A Pintura de Temática Religiosa na Academia Imperial das Belas Artes: Uma Abordagem Contemporânea [1]

Reginaldo da Rocha Leite

LEITE, Reginaldo da Rocha. A Pintura de Temática Religiosa na Academia Imperial das Belas Artes: Uma Abordagem Contemporânea. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 1, jan. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/txt_reginaldo.htm>.

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Introdução

Num país relativamente novo e sem um passado organizado, o esforço dos pesquisadores em prol da sua construção histórica torna-se fundamental na atualidade. Observamos pelos trabalhos dos críticos e historiadores da arte em fins do século XX, ulteriormente ao “bombardeio” causado pelo movimento modernista brasileiro, o reconhecimento da relevância da pintura produzida durante o século anterior. A partir desse resgate novas teorias são formuladas seguindo caminhos distintos das críticas positivistas articuladas no final do século XIX[2]. Com isso, contribuições para a historiografia da arte brasileira e incentivos à pesquisa acadêmica surgem em vários programas de pós-graduação em nosso país visando encontrar outros eixos para melhor entender a construção da trajetória de significados e relações conceituais da arte produzida no século XIX.

Durante alguns anos o Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ vem discutindo a formação do artista no Brasil durante o século XIX; incluindo conceitos, métodos e práticas de ensino do passado tendo como estudo de caso a Academia Imperial das Belas Artes[3]. Nesse sentido interessamo-nos por essa frente de trabalho equacionando assim, uma investigação sobre o ensino e a produção da pintura de temática religiosa na Academia Imperial das Belas Artes.

Baseando-nos no fato constatado de que as telas de cenas da história nacional, como as batalhas, dominam os olhares críticos dos pesquisadores interessados no século XIX, os quadros religiosos são praticamente esquecidos sendo alvos de pequenos comentários. Ao estudarmos a pintura de temática religiosa do século XIX produzida por alunos e professores da Academia Imperial (nosso objeto de estudo) nos deparamos com a ausência de trabalhos e com a escassez de uma bibliografia específica sobre o assunto. Temos como diretriz principal reverter tal situação. Assim discutiremos algumas questões relacionas à produção das telas de representação bíblica, na Academia Imperial das Belas Artes, sob um olhar crítico atual. Com isso, acreditamos estar contribuindo para uma leitura de cunho contemporâneo sobre os aspectos pictóricos e temáticos da arte brasileira do século XIX.

Neste trabalho abordaremos, de forma sintetizada, a pintura religiosa sob dois aspectos específicos. No primeiro momento a Academia Imperial das Belas Artes torna-se o ponto central da discussão, a qual abrange a relevância da pintura religiosa na instituição e o seu papel no âmbito da pintura histórica. No segundo momento os Prêmios de Viagem e a trajetória dos pensionistas brasileiros em Roma e em Paris aparecem como fio condutor da análise crítica. Verificaremos, além da extensa quantidade de telas religiosas participantes das Exposições Gerais, as quatro obras que concedem aos seus autores a premiação máxima da Academia, isto é, o Prêmio de Viagem à Europa, sob temática religiosa em pintura.

Trabalharemos com dois problemas distintos: 1) De que forma pode-se identificar a relevância da pintura de temática religiosa na Academia Imperial das Belas Artes? 2) Como devemos agrupar as pinturas de temática religiosa da Academia?

A Cena Religiosa no Âmbito da Pintura Histórica

Após a chegada da Missão Artística Francesa, da implantação das normas clássicas de ensino difundidas pela Academia Imperial e da implementação no Brasil de um regime de governo, não mais colonial e sim imperial, a produção artística sofre uma considerável modificação, no entanto, a sociedade continua arraigada de tradições ditadas pela Igreja. É notória a relação dos artistas oitocentistas com os costumes e com as normas religiosas, portanto, por mais que a figura do monarca seja exaltada pelos pintores do século XIX, a pintura de temática religiosa continua tendo relevância no âmbito da produção artística do Rio de Janeiro. Isso se constata nas encomendas de trabalhos para templos religiosos feitas pelas irmandades a professores e artistas recém-formados da Academia Imperial.

