Félix-Émile Taunay: Epitome de Anatomia Relativa as Bellas Artes
seguido de hum compendio de physiologia
das paixões, e de algumas considerações geraes sobre
as proporções, com as divisões do corpo humano; offerecido
aos alumnos da Imperial Academia das Bellas Artes do
Rio de Janeiro
organização
de Elaine Dias
DIAS, Elaine (org.).
Félix-Émile Taunay: Epitome de Anatomia Relativa as Bellas Artes seguido de hum compendio de physiologia das
paixões, e de algumas considerações geraes sobre as
proporções, com as divisões do corpo humano; offerecido
aos alumnos da Imperial Academia das Bellas Artes do
Rio de Janeiro. 19&20,
Rio de Janeiro, v. XI, n. 2, jul.-dez. 2016. https://www.doi.org/10.52913/19e20.XI2.03
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O Epítome de Anatomia relativa às Belas Artes
seguido de um compêndio de fisiologia das paixões e de algumas considerações
gerais sobre as proporções com as divisões do corpo humano; oferecido aos
Alunos da Imperial Academia das Belas Artes do Rio de Janeiro foi
organizado por Félix-Émile Taunay e publicado no Rio de Janeiro, em 1837,
pela “Typographia Nacional.” Taunay dirigia a
Academia Imperial de Belas Artes desde 1834, e a publicação fazia parte de uma
série de medidas para o aperfeiçoamento dos instrumentos didáticos e
especialmente do curso de desenho, fundamental ao desenvolvimento da
instituição. Entre estas medidas, havia o aprimoramento do curso de modelo
vivo, aulas de anatomia e a compra de coleções de gessos (cópias da Antiguidade
grega e romana), bem como a tradução e organização de obras didáticas
oferecidas aos alunos como metodologia de educação do desenho e também das
técnicas pictóricas.
O Epitome de Anatomia é um compêndio
baseado nos principais tratados utilizados na academia francesa desde o século
XVII, incorporando também um texto explicativo datado do século XIX acerca da
anatomia. Taunay traduz os principais textos das obras e não há, no Epitome, a reprodução das pranchas, que
deveriam ser visualizadas nas fontes originais que integravam a Biblioteca da
Academia. A primeira parte do livro
organizado por Taunay apresenta os temas da osteologia e miologia, a partir da
obra Abrégée d’Anatomie accommodé aux arts
de peinture et sculpture,
de autoria de François Tortebat; a segunda parte
refere-se à fisiologia das paixões escrita por Charles Le Brun em L’Expression Générale et Particulière,
tema de sua Conférence
de 1668 realizada na Académie Royale de Peinture et Sculpture, na França;
a terceira parte provinha do verbete referente às proporções gerais do Dictionnaire des Beaux-Arts de Aubin-Louis Millin publicado em 1806, acrescentando ainda uma pequena
parte referente à divisão do corpo humano, da obra composta por Gérard Audran, Les Proportions du Corps Humain Mesurées sur les plus belles
Figures de l’Antiquité, publicado em 1683.
O Abregé d’Anatomie de
François Tortebat foi publicado em 1668 e baseava-se
no tratado de anatomia do belga Andrea Vesalius, De humani corporis fabrica, publicado em 1538, e de outra obra de
sua autoria feita a partir da primeira, intitulada Andrea Vesalii Bruxellensis,
schola medicorum Patauina professoris, suorum de Humani corporis fabrica librorum,
publicado em 1543. A obra de Tortebat era o primeiro
tratado publicado na França inteiramente voltado à educação artística, e foi
amplamente utilizada na academia francesa e em outras academias europeias até o
século XIX. É a parte mais longa do compêndio organizado por Taunay,
totalizando 31 paginas. Segue a divisão de textos e os conteúdos propostos pelo
autor francês no que se refere à miologia, e realiza alterações na parte
destinada à osteologia, retirando explicações sobre os ossos da cabeça e
resumindo alguns conteúdos sobre o tronco e as extremidades inferiores e
posteriores.
A
segunda parte do compêndio de Taunay é a “physiologia
das paixões por Carlos Lebrun”, isto é, a Conférence sur l’expression générale et particulière,
publicada em 1668. O texto de Le Brun baseava-se, principalmente, no Traité des Passions de René Décartes, de
1649 e na obra Charactères des passions, do médico Cureau de
la Chambre publicado em 1640, havendo também indícios do uso do texto De l´usage des passions, de autoria de Senault, editada em 1658. O texto de Le Brun referia-se às
paixões da alma, oferecendo aos pintores a expressão humana concentrada nos
movimentos do rosto, o qual se convertia no motor das outras partes do corpo.
O
texto de Taunay acerca das paixões apresenta três partes: osteologia da cabeça
(2 páginas), “myologia da cabeça” (2 páginas) e “physiologia das paixões - movimentos dos músculos nas
paixões da alma” (8 páginas). Ele parece utilizar várias edições do texto de Le
Brun, uma vez que há a prática de, a cada edição, criar ou excluir paixões
específicas. Paixões das edições de 1698 e 1727 são verificadas no compêndio,
sendo esta última editada por Jean Audran e com
especial interesse de Taunay, que segue a mesma estrutura de seu texto, isto é,
o formato de legenda. Há um total de 23 paixões no compêndio brasileiro.
A
terceira parte da obra de Taunay intitula-se “Algumas considerações gerais
sobre as proporções”. Refere-se ao verbete Proportion, retirado do Dictionnaire des Beaux-Arts de Aubin-Louis Millin, editado na França em 1806. Trata-se de um curto
texto sobre a proporção dentro das belas artes, quais sejam as relações
matemáticas estabelecidas entre as diversas partes do corpo, com especial
ênfase na harmonia e suas relações com a natureza. Associado a este conteúdo,
há uma curta passagem intitulada “Com as Divisões do Corpo Humano por Gerardo Audran”. Ali, discute-se as proporções a partir das mais
belas formas da Antiguidade contidas no tratado Les Proportions du
Corps Humain Mesurées sur les plus belles
Figures de l’Antiquité, de autoria de Gérard Audran e editado em 1683. Audran
apresenta as medidas de dez modelos gregos masculinos em diferentes posições,
entre os quais as estátuas do Apolo do Belvedere, Laocoonte,
Hércules Farnese e o Antinous, dois modelos
femininos, entre elas a Vênus de Médicis e um modelo egípcio, o Egípcio do
Capitólio. Há, no texto de Taunay, um resumo desta obra, mencionando algumas
informações sobre o Apolo do Belvedere e a Vênus de Médicis, e uma curta menção
ao Hércules Farnese.
O
livro organizado por Félix-Émile Taunay é primordial ao desenvolvimento do
ensino do desenho e denota a importância da tradição clássica na Academia
Imperial de Belas Artes, revelando a circulação e a recepção de teorias em
conformidade com o modelo acadêmico francês. A concepção do corpo humano é seu
instrumento fundamental e o Epítome de Anatomia é prova contundente
deste processo.
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Reprodução feita a partir de
exemplar pertencente ao Arquivo do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ, Pasta
Félix-Émile Taunay. Digitalização de Arthur Valle e Camila Dazzi