Manuel de Araújo Porto-Alegre e as
origens institucionais da crítica de arte no Brasil
Marcos
Florence Martins Santos
SANTOS, Marcos Florence Martins. Manuel de Araújo Porto-Alegre e
as origens institucionais
da crítica de arte no Brasil. 19&20,
Rio de Janeiro, v. X, n. 2, jul./dez. 2015. https://www.doi.org/10.52913/19e20.X2.12a
[English]
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1. Forjada
na disputa íntima entre os ensinamentos apreendidos entre 1827 e 1831 com Jean-Baptiste
Debret (1768-1848) na Academia Imperial do Rio de Janeiro (AIBA) e as
experiências artísticas e intelectuais vivenciadas na Europa, a síntese
pioneira do desenvolvimento artístico brasileiro elaborada por Manuel de
Araújo Porto-Alegre surge em 1834, no âmbito dos
debates travados no recém-inaugurado Instituto Histórico de Paris - IHP.
2. Acompanhando
o pintor histórico francês em seu retorno à França, Porto-Alegre
se instala em Paris em 1831 e se matricula nas aulas ministradas pelo pintor
Antoine-Jean Gros (1771-1835).[1] Com formação acentuadamente neoclássica
orientada por Jacques-Louis David (1748-1825), na juventude Gros havia
demonstrado forte inclinação colorista nutrida pela aproximação de suas obras
com a tradição barroca do século XVII.
3. Convivendo,
porém, com o artista em seus últimos anos de vida, marcados pela recusa dessas
experiências, Porto-Alegre assiste ao arrefecimento
da impetuosidade “pré-romântica” que havia caracterizado a série de pinturas de
batalha realizadas durante o período napoleônico quando, atuando como curador
das obras de arte confiscadas durante as campanhas na Itália, Gros viaja por
todo o país como pintor oficial do imperador registrando os avanços do exército
francês.
4. Assim,
afastando-se em certa medida da polarização que caracterizava o ambiente
artístico francês em meados da década de 1830, derivada da disputa entre
partidários do neoclassicismo de Jean-Auguste Dominique Ingres (1780-1867) e
entusiastas do romantismo de Eugène Delacroix (1798-1863), Porto-Alegre
atende ao convite de Eugène de Monglave
(1796-1873)[2] e ingressa em 1834 no recém-fundado
Instituto Histórico de Paris, convivendo então, ao lado do poeta Domingos José
Gonçalves de Magalhães (1811-1882) e de Francisco Salles Torres Homem
(1812-1876), com expoentes da intelectualidade e das artes francesas ligados a
essas e outras vertentes estéticas, políticas e filosóficas.
5. Amigos
desde a juventude vivida no Rio de Janeiro, os três jovens serão responsáveis
pela redação do Resumo da história da
literatura, das ciências e das artes no Brasil, lido nas primeiras sessões do
IHP e publicado no segundo número do jornal editado pela agremiação. Deixando
de lado os escritos de Magalhães e Torres Homem que comentam o estado da
literatura e das ciências no Brasil, a presente colocação adotará como ponto de
partida o texto de Porto-Alegre dedicado
exclusivamente às belas-artes.
6. Referindo-se
ao processo de elaboração e à acolhida desse texto entre os intelectuais
franceses em carta endereçada ao Frei Francisco do Monte Alverne
(1783-1858),[3] o autor fornece alguns aspectos
importantes de sua maneira de compreender o fenômeno artístico:
7.
Eu não encaro as artes como um deleite,
mas sim como uma coisa necessária. A arte é o ideal, o ideal é o sublime do
pensamento e este não pode representar senão a imagem da ideia predominante, ou
lado para onde pende a filosofia. [...] Quando a filosofia de Condillac e Helvetius
predominava, as artes não produziram nada de nobre e grandioso; eram Vênus,
Martes, Cupidos, poucas produções sacras: claro está que o sensualismo invadia
a sociedade, e os artistas, devendo seguir o gosto dela, lhe apresentavam
simulacros de suas ideias. [...] Na Revolução Francesa, era a Grécia e Roma, e
hoje que há oscilação de ideias, cada um pende para o seu lado; ora, é verdade
que no meio deste turbilhão em que gira a inteligência, o bom senso, se
nutrindo das luzes emanadas pelo choque destas massas intelectuais, vai
marchando e com ele o progresso da humanidade; eis aqui, meu caro Padre Mestre,
o ponto de vista no meu quadro das artes [...][4]
8. Menosprezando
a orientação sensualista proposta por Éttiene Bonnot de Condillac (1715-1780),
o pintor brasileiro deixa transparecer sua predileção pela vertente idealista
que, amparando-se no espiritualismo de Monte’Alverne,
encontrava eco nos postulados do ecletismo apregoado por Victor Cousin (1792-1867),[5] filósofo francês que, desfrutando de
grande prestígio na França nos anos da Monarquia de Julho (1830-1848), havia
influenciado as orientações filosóficas do principal orador sacro da Corte
brasileira desde o reinado de Dom João VI.
9. Assim,
partindo dos ideais estéticos enobrecedores do neoclassicismo apreendidos
inicialmente com Debret na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e
apurando-os posteriormente no ateliê de Gros, Porto-Alegre
se apropria do método historicista sugerido pelo ecletismo e adotado pelos
idealizadores do IHP, filiando-se assim ao conservadorismo moderado que
caracterizava a atuação de grande parte dos sócios do instituto parisiense.
