O Grande Livro dos Pintores, ou Arte da Pintura, por Gerardo Lairesse, com um Apêndice sobre os Princípios do Desenho
organização de Samuel Michaelides *
MICHAELIDES, Samuel (org.). O Grande Livro dos Pintores, ou Arte da Pintura, por Gerardo Lairesse, com um Apêndice sobre os Princípios do Desenho. 19&20, Rio de Janeiro, v. VII, n. 3, jul./set. 2012. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/lairesse_sm.htm>.
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Século XVII. Holanda. A rica e poderosa Amsterdam havia se tornado um dos centros do mercado europeu. A arte holandesa, especialmente a pintura, conheceu o que muitos chamam de sua “época de ouro” (gouden eeuw). Rembrandt van Rijn, Frans Hals e Johannes Vermeer são os nomes mais citados ao se retratar a pintura holandesa do século XVII, enquanto inúmeros outros artistas são deixados no esquecimento, simplesmente, por não serem tão “famosos” e/ou tão “romantizados” nos atuais compêndios de história da arte.
Gerard de Lairesse (1640-1711) é um desses artistas pouco lembrados, apesar de, em sua época, ter sido tão famoso quanto Rembrandt, que, inclusive, o teria retratado [Imagem]. O Poussin holandês, como foi Lairesse titulado, nos deixou obras como pinturas, gravuras e, para os pretensos artistas, tratados. Princípios do desenho (Grondlegginge der teeken-konst, 1a. ed. 1701) e O Grande livro dos pintores (Het Groot Schilderboek, 1a. ed. 1707) apresentavam uma maneira singular de ensinar as artes do desenho e da pintura, abordando os aspectos do ateliê, do mestre e também do aluno. Entretanto, o que mais chama a atenção para esses tratados é que Lairesse ensinou o "como fazer”: ainda que o autor afirme que “esta arte é tão vasta, que não se poderia jamais possuí-la com perfeição, nem também fazer conceber toda a sua extensão”, notamos o esforço de Lairesse para trazer à luz dos leitores aquilo que chama de “modos corretos”.
Em 1801, a Oficina Tipográfica Calcográfica, Tipoplástica, e Literária do Arco do Cego, em Lisboa, sob a direção do brasileiro Fr. José Mariano da Conceição Velloso, publicou uma tradução em português dos Princípios do desenho, que Lairesse tratou como uma espécie de introdução (inleyding) aos conceitos da pintura. O objetivo da publicação, elaborada a partir de uma versão francesa do tratado original, era fomentar a formação artística, principalmente a do corpo de gravadores do Arco do Cego, enquanto ainda tardava a constituição de uma Academia de Artes em Portugal.
O tratado, em sua versão portuguesa, foi estruturado em 14 lições e 4 estampas desdobráveis, ao final, com exemplos de exercícios que serviam para auxiliar os estudos do leitor. Os primeiros exercícios apresentados constituem o “alfabeto da geometria” ou “elementos do desenho”: pontos, linhas, círculos, quadrados, triângulos etc., sobre os quais Lairesse afirma: “como não existe algum corpo, que não tenha alguma destas formas, é necessário começarmos por instruir nisto aos rapazes, que querem aplicar-se ao desenho”. Seguem-se exercícios de observação ou de cópias de gravuras, gessos, esculturas e até de pinturas, em uma ordenação que seria a usual nas academias de artes até o século XX, para o ensino a arte do desenho. Desta forma, ao longo do método, o grau de dificuldade dos exercícios vai se elevando, até que o aprendiz seja capaz de desenhar qualquer motivo, como o “modelo nu”, ápice do aprendizado.
A presente transcrição, que teve a sua grafia atualizada, foi realizada a partir de cópia digitalizada de um original pertencente à Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Todas as notas, salvo indicação em contrário, são do organizador.
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O
GRANDE LIVRO DOS PINTORES,
OU
ARTE DA PINTURA,
CONSIDERADA EM TODAS AS SUAS PARTES, E DEMONSTRADA
POR PRINCÍPIOS,
COM REFLEXÕES SOBRE AS OBRAS DE ALGUNS BONS
MESTRES, E SOBRE AS FALTAS QUE NELES
SE ENCONTRAM,
POR GERARDO LAIRESSE,
COM UM APÊNDICE NO PRINCÍPIO
SOBRE OS PRINCÍPIOS DO DESENHO
TRADUÇÃO DO FRANCÊS.
DE ORDEM,
E DE BAIXO DOS AUSPÍCIOS
DE
SUA ALTEZA REAL
O PRÍNCIPE REGENTE N. S.[1]
LISBOA,
NA TIPOGRAFIA CALCOGRÁFICA, TIPOPLÁSTI-
CA, E LITERÁRIA DO ARCO DO CEGO.[2]
M. DCCCI
[n/p]
S E N H O R.
O Ter sido incumbido em nome de V. A. R. da criação do novo corpo de Gravadores do Arco do Cego, cujo número no breve período de um ano chegou a vinte e quatro, me fez conhecer que saiam das Aulas de Desenho, estabelecidas pelo Augusto Avô de V. A.[3], que Santa memória haja, unicamente com alguma prática de copiar, mas nenhuma dos princípios, em que esta se deveria estabelecer, menos da notícia histórica dos heróis, que se fizeram célebres nesta sublime profissão, não só para se animarem com calor a imitá-los, mas também para chegarem a ocupar um dia no templo da imortalidade um assento a par dos mais sublimes Mestres. Assim debaixo da proteção de V. A. R. vemos ir no seu encalço a Freitas, Costa, Silva, Eloi, Vianna, e outros, tendo somente por Mestres o seu gênio, e talento
Por este motivo, SENHOR para que fosse omnimoda a minha obediência às Soberanas intenções de V. A. R. me resolvi a traduzir, e [n/p] fazer traduzir, e imprimir tudo, quanto se tem escrito a este respeito, deixando aos meus pobres adidáticos a escolha das doutrinas, que devem seguir, dos modelos, que devem imitar.
Pobres, SENHOR, chamo; porque, sem outra despesa mais que a do seu jornal, procuram, no seio de sua própria pátria, fazerem-se ilustres na sua profissão, ao contrário pois dos que viajam, afim de aprenderem, que avesados com o gosto daquele leite, que fora dos seus lares alimentou, nunca lhe perdem o amor, e ficam, esquecidos da sua arte, sendo gravosos ao Estado. O Exame dará a prova
E com o maior respeito
De V. A. R.
Humilde Vassalo
Fr. José Mariano [4].
[pág. I]
PREFAÇÃO
DO TRADUTOR FRANCÊS[5]
O Talento superior que Lairesse mostrou em todas as partes da Pintura, e as belezas admiráveis de todos os gêneros, que caracterizam a maior parte de seus chefes-d’obras [sic], farão eternamente precioso o conhecimento dos princípios da arte que tinha adotado para si, e os processos, que empregou para a elevar a um sublime grau de perfeição; o que fez dizer a um homem de gênio e de gosto, cujo juízo não pode ser equívoco, que “o grande livro dos Pintores de Lairesse[6], de tanto socorro aos aprendizes, lhe mereceu o título de Benfeitor das artes que seus trabalhos ilustraram”[7 - nota do tradutor francês][8]. pelo que esta obra foi traduzida em muitas línguas, e obteve o seu autor o reconhecimento, e elogios de todos os artistas, e [pág. II] de todos os verdadeiros conhecedores que souberam apreciá-la.
Com efeito ninguém talvez aprofundou melhor, que Lairesse todas as partes da pintura; ninguém ajuntou uma teoria mais bela e mais sublime a princípios melhores e mais sólidos; e ninguém, ao menos, desenvolveu, a meu ver, dum modo mais luminoso, nem mais sinceramente os segredos de sua arte. Alguns pintores, na verdade, indicaram o que era preciso fazer-se, porém nenhum, como o nosso autor, ensinou o como.
Nascido com uma paixão incompreensível pela pintura, dotado de um gênio ao mesmo tempo profundo, e poético, como também de um espírito agradável e nutrido pela leitura dos melhores autores clássicos, e de um conhecimento singular da história e da fábula, Lairesse inventava com admirável facilidade; e sem possuir a mesma correção de desenho que Poussin[9], mereceu igualmente ser comparado a este célebre artista[10 - nota do tradutor francês], tanto por seu grande modo de compor, como por sua atenção escrupulosa em observar as regras da história, e o costume [pág. III] dos povos antigos. Suas composições são ricas, embelezadas de tudo, quanto permite o objeto, sem que nisso haja nada supérfluo ou inútil. Aí se descobre ao primeiro golpe de vista as principais figuras distintas de todas as outras, que não são mais que acessórias: E cada figura tem ar e ação próprias a caracterizar a paixão atual de sua alma; de sorte que reconhecem sem equívoco, o Deus, ou Herói que ele representou.
Conheceu muito bem tanto a animação e expressão que resultam do meio caminho da ação, que indica não somente o que tem precedido, como o que deve seguir do movimento que faz a figura. Sábio, engenhoso, e claro em sua alegoria, as fez mui belas e nobres. Tratou a arquitetura como grande mestre, e homem, que tinha continuamente debaixo dos olhos os monumentos de Atenas e Roma. A perspectiva linear lhe era familiar, e via-se pelas suas pinturas, a que ponto possuiu a mágica da perspectiva aérea e visual, sobre a qual dá idéias novas em seus escritos. O lançado de seus panos, sempre feliz, era no gosto dos grandes mestres da Itália. Os apanhados são simples, largos, amplos, e provam que ele [pág. IV] conhecia o efeito do peso específico dos estofos, como também sua rigidez, ou sua flexibilidade natural. A lição da sua obra nos fará conhecer também os princípios que prescrito se tinha sobre o colorido; princípios que se acham confirmados pelos toques firmes, e delicados de seu pincel, como pela beleza e veracidade de sua cor. Era igualmente hábil em representar todas as qualidades de metais, e de mármores, e sobre tudo era tão excelente em pintar o baixo relevo de mármore branco, de maneira, que chegava a enganar a vista mais perspicaz, como se pode convencer por alguns fragmentos deste gênero, que existem em Amsterdam: talento que deve sem dúvida ao estudo particular, que tinha feito da natureza e da qualidade das cores, como da vantagem que um pincel hábil pode tirar. Em uma palavra, não há alguma parte da arte, sobre que ele não tivesse adquirido conhecimentos profundos por longas meditações e uma prática ardente e continuada; estes conhecimentos, torno a dizer, ele os comunicou, e expôs com uma clareza e espécie de bondade, que fazem igualmente honra a seu espírito e a seu coração.
[pág. V] Não é pois sem algum fundamento, a meu ver, que nos lisonjeamos que se verá com gosto aparecer a tradução, que o desejo de ser útil me fez dar, do grande livro dos Pintores de Lairesse, tão digno, enquanto a mim, de se achar entre as mãos dos novos artistas, e dos que se abraçam do desejo de levar a sua arte à maior perfeição; e esta mesma vista de utilidade é, a que me determinou a não perverter a ordem, que o autor deu a sua obra, nem o modo, com que exprime as suas idéias, as quais nos limitamos a dar com fidelidade e clareza. A única liberdade, que nos permitimos, foi omitir muitas comparações, muitas vezes longas e sempre inúteis à arte, que o autor não aventurou sem dúvida, se não com a vista de procurar algum alívio ao espírito do seu leitor. Talvez se desejaria que nós tivéssemos igualmente omitido alguns esboços, que Lairesse traça dos quadros, que emprega para fazer compreender melhor seus princípios; porém nos persuadimos que da extensão, que estas direções dão a obra, e a inutilidade, de que poderão aparecer a uma certa classe de leitores, achar-se-á não menos, depois de um exame refletido, próprios para fazer [pág. VI] conhecer a sabedoria do autor, e o modo engenhoso e simples, com que faz inculcar seus preceitos em todas as partes da arte, pondo-os por assim dizer, em obra nestes quadros. Pensamos pois que era necessário conservá-los todos precisamente, conformando-nos ao axioma de Platão[11], que Lairesse cita em sua prefácio: “Que não deve haver pejo de dizer duas vezes a mesma coisa, sendo dita com acerto”. Nós pusemos no princípio do Grande Livro dos Pintores, os princípios do desenho[12] do mesmo autor, de quem tinha aparecido uma tradução há muito tempo, e que não temos feito senão rever sobre a segunda edição Holandesa, de sorte que aparecia por adição de duas lições, e algumas passagens que se não encontram na primeira. Lancemos agora um golpe de vista sobre a vida de nosso artista.
