Liberto da Academia e perseguindo a luz: o percurso fulgurante de Henrique Pousão
Carlos Silveira
SILVEIRA, Carlos. Liberto da Academia e perseguindo a luz: o percurso fulgurante de Henrique Pousão. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 1, jan./mar. 2011. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/pousao_cs.htm>
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O pintor Henrique Pousão (1859-1884) foi um artista singular na arte portuguesa do século XIX, que na sua breve carreira descobriu uma via original no seio da pintura do Naturalismo, finalmente triunfante nas academias do Porto e de Lisboa no último quartel do século. A sua pesquisa ampliou as possibilidades de um estilo que cedo se normalizara na descrição e no inventário de temas ruralistas, abrindo-o a valores autónomos e a um cosmopolitismo que desenvolveu em contexto internacional.
Pensionista do Estado português no estrangeiro, a partir de 1880, nos três anos seguintes Pousão absorve com rara sensibilidade os estímulos dos diferentes locais onde estuda, em Paris, Roma, Nápoles e na ilha de Capri, reinventando com originalidade os modelos tradicionais da paisagem e da pintura de costumes. É um percurso fulgurante que será interrompido com a sua morte precoce, aos 25 anos de idade, sem poder terminar o terceiro ano de estudos no estrangeiro.
O jovem Pousão surge numa época entusiasmante para a pintura portuguesa, em que uma nova geração de pintores como Silva Porto, José Malhoa, António Ramalho e Columbano Bordalo Pinheiro propõe um novo inventário das paisagens e costumes rurais de um país, assim como das suas vivências urbanas[1]. Em Lisboa, as exposições anuais do Grupo do Leão divulgam com grande sucesso a nova estética, que dominará as instituições e o mercado português até aos anos de 1930. Em 1885, Columbano pintará o retrato coletivo desse grupo pioneiro de artistas e críticos [Figura 1].
A maioria destes pintores beneficiam de uma acertada política de pensões ou bolsas de estudo no estrangeiro, instituída pelo Estado nas academias portuguesas a partir de 1865. Foi nas exposições trienais da Academia Portuense das Belas Artes que o naturalismo inspirado na escola francesa de Barbizon se mostrou pela primeira vez, nos envios de quadros dos dois bolseiros portuenses em Paris, Marques de Oliveira e, sobretudo, Silva Porto.
Instinto de colorista
Um dos alunos mais atentos aos envios dos colegas mais velhos foi Henrique Pousão, que procurava ultrapassar a fria correção no desenho e o tenebrismo tardo-romântico transmitidos pelos seus mestres académicos. Nascido em Vila Viçosa, no Alentejo, Pousão começou a estudar na Academia Portuense aos 13 anos, e foi um aluno brilhante, alcançando em todos os anos as mais altas classificações. Teve uma formação sólida e diversificada, completando em sete anos os quatro cursos principais, de desenho histórico, escultura, arquitetura e pintura histórica. No último ano de estudos, as paisagens que Silva Porto remete de França são-lhe uma grande revelação, transmitindo uma paleta de cores mais clara, que registava trechos de uma natureza simples e autêntica. Pousão decide logo fazer cópias de duas pinturas influenciadas pelo paisagismo de Charles-François Daubigny (1817-1878), com quem Silva Porto convivera diretamente em Auvers-sur-Oise.
Essa aprendizagem marca a sua prova de concurso para pensionista da classe de pintura de paisagem, em que fixa as obras de um arruamento nos arrabaldes rurais da cidade do Porto, em vias de se urbanizar [Figura 2]. Porém, Pousão dissemina pela tela uma luz aberta e meridional que intensifica as cores e os tons puros, aproximando-se, sem o poder saber, dos valores da pintura contemporânea dos Macchiaioli italianos e da particular luminosidade do Impressionismo. Nesta prova ganha, o estudante revela um instinto colorista e luminista que irá desenvolver nos anos seguintes de bolsa no estrangeiro.
Pousão parte para Paris em setembro desse ano, na companhia do colega Sousa Pinto, que ganha na Academia Portuense o concurso de pintura histórica. Ambos conseguem ingressar na exigente Escola Nacional de Belas Artes de Paris, e entram como discípulos no ateliê do famoso Alexandre Cabanel (1823-1889), o pintor favorito de Napoleão III, que tinha um largo escol de discípulos premiados. É aí que o estudante conhece o pintor brasileiro Rodolpho Amoêdo (1857-1941), bolseiro da Imperial Academia de Belas Artes em pintura histórica. Nesses anos, Rodolpho realiza quadros bíblicos e da história colonial do Brasil, de cunho nacionalista, integrando nus inspirados na pintura de Cabanel. Adquire uma qualidade oficinal apreciável, que lhe permite ser aceite ano após ano no Salão de Paris, até ao regresso ao Brasil em 1887.