10. Dessa
forma, em sua preleção, o autor demostra inicialmente seu categórico desprezo
pelo nativismo de feição exótica que vinha sendo propagado por autores
franceses, como Ferdinand Denis (1798-1890) e Chateaubriand (17681-848), e,
afastando-se dessas interpretações idílicas endossadas ainda que comedidamente
por Gonçalves de Magalhães em seu Resumo
sobre o “estado” da literatura nacional, passa ao largo das representações
utilitárias e rituais produzidas pelos autóctones ao afirmar que essa produção
apresentaria “certa semelhança com as sobras egípcias da infância da arte”,[6]
estabelecendo que a gênese das artes no Brasil se encontraria na atuação de
colonos portugueses e jesuítas interessados em suprir suas necessidades cristãs
de catequização, culto e oração.
11. Iniciando
esse primeiro esboço de uma cronologia da arte brasileira, o autor identifica
as influências da arquitetura renascentista sobre os templos coloniais.
Ressaltando, porém, as consequências da apropriação desses referenciais pela
arquitetura sacra portuguesa que havia referenciado a construção dos templos
erguidos no Brasil, Porto-Alegre ressalta a
inclinação barroca de nossas construções afirmando que “Não se encontra aí um
só edifício gótico dessa época; por toda a parte, em seus monumentos, adotaram
os jesuítas um tipo intermediário entre o romano e o gótico”.[7]
12. Deixando
clara sua insatisfação com a opção estética empregada pelos jesuítas na
construção dos templos nacionais, Porto-Alegre revela
sua admiração pelo gótico, entendendo-o como o estilo arquitetônico mais
apropriado para a meditação e a elevação espiritual. Assim, condenando a
conformação dos templos jesuíticos - que, segundo ele, haviam afastado a
arquitetura colonial do modelo pré-renascentista que se havia espalhado pela
Europa entre os séculos XII e XV -, o autor procura aproximar esses exemplos
arquitetônicos coloniais da austeridade própria da arquitetura medieval,
filiando-os assim à periodização estabelecida por comentadores europeus que,
desde o século XVIII, identificavam o estilo gótico como precursor do
racionalismo característico das sínteses compositivas neoclássicas que, nos
anos da Restauração Monárquica francesa, seriam exploradas por Dominique Ingres
em oposição ao sensualismo romântico depreendido das telas executadas por Delacroix.
13. Identificando
esse vácuo estético-temporal na cronologia do desenvolvimento artístico
nacional e objetivando a composição de uma história da arte brasileira que estivesse
atrelada ao desenvolvimento dos debates europeus, Porto-Alegre
contorna a inevitável ausência de paralelismos entre a cronologia das artes
europeias e a produção artística nacional, dignificando alguns trabalhos
realizados por escravos negros e mulatos.
14. Em sua
opinião, esses artesãos teriam sido beneficiados pelas necessidades de luxo e
refinamento derivadas do enriquecimento dos colonos que, alheios ao trabalho
manual, teriam instigado alguns talentos de suas senzalas a desenvolver suas
aptidões artísticas na Europa. Entre esses artistas, Porto-Alegre
cita inicialmente um certo Sebastião como responsável pela decoração da Igreja
de São Francisco do Rio de Janeiro, identificando seu zimbório com um “reflexo
longínquo dos frescos do Vaticano”.[8]
15. Em
outro trecho, o autor reafirma essa ideia e, revelando seu entendimento sobre o
estado das artes brasileiras durante o período colonial, refere-se novamente ao
emprego da mão de obra escrava nas atividades artísticas, afirmando:
16.
Os conventos também tiveram os seus
escravos artistas; e a posteridade livre que se aglomera hoje sob os seus
peristilos não imagina sequer que foram erguidos por mãos acorrentadas. [...] O
artista mais inspirado não passava a seus olhos de uma máquina mais bem
organizada do que outras máquinas; usavam-na com desprezo, enquanto o mais ignóbil traficante recebia todas as homenagens; era honroso
receber o resultado do vil comércio, mas o valor do trabalho mais sublime se
colocava abaixo de uma esmola. [...] Entretanto,
apesar dos esforços dos portugueses, a luz começava a dissipar as trevas.
Brasileiros vieram a Lisboa organizar o melhor dicionário de língua portuguesa;
os melhores professores da Universidade de Coimbra eram brasileiros; e à margem
do Tejo as joias de ferro, que o mulato Manuel João (? - ?)
fabricava nos confins da província de Minas Gerais, eram disputadas.[9]
17. Mais
adiante, debruçando-se sobre a produção artística do século XVIII, Porto-Alegre elogia os grupos escultóricos executados pelo
mulato Valentim da Fonseca e Silva (c.1745-1813), o Mestre
Valentim que, contratado pelo Vice-rei Dom Luís de Vasconcelos e Sousa realizou
trabalhos escultóricos e arquitetônicos para a ornamentação do Passeio Público
do Rio de Janeiro. Exaltando esse conjunto de trabalhos, o autor afirma que:
18.
Nada é medíocre, tudo revela a mão do
artista. [...] Essas obras e muitas outras deram impulso ao gênio nacional; a
despeito do governo, as artes não tornaram a adormecer e estavam preparadas
para o congresso, quando D. João VI desembarcou nas costas do Brasil. Foi esse
o reflexo da Revolução Francesa nessa parte da América: os portos se abriram
afinal para o estrangeiro, e com o estrangeiro o país reconquistou a liberdade
individual; segundo período da história das artes no Brasil.[10]
19. Ressaltando
ainda mais a dicotomia entre o talento inato dos artistas brasileiros em
contraposição às interferências da censura metropolitana ao desenvolvimento
dessas habilidades no país, o autor exalta a vinda da dita Missão Artística
Francesa ao Rio de Janeiro e, estabelecendo esse fato como marco inaugural do
“segundo período da história das artes no Brasil” se aproxima da estética
hegeliana que, em sua periodicidade, identifica as fases simbólica, clássica e
romântica como definidoras do grau de desenvolvimento artístico das sociedades.