Quando a Missão Artística Francesa chega ao Brasil em 1816, Le Breton traz consigo uma série de pinturas com temáticas variadas sob o objetivo de vendê-las a D. João VI para que fosse formada uma pinacoteca, a qual facilitaria o ensino na Academia baseando a produção local em modelos europeus. Segundo Morales de Los Rios, O ensino artístico: subsídio para a sua história, de 1942, uma série de quarenta e dois quadros é vendida em 4 de dezembro de 1815 ao governo brasileiro. Dentre essas telas vinte e cinco são de assuntos religiosos, ou seja, em torno de 60% do total. O autor cita uma segunda lista com doze pinturas adquiridas em 6 de junho de 1816 pelo monarca português. Nessa relação seis telas possuem temas religiosos. Essas obras são cópias, de mestres estrangeiros, utilizadas como referência na Academia Imperial das Belas Artes e estudadas por alunos em seus exercícios de composição formal e temática.

Durante a formação dos artistas da Academia o último gênero a ser estudado é o de cunho histórico pela dificuldade perante a sua produção. Seguindo o currículo do curso de pintura, os estudantes primeiramente copiam telas e estampas européias referenciais passando posteriormente aos estudos de partes do corpo humano (orelhas, pés, mãos, olhos, bocas) culminando no desenho de corpos completos (academias). Completando essa etapa os alunos começam a desenvolver desenhos baseados nas moldagens em gesso, cópias dos originais greco-romanos. A formação básica é concluída com as aulas de modelo vivo ficando o pintor habilitado a cursar a disciplina de pintura histórica. Segundo o professor Vitor Meireles de Lima:

Os alunos que frequentarem o primeiro ano desta aula deverão principiar o estudo da Pintura copiando os bustos e os grupos de gesso, exercitando-se depois no estudo da Natureza morta, estudos esses que muito contribuirão não só a que os alunos compreendam os efeitos do claro-escuro e da Perspectiva, como para o arranjo e distribuição dos diferentes objetos que constituem a composição, exercitando-se também, deste modo, no estudo do colorido.[4]

No curso de pintura histórica, os elementos para a composição da tela são estudados buscando atingir a perfeição ideal. As telas de cunho bíblico apresentam personagens representadas a fim de refletir os movimentos do corpo, a tensão fisionômica e os sentimentos da alma. Para isso, os artistas desenvolvem pesquisas referenciais no sentido de alcançar determinada expressão, gestos, detalhes de trajes épicos e animais para compor a cena[5]. Tudo isso consiste, finalmente, numa confecção idealizada de um teatro religioso num suporte bidimensional.

A temática religiosa é extremamente valorizada no âmbito da pintura histórica pelos professores dessa instituição de ensino artístico. Vários dos professores de pintura histórica envolvem-se na produção de telas religiosas como: Pedro Américo, Vitor Meireles, Zeferino da Costa e Rodolfo Amoêdo, assim como alunos que não se tornaram professores da instituição: Almeida Júnior e Oscar Pereira da Silva. Vale lembrar que quando nos referimos à pintura histórica, estamos englobando quatro gêneros pictóricos que fazem parte da sua constituição; as temáticas: bíblica, mitológica, literária e as relacionadas à história nacional.

Pesquisando a produção de pintura histórica dos professores da Academia Imperial pudemos verificar que a temática envolvendo a história nacional não satisfazia integralmente alguns desses artistas, como é o caso de Pedro Américo. É o próprio pintor quem relata:

Minha natureza é outra, e creio dobrar-me com facilidade às exigências passageiras dos costumes de cada época, que também são uma das fontes em que um talento como o seu pode achar pérolas. A minha paixão só a história sagrada sacia-a...[6]

A pintura de temática religiosa passa a ser fundamental para o ensino artístico na Academia, pois para compô-la é necessário que o aluno tenha o domínio do desenho figurado, do uso da cor e do equilíbrio da cena, além dos conhecimentos necessários para a consolidação temática da obra.

