Revista do Brasil (1916-1918) - Artigos e Críticas de Arte

transcrição de Marcelo Augustinho Paulo

VALLE, Arthur (org.). Revista do Brasil (1916-1918) - Artigos e Críticas de Arte. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n.2, abr. 2009. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/revista_brasil.htm>.

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N. Resenha do Mês. Belas Artes, Revista do Brasil, São Paulo, ano I, abr. 1916, n. 4, p.448-452 [Texto com grafia atualizada].

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CARICATURA

Abriu-se este mês a exposição de caricaturas de Voltolino, o mais popular dos caricaturistas de S. Paulo. Filho de pais italianos, este artista nasceu em S. Paulo e aqui viveu até os doze anos, depois seguiu para a Itália, estudou rudimentos do desenho num liceu profissional de Pisa e retornou a terra natal, onde trabalhou em estabelecimentos gráficos até dedicar-se a caricatura, que era sua verdadeira vocação.

Lemmo Lemmi (assim se chama o nosso artista) é, pois um autodidata, com as qualidades e alguns senões dos que por essa forma se educam. Os senões limitam-se a certas deficiências de desenho que o artista facilmente corrigiria. Em compensação, quantas e quão belas qualidades oferecem os seus trabalhos! Voltolino não se fez caricaturista por capricho, e sim por temperamento. De todos os nossos artistas deste gênero, é ele, talvez, quem possui a verdadeira expressão caricatural. Não lhe sai o traço com a elegância e o “chic” de J. Carlos, em quem, as vezes, o ilustrador ou o decorador, supera o caricaturista; podem faltar-lhe a segurança e a nitidez do desenho de Calixto, não o inspiram os assuntos literários que fornecem a Raul uma boa dose dos seus “calembours” ilustrados, mas nenhum desses apresenta na execução e na concepção um tão forte espírito de sátira, uma tão profunda impressão do ridículo. O seu desenho, simples e sintético, tem a espontaneidade de uma “piada” e é incisivo e fustigante como a própria sátira. Às vezes traz no fundo, uma amarga filosofia a diluir-se numa infinita piedade, como no n.º 13 (Luta pela vida). Como certos desenhos de Forain, este faz rir a princípio e pensar em seguida. Outras vezes apanha exclusivamente o aspecto cômico, o ridículo de certas fraquezas humanas. Destes, um dos melhores, senão o melhor exemplar é - “IL XX SETEMBRE.” [Imagem] Nesta pequena obra-prima de observação, Voltolino estuda admiravelmente o tipo de colono italiano enriquecido no Brasil e é assim o primeiro artista brasileiro que nos fornece a documentação deste novo elemento da nossa sociedade. No desenho a que nos referimos e que lhe resume com rara felicidade a psicologia, esse tipo aparece-nos no seu exagerado amor as exterioridades berrantes e espalhafatosas. É o dia 20 de setembro, o amor a “pátria lontana” não lhe permite deixar passá-lo sem uma comemoração. Qual há de ser? Pega do seu Pepino, infarpela-o numa farda de “bersagliere”, em cujas calças as perninhas desaparecem nas dobras do pano sobe jante, afivela-lhe ao cinto uma espada e esmaga-o sob o peso de um capacete, que as pernas farfalhantes de uma cauda de galo fazem pender para a direita, a esconder-lhe o rosto. Pronto! Agora um charuto toscano ao canto da boca, o chapéu do lado, o melhor terno e o colete mirabolante, e toca a andar por essas ruas, a acompanhar a banda “Ettore Fieramosca”, arrastando pela mão o pobre Pepino, que nada sabe da Porte Pia e da respectiva brecha... E está comemorada a grande data. Este patriotismo ingênuo e espetaculoso (aliás, não incompatível com o verdadeiro, a valer), é que mereceu de Voltolino uma sátira admirável, ao mesmo tempo em que é um estudo perspicaz de psicologia e, no fundo, um perfeito quadro de gênio. Mas o humorismo da cena se completa, se dissermos que o Pepino é aluno do grupo escolar Bom Retiro e nunca falou o italiano... nem o português! Exprime-se nesta algaravia intermédia dos dois idiomas, que é língua oficial de certos bairros da Paulicéia...

Verdadeiro “pendant” deste quadro é a “Solenidade Nacional.” [Imagem] Em três tipos de oficiais da guarda nacional, que se exibem em público, resume o caricaturista a comemoração que costumamos fazer das nossas datas solenes. Tão fiéis são os briosos milicianos a esse rito, que o encontro deles é para os transeuntes desprevenidos, signa tão certo de festa nacional, como é presságio de chuva a escuridão do céu para os lados de Santo Amaro. E que tipos! Cada um deles traz na expressão fisionômica no todo, nas atitudes, a característica perfeita das classes em que geralmente se recrutam os oficiais de nossa milícia. É, aliás, neste gênero que Voltolino revela a superioridade da sua arte. Preferimo-lo na reprodução destes personagens populares que ele estudou com um carinho especial. Devemos-lhe, nesse particular, a fixação de alguns tipos condenados a desaparecer, como o baleiro preto ou mulato, figura há anos obrigada a hora de saída das escolas e hoje quase rara. Quer no elemento luso-brasileiro, ítalo-brasileiro ou nos pretos e mulatos, Voltolino elege sempre o seu modelo nos personagens da rua, que se lhe fazem encontradiços na sua incoercível perambulação de boêmio incorrigível... Admirável boemia, que nos fornece alguns exemplares da melhor “arte brasileira”, espontânea, característica e pessoal.

Infelizmente este talentoso artista é obrigado a dispersar a sua atividade de tal modo, que a sua produção se recente bastante desse mal. Esperamos que melhores dias lhe tragam a tranqüilidade indispensável ao labor intelectual e lhe permitam só entregar ao público aquilo que for digno do seu grande valor artístico. - N.

PINTURA

No Rio de Janeiro faleceu Francisco Amélio de Figueiredo e Mello, distinto pinto brasileiro. A circunstância de ser irmão de Pedro Américo conduz toda a gente a um inevitável e injusto confronto no julgamento deste artista, confronto que não pode deixar de lhe ser desfavorável, pois o autor da batalha de Avahy, não só é um dos maiores pintores que o Brasil tem produzido como também um dos grandes artistas do seu tempo.

Se lhe aplicamos, porém, um outro critério mais justo, o seu nome ficará entre os dos nossos artistas mais esforçados e talentosos.

Aurélio de Figueiredo fez, há alguns anos, uma pequena exposição em S. Paulo. Ao que parece, já começara a acentuar-se a sua cadência. Algumas paisagens, corretamente desenhadas, apresentavam um colorido desarmônico ao afirmar uma visão já defeituosa. Contudo, a técnica era ainda fina, com um certo aspecto decorativo interessante.

Os seus dois trabalhos principais foram muito discutidos pela crítica: “Francesa da Riminie “Descoberta do Brasil”. A execução deste último coube-lhe por haver conquistado, com o seu esboceto o prêmio do concurso aberto pela comissão do Quarto Centenário da Descoberta do Brasil. Teve de executá-lo no Brasil, em prazo relativamente curto, vencendo mil dificuldades. Críticos autorizados reconhecem nessa obra muitas qualidades notáveis.

Deixa Aurélio de Figueiredo na Galeria Nacional de Belas Artes vários trabalhos, entre os quais um grande quadro a propósito do famoso baile da Ilha Fiscal, que precedeu de alguns dias a proclamação da República.

Era natural do Estado de Alagoas e faleceu aos 62 anos – N.

Ilustrações Originais

VOLTOLINO: Il XX Setembre

VOLTOLINO: Solenidade Nacional