Gerard de Lairesse, nascido em Liege em 1640, era filho de Reinier de Lairesse[13], bom pintor no serviço do Príncipe de Liege[14], para o qual trabalhava com Bartholet[15], cujo estilo era mais agradável e a cor mais macia; no mais eram iguais em merecimento[16 - nota do tradutor francês].
[pág. VII] Parece incerto, se o pai de Lairesse, ou Bartholet tivesse sido seu primeiro mestre; porém é de crer que aproveitasse no princípio as lições de ambos, e que pelo tempo adiante os estudos de Bartholet na antiguidade, e nas ruínas de Roma, seu compendio das melhores estampas de Poussin, e de Pedro-Teste[17] acabassem de formar o gosto e o estilo do mancebo Lairesse, que consultou mais que tudo muito bem as gravuras de Teste, como se pode ver em seus primeiros desenhos.
Depois destes primeiros estudos, Lairesse deixou sua pátria, onde o animavam pouco, e se passou para Utrech; porém não se achou mais feliz, pois se viu reduzido, pelo último recurso, a pintar para-ventos, e bandeiras; quando um de seus vizinhos o aconselhou o enviar duas de suas Obras à Vilemburg[18], famoso mercador de quadros em Amsterdam, que soube com efeito apreciar o seu talento, e que obrigado pelas instâncias de João Van Peé[19], e de Gribber[20], que então era o seu pintor, se transportou no mesmo dia [pág. VIII] para Utrech a buscar Lairesse, para lhe trabalhar em Amsterdam. Na manha seguinte a sua chegada a esta Cidade, Lairesse subiu à oficina de Vilemburg, onde foi o teatro, em que se lhe apresentou um pano, lápis, e uma paleta. Depois de estar por algum tempo imóvel, e mudo diante do cavalete, puxou o nosso artista debaixo de seu capote uma rebeca, a qual tocou, e depois desenhou a passagem do Menino Jesus no presépio; depois disso tornou a tomar a rebeca e tocou, pegou de novo nos pincéis e acabou ao primeiro talhe, em duas horas, a cabeça do Menino, da Virgem, de S. José, e do Boi, de um modo tão belo, que encheu de admiração a todos os espectadores pela facilidade e graça de sua obra.
Lairesse fez no espaço de dois meses grande número de quadros para Vilemburg, que os vendeu bem caros, o que deu reputação ao nosso artista, que se aproveitou disto, para os vender como seus próprios, e tirar um partido mais vantajoso do seu talento.
Seria penoso escrever-se, e crer-se tudo, quanto foi capaz de executar em um tempo tão breve; porque, além de muitos grandes tetos, que pintou, encheu os [pág. IX] quartos e gabinetes com seus quadros; deixou também uma prodigiosa quantidade de desenhos a lápis, e aquarelados; sem falar em suas gravuras a água forte, que Visscher[21] compilou em uma obra completa in folio, cuja maior parte de objetos são da mão de Lairesse; de sorte que, se não tivesse sido tão grande pintor, seria célebre por suas gravuras, que são trabalhadas dum modo grande, espirituoso, agradável, e fácil. Um exemplo de sua grande felicidade tornará verossímil tudo, o que acabamos de dizer. Apostou pintar em um dia, sobre um grande pano, Apolo, e as Musas no Parnaso, e o conseguiu a final. Pretende-se, de mais a mais, que Apolo fosse um retrato semelhante à Bartholomeo Abba[22], seu amigo, que o veio ver ao meio dia.
Em 1690, na idade de 50 anos, foi Lairesse tocado da cegueira, o que se atribui a uma grande aplicação da gravura a água forte, e a candeia, como o da a entender ele mesmo. Porém apesar desta desgraça conservou sempre um fundo de alegria, como se verá pela leitura de suas obras; e ainda que tivesse muitas vezes momentos de tristeza, buscava destruí-la, tomando a flauta, ou a rebeca, que [pág. X] tocava muito bem; e unia a música um gosto decidido pela poesia, que cultivou também com algum sucesso; o que deu ocasião a um poeta Holandês, de dizer a seu respeito.
“Ele pinta em poesia, e descreve na pintura”.
Porém o que sobre tudo o consolou, foi o amor, que lhe restou, a uma arte, que ele tinha adorado, e sobre a qual se satisfazia em conversar com seus amigos, aos quais designava um dia na semana, para virem ouvi-lo; de modo que era, na expressão do tradutor Alemão dos seus Princípios de Desenho, o centro dum círculo de artistas, aos quais comunicava suas luzes[23]. E quando se despediam traçava com greda sobre um grande pano suas idéias, que fazia copiar por um de seus filhos, e que a sociedade das artes de Amsterdam fez depois imprimir debaixo da revisão do mesmo Lairesse.
Depois de ter assim completa a sua útil carreira, morreu Lairesse de idade de 71 anos em Amsterdam, e foi enterrado pela sociedade das artes desta Cidade a 28 de Julho de 1711; não tendo, de que se censurasse, senão da grandíssima propensão para o amor e prazer, que produzi- [pág. XI] ram a desgraça de sua mocidade, e que o deixaram sem recurso, quando a privação de sua vista não lhe permitiu mais restabelecer sua fortuna.
É espantoso que M. Descamps[24] pretenda, que se não possa acrescentar nada aos elogios que Lairesse deu as produções de Glauber[25], de quem Lairesse não disse uma só palavra em sua obra; porém é, sem dúvida, mais de admirar, que o nosso artista guardasse este profundo silêncio a respeito de um amigo, que se hospedava com ele, que presidia as conferências acadêmicas, que se fazia em sua casa, cujas encantadoras paisagens ele encheu, há muito tempo, com suas figuras elegantes.
Lairesse tinha três irmãos, Ernesto[26] que era o mais velho, Jacques[27], e João[28] seus irmãos menores. Ernesto se destingiu felizmente pela pintura de todas as qualidades de animais, de que compôs em têmpera um grosso compêndio, no princípio do qual estava o seu retrato, e que ele vendeu ao Príncipe de Liege, que o enviou a sua custa à Roma. Morreu em Bonna, de idade de 40 anos.
Jacques que era irmão o posterior do nosso artista, excedia em pintar flores, e [pág. XII] ocupou-se também de figuras em pedra, ou camafeus, porém com menos felicidade.
João, o mais moço dos irmãos, aplicou-se, como Ernesto, a pintar animais; porém não teve o mesmo talento que ele.
Deixou Lairesse três filhos, dos quais o mais velho, chamado André, aplicou-se ao negócio e comércio, e morreu nas Índias, os outros dois, Abraham[29], e João[30], exercitaram a pintura igualmente, como seu tio Jacques, de quem se falou com elogio.
Não daremos aqui o catálogo dos quadros conhecidos de Lairesse; porém diremos tão somente alguma coisa das grandes obras deste artista, que não são sujeitas a mudar de lugar.
Vê-se em Liege, na Igreja de Santa Úrsula, a penitência de Santo Agostinho, e seu Batismo; são dois grandes quadros.
O Martírio de Santa Úrsula, na Igreja deste nome, em Aix-la-chapelle.
O salão do Castelo de Soesdyk, em Holanda.
O antigo teatro de Amsterdam, que se queimou há alguns anos, era também obra dele.
[pág. XIII] Houbraken[31] deu, nas Vidas dos Pintores Holandeses[32], uma ampla descrição das obras em baixo relevo[33], que Lairesse fez, para adornar a casa de M. de Flines[34], em Amsterdam, e que bastariam para imortalizar o nosso artista pelo belo gênio, grande conhecimento, e riqueza da composição alegórica, que ali se encontra.
[pág. XV]
PREFAÇÃO
DO AUTOR
Parecerá sem dúvida singular, que um homem cego ouse publicar uma obra, escrita por si mesmo sobre uma arte tão difícil, como é a pintura, e se pensará que ele teria algum motivo, que o determinasse a uma igual empresa; no que se não enganaram. O amor, que sempre tive à minha arte, e o desejo de ser útil aos novos artistas, me empenharam a tomar este trabalho; tanto mais porque os escritores, que até ao presente trataram da pintura, se entregaram antes em tecer um pomposo elogio desta arte, e dos que a praticaram, do que em traçar os princípios sólidos para adquiri-la, e para levá-la ao grau da perfeição, a que pode chegar. De outra parte, o desgraçado estado, a que me vejo reduzido, me tem violentado a buscar meios de ocupar utilmente o meu espírito. Tenho pois lugar de esperar qualquer indulgência sobre a pouca ordem e método, que reinam nesta obra, que tenho composto por fragmentos, ocupando-me já de uma parte, e já da outra, segundo me permite a situação de minha alma, e sem que tivesse sonhado no princípio publicar as idéias, que longas meditações, e uma prática de muitos anos me fizeram nascer [pág. XVI] sobre uma arte, que tem formado o encanto da minha vida. Porém movido depois pelas solicitações dos meus amigos, que faziam gosto de vir conversar comigo sobre os princípios, que eu me tinha formado, compus um corpo da obra, na esperança de que pudessem servir de algum socorro aos discípulos. Esta empresa era difícil sem dúvida, e merecia muita circunspeção da minha parte; tanto mais que eu me recordava sem cessar dos trabalhos que tenho tido em executá-la, dum modo digno da arte, e que satisfaça por mim mesmo as idéias, que meu espírito tinha concebido.
Contudo o gosto de satisfazer a pergunta dos pintores dos Países Baixos, que muitas vezes me fizeram a honra de tomar por juiz em suas questões sobre a arte, ainda que não fosse digno, me fez vencer todo o temor, e toda a dificuldade. Não se pense por fim, que pretendo que as regras, que proponho, bastem para conduzir ao artista a perfeição; eu não às dou, pelo contrário, senão como simples ensaios próprios para recordar suas idéias; da mesma sorte que eu me lembro que uma massa de neve, e um carvão de fogo me tem feito ver muitas vezes coisas, que certamente não existem nem em uma, nem em outra, e que sei bem que o menor indício basta algumas vezes, a um espírito bem organizado, para fazer rápidos progressos, como nos ensina a história da vida de muitos célebres artistas.
Se tenho dilatado mais sobre umas partes, do que outras, é porque umas me parecem merecer mais atenção, ou exigir serem mais bem discutidas, por causa das dificuldades, que oferecem; e que, quando se me leram as provas para a impressão desta obra, achei que não tinha [pág. XVII] explicado assaz claramente as minhas idéias, e que por conseguinte era necessário desenvolvê-las melhor, conformando-me ao sentimento de Platão: Nom enim taedet bis dicere, quod bene dicitur.
Com facilidade se perceberá que, estabelecendo os meus princípios sobre a pintura, tenho proposto fazer conhecer a sua utilidade; que depois produzi as provas dos defeitos, que resultam de não os observar, e que, ao mesmo tempo, indiquei os meios de os remediar; para que por este método se aprenda a conhecer as belezas da arte, e seus recursos, como também o erro daqueles, que pretendem submetê-la a idéias arbitrárias. Talvez se me acusará de prescrever regras, que não tenho eu mesmo observado em minhas obras; eu me convencerei belamente desta verdade. Porém é necessário contemplar-se, que, no estado da cegueira, em que me acho atualmente, a minha memória é melhor e o meu espírito mais tranquilo e mais refletido; e que, por conseguinte, posso ajuizar mais saãmente [sic] do bem das coisas, do que no tempo, em que o gozo da vista permitia entregar-me com ardor a prática da minha arte.