20. Nesse
contexto, o autor reverencia as mudanças políticas e administrativas
introduzidas no país após a instalação da Corte portuguesa no Rio de Janeiro e
os reflexos dessas transformações no ambiente artístico nacional. Destacando o
engajamento dos artistas franceses na “tarefa” civilizatória de inaugurar o
ensino artístico acadêmico no país, Porto-Alegre
parece identificar esse momento como o início do “período clássico” das artes
nacionais.
21. Adiante,
referindo-se às três primeiras exposições realizadas na AIBA, o autor aponta o
crescente interesse do público e da imprensa pelos três certames e, depois de
mencionar genericamente alguns trabalhos apresentados por amadores e por alunos
da Academia Militar, destaca, dentre as pinturas produzidas na Academia,
aquelas realizadas pelos alunos formados por Debret. Assim, exaltando o sucesso
da mostra de 1830 e, em especial, a participação desse grupo, Porto-Alegre afirma:
22.
finalmente a história foi traduzida em
poesia muda pelos alunos do Sr. Debret. Os que mostraram maiores possibilidades
foram Francisco
Pedro do Amaral, pintor e arquiteto, que decorou os palácios imperiais e
executou os belos frescos da sala dos filósofos na Biblioteca Nacional, bem
como os arabescos do palácio de D. Maria; Cristo Moreira, pintor de marinha e
professor de construção naval; Simplício, professor dos príncipes, excelente retratista; José dos
Reis Carvalho, paisagista e professor de desenho da Escola Militar, e José
dos Reis Arruda, secretário da Academia de Belas-Artes. E talvez me seja
permitido colocar-me entre os meus condiscípulos, eu, que vim à Paris
aperfeiçoar-me.[11]
23. Nesse
comentário, Porto-Alegre articula de maneira
indissolúvel o desenvolvimento das artes no Brasil à ação pedagógica
desempenhada pelo grupo de professores franceses e, inserindo os frutos de suas
orientações na cronologia da história da arte nacional, acaba sedimentando de
forma personalista a promessa de continuidade e multiplicação dos resultados
estéticos e civilizatórios derivados deste aprendizado.
24. Enfatizando
ainda mais os benefícios angariados pelo Brasil através de sua filiação à
cultura francesa, o autor do Resumo
termina seu pronunciamento com a seguinte síntese:
25.
Em resumo, senhores, posso dizer-vos com
orgulho que as belas-artes encontraram no Brasil um solo fértil; a escola do
Rio de Janeiro, filha legítima da escola de Paris, terá muito breve filhos
dignos dela. Por toda parte há uma sede de instrução que só se pode desalterar
nas próprias fontes da ciência. Por isso é que se vê a juventude correr para as
praias do oceano, solicitar o auxílio como um favor, enfrentar as tempestades
para atingir o solo da França e, voltando ao trabalho com novo ardor, consultar
dia e noite os preciosos tesouros que vossa hospitalidade oferece a todas as
nações do globo.[12]
26. Origem
de uma nova concepção argumentativa dedicada à produção artística nacional, o
autor, apoiando-se na alegada análise de documentos, procura determinar as
origens dessas atividades no Brasil através da construção de uma narrativa
cronológica que justificasse o desenvolvimento autônomo dessas áreas em
contraposição às interpretações até então dominantes, que filiavam esse
processo ao exclusivismo da matriz cultural portuguesa.
27. Deve-se
ressaltar que, inaugurando a série de artigos relacionados às belas-artes, o
texto publicado originalmente nas páginas da revista do IHP foi reproduzido
poucos meses depois nas páginas do Correio Official
que, posicionando-se favoravelmente ao governo regencial e contra as tendências
políticas simpáticas ao Regresso, era editado no Rio de Janeiro.[13]
Em 1835, nesse jornal, afastada a ameaça regressista, os três textos do Resumo voltam a surgir de maneira
fragmentada e sem assinatura, apresentando poucas alterações em relação ao
artigo publicado sob os auspícios do IHP. A inclusão, na versão traduzida, de
alguns vocábulos que não constam dos originais em francês indicia, porém, a
clara intenção editorial de ampliar o potencial nacionalista e moderado
depreendido dos textos que haviam sido apresentados em Paris.
28. Ainda
em 1835, outro texto escrito por Porto-Alegre,
publicado no jornal Aurora Fluminense e intitulado Carta de um jovem brasileiro sobre a cidade de Roma, traz novas
informações sobre a concepção estética que norteava as observações do primeiro
historiador da arte nacional. Mencionado por Gonçalves de Magalhães numa das
cartas endereçadas a Monte Alverne, o relato, escrito
durante o período em que os dois empreenderam uma viagem à Itália, reafirma a
predileção do autor pelo estilo gótico apontado como expressão arquitetônica
mais apropriada aos elevados ideais cristãos.
29. Demonstrando
sua admiração ao observar as antigas ruínas de Roma, nesse texto, Porto-Alegre valoriza a austeridade das concepções
medievais em detrimento do fausto característico dos templos romanos e,
manifestando-se a respeito da arquitetura e da ornamentação da Basílica de São
Pedro, localizada no Vaticano, tece o seguinte comentário:
30.