Os dois estudantes são amigos próximos, e Amoedo realizou um retrato a lápis do português, oferendo-lhe com uma dedicatória: “Ao amigo H. Pouzão/ lembrança de nossas boas relações em Paris” [Figura 3]. Pousão, por seu lado, captou com expressão o perfil resoluto do jovem Rodolpho, num desenho datado de “Paris 1881”, que guardou para si [Figura 4]. São desenhos raros que enriquecem a iconografia dos dois artistas, pertencentes a um álbum reunido postumamente pela família do pintor, hoje numa coleção particular de Lisboa[2].
No inverno de 1881 o estudante aperfeiçoa o seu métier em notáveis academias que realiza nos ateliês de Cabanel e de Adolphe Yvon, apresentando-as periodicamente nos concursos da Escola. Simultaneamente, vai treinando o registo rápido do motivo, pintando pequenas impressões das margens do Sena, em locais como o jardim do Luxemburgo ou o bosque de Bolonha. Um amigo que o visitou naqueles dias deixou testemunho desta fase intensa: “Henrique Pousão começou então com verdadeira febre os seus estudos. Os museus, as praças, os edifícios, os costumes, tudo enfim era para ele motivo de observação e análise artística. [...] Trabalhava com um afã extraordinário” (RODRIGUES, 1884: 99).
Tinha sobretudo de colher ideias para o quadro de paisagem que até ao final do ano tinha de enviar à Academia Portuense. O entusiasmo é tal que o jovem expõe-se demasiado ao clima rigoroso do inverno parisiense e, numa saída que faz aos arredores da cidade para pintar um efeito de neve, contrai uma bronquite aguda que abate a sua saúde frágil durante os meses seguintes. No verão desse ano, é obrigado pelo médico a fazer uma estadia nas termas de La Bourboule, no departamento do Puy-de-Dôme. Com a saúde melhorada, realiza na aldeia vizinha de Saint-Sauves uma série de três pinturas importantes, que foram o seu primeiro envio como estudante de paisagem.
As pinturas de Saint-Sauves
São obras que não têm paralelo na pintura portuguesa da época e que revelam uma pesquisa plástica consistente, centrada no experimentalismo da composição e no valor expressivo das cores e da luz. O estilo inédito destas pinturas indica que Pousão respondia a estímulos proporcionados na sua estadia parisiense, e a historiografia tem apontado influências de Pissaro e sobretudo de Corot.
Em Aldeia de Saint-Sauves [Figura 5], Pousão ensaia um equilíbrio complexo: tudo é submetido à presença sólida das arquiteturas e ao ritmo sincopado das suas linhas ortogonais, que dialogam com o vazio do campo em primeiro plano e seus ocres luminosos. As manchas verdes das árvores, os peões, diluem-se na harmonia do conjunto e sublinham as marcações verticais dos edifícios, com ênfase na icónica torre central.
Numa outra pintura, Paisagem - Saint Sauves [Figura 6], surpreendemos um esquematismo da composição e um sentido decorativo que são notavelmente alheios ao naturalismo descritivo que se generalizava em Portugal. É uma paisagem compacta e quase planificada, dividida em áreas bem definidas. De grande efeito é o contraste do céu crepuscular, modelado em azuis e rosas, e executa uma pincelada curta e precisa, texturada e ao mesmo tempo evanescente, que não descreve directamente a natureza mas sintetiza-a. Seria uma hipótese de via pós-impressionista que o jovem português experimentava, mas decidiu não continuar.
Desenvolvendo também um tema de costumes, Velha a dobar [Figura 7], Pousão ensaia também dois aspetos que distinguem a sua pintura: o sensível realismo e empatia com que capta a fisionomia do modelo e a pesquisa formal em torno da luz. A figura enternecedora da idosa é um visível pretexto para o pintor estudá-la sob o efeito de uma intensa luz vertical, que recorta o modelo e intensifica as cores do seu vestuário, com destaque para o chapéu de palha, de notável presença lumínica.
O jovem estudante experimentava assim, rapidamente, modelos aprendidos no seu estágio parisiense, revelando grandes progressos e uma invulgar capacidade técnica, assim como uma notável capacidade de integrar linguagens alheias na sua própria pesquisa pessoal. Ainda não recuperado da bronquite contraída no início da primavera, o médico aconselha-o a não passar o inverno na capital francesa. O seu destino já estava decidido há algum tempo, e em dezembro confirma-o numa carta que escreve ao pintor Marques de Oliveira: “Como deve saber, vou deixar daqui a alguns dias Paris com destino a Roma. Fui obrigado pela saúde a tomar essa resolução, porque de contrário já não desejava fazer esta viagem e deixar esta linda cidade que ri sempre…” (apud TEIXEIRA, 1984: 38).