Se se encontrar que algumas estampas desta obra não têm toda a perfeição que se deseja, posso assegurar que este defeito, que é assaz ordinário, não se me deve atribuir; porque tenho procurado, quanto estava da minha parte, que fossem bem executadas. É preciso também, que eu antecipe ao leitor que as duas estampas, que servem de representar as proporções do corpo do homem, e da mulher[35], foram absolutamente mal reduzidas pelo gravador. Quanto aos erros e faltas, que podem ter escapado em o texto, não posso culpar absolutamente senão a mim mesmo.
[n/p]
PRINCÍPIOS DO DESENHO,
OU
MÉTODO BREVE E FÁCIL
PARA APRENDER ESTA ARTE EM POUCO TEMPO.
Advertência necessária para inteligência
deste Tratado.
TODO o mundo conhece, que um toucado agradável ajuda ao enfeito duma bela fisionomia, e que um estilo corrente tem grandes encantos para fazer gostar dum escrito. Contudo não é a minha intenção empregar aqui termos esquisitos, nem falar destes sucessos extraordinários, tão conhecidos dos historiadores, para representar difusamente, aos que amam o desenho, a excelência, a utilidade, e o poder desta arte. Não tenho em vista senão a instrução dos meus leitores, por ser o único alvo, que eu me proponho. Eis aqui, o que tem causado a incerteza, em que há muito tempo tenho persistido sobre a forma, que daria a esta obra, para poder ser útil e agradável ao leitor; e para poder ele mesmo tirar o maior fruto possível. Pensei dever seguir o exemplo dos mais hábeis escritores do nosso século, que trataram tão dignamente o mesmo objeto, ainda que deixassem no esquecimento certas coisas muito úteis; porém não deve isto causar admiração; porque esta arte é tão vasta, que não se poderia jamais [pág. 2] possuí-la com perfeição, nem fazer conhecer toda sua a extensão. Pareceria talvez estranho que, convencido desta verdade, tenha eu mesmo ousado expor-me a igual empresa. Porém, animado sempre pelo espírito da pintura, julguei que o mais seguro meio de repelir meus desgostos no estado infeliz da cegueira, em que me acho, era executar o melhor, que me fosse possível, e conforme o fraco alcance de meu espírito, o plano, que tinha traçado, quando gozava ainda da vista. Não é que me não recorde o ter já havido muitos escritores, que trataram a mesma matéria, servindo unicamente para isso de termos diferentes, ainda que a fundo não tenham feito mais do que copiarem-se uns aos outros; o que sem dúvida me embaraçaria dar a luz este Tratado, se não esperasse apresentar alguma coisa de novo. Apesar disto não duvido que muita gente me achará culpado daquilo mesmo, que repreendo nos outros; porém me consolarei facilmente; porque o céu me tem feito a graça de esforçar-me para vencer os maiores trabalhos. A perda só da minha vista parecia formar um suficiente obstáculo, e roubar-me toda a esperança de chegar ao fim do meu desígnio; porém, penetrado das belezas da minha arte, vou tentar o impossível, e encarregar-me de fazer meus conhecimentos úteis, aos que a amam. E também preciso que eu dê as graças a Deus, de que tocado de meu triste estado, ele tem iluminado os olhos do meu entendimento, fortificado a minha memória, e conduzido a minha mão. Porém, quando se lembrassem de criticar-me, ou por causa da simplicidade de meu estilo, ou de algumas pequenas individuações, em as quais julguei dever entrar, e que se trate a minha obra por fogo de criança, nada me embaraçarão, contanto [pág. 3] que este jogo, todo pueril, como lhes parece, seja útil a aqueles, a quem se destina. Demais disso, penso que um modo simples de se enunciar produzirá mais efeito do que um estilo florido, que seria aqui inútil, e nenhuma impressão faria sobre o espírito da mocidade. Não é pois como orador, o que já disse, que me mostro ao Público; porém como um homem, que, encantado de sua arte, a tem traçado sobre o pano dum modo claro e inteligível para todo o mundo, e de donde meu filho a tem transladada para consagrá-la à todos, os que amam o desenho. Ainda que eu não dê aqui senão os primeiros princípios, para uso da mocidade, não há alguém, a quem este livro não possa servir de grande utilidade, para chegar ao conhecimento de todas as belas artes; tais, como a pintura, arquitetura, gravura, escultura, agrimensura, etc., que se não podem aprender senão com o lápis na mão. Além disso, fiz anexar estampas com todas as figuras necessárias, para ajudar a mocidade aproveitar-se melhor das minhas idéias, e não tenho deixado passar coisa alguma, a este respeito, de tudo quanto lhe pode ser útil. Só a inveja pois é que pode achar aqui alguma coisa que criticar; porém ela se tem feito conhecer a tanto tempo, que eu não receio os seus ataques. Eu me lisonjeio mesmo que seus talhos os mais vivos se enfraqueceram contra o escudo, que lhes oponho, quero dizer, a minha insensibilidade. Demais, se meus leitores querem tomar o trabalho de correr com atenção, eu não duvido que achem nele muito mais, do que não parecia prometer-lhes no princípio. Enfim, se este tratado lhe agradar, eu me confessarei obrigado a dar-lhes logo outro para o adiantamento da pintura.
[n/p]
PRINCÍPIOS
DO
DESENHO,
OU
MEIO BREVE E FÁCIL PARA APRENDER ESTA ARTE
PELOS ELEMENTOS DA GEOMETRIA.
DO mesmo modo que o alfabeto ou conhecimento das letras serve de introdução a gramática, também a geometria é o primeiro passo, que nos conduz ao desenho, ao qual se não pode chegar bem sem ela, bem como a outra qualquer arte ou a outra qualquer ciência. Com efeito é pela geometria, e por meio dos traços ou das linhas, que nós aprendemos a conhecer a longitude e a latitude dos corpos; o que é reto, ou curvo, o que é horizontal, perpendicular ou oblíquo; o que é redondo, oval, quadrado, hexágono, octógono, arqueado, côncavo, ou convexo; em uma palavra todas as figuras e todas as formas imagináveis. E como não existe algum corpo, que não tenha alguma destas formas, é necessário começarmos por instruir nisto aos rapazes, que querem aplicar-se ao desenho, e ainda mesmo empregá-los nisso, até que estejam bem penetrados. Se eu tivesse muitos filhos, não quereria que algum deles se aplicasse a uma arte, ou ciência, menos que soubesse bem ler, e [pág. 6] escrever; quereria também, se eu pudesse, que aprendessem um pouco de latim; e parece-me que na idade de dez ou doze anos, teriam conhecimento bastante para aplicar-se então a qualquer arte ou ciência. Eu ponho de mais dez anos para amadurecer o espírito, e dar vôo ao gênio, o que nos conduz a vinte e dois anos. Ainda acrescento mais dez para regular e escolher o gênero de vida, que se quer seguir; o que faz trinta e dois. Tomemos outros dez anos, para chegar à perfeição, ou na teoria, ou na prática, o que completa quarenta e dois anos. Desta idade até aos cinquenta, e daí por diante, se lá se chegar, é o tempo próprio para adquirir um grande nome, e consolidar a sua fortuna.
Assim é que eu divido a vida de um pintor. Contudo o Céu dispõe a sua vontade: uns avançam mais na carreira, e outros prosseguem mais tardos; ainda que de outra sorte o trabalho é inútil, quando falta o gênio: absque ingenio, labor inutilis. Enfim, a experiência nos ensina que o meio mais seguro de ter sucesso feliz no desenho, é sujeitar-se a ele debaixo de um hábil mestre; aplicando-se a ele com cuidado, e constância; o que, em todas as ciências, é o melhor meio de se tornarem fáceis as coisas mais difíceis.
[pág. 7]
L I Ç Ã O I.
PARA dar a um aluno sólido fundamente da Arte do Desenho, e conduzi-lo ao que nela há de mais particularidade, deve o mestre romper pelo trabalho de começar pelos princípios mais simples, e persistir nisso, até que eles fiquem bem impressos na memória do menino; porque sem isso é impossível que faça algum progresso, bem longe de chegar à perfeição.
Os primeiros elementos do Desenho consistem pois em fazer diversos traços, ou linhas diferentemente lançadas; isto é o que se pode olhar como o alfabeto da geometria.
Exemplo.
Expomos aqui no princípio aos olhos dos alunos um ponto notado na Est. I., Fig. I.; depois uma linha perpendicular 2; duas linhas oblíquas 3; uma linha horizontal 4; duas linhas curvas 5; e uma linha mista 6.
Os alunos devem começar, formando-se uma ideia exata de todas estas linhas; o que lhes não será difícil; porque vêem todos os dias a figura em os objetos, que se apresentam a seus olhos.
Porém, como não é preciso que se limitem a teoria desta arte, e devam forcejar, para adquirir a prática; o mesmo mestre pode traçar estas linhas sobre uma pedra, e ensinar-lhes a imitá-las com um ponteiro. Nenhuma dúvida há, que eles aproveitariam, depois do ensino de três ou quatro dias; porém, faltando-lhes [pág. 8] ainda alguma coisa a este respeito, será fácil ao mestre mostrar-lhes, de que modo devem pegar no lápis ou no ponteiro, e como o devem ter, para formar estes traços de um modo elegante, e desembaraçado. Porque, acostumando-se discípulos no princípio há um mau método, se faz mais difícil corrigi-los ao depois, do que fazê-los tomar um bom no princípio. Feito isto, pode o mestre passar a novas Lições, e a novos exemplos.
O mestre, que tiver dois aprendizes, quase de um mesmo tempo, poderá desde já conhecer, por esta primeira Lição, tão simples, como parece, a diferença do talento, e do gênio de um, e do outro; porque muitas vezes acontece que, o que brilhava mais no Colégio, desempenha menos aqui. Um, mais desembaraçado que seu camarada, formará de repente seus traços com uma mão expedita; enquanto o outro, mais tímido traçará os seus com uma mão indecisa e trêmula, e, por conseguinte, os deitará a perder. Esta diferença deve, em geral, ser atribuída a diferente educação, que se dá aos meninos. Por isso é necessário acostumá-los desde logo a aplicarem-se a seus exercícios com toda a atenção possível; recordando-se do preceito d’Horácio (Liv. [...] Epist. 2.)[36]: Que um vaso conserva muito tempo o cheiro do primeiro licor, que se lhe infundiu.
Por outra parte o mestre, que tem prudência, deve observar atentamente o humor, e inclinação de seus discípulos, para conduzi-los todos a seu alvo, ainda que sejam de um caráter diferente. Deve saber também, de que modo precisa portar-se, para instruir a mocidade com sucesso, e acomodar-se a inclinação do gênio.
[pág. 9] Deve-se evitar tudo, quanto pode fazer qualquer obstáculo ao adiantamento dos discípulos, e ter em vista um meio proporcional entre o relaxamento e a grande severidade, ainda que a doçura é sempre o meio mais seguro. Boas palavras e modos honestos fazem infinitamente mais impressão sobre a mocidade do que uma violenta repreensão, que é mais própria para o que tem a palmatória, do que para quem tem a palheta, e o pincel, que devem ser manejados voluntariamente, e com prazer. Além disso, um mestre não deve jamais deixar-se impacientar, quando também ele é obrigado a voltar mais de uma vez sobre a mesma coisa; sobre tudo, quando vê, que seus discípulos fazem o mais que podem, para compreender suas lições, e pô-las em prática.
É certo que os princípios são sempre mais custosos ao mestre; porém recebe um preço mais suave, quando vê que o discípulo faz constantemente novos progressos, e promete distinguir-se algum dia. É preciso pois que se não enfade de repetir muitas vezes a mesma coisa, porque a memória, e concepção da mocidade são fracas, e delicadas, e a brevidade, servindo-me para isto do provérbio Latino: Brevitas memoriae amica, lhes é de grande socorro.
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L I Ç Ã O II.
É deste modo, que nós corremos adiante de tudo, o que pode ajudar aos alunos; e que bem longe de sufocar este nobre ardor, que se vê luzir de mais a mais na mocidade, nos empregamos a conservá-lo; porque muitas vezes acontece que belos gênios venham a perder-se pela severidade, com que se tratam. Há outros muitos, aos quais é inútil ter recebido da natureza um gênio próprio para a pintura, porque, pela ignorância, dos que os instruem, eles o empregam mal, em vez de que, se tivessem hábeis mestres, teriam sem dúvida perfeitamente sido felizes.