Cada parte isolada lhe daria extensão,
porém juntas umas destroem as outras no seu efeito; o ouro sobre o ouro não
realça, e demais, a arquitetura não é filha do cristianismo; é como uma
divindade pagã cantada pelo poder da religião severa. A Igreja de Nossa Senhora
de Milão é mais bela, o gótico, filho da Idade Média, é por excelência o estilo
dos edifícios cristãos e inspira sensações religiosas, em Milão ou em Paris eu
tinha vontade de rezar e em Roma parece-me que danço.[14]
31. Após a
circulação desses textos no meio intelectual fluminense e a nomeação de Porto-Alegre, em 1837, para a cadeira de pintura histórica
da AIBA, anteriormente ocupada por Debret, uma correspondência encaminhada pelo
mestre francês demostra sua clara intenção em dar continuidade ao projeto comum
de historiar do desenvolvimento das artes no Brasil:
32.
sempre conservei a ideia fixa de me tornar
o historiador do Brasil! Honra, pouco comum, que recai em vossas atribuições; e
que associa o artista ao herói que ele representa, reproduzindo
inteligivelmente aos olhos do mundo inteiro, uma biografia nacional, situada em
um Museu aberto à admiração dos estrangeiros, atraídos, até este dia, apenas
pelas riquezas dos produtos de história natural ou pela bizarrice dos
ornamentos selvagens do Brasil. [...] Neste século, consagrado, como você o
sabe, às pesquisas históricas, que novidade preciosa para o viajante europeu! O
sucesso é inquestionável; faça trabalhar nele seus alunos, se for necessário.[15]
33. Conhecidas
as menções elogiosas do mestre francês ao auxílio prestado por Porto-Alegre na localização e obtenção de documentos
relevantes para a elaboração do álbum Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil,
que foi editado entre 1834 e 1839, no contexto desse comunicado, a mencionada
correspondência prenuncia a existência de paralelismos entre as investigações
sobre o passado brasileiro realizadas no IHP e no Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro - IHGB, fundado no Rio de Janeiro em 1838.
34. Extravasando
essa coincidência e sucedendo a publicação do já mencionado Resumo (1834) e da revista Nitheroy (1836) - em que estranhamente Porto-Alegre não trata das belas-artes, a não ser uma breve
nota elogiosa sobre a nomeação de Félix-Émile
Taunay (1795-1881) para o cargo de diretor da AIBA e um comentário sobre
uma pequena tela de sua autoria - a carta mencionada ganha ainda mais
importância por anteceder em poucos anos a Memória
sobre a Antiga Escola Fluminense de Pintura, publicada em 1841, nas páginas
da Revista do IHGB.
35. Preparando-se
para a redação desse novo ensaio, já no fim da década de 1830, Porto-Alegre parece acatar a sugestão de Debret e passa a
inventariar os arquivos das igrejas fluminenses em busca de documentos que
pudessem ilustrar sua síntese definitiva do desenvolvimento artístico
brasileiro durante o período colonial. Bem mais robusto do que o texto de 1834,
o artigo publicado em 1841 propõe um novo resgate dos artistas fluminenses que,
destacando-se por suas obras, permitiriam graças a suas particularidades biográficas,
a composição de uma linha cronológica que embasasse o “desenvolvimento
progressivo” dessas atividades no país.
36. Nesse
novo artigo, depois de ressaltar a importância da arte como representação do
grau de desenvolvimento das sociedades e a relevância dos métodos de pesquisa
históricos e arqueológicos para a identificação dos marcos definidores da
evolução ou involução desse processo, o autor se manifesta genericamente em
relação ao estágio de amadurecimento das artes nacionais.
37.
Aquilo que a Europa e o Oriente nos
mostram num vasto panorama, a América e o nosso Brasil também o manifestam em
seus curtos períodos. [...] A Colônia, o Reino e o Império formam três divisões
salientes de nossas fases progressivas, é do seio da primeira, Senhores, que
venho arrancar do esquecimento alguns nomes ilustres nas artes, nomes de
artistas, que honram a terra em que nasceram, e que fundaram a primitiva Escola
Fluminense, que de certo modo merece uma menção honrosa em nossos anais, não
somente por serem os primeiros nessa terra, como também pela valentia de suas
obras.[16]
38. No
mesmo trecho, referendando mais uma vez a periodização estabelecida pela
estética hegeliana, Porto-Alegre se volta novamente
para a produção colonial e propõe o resgate de trabalhos realizados por
artistas fluminenses que, destacando-se por suas obras, permitiriam, graças a
suas particularidades biográficas, a composição de uma linha cronológica que
embasasse o desenvolvimento progressivo dessas atividades no país, atrelando
esse processo à independência política e à consolidação institucional e
constitucional do Estado monárquico brasileiro.
39. Iniciando
seus apontamentos a partir das pinturas sacras realizadas por Ricardo do Pilar (c.1635-1700) na Igreja do Mosteiro de São
Bento do Rio de Janeiro, Porto-Alegre busca uma nova
gênese para as artes no Brasil articulando-a conscientemente aos estágios de
desenvolvimento da arte ocidental.
40. Nesse
contexto, o artista religioso de origem alemã - apontado por Porto-Alegre como “precursor da escola nacional” -
cumpriria dupla função na articulação da narrativa histórica das artes
nacionais. Referendando os argumentos relacionados à gênese autóctone do gênio
artístico nacional defendida no texto de 1834, a nova “origem” estabelecida
pelas Memórias propõe articulação
mais estreita entre os trabalhos realizados no país durante o período colonial
e a tradição estabelecida pela historiografia artística europeia.
