A etnografia poética de Correia Dias: um passeio pela tradição indígena de sua piscina mítica

                                                               Amanda Reis Tavares Pereira

PEREIRA, Amanda Reis Tavares. A etnografia poética de Correia Dias: um passeio pela tradição indígena de sua piscina mítica. 19&20, Rio de Janeiro, v. X, n. 1, jan./jun. 2015. https://www.doi.org/10.52913/19e20.X1.04a [English]

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E para despertar-lhes o interesse pelas nossas belatrizes, Orellana fora informado de que elas eram possuidoras de enormes tesouros, a começar pelos cinco suntuosos Templos do Sol que lhes enriqueciam os domínios. Por outro lado, muito antes que os primeiros bergantins descessem o Amazonas e houvessem sido flechados pelas supostas mulheres guerreiras, já Américo Vespúcio e até Colombo tinham ouvido referências a tribos de Amazonas em outras regiões da América, e isso era o bastante para mostrar que uma única e mesma lenda andava na imaginação de muitos. Mas passemos a outro ponto, que é muito interessante, e está intimamente ligado à tradição das amazonas. Os muiraquitãs ...

Amazônia misteriosa, Gastão Cruls

1.      Em 1930, o português Fernando Correia Dias (1882-1935), caricaturista, ceramista, artista gráfico e decorador, radicado no Brasil desde 1914, realizou, a pedido do empresário brasileiro Guilherme Guinle (1882-1960), o projeto de uma piscina, uma fonte e dois bancos para sua propriedade na Gávea, Rio de Janeiro [Figura 1].

2.      A pequena piscina intercepta o curso de um riacho à beira da floresta que cerca a propriedade. Foi incorporada a esse projeto uma grande pedra próxima à queda d’água. Em torno dela, foram colocados vasos de planta com motivos marajoara, tal como o são os azulejos. Na lateral direita, a água segue seu curso por uma pequena escada. Dentro da piscina, de um pouco mais de um metro de profundidade, podemos ver plantas aquáticas conhecidas como vitória-régia. O projeto seria um jardim com um tanque para essa planta.[1]  Também podemos observar, nos outros dois lados, a imagem de pequenas escadas que dão acesso à água. Na lateral esquerda, a única que não possui escada, é possível observar perfeitamente uma espécie de fonte por onde a água passa. Em cima da fonte, há um grande muiraquitã. A posição privilegiada desse elemento dentro do projeto (no local mais alto, acima da fonte) evidencia sua relevância e o que ele pode evocar: o lendário Yaci Uarua, ou espelho da lua, nome indígena do lago associado a uma das narrativas míticas mais recorrentes no imaginário amazônico, a lenda das Amazonas e de seus muiraquitãs

3.      Muito antes de ocupar essa posição privilegiada no projeto de Correia Dias, o muiraquitã e as narrativas em torno dele já haviam percorrido o mundo nos textos e histórias dos viajantes europeus, instigando o imaginário tanto de exploradores quanto daqueles que jamais se aventurariam na região.

4.      Consta ter ocorrido, ainda no século XVI (1541-42), a primeira expedição realizada ao longo de todo o rio Amazonas, desde o Equador até a foz do oceano Atlântico, cujo capitão foi o espanhol Francisco de Orellana (1490-1550). O cronista dessa expedição, frei Gaspar de Carvajal (1504-1584), registra em seu texto o confronto do grupo com as índias guerreiras que viveriam sem a companhia dos homens, perto da foz do rio Jamundá:

5.                                    Íamos desta maneira caminhando e procurando um lugar aprazível para folgar e celebrar a festa do bem-aventurado São João Batista, precursor de Cristo, e foi servido Deus que, dobrando uma ponta que o rio fazia, víssemos alvejando muitas e grandes aldeias ribeirinhas. Aqui demos de chofre na boa terra e senhorio das amazonas.

6.                                     [...] Andou-se neste combate mais de uma hora, pois os índios não perdiam ânimo, antes parecia que o redobravam, embora vissem mortos a muitos dos seus, e passavam por cima deles, e não faziam senão retrair-se e tornar a atacar.

7.                                    Quero que saibam qual o motivo de se defenderem os índios de tal maneira. Hão de saber que eles são súditos e tributários das amazonas, e conhecida a nossa vinda, foram pedir-lhes socorro e vieram dez ou doze. A estas nós as vimos, que andavam combatendo diante de todos os índios como capitãs, e lutavam tão corajosamente que os índios não ousavam mostrar as espáduas, e ao que fugia diante de nós, o matavam a pauladas. Eis a razão por que os índios tanto se defendiam.

8.                                    Estas mulheres são muito alvas e altas, com o cabelo muito comprido, entrançado e enrolado na cabeça. São muito membrudas e andam nuas em pelo, tapadas as suas vergonhas, com os seus arcos e flechas nas mãos, fazendo tanta guerra como dez índios. E em verdade houve uma destas mulheres que meteu um palmo de flecha por um dos bergantins, e as outras um pouco menos, de modo que os nossos bergantins pareciam porco-espinho.[2]

9.      Em páginas anteriores ao fragmento acima transcrito, o frei já havia mencionado a existência das amazonas e citado as precauções sugeridas por alguns índios caso o grupo espanhol pretendesse adentrar suas terras. Trata-se do primeiro registro escrito que apontaria a real existência dessas mulheres, que jamais teriam sido avistadas novamente.