Não se deve pois jamais forçar a um rapaz a aplicar-se a uma arte, para a qual não se sente com propensão; porque tudo, o que se faz com constrangimento, excita o desgosto. Bem se pode ensaiar, na verdade, sua inclinação a este respeito; porém, como um bom cavalo não tem necessidade de espora, da mesma sorte o gênio do discípulo não deve sofrer alguma violência. Cumpre pelo atrativo do agrado estimular o natural, que demais disso não quer ser oprimido. A arte da pintura, sobretudo, requer, desde os primeiros princípios, ainda que pareça desagradável, um modo livre; por isso é necessária ensiná-la, para assim dizer, folgando. Não é necessário abraçar muitas coisas duma só vez, nem acumular tudo junto, para evitar a confusão. Prossegue-se com segurança, quando se marcha a pequenos passos, enquanto correndo se arrisca a tropeçar, e também cair, e não poder [pág. 11] por muito tempo levantar-se. Para este efeito, depois de ter ensinado a tirar uma linha reta, oblíqua, transversal, curva ou mista (no que os alunos procuram muitas vezes excederem uns a outros, ainda sem conhecer a utilidade); iremos pouco e pouco mais adiante (embora pareça pueril este método) introduzindo-nos em sua conduta; e fazendo-lhes ver, porque acabam de aprender esta primeira lição, e a necessidade que há de a saber bem.
É preciso pois examinar com cuidado se estas linhas são, como devem ser; para louvar os discípulos do que tiverem feito bem, mostrando-lhes com doçura as faltas, que poderiam ter cometido, e indicando-lhes o meio de as corrigir. Este método faz mais impressão sobre os que começam, do que os discursos mais estudados; porque é preciso que façam então mais uso de seus olhos do que de seu espírito. Isto os anima a seguir o exemplo de seu mestre e a imitá-lo. Eles se exercitarão depois por si mesmos a tirar estas linhas, e a disputar entre si a quem as traçará dum modo que se chegue mais ao original.
A segunda Lição, que damos a nossos discípulos, parece deferir-se [da] primeira, e não parece de maior consequência. Eis aqui.
Exemplo.
A figura num. 7. da mesma Est. I. é um círculo com um ponto no centro, num. 8. é um quadrado com um ponto no meio; num. 9. é um triângulo igualmente com um ponto no centro; num. 10. oferece duas linhas perpendiculares e paralelas; num. 11. são duas linhas muito mais curtas, perpendiculares, e [pág. 12] paralelas; num. 12. são duas linhas mais compridas e fechadas, paralelas, e perpendiculares; num. 13. apresenta duas linhas também curtas como as do num. 11, porém mais apartadas uma da outra, perpendiculares e paralelas; num. 14. é um círculo com uma linha reta, chamada diâmetro, que o atravessa pelo meio; num. 15. é um quadrado com uma linha perpendicular e uma horizontal que o separam igualmente pelo meio; num. 16. é um triângulo equilateral com uma linha perpendicular que o parte em dois, de alto abaixo, e uma linha horizontal, que a parte ao través.
As figuras que apresentamos aqui aos olhos dos alunos, não lhes parecerão difíceis de imitar; por estarem já exercitados em traçar linhas. Será não menos conveniente obrigá-los a ocuparem-se com cuidado, lisonjeando-os com a esperança de lhes dar logo coisas mais agradáveis e mais essenciais para fazer.
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L I Ç Ã O III.
DEPOIS de ter feito conceber bem aos discípulos, o que é um círculo, um triângulo, um quadrado, de que se tem falado na Lição precedente; se lhes ensinará traçá-los corretamente por meio do compasso e da régua, de que o primeiro serve para formar círculos, e a outra para tirar todas as sortes de linhas retas sejam perpendiculares, oblíquas, ou horizontais; prometendo algum prêmio, ao que fizerem melhor. Depois, em lugar de pedra e ponteiro, se servirão do lápis e papel, e se hão de passar, ao mesmo tempo, a terceira Lição.
Dar-se-lhes-á também aqui alguns novos exemplos, que tendem aos precedentes, e se lhes ensinará a medir com o compasso, para saber qual é a longitude, e largura, e altura. Para este fim, se lhes ajunta a medida, que é dum pé, notada por duas linhas transversais; Fig. 17. Est. I., a que se segue, é um terço (1/3), e a terceira é um quarto (1/4). Deve-se também ensinar-lhes os termos da arte, que formam, para assim o dizer, o seu alfabeto.
Exemplo.
Figura 17 Est. I., é, como acabamos de dizer, a medida de um pé; num. 18 é uma pedra quadrada de um pé de largura e de dois pés de altura; num. 19 é uma semelhante pedra estendida ao comprido; num. 20 é um quadrado dividido em três parte iguais; num. 21 é um círculo com seu diâmetro horizontal; num. 22 é um triângulo com uma linha [pág. 14] tirada de cada um de seus ângulos sobre um de seus lados; os num. 23, 24, e 25, são também linhas paralelas, perpendiculares, horizontais, e oblíquas.
Se fará copiar esta lição aos discípulos, do mesmo modo que a precedente, lisonjeando-os de ocupá-los logo com coisas mais essenciais. Um mestre hábil não se limita a perguntar-lhes, se compreenderam bem os exemplos, que se lhes deram; porém os obriga a traçá-los de novo em sua presença; porque acontece algumas vezes que o tenham feito bem, mas por acaso, do que pelas regras da arte. Depois de os achar desembaraçados acerca disso, passa a uma lição mais importante. Deste modo é que eles formam uma justa idéia de contorno, e da disposição, que devem ter todas as figuras, que se lhes apresentar. Com efeito, assim como os que aprendem a ler, se aplicam no princípio a conhecer bem as letras, depois a pronunciá-las, e enfim a ler; da mesma sorte devem ser, os que se aplicam ao Desenho; porém não é preciso jamais tratá-los dum modo tão imperioso como afetam os mestres de escola, nem imprimir-lhes temor; para não exigir deles mais do que uma honesta, e racionável diferença. Deste modo um discípulo novo, que tem disposição, fará sensíveis progressos. Contemplará com prazer todos os objetos, que o cercam, e quando perceber que a natureza, e arte o favorecem, ele se animará, de dia em dia, e elevará o seu espírito a grande coisas. Acontece o mesmo a respeito dos discípulos como aos meninos que aprendem a andar pela fita; porque pode-se dizer que os homens são verdadeiros meninos, naquilo que não sabem; e os mancebos, bem instruídos, são homens [pág. 15] feitos antes que tenham tocado a idade viril. Nós temos já feito deixar o compasso, e a régua a nossos discípulos, e os temos louvado de terem uma mão firme em tudo, o que traçam. Avancemos agora mais longe, pondo-lhes diante dos olhos algumas figuras feitas com Arte.
L I Ç Ã IV.
DEIXEMOS pois aqui a terra, para ir vagar por um espaçoso mar, onde os novos viajantes terão grande necessidade de melhor piloto do que era Palinuro[37], que surpreendido do sono, caiu nas ondas, e perdeu a vida; porque o que não tem bons princípios, será sempre uma mau imitador. É pois essencial que os discípulos tenham um hábil mestre, que lhes ensine os verdadeiros fundamentos da Arte e que se não contente com elementos superficiais; porque, com boas instruções, pode dar, em pouco tempo, grandes luzes aos que são ativos e diligentes. Assim os Lacedemonios[38] costumavam escolher um dos mais ilustres, e mais hábeis de seus magistrados, para vigiar sobre a educação da mocidade do seu País. Porém hoje os bons mestres são tão raros, como os homens de bem. De sorte que com razão se lastima, que quantidade de gênios excelentes, nascidos com talento, vem a ser maus Pintores, só pela razão de serem mal instruídos. É preciso convir em que a natureza tem muita força por si mesma, sem se lhe ajuntar a instrução, e que esta é impotente sem o socorro da natureza; porém pode dizer-se que a natureza é cega, se a Arte lhe não ilumina os olhos. A natureza começa [pág. 16] a abrir seu fértil seio, e a apresentar-nos uma infinidade de coisas, das quais misturamos algumas com outras artificiais, para animar ao nosso novo aluno pela representação do que lhe é já concebido; porque sabe-se que os meninos se afeiçoam com bem vontade a traçar objetos, que se representam diariamente a sua vista; e assim é que a natureza imprime logo em seu espírito, o que concorda com sua inclinação. Não menos confesso que estas são as menores obras da Arte, e que é infinitamente mais belo saber pintar o homem, a mais nobre das criaturas, do que todos os objetos da natureza morta. Com efeito, que pode haver mais glorioso, e mais digno d’Arte , do que representar um ser animado de um sopro divino, e que se pode olhar como um pequeno mundo, que nos apresenta, em suma, todo o sistema da criação? Por isso mesmo haveria maior imprudência em lhe pormos a mão, e nos resultaria maior vergonha, do que teve Prometeu[39], quando roubou o fogo do Céu, para animar o homem, que tinha formado a imitação do de Júpiter[40]. Assim vamos continuar pelas coisas mais fáceis, para chegar, pouco a pouco, as que são mais elevadas.
Exemplo.
A fig. 26 da Est. I., mostra um pote de água; 27 uma janela; 28 um copo de vinho; 29 um arco; 30 um tabuleiro de damas; 31 uma colher de pedreiro; 32 uma bacia de barba; 33 um coração; 34 uma pá; 35 um trevo; 36 um losango; 37 uma lata de chá; 38 uma taça; 39 uma maçã; 40 uma pêra; 41 duas cerejas; 42 um pêssego . [pág. 17] São sem dúvida, coisas comuns, porém que são agradáveis de fazer à mocidade. Elas podem também servir, aos que tem o espírito formado, para entrar com mais franqueza no seu palácio da natureza, e elevarem-se às mais sublimes delicadezas da Arte. Com efeito, ainda que estas figuras sejam, por assim dizer, sem corpos, e se reduzam a linhas retas, curvas, oblíquas, etc.; é de uma necessidade absoluta o aprendê-las, porque se lhes acham todas as espécies de linhas, e de formas; e quando se sabe traçar bem os contornos destas bagatelas, nada há cujo fim se não pode chegar. Por exemplo, a colher do pedreiro, fig. 31, quase não vem a ser outra coisa mais do que um triângulo. O colo do pote d’água, fig. 26, é uma espécie de quadrado; o bojo é uma circunferência, e o pé triangular. Porém quando se faz o bojo deste pote, primeiro se deve tirar o lado direito; depois o esquerdo, principiando sempre de cima para baixo. O mesmo digo dos lados do pé, que depois é preciso alinhar com igualdade. Feito tudo isto, tirai uma linha perpendicular pelo meio do pote, e vereis então se está mais grosso de um lado do que do outro. Assim é necessário executar todas as coisas segundo as regras da Arte, para que não falte nada. Deste mesmo modo se firmará, pouco a pouco, a mão, cujos traços serão sempre desembaraçados em tudo, o que se desenhar, ou seja no esboço, ou ao depois de acabado; em vez de que, desprezando-se estes princípios, não se fará mais do que trabalhar ao acaso, e não se chegará nunca a exatidão, nem a um perfeito conhecimento da Arte.
L I Ç Ã O V.
PARA chegar pois a este desembaraço de traços, e a exatidão, de que acabo de falar, proporei o seguinte exemplo.
Exemplo.
AA da figura 43 da Est. I. notam duas linhas retas perpendiculares. BB duas linhas retas horizontais. CCcc quatro linhas oblíquas. Não se vê aqui no princípio, senão linhas, que já são conhecidas pelo nosso discípulo, e que ele sabe traçar com justeza. Porém, em lugar de as chamar simplesmente duas linhas perpendiculares, horizontais, ou oblíquas, ensiná-lo-emos a chamá-las paralelas. Todos os traços da Arte devem ter seus nomes particulares, e isto é muito útil, como adiante se verá. Não devemos pensar, senão em imprimir no discípulo uma ideia exata das coisas, à medida que nós as traçarmos, para que não obre às cegas, e não abrace a sombra pelo corpo. Por isto não o acumularemos de um montão de exemplos, que só servirão de embaraçá-lo, em lugar de lhe serem úteis. Buscaremos na verdade, dar-lhe algumas vezes um exemplo ou uma comparação; porém será isto sempre de um modo breve, preciso, e conveniente ao objeto, ao menos, quando for possível. Porém quando estivermos mais adiantados, lhe apresentaremos figuras mais complicadas, segundo o que pedir o caso.