Nunca mais voltará a Paris. Chega a Roma a 27 de dezembro de 1881, e tenta integrar-se logo na vida artística da cidade, inscrevendo-se no Circolo Artistico Internazionale. Era um lugar privilegiado de encontro dos artistas italianos e estrangeiros em Roma, onde podiam exercitar a prática continuada do desenho a partir de modelos profissionais. Era também um espaço de convívio e sociabilidade, com frequentes saraus musicais e sorteios de obras de arte. É aí que Pousão conhece os artistas brasileiros Rodolpho e Henrique Bernardelli, também sócios do Círculo. Rodolpho assinalará a presença de Pousão numa carta de 21 de Janeiro ao secretário da Imperial Academia Brasileira: “Temos um companheiro novo, é um pensionado português paisagista de grande merecimento, vem de Paris, onde não pode ficar por causa do clima, parece um bom rapaz”[3].
Há uma fotografia da época que regista Henrique Pousão num grupo de artistas, que tudo indica ter sido tirada em Roma com amigos do Circolo Artistico [Figura 8]. Pousão é o primeiro da direita, sorrindo com um ar sereno, e o artista do mandolim, ao centro, será Henrique Bernardelli. Em cima, à esquerda, o homem de chapéu comprido e nariz postiço poderá ser o seu irmão mais velho, o escultor Rodolpho Bernardelli. Os retratos que se conhecem dos dois artistas brasileiros assim o parecem indicar.
Sessões de modelo italiano
A Academia Portuense dá-lhe alguma independência e permite o aluguer de ateliê próprio, onde Pousão trabalha durante o dia. No Círculo Artístico, “durante a noite desenhava academias pelo modelo vivo e fazia costumes a aguarela ou à pena”, como o estudante informou a Academia no seu relatório do segundo ano de estudos. A ambiência particular da associação, com as sessões de modelo italiano, motivam-no a entrar pela pintura de costumes, a partir dos modelos femininos que posavam para os artistas com trajes regionais dos arredores de Roma, de Nápoles ou da Calábria [Figura 9].
Foi uma verdadeira moda da pintura acadêmica oitocentista, que interessou Pousão não tanto pela descrição pitoresca do traje mas mais como um tema de investigação formal, como em Napolitana [Figura 10]. Muito à sua maneira, submete o modelo a uma intensa luz vertical, que abre os tons e os planifica, sobretudo os brancos, luminosos como nunca, e o negro, sem qualquer modelação. Aqui é a mancha que constrói a figura e não desenho, e o fundo em tons de rosa e ocre não tem qualquer profundidade, é um facto pictórico em si. Pousão ensaia aqui, empiricamente, valores que Manet anunciara na pintura ocidental quinze anos antes. Era um tema popular para os artistas que estudavam em Itália e que cativou também, de forma mais sentimental, seu amigo Rodolpho Amoêdo, em Amuada [Figura 11].
Apesar de ser um pensionista da classe de Paisagem, em Roma a sua pintura de ateliê e de modelo ganha uma grande expressão, influenciado pelo ambiente artístico que encontra na cidade. São meses de intenso trabalho e aperfeiçoamento, o primeiro semestre de 1882. O exercício continuado a partir do modelo italiano inspira-o a pintar um quadro para concorrer ao Salão de Paris desse ano, onde foi admitido (n.º 2101). Em Cecília, o modelo italiano é interpretado por Pousão com profunda originalidade, fundindo-o com uma pintura de temática religiosa tradicional em Itália [Figura 12]. É uma obra que difere muito da pintura italiana contemporânea, que explorava um aberto sentimentalismo de cariz social.
Pousão pinta-nos um retrato sensível de uma rapariga do povo num típico da Calábria, uma das muitas que vendiam flores na vizinha Piazza di Spagna e serviam de modelos aos artistas. Em lugar de uma religiosa, vemos a rapariga ajoelhada no interior solene de uma igreja romana, interrompendo por um momento a leitura do seu livrinho de oração e fitando o observador. Encenado como um instantâneo fotográfico, todos os pormenores são pintados com minúcia e cuidadosamente dispostos, apelando a uma relação íntima com o observador. A pintura é centrada na individualidade do modelo, sublinhada no título da obra, que se expõe na frontalidade do seu olhar melancólico.