10.    Segundo a tradição tupi, elas eram as icamiabas, índias guerreiras que formavam uma tribo, apartada dos homens, perto da foz do rio Jamundá. A semelhança com a narrativa da Antiguidade Clássica consolidaria, para os europeus, a existência dessas mulheres que, de acordo com a lenda tupi, eram responsáveis pela confecção de pequenos amuletos, retirados do fundo do lago mágico, o Yaci Uarua.

11.    No século XVIII, os registros da expedição do naturalista francês Charles-Marie de la Condamine (17701-1774) pelo mesmo rio[3] apontariam a presença de pequenas pedras verdes com formas zoomórficas no pescoço dos índios. Segundo o explorador, elas eram conhecidas como “pedra das amazonas”. Data, portanto, desse século, o registro da associação entre a tribo lendária e os muiraquitãs: artefatos em pedra verde com forma brataquiana com furos laterais duplos não visíveis pela parte frontal,[4] que, de acordo com a lenda, seriam feitos pelas índias guerreiras.   

12.    A confecção desses artefatos, vinculados à tradição dos povos Tapajó, Santarém e Conduri, demandaria tempo, muita habilidade, ferramentas e técnicas apuradas, já que o jade é material difícil de ser trabalhado por ser muito duro, o que sugere o domínio de técnicas complexas por parte dos povos que os confeccionaram.

13.    Os muiraquitãs foram encontrados até na América Central, e muitos deles foram levados para a Europa e presenteados como amuletos, símbolos de boa sorte. Hoje, os poucos exemplares conhecidos estão em museus. Os relatos de La Condamine, datados do século XVIII, já mencionavam propriedades curativas dessas peças, o que também já era amplamente difundido entre os indígenas. Junto com esse artefato, também as lendas em torno dele e das amazonas circularam pelo velho mundo, através dos registros e das histórias dos viajantes exploradores.

14.    No projeto de Correia Dias, temos um muiraquitã redimensionado, com cerca de 50 cm, que teria sido esculpido em pedra. Tendo saído do pescoço dos índios para habitar um riacho carioca, ele foi incorporado ao projeto como ornamento, e não há dúvidas a respeito da centralidade simbólica de seu papel, já que está de frente para a piscina e acima da queda d’água, o que sugere posição de relevância. Também compõem a ornamentação do projeto sete vasos de planta, distribuídos em torno da piscina.

15.    Quando realizou esse projeto, ancorado na tradição indígena, o artista português já possuía extenso trabalho inspirado na tradição marajoara.[5] Em 1928, a Companhia Cerâmica Nacional já fabricava azulejos desenhados por ele a partir da estilização de padrões dessa cultura. Em seu ateliê, no bairro de Botafogo, também eram conhecidos seus vasos de cerâmica inspirados nessa mesma tradição, assim como seus abajures, tapetes, placas de bronze, objetos em ferro batido, cofres em couro.[6] Desde seus primeiros anos no Brasil, o comprometimento com uma arte brasileira baseada em elementos da cultura nacional seria constante em seu trabalho.

16.    Na verdade, ainda em Portugal, o interesse pelas manifestações culturais populares faria parte de seu repertorio artístico. Na resenha de Virgílio Ferreira, publicada no periódico português A Águia,[7] sobre a exposição de despedida do amigo, já é possível antever Correia Dias envolvido com temas regionais. Ao chamar atenção dos leitores para a compreensão que o artista possuía para o que havia de poético e artístico nos regionalismos portugueses, Virgílio Ferreira alinha no trabalho de Correia Dias o poético ao etnográfico, destacando o que considera ser um benefício para o desenhista etnógrafo.[8] Essa associação não deixa de nos parecer curiosa, já que o valor da obra de Correia Dias estaria mais relacionado a uma habilidade subjetiva do que propriamente a um “método” de relato etnográfico, o que seria mais esperado para essa disciplina. O ganho da etnografia portuguesa seria justamente um olhar diferenciado, mais sensível aos elementos artísticos regionais. Arriscar-nos-íamos a supor que aquilo que chama a atenção de Virgílio Ferreira e o faz compreender a obra de Correia Dias como associação entre o poético e o etnográfico seria o seu interesse pela estilização das referências daquilo que compreendia como cultura nacional. A dimensão poética estaria, portanto, a cargo de uma releitura desses elementos.