41. Assim,
exagerando na superioridade dos trabalhos realizados pelo frei e comparando-os
às pinturas de Giotto (1266-1337) e Cimabue (c.1240-1302), Porto-Alegre
aponta o Senhor dos Martírios [Figura 1] que ornamenta o altar da sacristia do
convento do mosteiro como principal obra do religioso que, tendo realizado
alguns trabalhos na península ibérica, se vale de artifícios próprios do
barroco, como a dramaticidade e a luminosidade características da “escola
espanhola”. No entanto, omitindo essas referências cronologicamente mais
próximas, Porto-Alegre exalta a humanização da figura
do Cristo flagelado e, incorporando essas características exclusivamente ao
vocabulário pictórico pré-renascentista, identifica o Senhor dos Martírios com
as obras realizadas pelos dois principais nomes desse período.
42. Identificando
nas obras do frei a austeridade e o caráter meditativo sugerido pelos trabalhos
realizados pelos artistas florentinos e tomando-os como presságios do
racionalismo estético tributado à arte renascentista, Porto-Alegre
se vale do arcabouço teórico proposto pelo ecletismo filosófico que, tendendo
ao “justo meio” e à moderação, permitia a conciliação de referenciais distintos
como a dramaticidade humanizada das representações espanholas, a rigidez das
composições pré-renascentistas e a teatralidade ideal que caracterizava as
cenas neoclássicas.
43. Dessa forma,
evidenciando a estruturação da lógica historicista que preside suas observações
relacionadas às artes brasileiras, Porto-Alegre
identifica alguns aspectos positivos da estética barroca que, conforme visto,
havia sido criticada no texto do Resumo.
Tangenciando novamente esse referencial, o autor aponta inicialmente as escolas
italianas como referências primitivas para a produção colonial e, colocando
essa influência como antecessora da “Escola Fluminense”, reavalia o
protagonismo estético e metodológico atribuído aos professores franceses,
indicando que seus ensinamentos representariam uma continuidade potencializada
dessa primeira experiência de apropriação ingênua dos referenciais clássicos
pela arte brasileira.
44. Como
“chefe da Escola”, o autor aponta o pintor José de Oliveira Rosa (c.1690-1769), que se havia
responsabilizado pelas pinturas que decoraram a casa de armas da Fortaleza de
Conceição, o teto da capela-mor da Igreja dos Carmelitas, transformada em
Capela Imperial e o teto da sala de audiências do Paço que, na década de 1840,
segundo o relato de Porto-Alegre, já haviam sido
caiadas ou substituídas por estampas decorativas executadas por outros
artistas. Referindo-se as obras destruídas de Oliveira Rosa e atestando a
maestria desse artista, o autor rememora seu convívio com Debret e afirma:
45.
Quando na minha mocidade volvia na
imaginação esses sonhos elísios, germinado pelo entusiasmo das artes, e
interrogava meu mestre sobre as obras dos nossos patrícios; o benemérito ancião
me conduziu a Igreja dos Terceiros de São Francisco, para que admirasse com ele
aquela obra, que ele julgava ser de um italiano.[17]
46. Como
terceiro expoente da Escola Fluminense, Porto-Alegre
aponta o nome de João Francisco Muzzi (16??-1702),
pintor de origem italiana que, depois de emigrar para o Brasil, teria tido
aulas de pintura com Oliveira Rosa com quem aprendeu a arte da cenografia
segundo as tradições compositivas derivadas do perspectivismo barroco do
italiano Andrea Pozzo (1642-1709) que, segundo Porto-Alegre, haviam instruído os trabalhos cenográficos
realizados por Oliveira Rosa para o Teatro de Manuel Luiz.
47. Essa
característica identificada nos trabalhos desse artista fica evidente nas telas
que registram o incêndio e reedificação do Recolhimento de Nossa Senhora do
Parto [Figura 2a e
Figura 2b].
Nesses dois trabalhos, Muzzi, que foi testemunha
ocular dos dois acontecimentos, demostra perícia em registrar os detalhes da
face principal e da lateral do grande edifício que, tragicamente havia sido
tragado pelas chamas e, num segundo trabalho, dedica-se a retratar os esforços
empregados em sua reconstrução.
48. Chama
a atenção nesse caso, a relação que Porto-Alegre
estabelece entre Oliveira Rosa e Muzzi, destacando o
fato de que o exaltado perspectivismo depreendido dos trabalhos do italiano
fossem fruto dos ensinamentos apreendidos com o “chefe da escola” brasileira.
Nesse caso, a ausência dos registros materiais dos trabalhos realizados por
Oliveira Rosa não permite mais especulações a respeito dessa possível relação,
porém, pode-se inferir, ainda que de forma especulativa, que o historiador,
preocupado em afirmar os vínculos da arte colonial com a antiguidade clássica e
com o academicismo neoclássico, invoca a lembrança das especulações feitas por
Debret para reafirmar os laços entre a arte colonial e a arte italiana.
49. Justificando
novamente essa preponderância da influência italiana nas artes praticadas na
colônia, o quarto nome a integrar a Escola é o do pintor João de Sousa (?-?),
autor de vários quadros que ornamentaram o claustro do Convento dos Carmelitas.
Apontado como um artista “pertencente à classe dos coloristas”, é lembrado como
mestre de outros artistas fluminenses como o mulato Manuel da Cunha (1737-1809), ex-escravo
de Januário da Cunha Barbosa (1780-1846), Secretário Perpétuo do IHGB que,
notando o talento do serviçal, havia custeado sua formação artística em
Portugal.
50. Segundo
Porto-Alegre, são de sua autoria as pinturas de teto
da Capela do Senhor dos Passos, na Capela Imperial, o Santo André Avelino
que ornamentava a Igreja do Castelo e um retrato do Conde de Bobadella [Figura 3].