Pousão está nitidamente interessado em questionar o cliché do modelo típico italiano e explorar a sua individualidade, encenando-a num jogo de cumplicidade com o observador. Como que a justificar à Academia um dos seus quadros mais ambiciosos e originais, o estudante escreveu no seu relatório:
Pude alugar um ateliê e por isso resolvi não ir frequentar a Academia de Belas Artes, já por ser bem secundária à de Paris, mas por me parecer também disconveniente habituar-me completamente a não fazer que uma figura académica quero dizer a imaginação preocupada só com a parte plástica esquecendo ou desprezando a outra que é tão importante como esta. Fiz então entre muitos outros pequenos e grandes estudos o quadro intitulado Esperando o Sucesso […] [4]
É uma crítica evidente do academismo, e dos seus processos de repetição do desenho e de apuro técnico, que esqueciam completamente o lado criativo e imaginativo dos artistas. E Esperando o Sucesso é sem dúvida o seu manifesto [Figura 13]. O tema tradicional do modelo no atelier do artista é reinventado de forma extremamente pessoal: numa pintura cheia de humor, tudo alude à prática oficinal académica, interpelada pela irreverência do rapaz, que se senta no banco do artista e exibe uma garatuja feita por si, sorrindo com malícia. É um modelo ciociaro, com o traje e as sandálias típicas da região a sudeste de Roma, muito solicitado pelos pintores da época (SILVA, 2009: 21). Os instrumentos da pintura estão cuidadosamente dispostos no ateliê, aludindo ao quotidiano oficinal do estudante português, e reiteram a sua própria ausência, colocando-o no lugar de observador. O quadro tem sido interpretado como uma auto-representação do jovem Pousão, e das suas ambições por interposto modelo infantil. Pousão sugeriu subtilmente essa ideia, ao desenhar com humor uma auto-caricatura por cima da sua própria assinatura, no canto superior esquerdo do quadro.
A cidade experimental
Paralelamente aos grandes quadros de ateliê, há uma outra linha de investigação plástica original que o pintor desenvolve em Roma e que importa analisar. São vistas urbanas ou da arquitetura da grande cidade, realizadas ao ar livre, fruto de uma prática experimental quotidiana. Pinta-as em pequenas tabuinhas de madeira, normalmente de 16 por 10 centímetros, como se constituissem “impressões de viagem”. É visível o seu interesse no exercício pictural, numa pincelada que se constrói pela mancha de cor, que se vai sobrepondo à descrição do motivo. Estes estudos urbanos são uma das suas marcas distintivas na pintura portuguesa. O seu olhar pode deter-se em vistas habituais da urbe romana, como em Rua de Roma [Figura 14], mas neste quarteirão o quotidiano é anotado sinteticamente, com as roupas a secar, e a carruagem e transeuntes relegados para segundo plano. O que motiva o seu estudo é afirmar a presença sólida das arquiteturas, sublinhadas pelo atrevido jato de luz matinal em primeiro plano, e sugerir as suas diferentes luminosidades numa gama variada de manchas em tons de ocre.
A arquitetura da cidade vai-se tornando progressivamente num motivo central destes exercícios, próprios de um brilhante aluno de arquitetura na Academia Portuense, onde obteve notas mais altas que em pintura histórica. Interessa-lhe encontrar nos edifícios um denso jogo formal, onde linha, cor, e os volumes são sublinhados pelo olhar construtivo do pintor. Esse exercício é explícito em Entrada de casa rústica - Roma [Figura 15]. Por outro lado, a sua análise fixa-se no pormenor, no fragmento, de modo a investigar a sua materialidade e experimentar sobreposições de manchas, viscosidades da tinta, incidências da luz nas superfícies [Figura 16]. É uma experimentação plástica que Pousão, neste último exemplo, leva radicalmente até ao limite da verosimilhança do motivo com a realidade.
Surge nesta fase uma pequena obra-prima inédita no seu percurso, retratando uma misteriosa mulher que posa com um traje contemporâneo, a Senhora vestida de preto [Figura 17]. A intimidade que ela sugere distingue-se das anteriores pinturas de modelo, e, à semelhança dos pequenos estudos da urbe romana, o retrato serve-lhe como suporte de uma invenção plástica que se autonomiza do modelo. É uma imagem de grande poder gráfico. Sentada num cadeirão domiciliar, a elegante jovem recorta-se num compacto vestido negro, de presença austera e arestas bem definidas, com reflexos lumínicos que o modelam de forma quase escultural. Há também um complexo jogo de linhas diagonais que se cruzam no tronco da figura, nas pregas da cortina por trás, que são anotações de cor sumárias, e no seu olhar que se projecta para o exterior da pintura. A luz que incide no rosto sublinha uma interioridade inacessível, que em vão tentamos desvendar.