17.    No Brasil, a estilização de elementos da tradição marajoara marcará seu pioneirismo em relação a um novo modo de apropriação do nativismo, como aponta Paulo Herkenhoff: ao lado de Theodoro Braga (1872-1953) e Manoel Pastana (1888-1984), Correia Dias “desenvolveu a ideia de artes decorativas com elementos nativistas. Ele iria tornar-se um grande propulsor da ideia de um desenho industrial, nas artes gráficas e nas artes decorativas, pautado na herança nacionalista da cerâmica marajoara.”[9] O artigo do artista capixaba Vieira da Cunha O nacionalismo na arte, considerado registro pioneiro dessa intencionalidade nacionalista, dedicado às artes gráficas, foi feito no período em que ele compartilhava com Correia Dias o ateliê de Botafogo.

18.    Portanto, quando realiza o projeto para Guilherme Guinle, o artista português já é conhecido por seu trabalho, realizado em diferentes suportes como desenho, cerâmica, artes gráficas, além de ornamentos para a arquitetura aqui designada neomarajoara ou “déco” marajoara. Seu interesse por uma arte nacional o colocaria em contato também com a estilização de elementos da fauna e flora brasileiras,[10] além dos elementos da tradição africana. Sua trajetória profissional, portanto, passará por todos esses referenciais e encontrará na expansão da “art déco”, nas décadas de 1930 e 1940, o reconhecimento de um trabalho já denso no campo de revisão dessas tradições. 

19.    Os vasos em cerâmica com estilizações marajoara, que podemos observar em algumas fotografias de seus trabalhos, eram também comuns em seu ateliê.[11] Provavelmente, os vasos com plantas que ornamentam o projeto inicial foram feitos sob as mesmas preocupações artísticas que encontramos nas cerâmicas fotografadas. No projeto, eles parecem ser resistentes, para que fiquem ali expostos não só como objeto de decoração, mas também como bons recipientes para as plantas; portanto, não parecem ser pequenos. Em fotos de seu ateliê é possível ver vasos possivelmente semelhantes aos que estavam previstos pelo projeto original, já que atualmente os vasos não estão mais no local. 

20.    Ao mesmo tempo em que fala da importância de Correia Dias como pioneiro nessa incorporação do nativismo, Paulo Hekhenhoff ressalta o caráter conservador dessa apropriação:

21.                                  que se mantém fiel às formas e materiais dos vasos, à permanência da identidade gráfica do símbolo, aos contrastes gráficos com a acentuação da tendência arcaica. [...] Na obra de Correia Dias, as peças pequenas parecem demonstrar maior liberdade experimental de formas e de decoração, menos imediatamente tributárias dos motivos ornamentais originais.[12]

22.    Não podemos afirmar que o projeto confirma essa interpretação a respeito da relação entre a liberdade criativa e o tamanho do vaso, mas sugerimos que a percepção do crítico a respeito do modo como a apropriação se dá poderia também estar relacionada à ligação do etnográfico ao poético, sugerida por Virgílio Ferreira. Talvez, afastar-se demais da identidade gráfica dos padrões marajoara comprometesse a relação ou identificação do trabalho com aquela cultura, o que comprometeria o sugerido caráter etnográfico.

23.    Herkenhoff contrasta ainda essa abordagem de Correia Dias àquela feita por Theodoro Braga, companheiro do artista no pioneirismo da difusão dessa estilização. Braga faria uma estilização mais livre do que a do amigo. Ao mesmo tempo em que estabelece esse contraste, porém, Herkenhoff identifica na obra do próprio Braga uma diferença entre seu trabalho com a estilização marajoara e o academicismo de sua pintura, cuja obra O muiraquitã (1920) [Figura 2][13] serve-nos de exemplo.  

24.    Essa tela de Braga nos parece interessante para reflexão sobre a revisão da apropriação da tradição indígena proposta nas primeiras décadas do século XX, que reivindica outro diálogo com essa tradição, distinto daquele recorrente no século XIX, quando o indígena representado conforme a tradição acadêmica de formação europeia podia ser entendido como elemento mítico fundador de uma nação recém-liberta do domínio português. O muiraquitã de Theodoro Braga, embora esteja contextualmente inserido nas discussões a respeito da modernização dessa apropriação, ainda comunga com um modo de representação previsto pelo século XIX: basta observar os corpos das índias.

25.    Parece-nos interessante compreender, portanto, na figura desse artista, o momento de transição vivido nas primeiras décadas do século XX, já que, ao mesmo tempo em que se firma como moderno em seus projetos de arte decorativa, ainda deixa transparecer em sua pintura uma tradição europeia na abordagem de temas nativistas.

26.    O século XX revisitaria essa relação, propondo outro intercâmbio. No período, ocorre uma revisão estética da temática nacional e do modo de disseminar e entranhar esse nacionalismo, de forma que o filtro europeu fosse abandonado em nome da valorização da arte indígena enquanto criação artística, opondo-se àquele modo de representação da figura do índio.[14] Eliseu Visconti (1866-1944), Theodoro Braga e Manoel Pastana, ao lado de Correia Dias, seriam fundamentais para a divulgação dessa estética, que encontraria numa sociedade industrializada as ferramentas consideradas por eles fundamentais e fundacionais para difusão dessa nova iconografia nacional.[15]

27.    O projeto aqui analisado faz parte, portanto, dessa nova sugestão de apropriação e é realizado no momento em que o trabalho desses pioneiros começa a ganhar coro com o então fortalecimento do “art déco” e “déco” marajoara. Não estamos mais diante de um olhar preocupado com a representação europeia do homem indígena e sim com a apropriação estilizada de elementos de sua cultura material, como os vasos e padrões dos azulejos, além de sua mitologia, como sugere o muiraquitã.