Com a temática religiosa percebemos a introdução do Romantismo na Academia, juntamente com os temas ufanistas de cunho saudosistas. Manuel de Araújo Porto-Alegre pinta em 1840, por solicitação de José Clemente Pereira, uma Última Ceia para o Recolhimento dos Órfãos da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Nessa tela, o artista distribui Jesus e os apóstolos numa mesa com formato circular, apresentando ainda, um clima tenso e obscuro causado por contrastes de claro-escuro com sombras pesadas. As personagens da cena contribuem para o clima adotado por Porto-Alegre com os seus pathos e poses movimentadas.

As cenas religiosas compostas pelos artistas da Academia, a partir de Porto-Alegre, absorvem a tragicidade proposta pela poética romântica tornando as obras passíveis de movimentação, intensificação do jogo de luz e sombra e pathos expressivo. Com base nesses fatores podemos citar obras como: Caim amaldiçoado (1851) de Maximiano Mafra, A degolação de São João Batista (1855) de Vitor Meireles, Mater dolorosa (1883) de Pedro Américo e Flagelação de Cristo (1887) de Oscar Pereira da Silva. O gosto pelo orientalismo e a busca pelo exótico também estão presentes nas telas de cunho religioso como: O óbolo da viúva (1876) de Zeferino da Costa, Judith e Holofernes (1880) de Pedro Américo e Jesus Cristo em Cafarnaum (1887) de Rodolfo Amoêdo.

As Exposições Gerais de Belas Artes

As Exposições Gerais, também denominadas Prêmios de Segunda Ordem, realizadas anualmente na Academia Imperial determinam o campo de produção da obra de arte no Rio de Janeiro. A pintura é a arte mais representativa das Exposições em vários gêneros: retrato, tema religioso, paisagem europeia, paisagem brasileira, cenas de costumes, temas clássicos e mitológicos, alegorias, cenas históricas europeias e cenas históricas nacionais.

A relevância da pintura de cunho religioso na Academia pode ser atestada nas Exposições Gerais de Belas Artes no período compreendido entre os anos 1843 a 1884. O número de obras[7] de temática bíblica é bastante expressivo e superior ao número de telas de assuntos da história nacional, história europeia, clássicos e alegóricos, e cenas de costume. Pela pintura religiosa podemos acompanhar as várias modificações formais e estilísticas ocorridas durante o século XIX no Rio de Janeiro[8]. Podemos constatar que o expressivo número de telas de assuntos bíblicos participantes das Exposições Gerais deve-se aos chamados “envios de pensionistas”. Essas telas são produzidas na Europa por alunos brasileiros pensionistas em Roma ou Paris e enviadas ao Brasil para a avaliação dos professores da Academia Imperial, sendo posteriormente, expostas à visitação pública.

Podemos dividir a produção de pintura dos pensionistas brasileiros na Europa em quatro categorias principais definidas pelos temas abordados: as de tema religioso; as de tema tirado da história do Brasil, ou representando personagens brasileiros; as de referência à antiguidade clássica; e os nus. A estas categorias, podemos acrescentar duas outras menos presentes: as paisagens e a pintura de gênero. Por vezes estas categorias se confundem, pois um personagem brasileiro, o índio, por exemplo, pode igualmente ser classificado como um nu.[9]

A produção dos pensionistas na Europa é composta por temáticas distintas, porém cabe-nos abordar apenas as telas de assuntos religiosos. Tudo nos leva a crer que as telas religiosas participantes das Exposições Gerais de Belas Artes, que refletem a posição da Academia como normalizadora do campo artístico, agrupam-se em quatro tipos de abordagens temáticas. São elas: a iconografia de Maria, vida e paixão de Jesus Cristo, temas envolvendo personagens bíblicos e, a vida e o martírio dos santos, assim como acontece nas pinturas italianas de temática religiosa.