Capri e a arquitetura mediterrânica
Chegado o Verão de 1882 Pousão decide partir para a ilha de Capri, no golfo de Nápoles. O seu plano era pintar na ilha as paisagens que devia enviar como provas de pensionista para a Academia do Porto. Apesar de um pouco doente, percorre o porto principal da ilha e acaba por montar o cavalete à entrada das ruas estreitas da cidade, fascinado com a sua típica arquitetura mediterrânica. Pinta logo à chegada uma série de estudos que se desenvolvem como variações sobre um tema, reduzindo a paleta a tons de ocre e de branco e captando alçados de grande presença vertical [Figura 18]. Interessa-lhe traduzir os efeitos de uma luz aberta e mediterrânica sobre as superfícies estáveis da arquitetura de Capri: num dos melhores estudos da série, um jorro de luz em primeiro plano introduz a presença concreta de um portão verde, que fecha o ponto de fuga do nosso olhar, enquanto de cima uma luz filtrada faz-se sombra nos alçados laterais das habitações, densificados em tons de ocre [Figura 19].
Com um olhar analítico e quase fotográfico, o pintor seleciona detalhes que lhe servem como pretexto para uma pesquisa formal sobre a luz. Pode ser um motivo tão trivial como um lance de escadas de uma habitação, onde o pintor regista a presença corpórea da luz nos degraus e muros da habitação caiada, criando uma notável filigrana de manchas lilases e de azul cinza que dialogam com o azul profundo do céu meridional [Figura 20]. Tal como nas vistas das ruas, o formato vertical do suporte adequa-se perfeitamente aos motivos que lhe interessa registar.
Em Agosto decide mudar-se para Anacapri, a segunda cidade da ilha. Situada 275 metros acima do nível do mar, nas suas cercanias podia gozar de uma paisagem selvagem e rochosa, com excelentes vistas sobre toda a ilha de Capri. Hospeda-se no popular Albergo Paradiso, de Nicola Farace, pousada fundada em 1865 que já era conhecida entre a comunidade artística, sobretudo dos pintores alemães que aí se alojavam regularmente. Procurando ideias para os grandes quadros de paisagem que planeava realizar, Pousão vai explorar a pé as alturas da região de Anacapri, debaixo do sol abrasador da região mediterrânica. Estava bem equipado para essas jornadas, sem dúvida: pelo menos assim nos aparece numa curiosa (e rara) fotografia tirada nesse ano, em que se faz fotografar como um pintor paisagista viajante, no meio de um canavial, usando umas botas altas que nesses anos Pissarro e Monet também utilizavam nas suas jornadas. A seus pés, vemos os instrumentos do seu ofício, o cavalete articulado, a caixa de tintas, o guarda-sol [Figura 21].
Nessas excursões o português vai pintando alguns estudos de paisagem que procuravam combinar elementos da natureza e da arquitetura da ilha. Uma das tabuinhas que melhor traduz a seleção que o seu olhar operava é Caminho - Capri [Figura 22]. Não o inspira aqui registar a ampla vista do mar, ou o pitoresco do sítio, mas confinar um espaço entre os muros regulares que vemos em primeiro plano, sugerindo linhas de direção do olhar que interrompem as manchas verdes da paisagem e dialogam com ela.
Em Caprile, perto de Anacapri, Pousão encontra finalmente um motivo que está na origem de um dos seus quadros mais célebres, As casas brancas de Capri [Figura 23]. É uma visão da natureza em estado de graça, onde uma luz aberta, plena e total, escalda os alçados caiados e luminosos das habitações, intensificando as cores e as sombras da paisagem. As piteiras que se prolongam até ao primeiro plano, em palpitante realismo, transmitem o seu permanente amor pelo detalhe e pelo pormenor, servido num notável virtuosismo técnico. A estabilidade que sentimos é dada pela linha horizontal do mar, que introduz o motivo que dá o título ao quadro, e dialoga com a linha diagonal dos vegetais que atravessa a pintura em primeiro plano. A sensibilidade mediterrânica de Pousão é aqui condensada na perfeição, transmitindo uma poética em que homem, arquitetura e uma natureza generosa coexistem em harmonia, fazendo desta paisagem uma obra-prima da pintura portuguesa.
As colinas rochosas de Anacapri inspiraram a segunda grande paisagem que pintou nesse verão de 1882, a que deu o título poético de Antes do sol (nos rochedos de Caprile) [Figura 24]. Nas suas jornadas, Pousão via os camponeses que tinham de percorrer esta região inóspita e acidentada, em escadarias que remontavam ao tempo dos Fenícios. Para intensificar o efeito de vertigem, decidiu inverter o formato tradicional da paisagem, dispondo-a verticalmente. Um série de linhas diagonais seguidas pelas rochas estruturam a imagem e imprimem-lhe movimento, e é nítido o seu empenho em sugerir os efeitos da luz matinal sobre os rochedos, servidos em sensíveis azuis turquesa, assim como os riscos das suas arestas, feitos com o cabo do pincel.