28.    São muitas as versões da lenda a ele associada. Elas circularam pela América e pela Europa, desde o século XVI. Vinculada comumente à tradição tapajó, que associa os muiraquitãs às amazonas, é recorrente a história de que eram fabricados pelas icamiabas ou amazonas. Em noite de lua cheia, elas receberiam índios da tribo escolhida, com quem passavam a noite. Nessa mesma noite (ou à meia noite, em algumas versões da lenda), elas mergulhavam no lago mágico, em torno do qual encontravam seus guerreiros, e retiravam do fundo das águas um barro mole que se transformava em um muiraquitã, amuleto entregue aos índios, que os penduravam no pescoço, como um talismã que os ajudaria na caça, além de trazer boa sorte, felicidade e ser símbolo da fertilidade daquele encontro. Em outra versão da lenda, no fundo do lago moraria a mãe dos muiraquitãs, que dava às índias o amuleto em situação muito semelhante: a de receber os índios. Também é conhecida a versão de que as icamiabas jogavam vasos com água perfumada para purificar a água de onde retirariam o muiraquitã. No projeto de Correia Dias, também são os vasos que ornamentam o entorno da piscina - deslocados de suas funções de carregar água ou mantimentos para a ornamentação

29.    Parece-nos interessante recordar que são recorrentes na região amazônica as figuras míticas associadas à água, como a sereia Iara e a mãe d’água. As figuras de Iemanjá e Oxum também foram incorporadas ao imaginário nacional que endossa a água como espaço mítico.[16]

30.    No contexto de uma sociedade em processo de industrialização do início do século XX, em que o conceito de moderno prevê essa releitura, vale sempre observar que a apropriação dessa tradição se submete a um projeto ocidental de modernidade. Toda a retórica sobre uma nova concepção do índio não deixou de ser feita sob a mesma hierarquia. Apropria-se da estilização dos elementos indígenas e não propriamente de sua cultura material, já que os elementos incorporados estão desviados de suas funções previstas pela cultura marajoara, na qual a iconografia possui simbologia específica[17] e os vasos são fabricados para armazenar alimentos ou servir de urnas funerárias.[18] Nessa nova perspectiva, não se propõe um diálogo com a tradição indígena pela problematização ou valorização de sua cultura, mas pela estilização de seus traços e formas.

31.    A iconografia dos azulejos da piscina ilustra bem o interesse pela estilização: é priorizado o efeito estético da geometrização dos elementos visuais. Podemos identificar o diálogo, sobretudo nas figuras antropomórficas presentes nas laterais da piscina. São azulejos de padrão que sugere um rosto humano pela presença de olhos, nariz e boca. Na tradição marajoara era recorrente a antropomorfização nas cerâmicas, e a representação dos olhos e nariz em forma de “Y” ou “T”.[19] Esta última letra seria a mais próxima do que encontramos nos azulejos da piscina e está acompanhada de dois quadrados que representam os olhos. Nos dois azulejos que compõem a boca parece haver a sugestão dos dentes na parte inferior. Todos os azulejos são monocromáticos, e os desenhos estão em relevo e possuem contorno geométrico também em relevo. Servindo como suporte para as plantas, os azulejos da parte superior compõem um padrão exclusivamente geométrico. Próximo ao muiraquitã, uma faixa de azulejos com outro motivo geométrico contorna a queda d’água. Esses azulejos que contornam o muiraquitã, assim como os que estão na parte superior, parecem-nos estilizações mais distantes dos referenciais originais.

32.    É curioso que, embora dialoguem com aquela cultura, os azulejos não pertenciam a ela, mas estão associados a uma vasta tradição portuguesa, apesar de essa também não ser sua origem. Nesse trabalho, portanto, Correia Dias oferece ao diálogo com o nacionalismo nativista uma extensa tradição lusitana ao incorporar o azulejo como material primordial do projeto.

33.    Contextualmente, a década que separa O muiraquitã “europeizado” de Theodoro Braga daquele “moderno” de Correia Dias é marcada pela ampliação da indústria, do mercado editorial, da fotografia e da consolidação da etnografia, o que facilitou a circulação e a recepção de imagens da região amazônica, vista, desde do século XVI, sob uma lente mítica, como nas narrativas de frei Gaspar de Carvajal. Na piscina, a evocação dessa lenda é sugerida não só pelo muiraquitã - bem maior do que os verdadeiros -, mas também pela vitória-régia e pelos vasos, que ornam um projeto arquitetônico neomarajoara instalado em uma queda d’água, espaço simbólico recorrente na imaginação mítica do Brasil. Temos acesso ali à evocação da narrativa, que se vincula menos a uma experiência daquela cultura do que a uma alegoria sobre ela.[20]

34.    É fundamental recordar que no período que separa as obras do artista paraense (1920) e do artista português (1930) permaneceu a apropriação da tradição indígena, que foi sendo digerida, como bem sugere a antropofagia, num diálogo sólido com diferentes discussões sobre a Modernidade.