51. Sexto
integrante do grupo, o pintor Leandro
Joaquim (c.1738-c.1798), que, juntamente com Mestre Valentim, havia
trabalhado na ornamentação do Passeio Público, é apontado por Porto-Alegre como detentor de “uma pincelada suave”
adestrada pelos ensinamentos de Manuel da Cunha, com que teria trabalhado em
telas de temática religiosa. Apontado como um dos responsáveis pelo projeto de
reconstrução do Recolhimento de Nossa Senhora do Parto, Leandro Joaquim é autor
do retrato do Vice-rei Dom Luís de Vasconcellos [Figura 4] e de painéis
em formato ovalado que registram cenas da paisagem carioca e do cotidiano da
cidade [Figura 5].
52. Dando
continuidade à cronologia das artes no país, o autor menciona novamente o nome
de José
Leandro de Carvalho, que já havia sido lembrado no Resumo de 1834. No contexto do ensaio redigido para o IHGB, porém,
o autor parece deixar em segundo plano os trabalhos sacros realizados pelo
pintor ao afirmar que esse artista “foi no tempo do reinado o melhor pintor
histórico e o mais fiel retratista da época”.[18]
53. Encerrando
o elenco de nomes que compõem a Escola Fluminense de Pintura, Porto-Alegre cita o pintor Manuel
Dias de Oliveira (1764-1837), que também era conhecido pela alcunha de Romano por ter estudado em Portugal e
posteriormente na Academia de San Lucca, onde teria frequentado as aulas de
Pompeu Battoni (1708-1787), pintor identificado
inicialmente com o estilo rococó que, tendo estudado em Roma, acabou aderindo
ao neoclassicismo, tornando-se um dos grandes representantes desse estilo no
âmbito do colecionismo inglês.
54. Retornado
ao Rio de Janeiro em 1800, Manuel Dias de Oliveira assume a recém-inaugurada
Aula Régia de Desenho permanecendo nesse cargo até 1822, ano em que o curso foi
encerrado por Dom Pedro I mediante decreto. Nesse período, ministra aulas de
modelo vivo em seu ateliê e se responsabiliza pela ornamentação da cidade
durante os festejos de recepção da Corte, em 1808. Trabalhando no Brasil no
período que antecede a chegada da Missão Francesa e a fundação da AIBA, Manuel
Dias de Oliveira foi responsável pela introdução do ensino artístico em moldes
acadêmicos no Brasil, tendo sido professor de Francisco Pedro do Amaral
(1790-1831), que, juntamente com Porto-Alegre, havia
frequentado as aulas de pintura histórica ministradas por Debret.
55. No
contexto desse novo estudo, o autor se afasta parcialmente das ideias
defendidas no texto de 1834, em que, conforme já visto, identifica alguns
reflexos distorcidos da arte renascentista que, desidratada pela apropriação
portuguesa, teria dado origem aos templos religiosos de inspiração barroca. No
texto do IHGB, apresentando cronologia mais afeita aos diferentes estágios da
“evolução” da arte europeia, Porto-Alegre enaltece a
influência da arte italiana sobre os pintores coloniais e, deixando em segundo
plano a importância conferida à atuação da Academia Imperial de Belas Artes,
exalta as contribuições da Monarquia para o desenvolvimento das artes nacionais
apontando o Estado como responsável pela contratação dos artistas que,
aportando em 1816 no Brasil como integrantes da Missão Artística Francesa, se
haviam responsabilizado pela introdução efetiva dos métodos compositivos do
academicismo neoclássico na Brasil.
56. Assim,
se no Resumo lido no IHP o autor
busca identificar os trabalhos de seus contemporâneos com os referenciais
acadêmicos franceses filiados à tradição clássica, deixando em segundo plano a
inspiração italiana, nas Memórias do
IHGB, atuando declaradamente como historiador, Porto-Alegre
identifica de maneira discreta a gênese barroca da arte colonial e,
aprofundando-se nas referências à influência italiana sobre os trabalhos desse
período, acaba por estabelecer novo marco cronológico por meio de análise mais
detida sobre a produção e as biografias de artistas como Ricardo do Pillar, Muzzi e Manuel Dias de Oliveira.
57. Nesse
novo quadro, sem deixar de lado a importância do ensino acadêmico para o
desenvolvimento das artes no Brasil, Porto-Alegre
procura relacionar esse processo à história da arte europeia, referendando
prioritariamente o talento e a produção realizada por artistas que,
supostamente formados nas escolas do velho continente, teriam contribuído
heroica e solitariamente para o aperfeiçoamento da arte brasileira até a instalação
da Academia.
58. Inaugurada
a instituição, o autor destaca a atuação dos professores franceses que, por
meio de seus esforços em favor da implantação do ensino acadêmico no Brasil,
acabaram por sedimentar a relação entre a arte colonial brasileira e a tradição
estética antiga, representada no texto pelas influências do barroco ibérico e
do renascimento italiano que, na contemporaneidade, teriam permitido a
incorporação de elementos pictóricos e compositivos vinculados à produção
neoclássica francesa de estrato mais conservador e racionalista que, na visão
de Porto-Alegre, se adequava às necessidades de
representação da Monarquia, da pátria e do virtuosismo civilizatório que
deveriam caracterizar as artes nacionais.
59. A
publicação das Memórias nas páginas
da Revista do IHGB assinala de maneira mais contundente as intenções
historicistas do autor. Envolvido desde seu retorno ao país com o processo de
fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Araújo Porto-Alegre parece voltar-se mais enfaticamente para o
estudo das especificidades que, aproximando-se das referências da alta cultura
europeia, pudessem revelar o talento dos artistas brasileiros e a independência
do processo de desenvolvimento das artes no país em detrimento da “perniciosa”
influência lusitana que havia sido detectada por ele no artigo lido para os
sócios do Instituto Histórico de Paris.