Os Prêmios de Viagem e a Trajetória dos Pensionistas na Europa

Com a criação, em 1845, do Prêmio de Viagem à Europa (também chamado Prêmio de Primeira Ordem) Roma torna-se modelo de aperfeiçoamento técnico e alvo dos pintores da Academia Imperial para a confecção de suas telas em temáticas variadas. Como as exigências da Academia para uma perfeita composição baseiam-se nos âmbitos clássicos de representação, Roma é vista como modelo ideal de estudo pela facilidade do diálogo direto do pensionista com as obras dos grandes mestres europeus.

A instituição do prêmio de viagem, a partir de 1845, permitiu o reforço e a ampliação daqueles laços originais. A permanência na Europa possibilitou a vários artistas brasileiros o aperfeiçoamento técnico, segundo os preceitos da prática acadêmica, e a experiência do contato imediato com todo o acervo, que constituía a grande tradição clássica do ocidente - daí a escolha alternativa entre Roma ou Paris para os estudos dos pensionistas.[10]

Dentre os Prêmios de Viagem à Europa, conquistados por sete pintores, durante a existência da Academia Imperial das Belas Artes, quatro constituem quadros religiosos. São eles: São João Batista no cárcere de Vitor Meireles, 1852; Moisés recebendo as tábuas da lei, de Zeferino da Costa, 1868; O sacrifício de Abel, de Rodolfo Amoêdo, 1878 e Flagelação de Cristo, de Oscar Pereira da Silva, 1887.

Vitor Meireles (1832/1903) ingressa na Academia Imperial das Belas Artes em 1847 recebendo o Prêmio de Viagem em 1852[11], com um tema religioso, indo estudar pintura na Europa durante o período de oito anos. Estuda em Roma com Tommaso Minardi, o qual considera o pensionista ainda despreparado para a pintura histórica tamanha a exigência da complexidade do tema. Segue orientações de Nicola Consoni, professor da Academia de São Lucas com quem se especializa em modelo vivo e em indumentária. Em Paris frequenta o ateliê de Leon Cogniet assistindo ainda as aulas do italiano Gastaldi. Enquanto pensionista na Europa, Vitor Meireles de Lima realiza quatro importantes telas; duas de temática religiosa, uma de cunho mitológico e outra representando uma cena da história nacional[12].

Na época de Meireles em Roma, a reforma dos Nazarenos havia evoluído para o Purismo, um movimento artístico com ecos neoplatônicos. Os Nazarenos, jovens pintores dissidentes das Academias no início do século, tornaram-se então uma plêiade de grande prestígio. Tommaso Minardi estivera ligado ao grupo desde os primeiros tempos.[13]

O professor Jorge Coli trabalha com a trajetória de Vitor Meireles em Roma[14] enfatizando o contato do artista brasileiro com a obra de Consoni e dos Nazarenos[15] que, segundo ele influenciaram a formação artística do pensionista.

Outro pintor contemplado com o Prêmio de Viagem à Europa[16] em pintura com temática religiosa é João Zeferino da Costa (1840/1915). Ingressa na Academia Imperial das Belas Artes em 1857 recebendo logo depois a medalha de ouro com a composição Daniel na gruta dos leões. Em 1869 segue para Roma matriculando-se na Academia de São Lucas seguindo o curso de Cesare Mariani. Logra a obtenção do primeiro prêmio de nu, e em seguida, o de composição em pintura histórica com a tela O Profeta Natan quando reprova o Rei Davi pelo delito que este comete à mulher de Uria, assunto de temática bíblica. O governo brasileiro recompensa o esforço do artista com dois mil francos e prorroga o prazo da sua pensão para mais três anos.

O professor Luciano Migliaccio compara as obras de Zeferino da Costa com as dos pintores italianos do período Barroco, Domenichino e Giovanni Lanfranco, apontando características análogas em obras do período da sua formação em Roma[17].