Demais disso, é necessário advertir, que a linha horizontal de cima se chama o horizonte, [pág. 19] e o pequeno olho, que se vê no meio, chama-se aqui o ponto de vista. As duas linhas, que saem deste olho, e todas as mais, que se lhe poderem tirar, são raios visuais. A linha horizontal debaixo é a linha de terra. As duas linhas, tiradas dum e doutro lado do horizonte, se chamarão linhas de distância. Assim damos a cada uma destas linhas o nome, que lhe convém, e que se devem imprimir bem na memória. Também há ali uma linha em traves, que se avizinha mais do horizonte do que da linha de terra, e se diz, que é uma paralela ao horizonte; em vez de que se estivesse mais chegada à linha de terra, se diria, que é paralela à linha de terra.
Agora, para recrear o espírito dos discípulos, se lhes pode dar, de tempos em tempos, para folhear, um livro de estampas, ou de figuras desenhadas pelos mais sábios mestres. Esta vista excita na mocidade uma emulação toda particular. Porém é necessário ver, que as estampas estejam em livro a parte, e as figuras desenhadas em outro; porque estas duas qualidades de coisas são propostas aos discípulos em vistas diferentes. As estampas servirão pois para os divertir, ao mesmo tempo que recordam o seu espírito. Quando eles tem examinado uma, se enfastiam de ir a seguinte, para ver, qual será a composição. Os nomes dos sábios mestres, que as tem gravado, e que se lhes ensina, junto com os elogios, que se lhes dá, os enchem dum novo ardor; sobretudo, aos que as consideram com alguma atenção, que estão resolvidos a aplicarem-se toda a sua vida à pintura, fazendo-se hábeis, a adquirir uma grande reputação nesta arte. Além disto, podem notar nestas estampas, o que eles já [pág. 20] têm aprendido, e deste modo certificarem-se de mais a mais nas regras da arte. E quem se não animaria a seguir estes três grandes modos? quando ali se vê um desenho correto e elegante, figuras nuas de bela escolha, de movimentos graciosos, de paixões bem exprimidas,[41 - nota do autor] um pano bem lançado, posturas pitorescas e concordantes, uma magnífica arquitetura, ornatos de bom gosto, uma bela composição, variedade nos toucados, e vestidos, segundo o costume dos diferentes povos, como a armadura dos Gregos, dos Romanos, dos Persas, etc; numa palavra, tudo, quanto se pode encontrar nas melhores gravuras. Porém tudo aquilo se vê ainda melhor nos desenhos dos hábeis mestres, e se pode também tirar mais vantagem, porque ali se aprende a manejar o lápis ou o pincel dum modo fácil, em vez de que não se saberia perceber o feitio destes mestres nas gravuras, onde tudo está invertido, ou, para assim dizer, vai ao contrário, do que mostra.
De modo que, se se der aos novos aprendizes um livro de gravuras, e outro de desenho, se esquecerão destes, depois de lançarem os olhos sobre as primeiras. Porém, não tendo à vista senão figuras desenhadas, e que eles as correm de passagem, tomam nisso tanto gosto, que sua imaginação fica tocada, e se fortifica de dia em dia. Ainda que eu tenha sido mais [pág. 21] extenso, do que pensava no princípio, lisonjeio-me de que o leitor me não terá levado a mal; porque, o que acabo de dizer, não pode servir senão a perfeição da arte.
Torno pois ao exemplo proposto. Os nossos novos aprendizes conhecerão logo por si mesmos, porque, e em que vista, se traçarão as linhas, que ali vem; o que lhes dará um novo ardor. Notarão também que todas as coisas tendem para seu centro; e que o meio de fazer seguros progressos é não afastar-se das regras da arte. Para isto é que todas as figuras geométricas, que acabamos de traçar, e que terão aprendido a fazer, lhes seriam muito importantes; porque, deste modo, estarão em estado de darem razão de tudo, que fizerem.
Talvez, se nos dirá, que seria já tempo de examinar os progressos dos nossos discípulos, e que seus pais se impacientam por saber, se eles tem propensão para esta arte. Eu não duvido da alegria destes, quando sabem que seus filhos principiam a aproveitar-se. Tudo, quanto podemos dizer nesta ocasião, é, que um tem a concepção menos fácil e o espírito mais tímido do que o outro; e que, para corrigi-lo destes defeitos, é preciso pô-lo com outro, que tenha mais fogo e vivacidade; porque é o meio de animar ao primeiro e torná-lo mais desembaraçado, como também de moderar a petulância do segundo, que se pode entregar mais um pouco à sua imaginação. Este método produz logo um bom efeito de ambos os lados, e outro que atrai mais respeito ao mestre. Demais disto, é verdade que todos os espíritos não são igualmente próprios para a pintura; porém não se saberia decidir tão precipitadamente; porque os discípulos devem ser a [pág. 22] princípio firmes no desenho, para lhes dar depois exemplos mais difíceis de imitar, e exercitá-los a manejar o pincel, para os pôr, pouco e pouco, também em estado de pintarem figuras humanas, que são os objetos mais perfeitos, que nós conhecemos. Para isto é preciso que os discípulos saibam desenhar bem todas as partes, com este maravilhoso arranjamento, e esta bela simetria, que se lhes nota, sem desprezar o admirável encadeamento das junturas, que as reúne. Então se poderá descobrir, como em um fiel espelho, a que podem chegar; se ao menos aprendem a traçar bem todas estas partes, segundo as regras da arte, tudo o mais, ainda que difícil seja, virá por si mesmo; e assim é que nos os conduziremos ao que nisto há de mais perfeito.
Contudo este método não agradará a todo mundo, sob pretexto de que se não quer fazer os meninos mais que símplices desenhadores; o que não redundaria, nem em seu proveito, nem em sua glória; além do que, todo o mundo conhece, que este nobre exercício é de uma grande utilidade, porque serve, para conhecer os talentos da mocidade, e se tem disposição para qualquer arte, que se serve do desenho; e que, fora deste, serve para regular a vista e formar o juízo. Não menos se vê que se criam os meninos, muito mais os dos grandes, em todos os exercícios corporais, sem terem quase cuidado algum do seu espírito; e isto é, por uma grandíssima paixão pelas riquezas. Porém, de que lhes servirá descenderem de uma família nobre e ilustre, se a fortuna lhes der de rosto? Como não aprenderão coisa útil, nada lhes restará: de sorte que se lhes pode aplicar o dito de Catão: Opes fluxae, ars perpetua.
[pág. 23] Além disso, nada é mais próprio para acalmar o fogo da mocidade, do que o nobre exercício do desenho; porque tudo, o que ocupa agradavelmente o espírito, serve de moderar as paixões; e um natural doce, oposto a um espírito inconstante, forma um agradável caráter, como temos já notado; assim os antigos julgavam que o azedo e doce compunham o néctar dos deuses.
Tenho achado por experiência que um espírito alegre brilha mais na pintura do que o humor sombrio e melancólico. O gosto natural, junto à vivacidade de espírito, produziu sempre homens extraordinários, maiormente na pintura, que é tão vasta e extensa, que não há arte, nem ciência no mundo, de que um hábil pintor não seja obrigado a ter alguma noção. A natureza dá mais vantagem a um espírito alegre e vivo, do que a instrução pode subministrar a outro. Assim se vê que entre os mais sábios mestres, que levaram a arte ao mais alto grau de perfeição, há muitos mais que não respiravam senão o prazer e alegria, do que os que tinham humor triste e melancólico. Raphael[42], Polidoro, de Caravage[43], Leonardo de Vinci[44], Pesyndel Vaga[45], o Parmesan[46], Primatice[47], Pedro de Cortona[48], o Tintoret[49], o Giorgone[50], Luis[51] e Annibal carache[52], o Albano[53], o Bassan[54], Lanfranc[55] e outros muitos não foram eles de humor alegre e cheio de vivacidade? “Ainda que os pássaros tenham asas para voar, disse um escritor, contudo as fecham, quando querem pousar”. Pode-se dizer também que os pintores, que tem o espírito vivo, e ardente, também tomam descanso; porém, quando os espíritos covardes e pesados se querem esforçar a um vôo, eles se assemelham ao des [pág. 24] graçado Ícaro, cujas asas artificiais não puderam sustentar no ar.
Finalmente, é certo que não se saberia obrar melhor, do que ocupar a mocidade no estudo e nas ciências; porque, quer a fortuna lhes falte, quer não, tem sempre isto por sua parte, e são então devedores a seus pais da boa educação que receberam. Assim os Pitagóricos tinham razão de dizer que: “A virtude é o fundamento das Cidades; e a prosperidade dos estados depende da boa educação dos meninos”. Acrescentai a isto que a natureza quase não conduz somente ao interesse particular, e que a educação nos ensina a contribuir ao bem público. A natureza nos faz aspirar a liberdade, ao mesmo tempo que a educação nos ensina a obediência. Quantos belos gênios se não vêem?, que lastimam a falta de serem cultivados. Horácio mesmo nos ensina que a educação o eleva sobre o natural. O que nisso há de mais triste, vem a ser, que o mundo corrompido não sente o seu mal; de modo que com razão se pode exclamar: oh tempos! oh costumes! e com razão dizia Cícero, que os homens, para assim dizer, bebem com o leite, todas as desordens e tresvarios, em que se precipitam.
[pág. 25]
L I Ç Ã O VI.
NÃO se pode pois, ainda que se tenha a habilidade que for, julgar de alguma coisa, que respeite a arte em geral, menos que se não possua a fundo o desenho, e que se tenha aprendido todas as suas partes. Ninguém há, por uma razão mais forte, que possa dar seu parecer sobre um quadro, nem decidir, se o pintor observou nele todas as regras, não sabendo ele mesmo, em que consistem estas regras. É pois, a meu ver, uma grande inconsequência da parte de certos amadores, que se consideram hábeis, e que mesmo passam por tais, de fazer um montão de todas as sortes de quadros, sem saber, o que compram, se é de ouro ou de cobre; e de dar um grande preço por uma obra, que nada vale; o que não pode nascer senão da sua ineptidão. Contudo, o mundo está cheio destes pretendidos conhecedores, que não julgam dum quadro, senão pelas cores brilhantes, que tocam os seus olhos, incapazes de darem razão de nada. Porém se a arte recebe alguma vantagem da sua ignorância, se pode dizer, que não sofre mais algum prejuízo.
Além disto, é necessário notar, que se desenham os objetos visíveis, medindo sempre a olho a distância, que vai duma parte a outra; e que, para se firmar a mão, se deve aprender felizmente o modo de manejar o lápis, ou o carvão de madeira; o que consiste em ter um ou outro, entre o polex e índex, e apoiá-lo sobre a ponta do dedo do meio, que deve estar um pouco encurvado. O carvão de madeira [pág. 26] esteve sempre em uso, é verdade; porém parece-me que vale mais servir-se do lápis, que é mais próprio, e cujo traço é mais bonito; além disso, é mais fácil de apagar-se com miolo de pão. Contudo penso que o carvão de madeira é melhor, para os que principiam, e o lápis, para os que tem já feito algum progresso.
O principal objeto do desenho consiste em fazer um bom esboço; e por este motivo é necessário dar-lhe uma grande atenção. Alguns, por exemplo, para copiar uma estátua, principiam pela cabeça, que acabam com tudo, o que depende, e concluem depois o resto da figura de alto abaixo. Deste método se lhes segue, em geral, um grande mal, porque fazem deste modo a cabeça, ou muito grande, ou muito pequena; de sorte que resulta um todo desproporcionado, e que não concorda com o original; o que provém, de que eles não observaram bem as distâncias, de que acabamos de falar. Aqueles pois, que quiserem executar bem, se lembrarão em tudo, o que tiverem de desenhar, de distingui-lo no princípio em suas diferentes partes; de medir as distâncias com o dedo, ou lápis, sem compasso, e julgar a olho, o que o acostuma pouco e pouco a justeza, que é a nossa principal guia, como tenho já dito mais duma vez. Assim, quando se tiver copiado o exemplo seguinte, do modo que o tenho já ensinado, e se possuir bem este método, tudo o mais virá a ser fácil.