60. Assim,
atendendo em 1841 aos interesses dos membros da instituição congênere nacional,
Porto-Alegre se afasta temporariamente dos debates
cotidianos relacionados à Academia e, aproximando-se das posturas dos literatos
e estadistas que compunham os quadros do IHGB, irá se dedicar com maior afinco
ao ofício de historiador, debruçando-se sobre questões relacionadas à cultura
nacional e à exaltação dos grandes feitos realizados por personalidades
ilustres da história política e econômica do país.
61. Nesse
contexto, adequando-se à proposta ideológica do Instituto, ele se esquiva da
cronologia proposta no Resumo de 1834
e propõe uma reordenação da história artística nacional pautada pela busca de
elementos autóctones que, desprezando novamente o referencial indígena,
pudessem aproximar a produção colonial brasileira dos referenciais clássicos
que haviam orientado as artes europeias.
62. É
interessante notar que nos dois textos, tentando equacionar o problema das
diferentes etnias que constituem a população brasileira, tema extremamente caro
aos sócios do IHGB, Porto-Alegre procura excluir a
barbárie associada aos indígenas da nossa gênese cultural valorizando os
trabalhos realizados por negros e mulatos que, graças à benevolência de alguns
senhores esclarecidos, puderam desenvolver seu talento inato a partir do
contato com obras e artistas europeus. Assim, a equiparação do artesão colonial
ao artista do Império é muito mais um recurso retórico necessário à elaboração
de uma cronologia das artes desenvolvidas no Brasil do que uma tentativa de
reabilitar a importância da matriz africana na gênese de nossa cultura.
63. Neste sentido,
a comparação desses “artesãos” com grandes mestres da arte europeia permite a
construção de temporalidade difusa em que as etapas evolutivas da arte
brasileira podem ser enquadradas nos modelos historiográficos propostos por
Hegel e reinterpretados pela filosofia eclética de Cousin,
pois, utilizando-os como referência teórica, Porto-Alegre
pode estruturar as duas narrativas enquadrando “cientificamente” a presença de
referenciais culturais associados à barbárie (negros e indígenas)
restringindo-as a uma espécie de limbo preparatório (ou a infância da arte
hegeliana) que, contemplando essa produção “ingênua”, pudesse sedimentar a
futura afirmação efetiva do “gênio nacional”.
64. Sintetizando
a estrutura das concepções estética de Porto-Alegre,
as proposições de Victor Cousin oferecem a chave para
a construção dos amálgamas biográficos, estéticos e cronológicos presentes na
estruturação tanto do Resumo sobre as
artes no Brasil quanto da Memória
dedicada à Escola Fluminense. Assim, apresentando viés metodológico
favorável à construção dos textos apresentados por Porto-Alegre
no IHP e no IHGB, Victor Cousin define seus
postulados estéticos da seguinte forma:
65.
Poder-se-ia dizer que o Ecletismo é por
excelência a bandeira francesa nas artes do desenho e da música. Em suas artes,
a Alemanha e a Itália desenvolveram qualidades marcantes que estão
frequentemente antagônicas: os franceses parecem ter lutado desde os tempos
imemoriais para reconciliar esses extremos atenuando tudo que lhes parecesse
desarmônico.[19]
66. Destacada
a influência dessa concepção estética sobre as duas narrativas históricas
propostas por Porto-Alegre e seu esforço em promover
a adequação desses postulados à elaboração de convergências entre a produção
colonial e a tradição clássica estabelecida pela historiografia artística
europeia, deve-se ressaltar que tanto o pensamento estético como a metodologia
de análise propostas por Cousin permitem que a
estruturação híbrida que caracteriza o pensamento estético de Porto-Alegre se desenvolvesse. Relativizando, porém, a
importância e a originalidade desses postulados, deve-se ressaltar que o
filósofo francês repercute a idealização clássica do belo, explorada
anteriormente por teóricos referenciais como o alemão Johann Joachin Winckelmann (1717-1768),
autor da Historia da Arte na Antiguidade
(1764) e o italiano Luigi Lanzi (1732-1810),[20]
autor da Storia pittorica
dell’Italia, publicado entre 1772 e 1796, e
responsável pela legitimação da expressão “escola de pintura”, que, conforme já
visto, havia sido utilizada por Porto-Alegre na
estruturação de suas ideias sobre a existência e a composição de um “estilo
nacional” que permitisse a identificação e a diferenciação do gênio artístico
brasileiro em sua relação com as obras produzidas pelos grandes chefes das
“Escolas” europeias.
67. Outra
provável origem da matriz eclética utilizada por Porto-Alegre
na elaboração dos artigos dedicados à história das belas-artes no Brasil pode
ser detectada, ainda que de forma especulativa, a partir de seu convívio na
França com Alexader Lenoir
(1761-1839),[21] arquiteto e intelectual que, partindo
das teorizações evolutivas propostas por Winckelmann
e Lanzi, havia sido responsável pela idealização e
administração do Museu dos Monumentos Franceses, inaugurado em 1796 e que, na
década de 1830, durante a estada do brasileiro em Paris, assumiu postura
impregnada de nacionalismo, atuando como administrador dos monumentos franceses
e da Abadia de Saint-Denis e presidente da classe de história geral do IHP.
68. Deve-se
ressaltar que o administrador da abadia era também um grande entusiasta do
estilo gótico que, conforme já visto, foi apontado diversas vezes por Araújo Porto-Alegre como contraponto ideal ao barroco representado
pela arquitetura religiosa brasileira.