Zeferino da Costa, já como professor da Academia Imperial das Belas Artes, recebe a encomenda para a execução dos painéis da Igreja da Candelária do Rio de Janeiro retornando à Roma para a execução dos cartões preparativos. De volta ao Brasil, é responsável por mais de vinte anos, pela confecção das pinturas em marouflage[18] para a igreja carioca. Além das seis telas da nave que contam a história da fundação da primitiva igreja, o artista executa para a capela-mor as obras sobre a iconografia Mariana: Anunciação, Esponsalício, Purificação e Assunção. É, também, de autoria de Zeferino da Costa o programa iconográfico Mariano: A Virgem rodeada das sete Virtudes, que é formado por oito telas. São elas: Virtudes Teologais (Fé, Esperança e Caridade) e Virtudes Cardeais (Prudência, Justiça, Temperança e Fortaleza), além da própria figura de Maria.

Rodolfo Amoêdo (1857-1941), nosso terceiro pensionista em pintura religiosa, ingressa na Academia Imperial das Belas Artes em 1874 sendo aluno de Vitor Meireles, Zeferino da Costa e Agostinho da Motta. Em 1878 obtêm o Prêmio de Viagem à Europa com a tela de assunto bíblico O sacrifício de Abel indo estudar em Paris com Cabanel, passando pelo ateliê Boulanger-Lefebvre e com Puvis de Chavannes. Os “envios de pensionista” de Rodolfo Amoêdo são, como todos os enviados pelos bolsistas, avaliados por uma comissão formada por professores da Academia brasileira. No caso específico do artista, por Vitor Meireles e José Maria de Medeiros, como podemos ver a seguir:

[...] que estes trabalhos revelam grande aproveitamento, deixando antever o resultado final dos seus esforços, que por certo atingirão; libertando-se mais tarde da situação transitória e dependente, que o estudo, a prática e os preceitos da Escola francesa contemporânea, tanto influem e o induzem a sentir desse modo. O esboceto representando Jesus Cristo em Cafarnaum é uma boa composição que para executa-lo requer o dito pensionista - prorrogação por dois anos do prazo de sua pensão - na forma do art. 9 das instruções dos pensionistas. Esse quadro devendo ser bem executado e de modo que a figura do protagonista adquira mais importância nessa composição, constituirá certamente um dos trabalhos mais valiosos do jovem artista. Por isso parece à Comissão ser justo o pedido a que ele tem direito: - Academia Imperial das Belas Artes - 3 de setembro de 1884 - Victor Meirelles - José Maria de Medeiros.[19]

Nessa avaliação pode-se notar o controle que a Academia exerce sobre as atividades do pensionista, porém reconhece que após a conclusão dos seus estudos o bolsista deve procurar seu próprio caminho no campo estético “libertando-se dos preceitos da Escola Francesa”. Nota-se também que, a temática religiosa permite ao aluno executar, dentro dos métodos exigidos pela Academia, trabalhos de grande prestígio.

Oscar Pereira da Silva (1867/1939) estuda na Academia Imperial das Belas Artes com Vitor Meireles e Zeferino da Costa conquistando o Prêmio de Viagem em pintura com um tema religioso, Flagelação de Cristo, em 1887. É o último premiado no período de vigência da Academia Imperial, viaja para Paris e se especializa com Gerôme e Bonnat. Ao voltar da Europa, o pintor encontra na produção religiosa um alicerce para a sua experiência profissional realizando em São Paulo a pintura de duas igrejas onde a temática Mariana se sobrepõe. Para a igreja de Nossa Senhora da Consolação produz quatro telas que ladeiam o altar-mor: Profecia do Velho Simeão, Encontro de Maria com Isabel, Natividade de Jesus Cristo e Apresentação de Jesus no Templo. Na igreja de Santa Cecília é responsável pela confecção das obras: Os quatro Evangelistas, pintada na cúpula, Assunção da Virgem e Esponsais de Maria.

Considerações Finais

A conclusão que se impõe é que a pintura de temática religiosa do século XIX continua nos dias de hoje sujeita a interpretações restritivas e comentários preconceituosos, inexistindo obra de referência sobre o assunto. Devido à ausência de questionamentos com base na produção e no ensino da pintura de temática religiosa da Academia Imperial das Belas Artes, esse manancial permanece numa área de sombras. Nossa comunicação teve como objetivo instigar a produção intelectual dos pesquisadores que se interessam pelas questões do oitocentos na historiografia da arte brasileira, para que possa ser visto com mais atenção esse gênero tão relevante na formação dos artistas do século XIX no Brasil.