Pousão não se limitava a compor estas paisagens em ateliê, a partir dos pequenos estudos que pintava com rapidez: mesmo estes quadros finais eram terminados frente ao motivo, em confronto direto com a natureza. Mas o fim da estação já não favorecia a prática do ar livre, como o próprio revelou à Academia: “Infelizmente tive a fatalidade de não poder completar as duas paisagens já enviadas [...] porque começaram as grandes tempestades fazendo mudar completamente o aspeto dos campos.” (apud TEIXEIRA, 1984: 39).
Em Novembro decide regressar à capital italiana, para enviar o relatório do 2.º ano de estudos e a remessa dos quadros, não sem antes passar por Pompeia para visitar as ruínas, durante o mês de dezembro. Aproveitando o bom tempo, fez a ascensão do Vesúvio para pintar alguns estudos e, em Nápoles, executou cópia de uma paisagem de Francesco Mancini no Palácio de Capodimonte. A 5 de maio de 1883 a Academia Portuense atribui-lhe um voto de louvor pela qualidade das obras enviadas. Em Roma, o estudante volta aos exercícios de desenho de modelo no Circolo Artistico Internazionale, mas não se aventura na execução de obras mais ambiciosas. Parece que esperava pelo início do Verão para voltar para a ilha do Mediterrâneo.
Um ateliê ao ar livre
E a 13 de junho já se encontra de novo em Anacapri, alojado no Albergo Paradiso. É de lá que revela ao cunhado João Lúcio Pereira os seus objetivos para a temporada, mas também a sua frágil saúde, que não registava grandes melhorias:
Ultimamente encontro-me de novo na bela ilha de Capri aonde estou gozando de um ar puro, mas o tempo ainda se não pôs completamente como a minha saúde parece requerer, mas breve será. Espero fazer aqui os meus trabalhos a enviar este ano à Academia e ao Salon de Paris, mas espero saúde também. [5]
Pousão elegera definitivamente Capri como a sua base de trabalho e ateliê ao ar livre. A ilha era já então popular entre os pintores europeus que viajavam para Nápoles e Pompeia, vindos da capital: John Singer Sargent passa aí uma temporada em 1878, e Pierre-Auguste Renoir em 1881. No verão de 1883, o jovem português trabalha muito provavelmente na companhia de Henrique Bernardelli, como acertadamente sugeriu Camilla Dazzi[6].
Seu colega no Circolo Artistico de Roma, Bernardelli tinha contatos no meio artístico de Nápoles, que visitou diversas vezes. Nesse verão está mesmo em Capri, onde realizou um conjunto de pinturas apresentadas na sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro, em 1886, no edifício da Imprensa Nacional. [cf. link] Nessa mostra, expôs pelo menos cinco pinturas de costumes e paisagens da ilha, e uma outra (n.º cat. 13), intitulada Casas brancas, parece registar um motivo semelhante ao conhecido quadro de Pousão que analisámos anteriormente.
É uma importante (e inédita) relação artística luso-brasileira que está por estudar, dificultada sobretudo pela atual dispersão dos quadros que Bernardelli apresentou em 1886. Tudo indica que haverá relações produtivas entre as pinturas de um e de outro: Vanda Arantes do Vale escreveu, a propósito da pintura Ilha de Capri de Bernardelli, na coleção do Museu Mariano Procópio, que “percebemos neste trabalho certo encaminhamento para o realismo no uso de tonalidades mais claras e ricas”[7]. Camila Dazzi, por seu lado, chamou a atenção para a apreciação de Luciano Migliacio: “[...] na obra de ambos [existem] alguns pontos em comum, como um novo e vibrante cromatismo, advindo de uma atitude de pesquisa e renovação da gama cromática revitalizada pela abordagem ao ar livre”[8]. São indícios de uma relação artística que importa desenvolver no futuro.
No segundo verão em Capri Pousão prossegue os seus estudos de arquiteturas, mas há uma evolução que convém sublinhar: consolida-se a tendência para uma maior geometrização das formas, visível na ortogonalidade de algumas composições, e as pinceladas tornam-se mais densas, matéricas, sobretudo nos brancos, jogando com valores de opacidade da tinta. A obra que melhor revela o grau de sofisticação que a pintura do artista pôde atingir na segunda estadia é um verdadeiro milagre chamado Janela das persianas azuis [Figura 25].
Pousão enquadra um detalhe específico de uma casinha da ilha, num plano próximo do fotográfico, e todos os elementos plásticos estão em perfeito equilíbrio: a janela, o quadrado azul cinza por cima, o telhado e as linhas ortogonais que se cruzam, sublinhando o formato do próprio suporte. As complementares azul e laranja ocre, e as sombras azul cinza, intensificam a luminosidade do branco planificado, inflamado pela luz solar. O inacabado de alguns pormenores e os vazios que se geram casam-se admiravelmente com o realismo sensível da janelinha e da roupa branca ao sol. O equilíbrio entre cheios e vazios, entre realismo e simplificação atinge nesta tabuinha uma síntese sublime, que é um dos cumes da arte original de Pousão.