Exemplo.
Para se desenharem os dois objetos, que se vem distinguidos em diferentes partes na Fig. 44. e 45, da Est. I., se traçará no princípio o [pág. 27] pequeno, e depois o grande. Tirareis, com o vosso carvão de madeira, uma linha em cima, notada a; outra no meio, notada b; e a terceira na base, notada c. Vereis então, se a figura pode entrar no espaço, que lhe destinas. Continuareis depois a notar as partes menores até o fim; e passareis finalmente a traçar a figura. É fácil ver, por este resumo, que a geometria é aqui duma absoluta necessidade, e que sem ela se não pode traçar nada justo sobre o papel.
L I Ç Ã O VII.
É necessário copiar com cuidado os exemplos, que se veem na Est. II. O primeiro é um oval, ou a forma de um ovo. O num. 2 oferece um rosto dividido em diferentes partes. Os olhos estão numa distância, que poderia ter ali a terceira entre os dois. O nariz tem o terço do comprimento do rosto. A boca tem tanta largura, como um olho. As orelhas estão ao nível dos olhos por cima, e da raiz do nariz por baixo, seja comprida, ou curta a distância, conforme [se] pode ser. Em a segunda cabeça, num. 3, vê-se a mesma divisão em comprimento, e largura; porém a figura, e as proporções da cara são diferentes: a primeira é uma sexta parte mais comprida que larga; e a segunda é quadrada. Pelo que respeita as mãos são duas vezes mais compridas que largas; e cada uma de suas partes tem seu próprio comprimento, largura, e grossura: vede as fig. 4, 5, e 6 da Est. II. O comprimento de um pé é uma sexta parte do talhe de um homem, e [pág. 28] é de cinco oitavos mais compridos que largo; vede as fig. 7, 8, e 9 da mesma Estampa . O comprimento do rosto, e das mãos deve ser exatamente igual, e faz tudo justo o décimo da altura de uma pessoa. Deve-se notar, além disso, que estas são proporções as mais regulares, tanto nos homens, como nas mulheres; e ainda que haja poucas pessoas, que se assemelhem, não há, quem se excetue desta regra.
É preciso dar, ao mesmo tempo, outros exemplos; como a figura dos olhos, do nariz, da boca, e das orelhas, que se fará copiar com cuidado, e grande atenção. É necessário também ter exemplos, onde as sombras são notadas, e que eu chamo sombras corporais, tais como as da fig. 10, 11, 12, 13, e 14 da mesma Est. II..; enquanto as fig. 1, 2, e 3 desta Estampa não mostram senão o simples traço, ou contorno da cabeça.
Não se tem, digo eu, até aqui visto senão os contornos, passemos agora a encher, dando-lhes relevo por sombras, para fazer o que se chamam corpos sólidos. Para isto pois só falta dispor as sombras, o que pede, que se acostume a desenhar com a sanguínea, e a notar os traços cruzados de um modo claro, e distinto, sem os desenhar com pó, ou grãos, como o ensinam alguns mestres.
[pág. 29]
L I Ç Ã O VIII.
OS exemplos que se dão na Est. II., fig. 10, 11, 12, 13, 14 , 15, e 16 , mostram, de que modo se deve manejar o lápis, e nos fazem ver, ao mesmo tempo, que, para formar as sombras, é necessário, que os entalhes não sejam compostos senão de dois traços, que se cruzam, ou, em caso de necessidade, de três para as sombras mais fortes; e que, para o relevo, ou redondeza, não há mais que um só. Nos recantos, onde os fundos, ou cavidades exigem toda a força do lápis, é necessário empoar, ou granizar, e seria um enfado inútil empregar-lhe mais de três entalhes uns sobre outros, como se mostra nestes exemplos. É preciso pois copiá-los com cuidado, dar-lhe todo o tempo preciso, e não apressar-se; porque, desenhar pouco de uma vez, repetir muitas vezes a fazê-lo bem, avança mais do que desembaraçar, e executar com presteza muito, e trabalhar apressadamente.
Para imitar pois bem estes exemplos, e todos os outros, é preciso ter traçado o contorno, torná-lo a tomar com a sanguínea; depois disto se apaga com miolo de pão toda a imperfeição do lápis, ou do carvão de madeira. O que feito, se retoca ligeiramente, por aqui, por ali, todos os cantos, que se pode ter embaçado, esfregando-os, como são cabelos, olhos, nariz, boca, dedos, orelhas, o contorno, etc. Observar-se-á, não se fazer traços senão muito sutis nos contornos, que recebem a luz, e aclarar mais, os que fazem as sombras. Assim é que o contorno parece natural, e as [pág. 30] figuras humanas, ou outros objetos, que se desenha tem uma beleza e graça toda particular. Depois se principiará a sombra por um simples traço, porém assaz forte todavia, principiando de cima, para conduzi-lo insensivelmente até abaixo, com a maior igualdade nas distâncias que for possível. Depois se passará a tinta clara, ou a redondeza, que se exprimirá do mesmo modo por simples traços mais, ou menos ligeiros, segundo os objetos, que se tem à vista; porque as meias tintas não devem jamais ser encruzadas. Eis aqui estamos nós bem adiantados, e pode-se dizer, que está a obra meia feita. Para acabá-la, e dar toda a força conveniente as sombras, é preciso dobrar-lhe os traços, e também triplicar, sendo necessário, como já o dissemos acima. Não resta mais que examinar a cópia, para ver se é conforme ao modelo; e achando-se que as sombras não são bem fortes, se poderão retocá-las.
Notemos agora, o que as duas colunas num. 15 e 16 da Est. II. nos oferecem relativo ao objeto que tratamos. O lado de cada coluna, que é igualmente iluminado, se chama extremo claro, da mesma forma, que se dá o nome de extrema sombra, ao que é de um escuro igual pelo todo; enquanto, o que está virado para a extremidade da superfície, ou da circunferência, se chama relevo, ou redondeza, por causa de que uma coluna é tão redonda por diante, como pelos lados; ou, melhor, se chama meia tinta; porque a luz ali se diminui, e se desvanece. O mesmo se pode observar, não somente em colunas, mas em todos os outros corpos redondos, que tem um lado, onde a luz se diminui, e se perde; quero dizer, em [pág. 31] uns mais, e noutros menos. Do mesmo modo é a superfície do ábaco, ou quadrado assentado sobre o cume das nossas duas colunas; e é então o que se chamam tintas fugitivas. A meia tinta toma este nome, por causa de ter um meio entre o extremo claro, e o extremo escuro ou sombra, e de reunir por conseguinte estes dois extremos. Suponhamos, além disso, que uma destas duas colunas seja também carregada de baixos relevos, como a de Trajano, ou de Antonino; não menos se dirá que tem ela, em geral, suas luzes extremas, ainda que cada figura terá ali suas luzes, e suas sombras particulares.
Será, como um cacho de uvas, de que cada bago, tomado separadamente, tem sua luz, e sua sombra; porém que, reunidos, juntamente, dão ao cacho toda a sua redondeza.
Pelo que respeita aos entalhes, feitos com a sanguínea, é provável que os aprendizes os acharão mais difíceis de executar, do que se fizessem com granitos estes lados; porém eles verão logo que lhes servem, para lhes firmar a mão, porque é de extrema importância, que os traços sejam todos da mesma grossura, e de uma igual distância entre si, para que as tintas escuras, ou claras se distingam melhor; o que faz que exijam mais juízo, e exatidão; porque se deve saber ao justo o efeito, que produzirão dois ou três ou quatro traços, que se cruzam uns aos outros; o que não pode acontecer, quando se empoam, ou se granizam estes lugares, como é fácil de conceber. É sem dúvida inútil o fazer a apologia, por nos demorarmos tanto tempo sobre estas circunstância, porque elas não podem servir, senão para darem firmeza, e [pág. 32] presteza à mão, como também grande justeza ao olho.
Talvez parecerá singular que dê eu aqui o mesmo exemplo de três, ou quatro modos diferentes; o que pensei necessário, não somente por causa da variedade, que ali se vê, e de que se perceberá logo copiado; porém, sobre tudo para que se tome uma ideia mais exata da volta dos entalhes, como se vê na cabeça num. 13. Est. II. que está virada para trás, e naquela num. 14, que cai para diante. Notai os entalhes, que aparecem na testa da cabeça, num. 13, e da outra seguinte, num. 14; uns volteiam para cima em forma de arco, e outros para baixo. Percebe-se melhor esta diferença em uma coluna, que está assombreada para cima, e para baixo do horizonte, sobretudo se se entende a perspectiva. Bastará pois, para o presente, saber, em que circunstância é necessário variar os entalhes, para acostumar nisso a mão; porque nisso é, que consiste o belo estilo. Porém não é isto a única coisa, que ali há, de observar; pois um contorno exato, e desembaraçado não é menos essencial a uma obra, que, não o tendo, não pode ser bela, nem agradável.
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L I Ç Ã O IX.
DEPOIS de ter falado até aqui das cabeças, das mãos, e dos pés, como também do manejo da sanguínea, passaremos insensivelmente às figuras. Apresento aqui aos discípulos outro exemplo para observarem nele a estrutura das diferentes partes do corpo, e seu encaixe. Debuxarão pois as duas figuras 1 e 2 da Est. III., em grosso ou em borrão, ou ao menos suas principais partes, com carvão de madeira, não lhe empregando mais que traços ligeiros; porém corretos, e principiando pela figura que está em pé. Além disso, é preciso que tracem primeiro o lado direito; porque, quando os primeiros traços estão sempre expostos à vista, também o restante segue mais naturalmente, e dá menos trabalho. Em vez de que se se principia pelo lado esquerdo a mão rouba o objeto e o encobre à vista. Antes também que o discípulo aplique o seu carvão sobre o papel, é a propósito e muito vantajoso, que tenha algum tempo o seu modelo na mão, que o considere com toda a atenção possível, e que tome cuidado no modo, com que as figuras e seus principais membros concordam juntamente; até que tenha impresso em seu espírito toda as suas posições; o que lhe dará uma grande facilidade para a execução.
Demais, não é ainda tempo de exigir o discípulo que faça a sua cópia maior, ou menor do que o seu modelo; seria isto exigir muito dele; assim nós nos limitaremos a fazê-lo executar da mesma grandeza. Para que pois a Fig. I. da Est. III. se trace do modo mais seguro e mais [pág. 34] exato, é necessário que ele tire primeiro sobre o papel, com o carvão, a linha central e perpendicular, e que reflita sobre a relação, que deve haver entre a cabeça e o pé, sobre que a figura carrega, como o ensinei já na lição sexta, a respeito do castiçal e do pote d’água. Ponha depois um ponto no lugar, onde conjectura, pouco mais ou menos, que deve assentar a cabeça, o umbigo, e o pé; e debuxe então as principais partes da figura de alto abaixo. Feito isto, se perceberá bem, em que altura a figura seguinte num. 2, deve principiar, e se dirá ele a si mesmo, como se quisesse ensinar a outro: o alto da cabeça desta mulher deve estar em o nível com o peito do homem, onde ele assinará um ponto. Sua barba deve achar-se em nível com o umbigo do homem, e porá também um ponto, e assim do mesmo modo em todas as outras partes até o fim; e, deste modo, tudo se achará em seu justo lugar. Porém, para executá-lo, é necessário que o desenhador esteja em sossego, e não ouça algum ruído, para poder facilmente notar as suas faltas, e vir a ser, para dizer assim, mestre, ainda que ao presente não seja mais que discípulo. Não terá mesmo quase mais trabalho em debuxar quatro ou cinco figuras depois, ou mesmo uma vintena, se o quiser, do que uma só; porque pode seguir a respeito de todas, o método que terá observado neste exemplo, que faz ver que as figuras duma composição procedem, dalgum modo, uma da outra. Depois de estar o debuxo tirado em borrão ou pelo maior, e as principais partes se acham em seu justo lugar, aplicará uma grande atenção em comparar a sua cópia com o modelo, para ver; se a disposição está [pág. 35] bem observada, e se as figuras produzem todo o seu efeito; porque se isto não for bem exatamente notado no esboço, ele experimentará tanto trabalho e desgosto em retocar a sua obra, que perderá logo a emulação e ardor, que tinha, para o trabalho, antes de ter a metade concluída. Mas se o esboço estiver bem traçado; se o encontro das partes estiver observado com cuidado; se se lhe tiver ajuntado ou separado, o que é necessário, pode esperançar-se dum feliz sucesso.
