NICOLINA VAZ DE ASSIS

(Campinas, SP, 1874 - Rio de Janeiro RJ, 1941)

por Angela Arena

Em 1905, a escultora Nicolina Vaz de Assis foi imortalizada pelo retrato executado pelo pintor Eliseu Visconti [Figura 1] que, exposto no 'Salão' no mesmo ano, foi considerado segundo os críticos uma obra-prima que detectava, com sensibilidade, o “espírito” da retratada, mais do que seus dotes físicos: nele estava retratada a Escultora Nicolina. Isso prova que se estava diante de uma artista que havia conquistado uma reputação incomum no mundo das artes brasileiras.

Nicolina Vaz de Assis Pinto do Couto, uma das primeiras escultoras brasileiras, nasceu em Campinas em 18 de dezembro de 1874, e aos 16 anos se casou com o médico Benigno de Assis. Não há registros de seu início nas artes; o que se sabe é que, em 1897, ganhou do Governo do Estado de São Paulo uma bolsa para estudar e aperfeiçoar-se na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. O motivo desse convite partiu da fama de alguns trabalhos executados em sua terra natal, quando começou a esculpir estátuas e bustos em caráter póstumo por encomendas de famílias.

Partiu para o Rio de Janeiro, a freqüentar a Escola Nacional de Belas Artes, a Exma. Sra. D. Nicolina Vaz de Assis que há tempos expôs nesta capital diversos trabalhos de escultura, entre os quais um busto do Exmo. Sr. Dr. Campos Salles.

A distinta paulista mereceu de Rodolfo Bernadelli honroso atestado relativo ao tempo em que foi sua discípula, no qual afirma o notável escultor brasileiro que Dona Nicolina é uma rara vocação artística.

A fim de que nossa compatriota pudesse continuar seus estudos, foi-lhe concedida uma pensão pelo governo do Estado de São Paulo.

Que os seus esforços sejam coroados do maior êxito, para a honra da arte e da mulher brasileira.[1]

O ingresso da escultora na Escola de Belas Artes gerou dúvidas no processo, inclusive debates, pois a “pensão” concedida pelo Governo só poderia ser para homens e não para mulheres. Esse impasse só foi decidido pelo Congresso, que foi a favor de Nicolina Vaz. Essa discussão só comprova que a freqüência de artistas do sexo feminino era muito menor que a de artistas do sexo masculino: somente em 1892 se registrou a entrada do público feminino na Escola Nacional de Belas Artes, sendo que a sua inauguração foi em 1826.

Na Escola, Nicolina pleiteou o curso nas disciplinas de desenho figurado e superior. Ambos eram cursos incomuns dentre as alunas:, o que revela a autoconfiança da artista e a consciência das necessidades do próprio ofício.

Rodolfo e Henrique Bernandelli foram os seus professores, os quais notaram em Nicolina uma forte inclinação para a arte em que se iniciava. Seu professor de desenho, Rodolpho Amoêdo, e Dr. Márcio Nery[2], professor de anatomia, não escondiam a admiração pela artista.

Em 1904, o seu marido, a levou para Paris a fim de aperfeiçoar seus estudos em escultura e foi na Academia Julian que Nicolina Vaz fez sua matrícula. A Academia Julian, inaugurada em 1867 por Rodolphe Julian, era muito freqüentada por estrangeiros. Os principais motivos de ingressar nessa academia e não na École des Beaux-Arts eram: primeiro, a Academia Julian oferecia um curso preparatório para aqueles que queriam ingressar na Academia oficial; segundo, o corpo docente era composto por mestres renomados; e, por último, a Academia Julian foi pioneira na profissionalização das artistas do sexo feminino que vinham por toda parte do mundo para aprimorar seus estudos, o que não era possível de ser realizado em seus países de origem.

Na Academia Julian, os alunos aprendiam ainda as técnicas de controle das linhas e das cores e o conhecimento do corpo humano e sua exata representação: eram aspectos fundamentais para a formação dos artistas. Essa técnica poderia ser obtida através de estudos que faziam em modelos vivos, diariamente, por horas seguidas. O estudo em modelos vivos era um dos aspectos que excluía a participação de artistas do sexo feminino dessas aulas nas grandes academias tradicionais; não por parte das artistas, mas por parte da diretorias das academias, esse estudo era julgado impróprio. Vedado o conhecimento profundo da figura humana, várias artistas não dominavam tão bem a plástica dos corpos retratados, justamente num período que as obra eram julgadas muitas vezes em função de suas figurações heróicas. Na Academia Julian, porém, as artistas tinham total liberdade em freqüentar as aulas de modelo vivo, esmbora devessem estar dispostas a pagar uma mensalidade mais cara: o valor era o dobro do que era cobrado para alunos do sexo masculino.

O mais significativo é que a Academia Julian formou várias artistas brasileiras, como Georgina Albuquerque, na escultura Julieta de França e a própria Nicolina Vaz de Assis, entre outras.

Em 1907, Nicolina Vaz volta a comparecer ao 'Salão' nacional expondo um conjunto de obras, quatro em gesso - Busto de Gravina, Cabeça Risonha, Meditação, Oração - e um bronze - Segredo. Por todas elas obteve a medalha de prata, premiação considerada louvável.