Inicia também três pinturas de grande formato para enviar para o Porto, a Rapariga deitada num tronco de árvore (Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto), uma paisagem de Anacapri e a Mulher da água - Capri. Têm diferentes fases de acabamento, porque, na urgência de as terminar, Pousão trabalhava nelas ao mesmo tempo. Fatalmente não conseguiu concluí-las, de novo, devido à sua doença pulmonar, em rápida progressão durante a segunda estada na ilha.
As duas últimas pinturas revelam direções mais fecundas na sua obra. Em Paisagem - Anacapri [Figura 26] o artista retoma a mesma estrutura compositiva de As casas brancas de Capri, mas existem notáveis diferenças: já não se trata de estabelecer dois motivos que intercalam o nosso olhar entre o fundo e o primeiro plano, mas ensaiar uma vista que se precipita para fora da ilha, e se detém na massa compacta do mar, de um azul profundo. É uma paisagem tranquila e silenciosa, uma natureza em estado puro e deserta de presença humana: só entrevemos uma sombra à esquerda, que será de uma árvore. O efeito da luz mediterrânica é radicalizado, fundindo e uniformizando os diferentes planos da composição, numa síntese que permite entender até onde a sua visão particular da natureza o poderia levar.
Em Mulher da água - Capri [Figura 27], o maior quadro que alguma vez pintou, a presença sólida, estrutural, da arquitectura na paisagem da ilha é plenamente afirmada, descendendo dos pequenos estudos de arquiteturas que vimos analisando. É uma pintura importante porque aponta para caminhos futuros, de uma sofisticação compositiva centrada na volumetria dos edifícios, suavizada em primeiro plano pela figura da rapariga, que introduz uma nota pitoresca e regionalista.
São a última afirmação da pintura plenamente mediterrânica do jovem português, centrada na presença estrutural da arquitectura na paisagem, e nos valores da mancha de cor pura e da luz aberta de Capri.
Regresso a casa
Reconhecendo finalmente que o seu estado de saúde é insustentável e que necessitava de uma cura completa, em setembro Pousão requere ao governo licença para regressar a Portugal, conseguindo um subsídio para a viagem. Antes de partir, deixa uma série de obras no Albergo Paradiso, à guarda de Nicola Farace. É o próprio que mais tarde informará a Academia que “o Sr. Pousão lhe havia prometido voltar na próxima estação e lhe havia recomendado muito que não deixasse entrar ninguém no quarto onde havia deixado dependurados os três quadros, principalmente artistas pintores”[9]. Não se sabe quem representariam. Até hoje não foram localizados.
Após uma longa viagem de regresso, pelo Mediterrâneo, o jovem pintor chega já muito doente a Olhão, no Algarve, e o seu grave estado de saúde é bem visível aos familiares e ao médico que o examina. Muda-se para casa de um primo em Vila Viçosa, onde rapidamente deixa de se poder deslocar para pintar ao ar livre, como era seu hábito. As suas últimas obras são pinturas de flores campestres, que o jovem pedia aos familiares que lhe trouxessem, já acamado. Acabará por morrer de tuberculose na sua terra natal, a 25 de Março de 1884. Tinha 25 anos.
Atualmente, a maior parte da sua obra pode ser vista no Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, graças à disposição testamentária do seu pai, Francisco Nunes Pousão, que sempre apoiou o seu sonho de artista. Antes de falecer, o juiz reuniu a maior parte da obra do filho que estava dispersa pelos familiares, e legou em 1888 mais de 70 pinturas à Academia Portuense, de onde transitaram para o museu em 1934.
É uma produção única que ainda hoje nos revela a surpreendente originalidade deste estudante promissor, que em pouco mais de quatro anos se transformou num mestre da pintura moderna portuguesa.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Bernardo Pinto de - Henrique Pousão. Lisboa: Assírio & Alvim, 1999.
FRANÇA, José-Augusto. A Arte em Portugal no século XIX. 3ª edição. Vol. 2. Lisboa: Bertrand Editora, 1990 (1967).
LOPES, Francisco Fernandes. Cartas de Henrique Pousão e excertos de outras cartas e escritos que se lhe referem. Lisboa: Portugalia Editora, 1959.
MATOS, Lúcia Almeida. Diário de um estudante de Belas Artes: Henrique Pousão (1859-1884). Roteiro de exposição. Porto: Instituto dos Museus e da Conservação/ Museu Nacional de Soares dos Reis, 2009.
MUSEU Nacional de Soares dos Reis. Pintura Portuguesa 1850-1950. Catálogo. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1996.
RODRIGUES, António. Henrique Pousão. Col. Pintura Portuguesa do Século XIX. Lisboa: Edições Inapa, 1998.
