Revista do Brasil (1916-1918) - Artigos e Críticas de Arte

transcrição de Sandrinni Lovera

VALLE, Arthur (org.). Revista do Brasil (1916-1918) - Artigos e Críticas de Arte. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n.2, abr. 2009. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/revista_brasil.htm>.

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P.. Resenha do Mês. Belas Artes. Pintura e escultura, Revista do Brasil, São Paulo, ano I, jan. 1916, n. 1, p.67-69 [Texto com grafia atualizada].

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O ano de 1915 não trouxe contribuição notável para a historia da pintura no Brasil. Ano de crise política e financeira, coincidindo com a sucessão do mais nefasto e ridículo governo que jamais teve o país, agravada ainda pelos efeitos da guerra européia, não oferecia por certo o ambiente favorável ao florescimento das belas artes, produto delicado das épocas de paz e opulência e que exige condições especiais de cultura. Nessa atmosfera só poderia viver e prosperar a caricatura... E essa teve com J. Carlos alguns dias de gloria nas paginas da “Careta”.

Um fato de grandes conseqüências para a pintura no Brasil deve ser assinalado nesta rápida resenha: a mudança de direção da Escola Nacional de Belas Artes. Como é sabido, retirou-se do lugar de diretor o escultor Rodolpho Bernardelli, tendo sido eleito em sua substituição o pintor João Baptista da Costa.

Não é sem pesar que os amigos da arte vêem o ilustre autor do “Christo e a adultera” deixar o posto ocupado por tantos anos. Muitos foram os serviços por ele prestados à Escola e à Arte; mas as desilusões, o cansaço ou outras causas que desconhecemos, conduziram-no a um ceticismo que estava (força é confessar) chegando ao abandono. Bernardelli a principio zeloso e ciumento da “sua” Escola, como certos pais extremosos em demasia, afastou daquela instituição dedicações; por fim, isolado e fatigado, já não podia atender, com a necessária solicitude, as exigências de seu cargo. A conseqüência desta situação foi o afrouxamento da disciplina, a desobediência aos regulamentos e até o abandono material do edifício e das ricas coleções que a Escola possui.

Daí nasceu a incompatibilidade com a congregação e a renúncia do cargo de diretor.

A congregação felizmente inspirada, indicou para substituí-lo João Baptista da Costa, o provecto pintor da nossa paisagem, tipo de probidade como artista e como homem, caráter em que a firmeza está perfeitamente aliada à doçura. Essa escolha, restabelecendo a harmonia no corpo docente, criou um espírito novo, infundiu nova fé e determinou uma benéfica agitação introduzindo reformas na parte material do ensino ao par de uma orientação mais moderna e livre, nos processos didáticos.

Foi sob a nova direção que se instalou a Exposição Geral de Belas Artes. Dos mestres consagrados só Baptista da Costa enviou trabalhos. Seis ou oito telas de paisagens da Serra do Mar, seu assunto predileto e nunca esgotado.Sempre a mesma correção de desenho e o mesmo cuidado de acabamento. Nenhuma, porém, acrescentou maior glória no nosso laureado paisagista, tão digno da nossa admiração pelo seu talento como da nossa simpatia pela sua fidelidade no amor à natureza do Brasil, que cada vez o apaixona mais.

Em compensação, o Salon de 1915 revelou ou confirmou alguns novos. Nesses podemos incluir Eugenio Latour e os irmãos Chambelland [Rodolpho e Carlos]. Nenhum deles apresentou apresentou obras superior ao que mandaram ao Salon anterior, mas também não demonstraram perda ou enfraquecimento visível das suas qualidades técnicas.

Levino Fanzeres justificou cabalmente o juri de 1914, que lhe concedeu o premio de viagem. Seus progressos são evidentes. A sua técnica adquiriu maior maleabilidade e finura, ampliando consideravelmente os meios de expressão.

Uma nobre e interessante organização artística conquistou rapidamente a atenção dos visitantes deste Salon: Carlos Oswald. O seu retrato de senhora, com um ligeiro deslize na pose de modelo, mal reclinado no divan, é um excelente e original exemplar de moderna pintura, arrojada na tonalidade verde do vestido, admiravelmente tratado. É um colorista de fina sensibilidade.

Dona Georgina de Albuquerque, a distinta pintora paulista, teve neste Salon três quadros que atestam uma importante modificação na sua fatura, agora mais destra e harmônica.