35.    No início da década de 1920, o artista plástico recifense Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), cujo trabalho foi exposto na Semana de Arte Moderna de 22, seria fundamental para uma nova apropriação do indígena. Em 1920, ele expõe em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife aquarelas de inspiração indígena. Embora o diálogo com essa tradição esteja presente em quase toda a sua obra, destacamos a relevância de Lendas, crenças e talismãs dos índios do Amazonas e Algumas vistas de Paris, ilustradas pelo artista e publicadas na França em 1923 e 1925, respectivamente.

36.    Em 1925, o escritor carioca Gastão Cruls (1888-1959) publicaria Amazônia misteriosa, romance sobre exploradores que se perdem na selva e encontram a lendária tribo das icamiabas. Para compor sua narrativa, Gastão Cruls usou como referência suas pesquisas sobre relatos históricos acerca das amazonas. Sem conhecer a região, redige seu romance a partir de uma extensa pesquisa nos relatos sobre expedições realizadas na região. 

37.    Também nessa década se situa a Semana de Arte Moderna de 1922, que corrobora a revisão do passado histórico nacional. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (1928), do paulista Mário de Andrade (1893-1945) e Cobra Norato (1931), do gaúcho Raul Bopp (1898-1984), obras literárias fundamentais para o movimento, foram realizadas a partir de lendas indígenas da Amazônia e foram escritos depois que seus autores visitaram a região.[21] Em Macunaíma, o personagem-título perde seu muiraquitã, acontecimento que desencadeia a narrativa.

38.    O questionamento sobre a real existência da tribo de mulheres guerreiras e seus muiraquitãs esteve presente também no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fundado em 1838. Na década de 1840, o então diretor do Instituto de Arqueologia do IGHB, Manoel de Araújo Porto Alegre, escreveu uma peça teatral, cujo título - A estátua amazônica: uma comédia arqueológica[22] - ilustra bem a tensão entre as narrativas científicas e ficcionais sobre a região e a persistência dessa narrativa no imaginário brasileiro. A motivação para a obra teria sido o caso do expedicionário francês Francis de La Porte (1810-1880), conhecido como conde de Castelnau, que encontrou

39.                                  Na região de Barra do Rio Negro (atual Manaus), uma estátua de pedra, que logo foi enviada para a França e exposta no museu do Louvre, junto com outros objetos coletados. Apesar de muito raros (atualmente não se conhecem mais de 50 exemplares), outros ídolos e estatuetas de pedra seriam encontrados na região amazônica, sobretudo a partir de 1870. Atribuídos, hoje, à cultura pré-cabralina denominada de Santarém, representam figuras de homens e animais. Mas na época de Castelnau foram vistos como indícios reais da civilização das amazonas! O explorador estava certo de que o artefato não provinha de sociedades consideradas primitivas. Para explicar sua origem, recorreu ao sedutor mito da sociedade de mulheres guerreiras, em declaração ao jornal parisiense L’Illustration.[23] 

40.    Considerada uma enorme falácia por Porto Alegre, a exposição lhe inspirou a caricatura de Castelnau na figura do expedicionário francês conde Sarcophagin, uma metonímia do imaginário fantasioso de exploradores que criam interpretações mirabolantes para compreender o que encontravam.[24] O explorador, igualmente presente na narrativa de Gastão Cruls, também se converte em ficção, sendo incorporado como personagem ao imaginário amazônico.

41.    A selva evoca, portanto, desde os primeiros relatos europeus, um imaginário fantasioso, misterioso, desconhecido e maravilhoso, fonte inesgotável para as expectativas não só dos cientistas e expedicionários como também dos artistas. Desse modo, para compreender a região, talvez fosse mais instigante recorrer a esses textos do que propriamente aos mapas ou registros científicos, já que a Amazônia poderia ser interpretada sob a lente da projeção histórica dessas narrativas ocidentais.

42.    A todos os eventos mencionados soma-se, a partir da década de 1930, o debate sobre as artes aplicadas e sobre o “art déco”, que ganha fôlego e difunde-se. Também data dos anos 30 o livro Introdução à arqueologia brasileira: etnografia e história (1934),[25] de Angyone Costa, que impulsiona esse debate no Brasil. Certamente, entre o quadro de Theodoro Braga e a publicação de Angyone há uma intensificação das discussões sobre o local que a etnografia passa a ocupar no âmbito das ciências humanas e, por extensão, também se realocam os possíveis desdobramentos dos interesses pela alteridade, o que vai conduzir, inevitavelmente, a novas projeção e apropriação da tradição indígena.[26]

43.    Parece-nos instigante, pois, a tensão entre os discursos científico e ficcional que compõem o imaginário sobre a região desde o século XVI, mas, sobretudo, desde o final do século XIX e as primeiras décadas do XX - período de consolidação não só da etnografia como disciplina, mas também das revisões históricas e estéticas já mencionadas a respeito daquele contexto industrial.