Quando se vem a passar o lápis vermelho sobre o esboço, deve ter-se cautela sobretudo que não faça desaparecer a alma, que já se lhe acha; o que facilmente acontece, se não se notam, quais são as partes, que dão um movimento natural, e ação às figuras.
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L I Ç Ã O X.
DEPOIS de ter o discípulo compreendido bem o que até aqui temos ensinado; será o tempo de dar ele as provas do que sabe fazer no desenho, e de trabalhar sobre princípios sólidos e fixos. Se lhe dará então um baixo relevo, quero dizer, um ajuntamento de duas figuras, uma representada com roupas, outra nua, para ver se tem cumprido bem tudo, o que nós temos notado sobre os esboços, composição, disposição, e a curvatura, que deve dar aos entalhes, segundo a diversidade dos objetos; do modo que está indicado nas Fig. 3, 4, 5, 7, 8 da Est. III.. Porém é necessário, mais que tudo, ter cautela, em que ele não ponha o seu modelo, nem muito perto nem muito longe da luz, e que o tenha numa distância tão proporcionada que a sombra seja de uma força conveniente; porque, quanto mais apartado estiver da luz, tanto mais parecerão as sombras fracas e duvidosas. Não é necessário igualmente que o discípulo esteja sentado muito perto do objeto; porém deve achar-se numa distância racionável, quero dizer, que possa distinguir facilmente as atitudes, e sobretudo as sombras dos olhos, do nariz, da boca, e das outras partes essenciais; o que prova não estar ele muito retirado. Em terceiro lugar, deve por o objeto numa tal altura, que os olhos das figuras estejam ao nível dos seus, como diremos depois, com mais extensão Em quarto lugar, é preciso ter cautela em não receber mais que uma luz medíocre por uma só janela; visto [pág. 37] que assim se observam melhor as sombras do que por grandíssima luz, que entra por muitas partes separadas umas das outras; o que faz as sombras duvidosas. Seria inútil ensinar aqui ao discípulo, de que modo deve ter a sua pasta ou papelão, sobre que desenha, porque ele o vê praticar todos os dias pelos outros. Depois que tiver copiado o baixo relevo, de que acabamos de falar, poder-se-á julgar, se ele está em estado de passar adiante, e desenhar com branco e negro sobre o papel pardo, ou azulado; porque quando se sabe dispor bem os entalhes, torna-se facilmente mestre do resto.
L I Ç Ã O XI.
DEPOIS de ter falado do esboço, e da posição das figuras, na sexta e nona Lições, como também do âmbito ou volteado dos traços, ou entalhes, na oitava; não deixará de ser útil passar ao Desenho, que se faz com pedra branca e negra, sobre o papel escuro, ou azul. Para adquirir facilidade a este respeito, não há melhor meio, do que exercitar-se em imitar o gesso, ou os Desenhos realçados de branco; porque o costume, segundo diz o provérbio, é uma segunda natureza. Debaixo desta vista é que representamos ao novo aprendiz cabeças imitadas do gesso, nas Est. II. e III.. Mas em vez de que, sobre o papel branco, se arredondam os objetos pelas sombras, poupando as luzes; deve-se, pelo contrário, poupar aqui as sombras, e arredondar as luzes com o lápis. Isto não é, porque de todo se não necessite de sombras; porém só se precisa de pouca, e somente [pág. 38] em certos lugares. Depois de se ter traçado o contorno, se desenha, com a pedra branca, as partes mais salientes e mais iluminadas, como a testa, o nariz, e as faces, que se esbate pouco a pouco não com entalhes ou traços, porém empoando somente nos lugares, onde a luz vem a ficar, e onde se reúne com a sombra, como se pode ver sobre iguais desenhos. Feito isto, toma-se a pedra ou lápis preto, ou vermelho, e acabam-se as sombras com entalhes, por toda a parte onde deve havê-las. Depois se esclarecem, ou se iluminam os claros do mesmo modo com o lápis branco.
Além de ser este modo de pintar muito agradável, e o mais expedito, e por conseguinte mais vantajoso para o pintor. Eu não vejo também, se me é permitido dizer o meu pensamento, que os entalhes sobre o papel branco sirvam de alguma coisa na pintura; em vez de que o outro método é de grande socorro. E verdadeiramente se houvessem lápis de todas as cores, o que se tivesse assim executado, não faria o efeito de uma pintura? é pois essencial instruir-se a fundo neste método, que, além disso, não é tão fácil, como se poderia imaginar, menos que se não tenha aprendido antes a manejar o lápis vermelho. Por outra parte, não se deve deixar alucinar por um belo modo, porque o mais belo, e o mais expedito manejo do mundo não poderia jamais fazer um desenhador hábil e completo: e exata postura, a beleza do contorno, e a relação das partes entre si, e com o todo, são, por onde deve elevar a sua perfeição. Por isso eu recomendo também, mais que tudo, aos discípulos, não se aplicarem à pintura, senão depois que um sábio mestre tiver julgado que [pág. 39] eles estão expeditos no desenho. Não é que eu pretenda, como alguns pintores, que seja necessário empregar dezoito, vinte, ou vinte e quatro anos a manejar o lápis, antes de passar para o pincel. Bem longe disso, eu penso que é mal, se se toma, para fazer perder assim um tempo destinado ao uso da razão. Porém é muito ordinário aos novos aprendizes, que se ouvem louvar, suporem-se capazes de manejarem depois em tudo o pincel, ainda que apenas saibam pegar no lápis. Outros há que, cheios de ardor no princípio, o perdem pouco depois. Vê-se finalmente uma terceira espécie, que nada mais fazem que passar de uma coisa à outra, e que acabam sabendo nada; porém voltemos ao nosso objeto.
Porque temos já instruído o nosso discípulo em copiar um Desenho, é acertado que saiba, de que modo é preciso desenhar o semblante risonho, que se vê na Est. III. Num. 5 . Ele não deve notar com algum traço as pequenas rugas, que estão nos lugares iluminados; porque ficariam muito ásperos, e o fundo do papel basta para isto; ainda que todos não sejam deste parecer. Principiará pela luz mais alta, quero dizer, pela testa; dali passará para o nariz, e assim ao mais. Mas, para consegui-lo bem, fará primeiro uma grande massa de luz, que distribuirá, como temos já dito, depois de lhe ter já dado um grande talho de força. Suponde, por exemplo, que um rosto esteja atravessado por quatro linhas paralelas, de que uma passa pela altura dos olhos, outra pela do nariz, a terceira pela da boca, e a última pela da barba. Tomai depois um papel, e cobrindo o rosto até a mais alta linha, vos vereis então somente a testa. Passai o lápis em todo [pág. 40] este lugar iluminado; isto feito, abaixai o vosso papel até a segunda linha, e continuai pelo nariz que desce diretamente da testa. Passai dali às faces, aos olhos, e a tudo, o que é de sua dependência; e vós aprendereis assim que uma luz nasce de outra. Vinde depois à boca, e ao queixo, reservando por última a barba. Deste modo vireis a ser de repente melhores na semelhança, e imitação do que por outro qualquer método.
Agora poderá o nosso discípulo desenhar as mais belas figuras de gesso, tais como Apolo do Vaticano, Vênus de Medicis, Antonino; o que contribuirá a dar-lhe emulação, e a fazê-lo, um dia, um mui hábil mestre. Assim é, digo eu, que ele se aperfeiçoará, pouco a pouco, no desenho, e passará da imitação das figuras de baixo relevo, a desenhar a vista da natural; porque um é o último degrau, que conduz para o outro.
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L I Ç Ã O XII.
NÃO resta fazer mais do que algumas notas sobre a posição, que o discípulo deve tomar, para ver comodamente as figuras, que quer desenhar, e que se acham em uma altura maior ou menor. Qualquer coisa, que tiver à vista, e quiser imitar, deve sempre observar, (quando a base do objeto se acha ao nível do olho) pôr-se de jeito, seja de pé, ou assentado, que possa encarar o objeto, do mesmo modo que o papelão, donde trabalha, sem mover a cabeça, nem para cima, nem para baixo; porque, além da perda de tempo, que isso causa, o olho se distrai, e se varia. Pelo que respeita a distância, em que se deve ter, é preciso que seja proporcionada a grandeza do objeto; quero dizer, quanto maior for o objeto; tanto mais retirado se deve estar; como faremos ver ao depois, quando falarmos do desenho a vista do natural.
É tempo de ocupar-se o nosso discípulo em desenhar em ponto grande o modelo, que lhe foi dado em pequeno, ou em ponto pequeno, o que ele vê em grande; porque é de uma necessidade absoluta que ele se exercite a julgar bem as proporções; e que por um dilatado hábito, o seu olho lhe sirva de régua e de compasso.
Quando o nosso discípulo tiver chegado a este ponto, e tiver aprendido bem, o que acabamos de ensinar, é a propósito que ele examine suas forças e seus talentos; que saiba enfim, de que lado a sua propensão o arrebata, e de que modo quer estabelecer-se no mundo. [pág. 42] Porque não há arte, nem ciência, de que com socorro do desenho, não possa ele fazer-se mestre.
Assim os pais e tutores devem buscar mestres hábeis para seus meninos, porque sua felicidade depende desta escolha. Seria de desejar que, os que tem meninos, se aproveitassem deste aviso, cuja prática não deixaria de nos dar; do mesmo modo, que em França, e Itália, grandes artistas, e excelentes mestres, que animariam os bons gênios, que há nestas Províncias, e que se perdem por falta de serem bem cultivados.
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L I Ç Ã O XIII.
AJUNTAMOS ainda algumas reflexões sobre os diferentes modos de desenhar, que estão em uso.
O desenho a pena nos parece um trabalho, tão mal, como inútil, e que é mais próprio a um mestre de escola do que a um pintor, posto que alguns gravadores tenham buscado introduzir este modo, que não pode servir, senão de fazer perder um tempo precioso aos verdadeiros artistas.
O modo mais difícil, e, por conseguinte, o mais vicioso, é fazer desenhos a lápis, para concluir com aguada, ou tinta. Contudo semelhantes desenhos, executados por uma mão hábil, diante de bons quadros, são de grande merecimento, ainda que pouco úteis aos desenhadores, e principalmente aos novos discípulos, a quem este estilo faz perder muito tempo.
Não há melhor modo de desenhar sobre o papel branco (sejam figuras ou paisagens, e que sirva ao mesmo tempo de princípios para a gravura) do que empregar o lápis vermelho, que produz um efeito agradável, porém cujo manejamento é difícil. Contudo, servindo-se deste procedimento, não é necessário fazê-lo com linhas muito desunidas, como o fazem em geral os novos gravadores, ou procurando de empoá-lo; mas sim fazer os entalhes ou traços dum modo firme e desembaraçado, e não os cruzando jamais duas ou três vezes uma por cima da outra: o que forma uma mão firme, e ensina a conhecer a forma das coisas, que se copiam.