Outro artista que se impôs com galhardia foi C. Gottuzzo, natural do Rio Grande e residente em Madri. Algumas esplendidas cabeças e um auto-retrato bem estudado asseguram-lhe um ligar de destaque.

Mas as duas verdadeiras revelações deste Salon são: Henrique Cavalleiro e Dias Junior, ambos bem brasileiros, ambos alunos da Escola, formados no meio carioca. São dois temperamentos com admiráveis disposições para a pintura que a sábia direção de Eliseu Visconti vai afeiçoando superiormente. Dias Junior expôs um auto-retrato e um estudo de nu masculino, com qualidades notáveis de desenho e de cor, relativamente ao seu tempo de estudo, e Henrique Cavalleiro algumas paisagens manchadas com sentimento de verdadeiro artista.

Deixamos de incluir nesta nóticia o pintor paulista Wasth Rodrigues de que nos ocupamos mais abaixo.

O júri concedeu o premio de viagem a Baptista Bordon, paisagista de talento, bem representado neste Salon e melhor ainda em outros, cujo tempo de concurso estava a esgotar-se.

A medalha de honra coube a João Baptista da Costa.

Na seção de escultura, Corrêa Lima dominou completamente.

“Menina e moça” é um primor de estatuária em que a gracilidade das formas quase indecisas bem define esse estado de adolescência feminina, que inspirou Machado de Assis e através dos seus lindos versos, o nosso talentoso escultor.

Dois mestres, Eliseu Visconti e Rodolpho Amoêdo, justificaram a auência no Salon com a execução dos panneaux decorativos do Theatro Municapla do Rio. Estes trabalhos ainda não foram entregues; mas há deles noticias fidedignas que afirmam o seu incontestável valor, à altura da reputação dos dois ilustres artistas.

Lucílio de Albuquerque, atualmente professor da Escola Nacional de Belas Artes, executa algumas telas históricas, encomenda do governo riograndense, sobre episódios da Revolução de Piratinim.

São Paulo, que já se tornara, pelo gosto e pelo número de seus amadores, um importante centro artístico, atravessou o ano de 1915 quase sem uma nota artística relativa à pintura ou à escultura.

Amadeu Zani entregou o seu monumento da fundação de São Paulo. Que ate hoje espera colocação. O distinto escultor, cuja permanência em Roma foi utilíssima ao aperfeiçoamento da sua técnica, abriu ao publico, no Salão de Liceu, uma bela exposição dos estudos que fez para as figuras do monumento. Se por elas podemos julgar o que vai ser essa obra, é caso para felicitarmos S. Paulo pela aquisição que tanto vai enriquecer o seu patrimônio artístico.

Na escultura a citar ainda o magnífico busto do dr. L. P. Barreto, executado por W. Zadig.

A conflagração européia repatriando alguns dos nossos pintores, impossibilitados de continuar os seus estudos, deu-nos oportunidade de verificar os progressos que fizeram no estrangeiro. Foi assim que conhecemos a obra de dois moços paulistas destinados a ocupar lugar de evidencia entre os nossos artistas: José Wasth Rodrigues e J. Marques Campão.

Wasth Rodrigues é uma notável organização artística, com então raro poder de intuição, que em quatro anos de estudo conseguiu possuir uma soberba técnica e abordar vários gêneros com êxito. Interpreta a paisagem com intenso sentimento poético e sabe tratar a figura com vigor e com expressão. A sua exposição, composta de cento e sete trabalhos, foi um triunfo.

J. Marques Campão trouxe poucos quadros. Mas os que apresentou bastam para assegura-lhe a reputação. Trabalhador consciencioso e de talento, soube aproveitar criteriosamente o seu tempo de aprendizagem apurando-se no desenho e na pintura, sob a direção de J. P. Laurens, também professor de Wasth Rodrigues. Um só dos seus quadros, “Recordando o passado” demonstra o valor deste jovem artista. É um retrato, artisticamente composto, de concepção muito feliz e executado a primor. Pode assiná-lo sem desdouro um pintor de nome feito.

Devemos assinalar ainda a paisagem de dois simpáticos artistas estrangeiros, os Srs, J. Serra e R. Palmarola.

O primeiro, argentino de nascimento, espanhol de escola, expôs uma linda coleção de aspectos do Rio, muito interessantes pela riqueza de cor e pela sinceridade da fatura.

O segundo, espanhol, residente em Paris, exibiu alguns valiosos trabalhos de pintura e uma formosa coleção de retratos à sanguínea e a crayon, em cuja execução se mostrou muito hábil.

P.