[1] In: XXIV Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte - ANAIS. Belo Horizonte: Editora C/ Arte, 2005 (CD-ROM).

[2] A crítica da arte do século XIX no Brasil é alicerçada no pensamento positivista francês de Hippolyte Adolphe Taine responsável pela teoria de que a produção artística é um produto do meio e da raça. “[...] Mostrar-vos-ei, primeiro, a semente, isto é, a raça, com suas qualidades fundamentais e indeléveis, tais como persistem através de todas as circunstâncias e em todos os climas; em seguida a planta, isto é, o próprio povo, com suas qualidades originais, desenvolvidas ou limitadas, em todo caso, aplicadas e transformadas, por seu meio e sua história, finalmente, a flor, isto é, a arte, e especialmente, a pintura, em que termina todo este desenvolvimento.” In: TAINE, H. Filosofia da Arte. São Paulo: Edições Cultura, 1944, p.145. Observamos que para Taine a arte é o produto, a floração de um determinado contexto histórico-social e de uma raça. Gonzaga Duque-Estrada, crítico da arte brasileira do final do século XIX, é seguidor de Taine e divide a arte produzida no Brasil em três períodos específicos: “Manifestação” (de 1695 à chegada da Missão Artística Francesa em 1816), “Movimento” (de 1831 até 1870 com o fim da Guerra do Paraguai) e “Progresso” (de 1870 até a data da publicação da primeira edição de A Arte Brasileira em 1888). Segundo Tadeu Chiarelli “Seguidor de Taine, Gonzaga-Duque, portanto, antes de ocupar-se com a realidade da produção artística brasileira - e deixar que, a partir dela, surgisse seu posicionamento sobre a identidade (ou não) da arte local - , irá estabelecer uma reflexão sobre as questões raciais, históricas e sociais do país, que teriam determinado o caráter da população brasileira e de sua produção cultural geral. Instruído pelo ambiente intelectual brasileiro de sua época que, como foi dito, em seus elementos mais destacados, deixava transparecer uma visão extremamente negativa da história do Brasil, o autor, no primeiro capítulo de A Arte Brasileira, dará início à construção de uma moldura pessimista da história e da sociedade brasileiras, que encontrará seu complemento final no último capítulo da obra.” - CHIARELLI, Tadeu. “Gonzaga-Duque: a moldura e o quadro da arte brasileira”. In: DUQUE-ESTRADA, Luiz Gonzaga. A Arte Brasileira, p. 24. Para Gonzaga Duque a Missão Francesa havia sido um mal para a arte brasileira, não existia no século XIX uma arte legitimamente brasileira, a produção era totalmente dependente dos moldes franceses. A fase intitulada por ele como “Progresso” que se inicia em 1870 está impregnada dos ideais positivistas do fim do século XIX os quais ocasionam a República no Brasil, um regime de governo extremamente positivista. Para ele, a arte de cunho moderno é a produzida a partir de 1870, o que é feito antes é uma arte de cânones franceses e que não contribuem para a busca da modernidade e de uma identidade nacional.

[3] Alguns frutos desse estudo sobre a Academia Imperial encontram-se nos anais dos seminários 180 ANOS DE ESCOLA DE BELAS ARTES (1996) e 185 ANOS DE ESCOLA DE BELAS ARTES (2001-2002) ambos organizados pela Profa. Dra. Sonia Gomes Pereira do PPGAV/EBA/UFRJ.

[4] Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ, pasta do artista.

[5] Pesquisa essa desenvolvida a partir do receituário do pintor francês da corte de Luís XIV, Charles Lebrun, Physiologia das Paixões.

[6] Carta escrita por Pedro Américo de Figueiredo e Melo em 06/05/1864 e enviada a Vitor Meireles de Lima. Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ, pasta do artista Vitor Meireles.