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Galeria no Império: a coleção da escola brasileira e as origens do Museu
Nacional de Belas-Artes. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo/Fapesp, 2012.
[1] Assim como Debret, Gros
havia sido aluno de Jacques-Louis David (1748-1825), destacado pintor
neoclássico que, participando da Revolução de 1789, trabalhou junto à corte de
Napoleão Bonaparte, responsabilizando-se pela execução das telas mais
significativas desse estilo
[2] Vivendo no Brasil entre
1820 e 1823, Eugène de Monglave
conviveu com alguns próceres da política nacional, como Evaristo e Veiga e José
Bonifácio, tendo acompanhado os primeiros movimentos políticos que iriam
culminar na independência do país. Grande admirador da geografia e da cultura
nativas, contribuiu significativamente para a divulgação da literatura
brasileira na Europa através da publicação, em 1827, de uma coletânea de cartas
trocadas entre Dom João VI e Dom Pedro I em1821 e 1822, e das traduções de Marilia
de Dirceu, em 1825, escrito por Tomás Antônio Gonzaga, e do poema épico Caramuru,
de Santa Rita Durão, publicado em francês em 1829. Em 1834, juntamente com o
historiador Joseph Michaud, articula as reuniões que
iriam resultar na fundação o Instituto Histórico de Paris.
[3] Apontado por diversos
estudiosos da história literária brasileira como o grande transmissor dos
postulados ecléticos à geração que, na década de 1830, iria levar a cabo o
projeto de modernização da cultura nacional, Monte Alverne,
por meio de seus sermões, impulsionou as primeiras discussões relacionadas a
esse tema. Exercendo ativamente a função de homem de letras e obtendo enorme
destaque como orador, o frei instigou o engajamento de diversos expoentes da
intelectualidade brasileira à causa civilizatória e, reafirmando sua crença nos
postulados ecléticos espiritualistas elegeu a virtude como substantivo promotor
da religiosidade cristã, do desenvolvimento moral, intelectual e material da
Nação.
[4] PORTO-ALEGRE, M. de
Araújo. Cartas a Monte Alverne. Sexta
carta, 25/07/1835, p. 8.
[5] Trabalhando na Alemanha
em 1817 e 1818, Cousin se aproxima de Hegel que nesse
período atuou como professor de filosofia nas Universidades de Heidelberg e
Berlim, nas quais, entre 1820 e 1829, ano em que se tornou reitor desta última,
ministrou aulas de história da filosofia, filosofia da religião, filosofia da
história e proferiu as palestras que compõem seu curso de estética. Demitido de
suas funções como professor na França em decorrência de suas inclinações
liberais, Cousin viaja novamente à Alemanha onde se
envolve com movimentos que conspiravam a favor da restauração monárquica na
França e na Prússia. Preso na cidade de Dresden em 1824 permanece encarcerado
até o ano seguinte, período em que recebe grande apoio de Hegel, que interferiu
junto a autoridades alemãs clamando por sua libertação. Apropriando-se
principalmente do historicismo hegeliano e utilizando-o como metodologia de análise
para a elaboração de seus argumentos, Cousin propõe
uma nova estruturação para a história da filosofia, na qual a análise em
perspectiva do pensamento humano deveria ser pautada pelo estudo das diferentes
etapas de formação do espírito dos povos.
[6] DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem
Pitoresca e Histórica ao Brasil. São Paulo: Livraria Martins Editora. 1965.
Coleção Biblioteca Histórica Brasileira. Tomos II. 1965, p. 440.
[7] Ibidem, p. 441.
[8] Idem.
[9] Idem.
[10] Ibidem, p. 442.
[11] Ibidem, p. 444.
[12] Ibidem, p. 445.
[13] O texto na íntegra foi
publicado no Correio Official em 29/12/1834
sob o título Literatura e Artes no Brasil. Em 1835, trechos do artigo original
foram publicados em 23/04 e 06/08.
[14] PORTO-ALEGRE, Manuel de
Araújo. Carta de um jovem brasileiro sobre a cidade de Roma. Aurora
Fluminense, Rio de Janeiro, n. 1068, 13/07/1835.
[15] LIMA, Valéria. J. B.
Debret, historiador e pintor: uma viagem pitoresca e histórica ao Brasil
(1816-1839). Campinas: Editora da Unicamp, 2007, p. 277 (Seção de Manuscritos,
FBN).
[16] Porto-Alegre,
M. de A. Memórias sobre a Antiga Escola Fluminense de Pintura. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro. Tomo III,
1841, p. 549.
[17] Ibidem, p. 552.
[18] Ibidem, p. 554.
[19] Cousin,
Victor. Apud MATTOS, Claudia Valadão de. O Panteão e a Mata: estética e
política na formação e atuação de Manuel de Araújo Porto-Alegre.
In: KOVENSKY, Julia, SQUEFF, Leticia (Org.). Porto Alegre: singular e plural.
São Paulo: IMS, 2014,p. 129.
[20] MATTOS, Op. cit.,
p.139, cita em nota a doação de uma tradução francesa desse livro, feita por Porto-Alegre à Biblioteca da Academia Imperial de Belas
Artes.
[21] Como administrador da
Abadia de Saint-Denis, Lenoir foi responsável pela
contratação de François Debret, arquiteto e irmão do primeiro professor de
pintura histórica da Aiba, que entre 1830 e 1840
coordenou a oficina de restauração dos vitrais do templo gótico. Além do IHP, a
abadia também pode ter servido como palco para o encontro do jovem artista
brasileiro e o importante supervisor dos trabalhos de seu tutor