A partir desse momento, a escultora já era conhecida, notada pelos críticos de arte, e recebeu uma importante incumbência de decorar, junto com outros artistas de renome, os edifícios da Exposição Nacional de 1908, o que lhe rendeu uma medalha de ouro.

Nicolina passou a circular pelos dois maiores mercados artísticos, os do Rio de Janeiro e de São Paulo, participando dos salões mais importantes promovidos em cada cidade e onde passou receber encomendas de patronos.

Em 1911, participou de um evento de grande porte na cidade de São Paulo: a I Exposição Brasileira de Belas Artes, expondo as obras Amor Selvagem, Cabeça de Criança. Em 1912, ela tornou a enviar obras para o Salão da Escola Nacional, dois bustos um do Barão do Rio Branco[3] e outro Busto da República Brasileira. O primeiro busto foi executado em Paris onde se casou pela segunda vez com o também escultor, Rodolfo Pinto do Couto, na época em que a artista já não mais recebia bolsas de estudo, vivendo das encomendas particulares e públicas que obtinha.

Em 1913, apresentou mais 4 obras aos salões: Amor Selvagem, Adormecida, Última Carta, Busto do Dr. Francisco Pereira Passos; em 1915, duas obras, A Primeira Carta, Cabeça de Cristo; em 1916, República do Brasil, executada em mármore, além de um bronze, Estudo de Criança. Entre o conjunto de suas obras, ainda destacam-se bustos de Nilo Peçanha[4], Deodoro da Fonseca.[5]

Suas obras também serviram como embelezamento de parques e jardins no Rio de Janeiro como A Serpente [Figura 2] e o busto de Glaziou, situados na Quinta da Boa Vista, e a Fonte do Tritão [Figura 3], situada no Passeio Público na Cinelândia. Essa última, em 1993, foi roubada e em 2004 foi executado uma réplica da obra.

No Museu Nacional de Belas Artes, há dois de seus bronzes: Tia Bastiana e Meditação. Em 1922, no famoso Salão comemorativo do Centenário da Independência, expôs República Brasileira, Cabeça de Estudo, Cabeça de Criança.

Nicolina também executou duas obras tumulares: uma para o túmulo de José Grey, situado no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro e outra, de 1905, para o túmulo do General Couto Magalhães[6] [Figura 4], situado no Cemitério da Consolação, em São Paulo e é a única obra tumular assinada por uma escultora do sexo feminino no primeiro cemitério público da cidade. Inaugurado em 1858, este era o local onde as famílias abastadas da cidade realizavam os sepultamentos e contratavam construtores e escultores de renome para construírem e ornamentarem os túmulos das ilustres personalidades. A obra foi encomendada enquanto a escultora se encontrava em Paris, onde existem vários túmulos com a mesma estrutura os quais serviram de inspiração a ela. No alto do túmulo, se encontra o busto do General Couto de Magalhães, no alicerce, uma imagem feminina, e ao centro um painel, fundido na Fundição Cavina, no Rio de Janeiro, propriedade de Rodolfo Bernadelli, onde se faz referência ao livro mais conhecido do General Couto de Magalhães: O Selvagem.

Em 20 de Julho de 1941, as mãos de Nicolina Vaz de Assis se 'calaram', a arte brasileira perdeu uma das mais notáveis e corajosas escultoras. Poucas artistas de sua época foram tão produtivas e puderam viver com seu próprio ofício: “A arte da escultora Nicolina Vaz de Assis Pinto do Couto caracteriza-se pelo dom suave de plasmar a graça e a candura das crianças.[7]

Bibliografia

ARROIO, Leonardo. São Paulo Antigo e São Paulo Moderno. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1953

ARQUIVO DO ESTADO. Memória Urbana: A Grande São Paulo até 1940. São Paulo: Imprensa Oficial, 2001. 2º Vol.

TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão: Uma história de São Paulo das origens a 1900. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2003.

GORDINHO, Margarida Cintra (org). Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo: Missão Excelência. São Paulo: Marca D’água, 2000.

ESTAÇÃO PINACOTECA. Curso Livre de História da Arte Século XIX. São Paulo, Julho/2007.

SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Profissão Artista: pintoras e escultoras brasileiras entre 1884 e 1922. Tese, FFLCH/USP, 2004.

LIVROS DE TERMOS DE CONTRATOS, 5.12.1924 à 30.3.1927. Seção de Manuscritos, Divisão do Arquivo Histórico, DPH/SMC. São Paulo.

* Veja mais sobre Nicolina Vaz de Assis em DezenoveVinte

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[1] Nota estampada em A Mensageira, revista dirigida ao público feminino, fundada em 1898.

[2] Dr. Márcio Nery, médico e professor da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto.

[3] José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco (1845-1912), nasceu no RJ, foi professor, político, jornalista, diplomata, historiador e biógrafo.

[4] Nilo Procópio Peçanha (1867-1924), político brasileiro, assumiu a presidência da república de 1909 até 1910.

[5] Manuel Deodoro da Fonseca (1827-1892), foi militar e político brasileiro, proclamador da República e primeiro presidente do Brasil.

[6] José Vieira Couto de Magalhães (1837-1898), escritor mineiro, folclorista. Foi Presidente das Províncias de Goiás, Pará, Mato Grosso e São Paulo.

[7] Saul de Navarro - Revista da Semana