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...................................................Arte Brasileira do Século XIX e Início do XX |
Fontes Primárias – Textos de Artistas
“Projeto Montenegro”: A reforma do Ensino das Artes Plásticas em 1890
DAZZI, Camila; VALLE, Arthur (org.). “Projeto Montenegro”: A reforma do Ensino das Artes Plásticas em 1890. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 3, jul. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/projeto_montenegro.htm>.
Com a proclamação da República, à 15 de novembro de 1889, alguns artistas, percebendo no evento a possibilidade de promover uma ansiada reforma do ensino artístico no Brasil, organizaram-se em grupos. Além de Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo, autores de um projeto defendendo a continuidade da Academia na forma de uma escola moderna de arte[1], havia o grupo dos denominados Positivistas, que, encabeçados pelas figuras de Montenegro Cordeiro, Decio Villares e Aurelio de Figueiredo[2], encaminharam ao Governo, em 30 de janeiro de 1890[3], um projeto de reforma do ensino das artes plásticas no país, baseado em princípios bastante diversos daqueles defendidos por Bernardelli e Amoêdo.
Concebendo a arte como “um dos elementos fundamentaes e indispensáveis do bem publico [...] meio, e dos mais efficazes, de erguer o nivel moral do povo”[4], os Positivistas reivindicavam uma ampla democratização do seu ensino. Em termos teóricos, seus propósitos eram duplos: de uma parte, elevar o prestígio das Artes, de outra, colocá-las ao alcance das classes menos favorecidas. Como o seu próprio título alardeava, o projeto elaborado pelos Positivistas propunha uma completa “reforma no ensino das artes plasticas”, que deixaria de ser centralizado na Academia - instituição, segundo eles, monopolista, “caduca e retrógrada” -, para ser implantado em escolas públicas, espalhadas por todo o Brasil, onde ficaria a cargo de pensionistas do Estado, “estudantes que provarem n’um prévio concurso, se acharem nos casos de ensinar os rudimentos de sua arte”[5]. A bem dizer, portanto, os Positivistas nunca propuseram qualquer reforma da Academia, mas, sim, a sua pura e simples extinção e a conseqüente demissão de todos os seus membros. Com a herança da instituição, seria criado aquilo que Montenegro e companhia denominavam “Museu Nacional de Pintura e Esculptura”, o germe, por seu turno, de um segundo movimento de difusão e democratização das artes: reproduções feitas a partir das obras de seu acervo dariam início a coleção de pequenos museus, em cada um dos Estados espalhados pela Federação.
Atualmente, o “Projeto Montenegro” goza de uma singular importância na historiografia de arte brasileira, devido, sobretudo, a leituras críticas posteriores, como o juízo favorável a ele atribuído por Gonzaga Duque em um de seus mais lidos artigos - “O Aranheiro da Escola”, de 1906 – ou a descrição da polêmica “Positivistas x Modernos”, feita por Frederico Barata em seu livro sobre Eliseu Visconti[6]. Todavia, uma leitura atenta do documento revela o seu caráter eminentemente utópico e indica a virtual impossibilidade de colocá-lo em prática no período turbulento que marcou a transição da Monarquia para a República. Podemos mesmo questionar: teve de fato o Projeto elaborado pelos Positivistas a relevância que lhe é hoje atribuída em nossa historiografia? Com a disponibilização do fac-símile do projeto integral, tornando mais fácil o acesso a esse raro documento pelos pesquisadores, esperamos estar contribuindo para uma melhor compreensão das diferentes concepções a respeito de como deveria se processar o ensino das artes verificáveis no Brasil de fins do oitocentos.
Reprodução feita a partir de exemplar pertencente a Biblioteca do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.
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[1] Cf. Da Escola Especial de Bellas Artes. Gazeta de Notícias, 12 de março de 1890. Volume/Suplemento: n. 71, ano XVI. Pardal Mallet republicou parte desse projeto em um artigo de meados de 1890: Academia de Bellas Artes I. Gazeta de Notícias, 6 de junho de 1890, p.l. Texto disponível no presente site: http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/pardalmallet_projetoba.htm
[2] Gonzaga Duque ironizou tal alcunha, designando “o primeiro [Montenegro] positivista orthodoxo, o segundo [Villares], meio positivista por fantasia, e o terceiro [Aurélio de Figueiredo] nem ‘carne nem peixe’ como diz o povo e cuja significação é corrente” (DUQUE ESTRADA, Luis G. “O aranheiro da escola”. In: ____. Contemporâneos. Rio de Janeiro: Benedito de Souza, 1929, p.217).
[3] Já em 28 de dezembro de 1889, Montenegro e cia. haviam encaminhado a Aristides Lobo, Ministro e Secretario dos Negócios do Interior, uma carta que pedia “a sustação de qualquer medida tendente a reforma do ensino das Bellas Artes, antes de vos ser apresentado um projecto que os suplicantes elaboraram e que vos será entregue brevemente”. Acervo Arquivológico do Museu D. João VI/EBA/UFRJ. Livro de Correspondências de 1889. O projeto definitivo teria sido encaminhado ao Governo em 30 de janeiro de 1890, segundo nota publicada na Gazeta de Noticias, em 24 de junho de 1890.
[4] PROJECTO DE REFORMA NO ENSINO DAS ARTES PLÁSTICAS, APRESENTADA AO CIDADÃO MINISTRO E SECRETÁRIO DOS NEGÓCIOS DO INTERIOR PELOS CIDADÃOS MONTENEGRO CORDEIRO, DECIO VILLARES E AURELIO DE FIGUEIREDO. Rio de Janeiro: Typ. Central, 1890, p.5.
[5] Idem, Art.5º, p.11.
[6] BARATA, Frederico. Eliseu Visconti e seu tempo. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1944, pp.36sg.