RODRIGUES, Manoel. Henrique Pouzão. O Occidente, Lisboa, 7º ano. Vol. 7. N.º 183, 1 maio 1884.
SILVA, Vítor (et alli). Esperando o Sucesso. Impasse académico e modernismo de Henrique Pousão. Catálogo de exposição. Porto: Instituto dos Museus e da Conservação/ Museu Nacional de Soares dos Reis, 2009.
SILVEIRA, Carlos. Henrique Pousão. Col. Pintores Portugueses. N.º 5. Matosinhos: QuidNovi, 2010.
TEIXEIRA, José (Org.) Henrique Pousão 1859-1884: No primeiro centenário da sua morte. Catálogo de exposição. Vila Viçosa: Fundação da Casa de Bragança, 1984.
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[1] Para o surgimento do naturalismo e do Grupo do Leão na arte portuguesa cf. FRANÇA, José-Augusto. A Arte em Portugal no século XIX. 3ª edição. Vol. 2. Lisboa: Bertrand Editora, 1990, p. 23 s.s. Esta obra em dois volumes, cuja 1.ª edição é de 1966, ainda hoje é a grande referência na bibliografia sobre o período, sobretudo no campo da sociologia da arte. Para um enquadramento internacional do naturalismo português, e sobretudo na análise da “ideologia pictórica” do grupo de Silva Porto, cf. o ensaio recente de SILVA, Raquel Henriques da. Silva Porto e a pintura naturalista. LAPA, Pedro; SILVEIRA, Maria de Aires (Org.) Arte Portuguesa do Século XIX: 1850-1910. Vol. 1. Lisboa: Museu Nacional de Arte Contemporânea-Museu do Chiado/ Leya, 2010, pp. LI-LXIII.
[2] Agradeço a ajuda determinante de Pedro Xexéo, do Museu Nacional de Belas Artes dos Rio de Janeiro, na minha identificação do retrato de Amoedo por Pousão.
[3] Cf. DAZZI, Camila (org.). Rodolpho Bernardelli: Cartas a Maximiano Mafra, entre 1878 e 1885. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, abr. 2007. Disponível em: <http://dezenovevinte.net/documentos/cartas_rodolfobernardelli.htm> Acesso em 12 dez. 2010, 19h44. Agradeço a Camila Dazzi a identificação dos dois artistas brasileiros na fotografia analisada no texto. Para a identidade do Circolo Artistico Internazionale e a prática de pintura de modelo italiano cf. SILVA, Vítor (et alli). Esperando o Sucesso. Impasse académico e modernismo de Henrique Pousão. Catálogo de exposição. Porto: Instituto dos Museus e da Conservação/ Museu Nacional de Soares dos Reis, 2009, p. 18 s.s.
[4] Este relatório que Pousão escreveu à Academia é o seu escrito mais relevante, datado de 27 fevereiro 1883. Está transcrito na totalidade em TEIXEIRA, José (Org.) Henrique Pousão 1859-1884: No primeiro centenário da sua morte. Catálogo de exposição. Vila Viçosa: Fundação da Casa de Bragança, 1984, pp. 39-40.
[5] Cf. LOPES, Francisco Fernandes. Cartas de Henrique Pousão e excertos de outras cartas e escritos que se lhe referem. Lisboa: Portugalia Editora, 1959, p. 75.
[6] Cf. DAZZI, Camila. Revendo Henrique Bernardelli. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, no 1, jan. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/biografia_hbernardelli.htm>. Acesso em 3 jan. 2011, 21h19. Dazzi também publicou o importante catálogo da primeira exposição individual do artista no Rio de Janeiro, no qual figuram várias pinturas de Capri e que está disponível em linha - cf. Catálogo dos quadros de Henrique Bernardelli e Nicolao Facchinetti, expostos na Imprensa Nacional em 1886. Contribuição de Camila Dazzi, fotos de Arthur Gomes Valle. Disponível em <http://www.dezenovevinte.net/catalogos/catalogo_hb1886.htm> Acesso em 3 jan. 2011, 21h10.
[7] Cf. VALE, Vanda Arantes do. A pintura brasileira do século XIX - Museu Mariano Procópio. 19&20, Rio de Janeiro, v. I, n. 1, mai. 2006. Disponível em <http://www.dezenovevinte.net/artistas/mprocopio.htm> Acesso em 3 jan. 2011, 21h33.
[8] Cf. DAZZI, Revendo Henrique Bernardelli... Acesso em 3 jan. 2011, 21h19.
[9] Cf. MATOS, Lúcia Almeida. Diário de um estudante de Belas Artes: Henrique Pousão (1859-1884). Roteiro de exposição. Porto: Instituto dos Museus e da Conservação/ Museu Nacional de Soares dos Reis, 2009, p. 30.