44.    É possível, portanto, pensar no projeto de Correia Dias como um mergulho nesse imaginário, que foi apropriado por um estrangeiro que desenvolve no Brasil um considerável e ainda pouco estudado trabalho com a tradição indígena, fruto de seu interesse pelo nativismo e de seu contato com a obra de Theodoro Braga. O projeto para a residência de Guilherme Guinle é mais um capítulo dessa apropriação, que dialoga com os elementos escolhidos para ela. O trabalho de Correia Dias, ao propor uma interferência arquitetônico-paisagista no curso de uma queda d’água, interfere também na experiência daquele espaço,[27] que passa a incorporar narrativas e simbologias - associadas à cura, proteção e prosperidade, por exemplo - vistas sob a lente de um projeto dito moderno de apropriação da tradição indígena.

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[1] HERKENHOFF, Paulo. Design e selva: o caminho da modernidade brasileira. The jornal of Decorative and Propaganda Arts 1875-1945, n.21, 1995.

[2] ACUÑA, Cristobal de; CARVAJAL, Gaspar de; ROJAS, Alonso de. Descobrimentos do Rio das Amazonas. Disponível em: <http://www.brasiliana.com.br/obras/descobrimentos-do-rio-das-amazonas/pagina/59/texto>. S.d. Acesso em 01/08/2014.

[3] O trabalho do pesquisador francês la Condamine sobre a bacia hidrográfica amazônica, apresentado em 1745 na Academia de Ciências de Paris (Relation abrégée d’un voyage fait dans l’intérieur de l’Amérique Méridionale) teria fomentado ainda mais o interesse europeu pela região.

[4] BARATA, Frederico O muiraquitã e as contas do Tapajó. São Paulo: Revista do Museu Paulista, n. 08, 1954. pp. 229-232.

[5] O termo marajoara refere-se aos povos indígenas que habitaram a Ilha de Marajó, no estado brasileiro do Pará. De acordo com a pesquisadora, Denise Pahl Shaan (1996) “a arte marajoara é a arte que se desenvolveu na Ilha de Marajó a partir do ano 400 A.D. e que chega até nós por meio dos resíduos da atividade ceramista que se lá se estabeleceu, segundo datas hoje amplamente aceitas, até 100 a 200 anos antes da chegada dos europeus ao continente. Esse material arqueológico possui características que, se por um lado atraem a curiosidade do pesquisador, por outro lançam inúmeras incertezas e colocam diversas dificuldades à consecução do trabalho de investigação científica. É um material riquíssimo em termos quantitativos e qualitativos, havendo inúmeras peças que primam pelo requinte técnico, com harmonia e singularidade de formas e designs, representando, sem dúvida, uma das mais belas cerâmicas policrômicas da pré-história recente das Américas. Em contrapartida, não há etnografia sobre a sociedade que a produziu e que dela se serviu por cerca de novecentos anos. Existem muitas dúvidas sobre a origem desse povo e a razão de seu desaparecimento, assim como sobre o modo como viviam e como se adaptaram às complicadas condições físicas e geográficas da Ilha de Marajó”.

[6] HERKENHOFF, op. cit.

[7] Virgílio Ferreira (1888-1944) foi conservador do Museu Etnológico Português (1912) e do Museu Nacional de Arte Antiga (1915). Lecionou na Universidade de Coimbra a disciplina de estética e história da arte, desde 1921, e a de arqueologia, desde 1923, e dirigiu o Museu Machado de Castro, em Coimbra, de 24 de novembro de 1929 a 1944, quando faleceu.

[8] Em março de 1914, a revista portuguesa A Águia publicou uma reportagem sobre a exposição de caricaturas que Fernando Correia Dias havia feito no Salão da Ilustração Portuguesa. Além de comentar a exposição, a reportagem, escrita pelo amigo Virgílio Correia era também uma espécie de despedida, já que as obras ali expostas atravessariam o Atlântico junto com o artista, que julgava ser o Brasil um campo fértil para suas pesquisas. Ao fim da reportagem, Virgílio se despede esclarecendo que “Correia Dias vae [sic] para o Brasil expor os seus trabalhos, tentar aplicar as suas aptidões de artista decorador. Que a fortuna não lhe o faça esquecer que além de tudo o mais a Etnografia portuguesa espera o seu concurso como ilustrador, porque outro não há que compreenda e sinta tão fundamente o que de amorável, de poético e artístico há em todos os regionalismos e cousas populares de Portugal”.

[9] HERKENHOFF, op. cit., p. 119.

[10] Correia Dias teve acesso aos estudos de Theodoro Braga em A planta brasileira (copiada do natural) aplicada à ornamentação, que possui estilizações da fauna e flora brasileiras além da cerâmica indígena, sobretudo marajoara.

[11] Infelizmente, a maior parte da cerâmica produzida por Correia Dias se perdeu. Da maioria de suas peças conhecemos somente fotografias. Seu acervo preservado está sob propriedade da família, no Rio de Janeiro, indisponível à consulta. Primeiro marido da poeta brasileira Cecília Meireles (1901-1964), Correia Dias teve com ela, no Brasil, três filhas.

[12] HERKENHOFF, op. cit., p. 120.

[13] Quando realizou essa obra, o artista plástico paraense Theodoro Braga já possuía trabalho comprometido com a difusão de uma iconografia brasileira moderna, fruto de suas pesquisas sobre a estilização da fauna e flora nacionais, além dos estudos a partir da cerâmica marajoara. Assim como Correia Dias, trabalhou com diferentes suportes artísticos. Foi, como diversos outros atores sociais do século XIX-XX, um profissional “multifacetado”. “Formou-se advogado em 1893, pela Faculdade de Direito do Recife, mas na mesma cidade logo cedo se inclinou à formação artística, a qual iniciou por volta de 1892, pelas mãos de Jerônimo José Telles Júnior, mestre do paisagismo pernambucano, que, segundo o historiador Edilson da Silveira Coelho, foi um dos responsáveis pela construção de sua personalidade artística. Já no Rio de Janeiro, em 1894, Theodoro Braga estudou pintura na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), com os professores Belmiro de Almeida, Daniel Bérard e Zeferino da Costa, obtendo conceito máximo, quando de sua formatura em 1898. Em 1899, recebeu o Prêmio de Viagem à Europa e partiu para aperfeiçoamento na cidade de Paris, onde estudou na Academia Julian, com Jean-Paul Laurens, mestre da pintura histórica francesa. Na sua estada em Paris, Theodoro Braga manteve contato com a arte decorativa francesa, assim como pôde percorrer vários outros países europeus, estudando e colhendo informações e aperfeiçoando técnicas para melhorias de suas obras. De regresso a Belém, em 1905, sua terra natal, pôde desenvolver pintura alusiva à fundação da cidade [cf. Imagem], por encomenda daquela municipalidade, fortalecendo seus vínculos com a pintura histórica. Ali produziu A planta brasileira (copiada do natural) aplicada à ornamentação, um repertório visual manuscrito com introdução de Manoel Campello, no qual o artista se utiliza da flora e fauna e dos padrões decorativos retirados da cerâmica produzida por culturas indígenas, especialmente da cerâmica marajoara, facilmente identificável com suas tramas geométricas, e labirínticas.” PASCOAL, Paola. Theodoro Braga e as proposições para uma arte brasileira. 19&20, Rio de Janeiro, v. VIII, n. 1, jan./jun. 2013. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/tb_pp.htm>. Acesso em 09/09/2013.

[14] MALTA, Marize. Percursos na construção de novas iconografias brasileiras: do selvagem romântico às grafias marajoaras art déco. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1308172766_ARQUIVO_MALTAMarizeDiscussoesacercadeumanovaiconografiabrasileira.pdf>. Acesso em 30/10/2013

[15] As artes aplicadas, trabalhadas por ambos, seriam relevantes justamente por permitir a confecção em larga escala de objetos que propagassem iconograficamente uma concepção estética nacional atualizada. Tendo sido aluno do francês Eugène Grasset (1845-1917) em Paris, Eliseu Visconti havia voltado para o Brasil interessado em aplicar, sem muito sucesso, seus estudos sobre o método, aprendido na França, de composição ornamental a partir da estilização da flora e da fauna nativas. Em 1901, realizou na Escola Nacional de Belas Artes uma exposição com mais de setenta trabalhos de arte decorativa aplicada à indústria. O crítico Gonzaga Duque, na época, lamentou a rejeição da indústria brasileira ao projeto de Eliseu Visconti, criticando o fato de preferirem a “servilidade dos maus modelos vindos do estrangeiro”.

[16] A conotação mítica água também está presente na lenda da vitória-régia. É atribuída ao povo tupi-guarani, a lenda de Naiá, a índia que queria ser levada pela lua. De acordo com a narrativa, a deusa lua sempre que se escondia atrás da montanha, levava consigo uma índia de grande beleza e a transformava em uma estrela. O sonho de Naiá era ser levada por ela, embora todos lhe advertissem de que uma vez levada não retornaria mais à terra. Indiferente à advertência, ela corria em seu cavalo nas noites de lua, sem nunca conseguir alcançá-la. Numa certa noite, muito cansada, Naiá parou para beber água em um lago. Devido à exaustão, acabou caindo na água e morrendo. A deusa, com pena da jovem, que tanto se havia esforçado, decidiu transformá-la em uma estrela diferente de todas as outras, transformando-a, então, em uma vitória-régia, planta aquática que só floresce à noite.

Assim como a lenda de Naiá, a mitificação da região amazônica e da tribo de mulheres que deu nome à região ajudou a difundir o imaginário de muitos exploradores sobre o lugar.

[17] PAHL SHAAN, Denise. A linguagem iconográfica da cerâmica marajoara. Dissertação de mestrado. PUC Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1996.

[18] Patrícia Godoy menciona que a estilização dos modelos marajoara requer estudos geométricos, o que pode alterar os padrões. Ela também chama a atenção para o fato de nem sempre os artistas conhecerem os padrões originais. Isso nos induz a ratificar que o interesse estético é o que vai ser privilegiado por aquele intuito nacionalista (Cfr.: <http://www.unicamp.br/chaa/rhaa/atas/atas-IEHA-v3-078-086-patricia%20bueno%20godoy.pdf >. Acesso em 15/10/2013).

[19] PAHL SHAAN, Denise. Cultura marajoara. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009.

[20] Pensamos aqui na alegoria etnográfica proposta por James Clifford (2002): “A alegoria (do grego allos, ‘outro’, e agoreuein, ‘falar’) normalmente denota uma prática na qual uma ficção narrativa continuamente se refere a outro padrão de ideias ou eventos. Ela é uma representação que interpreta a si mesma [...] Qualquer história tem uma propensão a gerar outra história na mente de seu leitor (ouvinte), a repetir e deslocar alguma história anterior. A compreensão da etnografia como alegoria implica a aceitação de que o outro não pode ser representado, dada a complexidade da experiência” (p. 65) “A alegoria nos incita a dizer, a respeito de qualquer descrição cultural, não ‘isto representa, ou simboliza, aquilo’, mas sim ‘essa é uma história (que carrega uma moral) sobre aquilo’” (p. 66).

[21] Em O turista aprendiz (1927), Mário de Andrade publicará as fotografias que ele mesmo tirou ao longo de sua viagem

[22] Para ter acesso ao texto integral, ver: <http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01514900>. Acesso em 23/09/2013.

[23] LANGER, Jonni, disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/cacadores-da-lenda-perdida>. Acesso em 21 set 2013. Consultar: LANGER, Jonni. As amazonas: história e cultura material no Brasil oitocentista. Disponível em: <http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/pdf/mneme10/amazonas.pdf>. Acceso em 07/02/2015.

[24] No artigo Como era ardiloso o meu francês: Charles-Marie de La Condamine e a Amazônia das Luzes, Neil Safier analisa os registros e palestras de La Condamine sobre a região amazônica quando de seu retorno à França, demonstrando os interesses políticos por trás de suas palavras, bem como as estratégias discursivas e de cópia das quais lançou mão para a composição de seu texto, aparentemente um relato pessoal e original sobre a região. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbh/v29n57/a04v2957>. Acesso em 12/02/2015. KERN, Daniela. The Amazonian Idol: the naissance of a national symbol in the Empire of Brazil (1848-1885). Disponível em: <https://www.academia.edu/10956147/2013_The_Amazonian_Idol_the_naissance_of_a_national_symbol_in_the_Empire_of_Brazil_1848-1885>. Acesso em 12/02/2015.

[25] Para ter acesso ao texto integral, ver <http://www.brasiliana.com.br/brasiliana/colecao/obras/184/introducao-a-arqueologia-brasileira-etnografia-e-historia>. Acesso em 2/02/2015.

[26] Embora não seja nosso foco, este trabalho flerta com as discussões sobre a apropriação da arte dita primitiva por parte dos grandes centros ocidentais. A respeito dessa questão, destacamos a contribuição da antropóloga Sally Price (2000, p. 56): “Certamente, uma questão que surgirá com frequência nesse livro é até que ponto podemos ver toda a arte como tratando das mesmas ‘questões centrais’ e até que ponto a produção artística de diferentes povos reflete a maneira especial pela qual cada um vê o mundo e o seu lugar nele.” Nessa obra, a autora questiona a pertinência da aplicação de conceitos e métodos ocidentais de arte em culturas que não compartilham esse arcabouço. Desde o questionamento a respeito dos ditos conhecedores de arte (críticos, sobretudo) até o questionamento sobre a formação das grandes coleções de arte primitiva, o livro aborda a permanência desses centros como locais de legitimação ou não do valor artísticos da arte primitivas, evidenciando a persistência da hierarquia entre os “primitivos” e os “civilizados” e o modo como ainda ocorre. A insistência no anonimato dos artistas primitivos seria um exemplo disso. É interessante, para nós, refletir sobre o modo como o contexto histórico aqui mencionado fomenta essa hierarquia.

[27] A respeito da experiência dessa interferência, lembramos Paisagem e memória, de Simon Schama (1996): “Se a visão que uma criança tem da natureza já pode comportar lembranças, mitos e significados complexos, muito mais elaborada é a moldura através da qual nossos olhos adultos contemplam a paisagem. Pois, conquanto estejamos habituados a situar a natureza e a percepção humana em dois campos distintos, na verdade elas são inseparáveis. Antes de poder ser um repouso para os sentidos, a paisagem é obra da mente. Compõem-se tanto de camadas de lembranças quanto de estratos de rocha (p. 17). “Perceber o contorno fantasmagórico de uma paisagem antiga, sob a capa superficial do contemporâneo, equivale a perceber, intensamente, a permanência dos mitos essenciais” (p. 27).