[7] Dados retirados da pesquisa de LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições Gerais da Academia Imperial e da Escola Nacional de Belas Artes: período monárquico. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1990.

[8] Segundo CAVALCANTI, Ana Maria Tavares, “Os Prêmios de Viagem da Academia em Pintura”. In: PEREIRA, Sonia Gomes (org.). 185 anos de Escola de Belas Artes, p.76. “No conjunto, podemos dizer que os trabalhos dos pensionistas seguiam os princípios acadêmicos tanto em sua forma quanto em seus temas. No entanto nota-se uma evolução no estilo das obras, que corresponde às mudanças ocorridas na pintura europeia ao longo do período. Se analisarmos, por exemplo, as obras de tema religioso, observamos uma transformação na representação e na composição, no início clássica seguindo os cânones das pinturas de Rafael, e que se torna pouco a pouco mais moderna, até aproximar-se do realismo francês. No primeiro caso, de uma representação clássica, podemos citar a obra de Jean Leon Palliére, Calvário, tela pintada por volta de 1850, e a pintura de Vitor Meireles A A flagelação de Cristo, que data de 1856. Dentro de uma tendência mais naturalista, citamos a obra de Zeferino da Costa, O óbolo da viúva, quadro de 1876 e a tela de Rodolfo Amoêdo, Jesus Cristo em Cafarnaum, de 1887. A tela Sansão e Dalila, pintada por Oscar Pereira da Silva em 1893 é um exemplo da influência de um romantismo tardio. E, com uma marca mais moderna, podemos mencionar a pintura de Almeida Júnior, Fuga para o Egito, de 1881.”

[9] CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. “Os Prêmios de Viagem da Academia em Pintura”. In: PEREIRA, Sonia Gomes (Org.). 185 anos de Escola de Belas Artes, p.76.

[10] PEREIRA, Sonia Gomes. “O ensino de arquitetura e a trajetória dos alunos brasileiros na École des Beaux-Arts em Paris no século XIX”. In: PEREIRA, Sonia Gomes (Org.). 185 anos de Escola de Belas Artes, p. 93. 

[11] Tela: São João Batista no cárcere, 1852.

[12] As duas telas de temática religiosa são: Degolação de São João Batista e A flagelação de Cristo; o quadro Bacante corresponde à temática mitológica e A primeira missa no Brasil à temática da história nacional.

[13] COLI, Jorge. Vitor Meireles: um artista do Império, Rio de Janeiro: MNBA, 2004, p.24.

[14] Idem. Vitor Meireles e a pintura internacional. Campinas: Unicamp, 1997 (Tese de Livre Docência).

[15] Em 1809 Friedrich Overbeck, homem de grandes convicções religiosas, fundou junto com Franz Pforr em Viena, em cuja Academia ambos estudavam e de cujos ensinos estavam desiludidos, a Irmandade de São Lucas, uma confraria de artistas erguida praticamente conforme as formas e os costumes de uma ordem religiosa. Com ela e em reação contra o racionalismo, hedonismo e laicismo da sociedade de seu tempo pretendiam pôr em prática as idéias dos irmãos Schlegel que anunciavam o ressurgimento de uma arte cristã baseada acima de tudo no sentimento. Atraídos pelo catolicismo, os membros da confraria transferiram-se em 1810 para Roma conduzidos por Overbeck e Pforr, que morreria dois anos depois. Em Roma, e vivendo no antigo Convento de São Isidoro, os confrades receberam o nome de nazarenos, talvez por causa da temática das suas pinturas. Overbeck continua produzindo em Roma até a sua morte em 1867.

[16] Tela: Moisés recebendo as tábuas da lei, 1868.

[17] MIGLIACCIO, Luciano. “O século XIX”. In: MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO, São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2002. 

[18] Técnica francesa muito difundida durante o final do século XIX, em que a pintura é executada sobre a tela, sendo afixada posteriormente à parede. 

[19] Ata da Sessão, 13 de setembro de 1884. Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ.