnegie Institute em Pittsburgh, onde apresenta a obra O grande circo.
Exerce o cargo de diretor da Escola Nacional de Belas Artes de 1937 a 1938, vindo a falecer em abril de 1939. Após sua morte, sua esposa Georgina de Albuquerque comovida declara que “Lucílio viveu exclusivamente para a arte que amou e respeitou, nunca a mercantilizando. Laborioso, reservado, todos seus pensamentos e todos seus sentimentos, os vasava na sua arte”.[20]
Em 1940, o Ministério da Educação e Saúde homenageia o artista com uma retrospectiva de sua obra, no Museu Nacional de Belas Artes. A exposição apresentou cerca de 400 trabalhos entre grandes composições históricas e místicas, paisagens do Rio de Janeiro, de Niterói, do interior do Estado, de Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul, além de desenhos, estudos para composições, projetos de decoração de murais e croquis diversos. Acompanha a exposição importante e consistente catálogo ilustrado, com textos do diretor do Museu, Oswaldo Teixeira, do professor Celso Kelly, além de trechos de críticas nacionais e internacionais.
O Museu Lucílio de Albuquerque é criado em sua residência (Rua Ribeiro de Almeida, 22, no bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro), em 1943, por sua esposa e pela Sociedade de Amigos Lucílio de Albuquerque. Armando Miguéis, em um artigo para a Revista Forma, intitulado “Patrimônio a preservar”, chama a atenção para o descaso das autoridades sobre a necessidade de preservação das obras do artista, ameaçadas de dispersão. Ressalta as coleções de pinturas e desenhos divididos em tipos populares, cidades coloniais brasileiras, desenhos de expressão, documentários e diversos, “um legado, como se vê, que honra o patrimônio artístico do Brasil”.[21] O acervo do museu foi vendido integralmente a então Prefeitura do Distrito Federal e distribuído entre várias instituições e residências governamentais. A maior parte dessas obras compõe o acervo do Museu do Ingá / Museu de História e Arte do Estado do Rio de Janeiro, em Niterói.
Depois de sua morte suas obras integram diversas e importantes exposições coletivas em museus e galerias de arte: “Exposição retrospectiva – obras dos grandes mestres da pintura e seus discípulos”, São Paulo (1940); “Exposição de auto-retratos”, MNBA (1944); “Um século de pintura brasileira 1850-1950”, MNBA (1950); “Lucílio e Georgina de Albuquerque”, Galeria Le Chat, Niterói (1973); “Reflexos do impressionismo”, obras do acervo do MNBA (1974); Exposição retrospectiva Lucílio e Georgina de Albuquerque em comemoração aos 100 anos de nascimento do pintor, MNBA (1977); “A paisagem brasileira 1650-1976”, Paço das Artes, São Paulo (1980); “Tradição e ruptura: síntese de arte e cultura brasileiras”, Fundação Bienal de São Paulo (1984); “Dezenovevinte: uma virada no século”, Pinacoteca do Estado de São Paulo (1986); “Bienal Brasil século XX”, Fundação Bienal de São Paulo (1994); “De Franz Post a Eliseu Visconti”, acervo do MNBA no Museu de Arte do Rio Grande do Sul; “Brasil + 500 Mostra do Redescobrimento”, Fundação Bienal de São Paulo (ambas em 2000); “Arte brasileira sobre papel: séculos XIX e XX”, Solar do Jambeiro, Niterói (2002); “O preço da sedução: do espartilho ao silicone”, Itaú Cultural, São Paulo (2004), entre muitas outras.
Os críticos, em conceituados jornais, sempre acompanharam a trajetória do artista, tecendo comentários, observações, elogios, informações e uma orientação crítica elucidativa para os leitores e os apreciadores da arte que freqüentavam ou não as exposições e os Salões. São textos de jornalistas e de importantes escritores e literatos como Ronald de Carvalho, Menotti del Picchia, Monteiro Lobato, Mário de Andrade e especialistas em arte como o professor Flexa Ribeiro, o professor e pintor José Maria dos Reis Júnior, Carlos Cavalcanti e o pintor Quirino Campofiorito.
Análises de suas obras, os temas e a fatura pictórica, dados biográficos, conceitos sobre sua conduta artística e didática são destacados nesses textos e em outros postumamente. A imprensa estrangeira também registrou a presença do artista nos Salões, nas exposições e nas atividades culturais internacionais desde suas primeiras exposições até o seu falecimento.
Destacamos alguns escritos.
Quem acompanha com interesse a evolução da pintura brasileira nestas últimas décadas, não poderá deixar de anotar a obra de Lucílio de Albuquerque como das mais significativas. É um artista sincero que se renova, na pesquisa, na retificação do que vê, dominando, cada dia, pela conquista de mais uma parcela de verdade. Em Lucílio não se operou, porém, uma evolução somente no sentido de subidas em degraus óticos e picturais. Houve mais: – houve verdadeira metamorfose, o paisagista sofreu como uma transmutação. Através desse magnífico esforço acossado violentamente pelos ímpetos de seus instintos, ele afinal se colocou, sozinho, sem a sombra apavorante dos mestres, liberto da servidão européia, em face da natureza brasileira. Desse conflito formidável em que a terra americana parecia esmagá-lo, ele saiu triunfante: compreendeu-a, sentiu-a com a grandeza de seu coração, viu-a na realidade empolgante de uma epopéia ruidosa de massas e luzes deslumbrantes.
Lucílio de Albuquerque é o paisagista brasileiro. Encontramos nas suas paisagens uma grandeza robusta, um cântico da vida que vem de um temperamento que se definiu, que encontrou através dos anseios de um insatisfeito a sua finalidade moral e estética.[22]
Em Lucílio de Albuquerque são as suas qualidades de construção, especialmente de desenho, a sensibilidade de certas formas e cores bem dispostas, o que recoloca muitas das suas obras dentro de mais firmes campos plásticos. A sua Rapariga do Minho se não chega a ter aquela força plástica de certos rostos de mulher de Corot da primeira fase, é de uma excelente matéria, voluptuosa, franca, cheia de vigor. O Retrato de Georgina, outra obra valiosa, que dos mais avançados “modernos” tenho ouvido respeitar, é de uma segurança e de uma sensibilidade de desenho e de cor que lhe permite lugar garantido na evolução histórica da plástica nacional. Como homem de arte, Lucílio de Albuquerque soube envelhecer a tempo [...] se interessava pelas pesquisas plásticas novas e pelo moços que apareciam, pintando tão diferentemente do que ele fazia. Não tentou mudar de rumo, sentia que isso era tarde para sua personalidade já feita. Seria uma insinceridade fundamental, apenas uma máscara oportunista - e isso não condizia com a sua bela envergadura moral. Mas não reagiu contra ninguém, nem contra nenhum princípio por mais maluco que parecesse: antes se interessava pelo que os outros estavam fazendo, os novos o traíam, sabia acolhê-los com igualdade e sei mesmo de moços inovadores a quem defendia e apreciava [...] É ainda cedo para que se possa dizer da obra plástica deixada por Lucílio de Albuquerque, o que ficará definitivamente e em que posição ficará; mas sempre é certo que ele soube ser um homem generosamente compreensivo, que ao invés de muitos dos seus pares, cuja atuação tem sido totalmente prejudicial ao progresso da plástica brasileira, nunca cerceou a liberdade de ninguém, nunca prejudicou ninguém.[23]
A obra de Lucílio de Albuquerque se insere em um período em que a arte acadêmica enfrentava os embates com os artistas modernos, não só pela primazia da forma, mas sobretudo pela necessidade de reforma do ensino na Escola Nacional de Belas Artes. Lucílio, como professor, sempre se posicionou de maneira aberta e conciliatória, mesmo que a sua obra - considerada avançada para a época no que se refere à sua pintura dita “impressionista” – não evidenciasse uma abertura para as questões do modernismo brasileiro pós Semana de Arte Moderna de 22.
Pode-se considerar que Lucílio de Albuquerque viveu e atuou consciente e livre, em um ambiente de transição entre o academicismo e o modernismo, ratificando suas tendências artísticas e contribuindo para a valorização da arte brasileira do início do século XX.
(*) Texto originalmente publicado em Lucílio de Albuquerque 1877-1839. Catálogo de Exposição, com curadoria de Piedade Epstein Grinberg. Caixa Cultural, Rio de Janeiro, 27 de setembro a 5 de novembro de 2006, p.7-21.
[1] DUQUE, Gonzaga. Lucílio de Albuquerque. Revista Kosmos, Rio de Janeiro, 1906.
[2] LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário Crítico da Pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre Ltda, 1988. p. 16
[3] DUQUE, Gonzaga. Salão de 1906. In: Contemporâneos. Rio de Janeiro: Typ. Benedicto de Souza, 1929.
[4] ALBUQUERQUE, Georgina. Lucílio, idealista. Boletim de Belas Artes, nº 6. Rio de Janeiro, junho de 1945.
[5] A Escola organizava anualmente a Exposição Geral de Belas Artes e fazia o concurso para escolher o pensionista que partiria para a Europa.
[6] Este quadro e um de seus esboços encontram-se no acervo do Museu D. João VI da Escola de Belas Artes da UFRJ.
[7] DUQUE, Gonzaga. Lucílio de Albuquerque. Revista Kosmos. Op. cit.
[8] MOTTA, Flávio. Contribuição ao estudo do art-nouveau no Brasil. São Paulo, s.ed., 1957. p. 41-45.
[9] DUQUE, Gonzaga. Salão de 1907. In Contemporâneos. Op. cit.
[10] PRESTES, de. Salão dos Artistas Franceses. Comércio. Porto, Portugal, maio 1908.
[11] Essa obra integra o acervo do Museu Nacional de Belas Artes.
[12] ALBUQUERQUE, Georgina. Op. cit.
[13] LOPES, Oscar. A Semana. Ro de Janeiro, 3 de setembro de 1911.
[14] CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Edições Pinakhoteke, 1983.
[15] LEITE, José Roberto Teixeira. Op. cit.
[16] ALBUQUERQUE, Georgina. Op. cit.
[17] CAMPOFIORITO, Quirino. Belas Artes. Rio de Janeiro, julho de 1939.
[18] Diário Popular. São Paulo, 1929 in Retrospectiva Lucílio de Albuquerque, MNBA, 1940.
[19] MORAIS, Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro 1816-1994. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.
[20] ALBUQUERQUE, Georgina. Op. cit.
[21] MIGUÉIS, Armando. Patrimônio a preservar. Revista Forma, Rio de Janeiro, nº 2, 1954.
[22] RIBEIRO, Flexa. O País. Rio de Janeiro, 1927. in Retrospectiva Lucílio de Albuquerque, op.cit.
[23] ANDRADE, Mário de. O Estado de S. Paulo. São Paulo, junho de 1939 in Retrospectiva Lucílio de Albuquerque, id. ibidem