O desenho sobre papel escuro, ou azul, fazendo [pág. 44] os realces com branco, como temos dito, na lição undécima, é o modo mais agradável, e o mais expeditivo; é também sem controvérsia o mais útil e o mais perfeito, tanto para compor, como para desenhar diante do natural, e para depois servir, para executar um quadro; porque é, o que tem mais cômodo, compondo, para indicar, com um lápis branco num esboço, as luzes claras, sejam duma luz natural, ou artificial, principiando pela parte principal, degradando também insensivelmente, deixando o mesmo fundo, para servir de sombras. Este estilo é tanto mais cômodo, quanto é fácil de estabelecer-se, com um dedo úmido, a força dos realces, e também destruí-los inteiramente; quanto, por assim dizer, é impossível produzir o mesmo efeito por sombras sobre o papel branco. Depois disto, pode-se formar uma idéia de quanto é agradável, desenhando a vista do natural, qualquer objeto, que for, o poder dar-lhe redondeza ou relevo por meio dos realces sós, que, ao mesmo tempo, lhe produzem as sombras, e dão uma harmonia juntamente, obrigando somente a indicar, por todos os lados, alguma sombra forte, produzida por grandes cavidades, para distinguir por esse lado os reflexos. No caso em que o fundo seja um pouco mais assombreado, se produzirão os reflexos por realces fracos. Esta espécie de desenho é também, sem controvérsia, o melhor para servir de modelo, quando se quer empregar estes esboços em um quadro; porque uma figura pintada à vista dum modelo igual tem toda a verdade da natureza, exceto o colorido. Além do que, desenhando a vista do natural, goza-se, por este modo, da vantagem de poder melhor dar ao desenho [pág. 45] o movimento de vida; porque qualquer outro exige mais tempo, o que safa por conseguinte o modelo, e produz nele grandes mudanças.
Resta-nos notar: que o lápis negro faz muito melhor efeito sobre o papel escuro, ou azul do que o lápis vermelho; por causa de que o negro tem mais relação com estas duas cores do que o vermelho, e se conforma também melhor com os realces. De modo que eu aconselharia, que se não servissem jamais do vermelho, não sendo difícil achar a boa pedra, ou lápis negro; o que para o fim é bem indiferente, quando só se quer lançar seus primeiros pensamentos sobre o papel, e não de executar figuras completas, que eu quisera que se fizessem sempre à vista de quadros, ou de outros mestres, ou de si mesmo.
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L I Ç Ã O XIV.
QUANDO eu era principiante, e que somente tinha uma muito fraca ideia da beleza das obras antigas, me impunha um deve de copiar com a mais escrupulosa exatidão o modelo nu, que eu encontrava na academia, assim como meu pai tinha ensinado. Porém, quando eu queria servir-me destas figuras acadêmicas nos meus quadros, eu as achava muitas vezes tão pouco corretas, e tão pouco concordantes com o resto da minha obra, que aquilo me embaraçava; de sorte que me via obrigado a fazer-lhe grandes mudanças, o que me enganou muito; não podendo assaz admirar que a natureza mesma me conduzisse a iguais erros, enquanto me parecia tão bela, e mesmo inimitável. Mas, refletindo melhor ao depois, achei que isto vinha do pouco conhecimento, que eu tinha da antiguidade; apliquei-me pois a estudá-la com cuidado, e depois daquele tempo, considerei a natureza debaixo dum diferente aspecto, o que não tinha feito até então; o que meu deu meio de corrigir o meu modelo, desenhando a vista da natureza, sem muito custo; e por assim dizer, sem o pensar. O melhor método, segundo me parece, para desenhar com proveito figuras acadêmicas, a vista do modelo, é copiá-lo exatamente, sem lhe mudar nada; principalmente sendo de muito bela proporção por si mesmo, e quando se não tem ainda adquirido um conhecimento bem profundo das belezas da antiguidade; ocupando-se ao mesmo tempo em adquirir este conhecimento pelo estudo refletido [pág. 47] de bons gessos, e de belos desenhos, ou belas gravuras; sem contudo molestar a cabeça, e sem fatigar, o espírito; comparando com estes objetos todas as partes de seu modelo; o que conduz a distinguir sem trabalho o antigo do moderno. Para facilitar mais este estudo, recorrerás a anatomia; não para vos instruir a fundo nesta ciência, mas somente para aprender a conhecer o verdadeiro encaixe dos ossos, dos músculos, dos nervos, dos tendões, etc; sobretudo os principais e que se fazem notar mais, tais, por exemplo, como os músculos do pescoço, das omoplatas, das cadeiras, das coxas, das pernas, dos braços, etc; porque sem este estudo é impossível chegar a correção do desenho.
Para desenhar a vista da natureza, é necessário observar por bem: 1. A distância, em que é necessário pôr-se do modelo, para poder considerar no inteiro ou no todo debaixo do seu verdadeiro ponto de vista, e aquilo sem ter precisão de levantar a cabeça, como o temos já dito na duodécima lição. 2. Sua linha central ou de gravitação, quer esteja de pé, quer assentado, para que se possa conhecer, quais são as partes que sustentam o maior peso; o que conduz para saber. 3. Quais são os membros, que se acham atualmente em ação, e que músculos devem ser mais fortemente declarados. 4. A sombra conduzida sobre o plano, em que está posto o modelo com seu cumprimento e largura, para saber, onde é necessário assentar a figura na composição, se a direita, se a esquerda, ou no meio. Por último 5. O horizonte, para que seja o mesmo, que se deve empregar no quadro; o que é desprezado mesmo por muito bons mestres, que assentam in [pág. 45] diferentemente à esquerda uma figura, que deveria estar à direita do ponto de vista; contentando-se com mudar a sombra conduzida, segundo as leis da perspectiva: vede a Est. IV. Fig. 1. e 2 .
O melhor modo, e o mais seguro, para desenhar a vista do natural, é pensar sempre em cada parte do corpo, e recordar-se do justo encaixe, e verdadeiras formas, ou contornos sem as variar ou alterar. Porque os que contrariam um estilo vicioso pecam ordinariamente nisto, vem a ser, alçando ou levantando as partes inteiras do contorno de suas figuras, como se elas fossem montões grotescos; o que acontece de esbaterem muito; e tornam, por assim dizer, imperceptíveis as partes salientes ou os músculos; ao mesmo tempo que outros caem no defeito contrário, avivando com força igual todos os músculos, sem deixar algum por pequeno que seja; de modo que suas figuras parecem esfoladas. É necessário pois aplicar o maior cuidado e atenção sobre a redondeza das partes iluminadas, para pô-las a princípio com as formas do contorno, sem se deixar seduzir, pelo que se chama um modo grande, e desembaraçado, ou pelo que se chama suave e corrente, conformando-se sempre com a verdade da natureza.
F I M.
Estampas originais
* Graduando do Curso de Belas Artes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. É colaborador do Centro de Referência da Literatura Artística no Brasil, coordenado pelo Prof. Dr. Arthur Valle.
[1] Dom João VI de Portugal (nome completo: João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís António Domingos Rafael de Bragança; Lisboa, 13 de maio de 1767 - Lisboa, 10 de março de 1826), foi regente de 1792 a 1816, rei do reino unido de Portugal, Brasil e Algarves de 1816 a 1822, de facto, e desde 1822 até 1825, de jure.
[2] A Casa Literária do Arco do Cego foi um projeto editorial instalado em Lisboa, a partir de 1799, por iniciativa do então Secretário dos Negócios da Marinha e do Ultramar, D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812). Com a proteção deste último, a direção desta casa de edição foi entregue ao brasileiro José Mariano da Conceição Velloso (1741-1811), frei franciscano e naturalista (ver nota 4 abaixo).
[3] D. José I de Portugal (nome completo: José Francisco António Inácio Norberto Agostinho de Bragança; 6 de junho de 1714 - 24 de fevereiro de 1777), foi Rei de Portugal de 1750 a 1777.
[4] José Mariano da Conceição Velloso (São José del-Rei, comarca de Rio das Mortes, Minas Gerais, 1742 - Rio de Janeiro, noite de 13 de Julho para 14 de Julho de 1811) foi um sacerdote, professor, missionário e botânico brasileiro.
[5] Hendrik Jansen (1741-1812), também conhecido como Henri, foi um tipógrafo-livreiro, polígrafo, tradutor e “censor do império”, que traduziu e publicou o Het Groot schilderboek na sua versão em francês no ano de 1787.
[6] O Grande livro dos pintores (Het Groot schilderboek) foi publicado primeiramente em Amsterdam em 1707, e foi reeditado em holandês em 1712 (2ª impressão), 1714, 1716, 1740, e 1836. A obra também foi traduzida para o alemão em 1728-1729 (reed. 1776 e 1784-1819). Uma tradução da obra para o inglês apareceu em 1738 (reed. 1778 e 1817), em francês em 1787, e em português em 1801.
[7 - nota do tradutor francês] Gessner, Carta sobre a Paisagem.
[8] Solomon Gessner (1730-1788) foi um pintor e poeta suíço.
[9] Nicolas Poussin (1594-1665) foi um pintor classicista francês.
[10 - nota do tradutor francês] Deu-se lhe o nome de Poussin Holandês, título de qual se fez quase sempre digno [Nota do tradutor francês].
[11] Platão (428 a.C.-347 a.C.) foi um filósofo grego, considerado um dos três pilares da filosofia ocidental, junto com Sócrates e Aristóteles.
[12] Os princípios do desenho (Grondlegginge der teeken-konst ) foi originalmente publicado em Amsterdam em 1701.
[13] Reinier de Lairesse (1597-1667) foi um pintor decorativo holandês.
[14] Ferdinand van Beieren (1577-1650) foi príncipe-bispo de Luik no período de 1612-1650.
[15] Bertholet Flémalle, Flémal ou Flemael (1614-1675) foi um pintor flamengo.
[16 - nota do tradutor francês] Poder-se-á apreciar o talento de Bartholet pelo arrebatamento do Profeta Elias, que representou no Zimbório dos Carmelitas descalços em Paris; por uma adoração dos Reis que se vê na Sacristia dos grandes Agostinhos, e por um belo teto nos jardins reais Tuilleires.
[17] Pietro Testa (1611-1650), conhecido também como Lucchesino, foi um pintor italiano do século XVII.
[18] Gerrit van Uylenburgh (1625-1679) foi um comerciante de obras de arte e pintor da “época de ouro” holandesa.
[19] Jan van Pee (1630-1710) foi um comerciante de obras de arte e pintor da “época de ouro” holandesa.
[20] Pieter Fransz de Grebber (1600-1652), ou simplesmente Pieter de Grebber, foi um pintor e gravador da “época de ouro” holandesa.
[21] Nicolaes Visscher I (1618-1652) foi um cartógrafo e também editor. A família Visscher foi bastante conhecida em Amsterdam, durante o séc. XVII, pela venda mapas e obras de arte.
[22] Bartholomeus Abba (1641-1684), filho do rico fabricante de cerveja de Amsterdam, Cornelis Abba, foi um advogado e também poeta.
[23] Trata-se, possivelmente, da sociedade artística Nil Volentibus Arduum, que tentou introduzir conceitos do classicismo francês na Holanda do século XVII. Com afirma Gerardus Knuvelder: “[...] De bijeenkomsten zelf werden echter wel voortgezet, sinds 1676 ten huize van de schilder Gerard de Lairesse, een speciale vriend van Pels. Het typeert het genootschap, dat het de voorkeur gaf aan deze, zich op antieke bouw- en beeldhouwkunst inspirerende neo-klassicist met zijn stijve vormelijkheid en harde lijnen bòven Rembrandt en diens naturalisme. Rembrandt leverde huns inziens het bewijs, dat zelfs de edelste geest verwildert, ‘zoo hy zich aan geen grond en snoer van regels bindt, maar alles uit zichzelf te weeten onderwindt’, zoals Pels schreef. Het snoer van regels gaf De Lairesse in Het Groot Schilderboek (1707), tegenhanger van de snoeren van regels die Nil verzorgd”. (KNUVELDER, G. P. M. Handboek tot de geschiedenis der Nederlandse letterkunde. Malmberg: Den Bosch, vol. II, 1971, p. 504. Disponível em: <http://www.dbnl.org/tekst/knuv001hand02_01/knuv001hand02_01_0029.php> Acesso em 20 set. 2012).
[24] Jean-Baptiste Descamps (1714-1791) foi um pintor e negociante de arte, que também escreveu extensas biografias de artistas europeus, como La Vie des peintres flamands, allemands et hollandois (1753-1763, 4 vols.) e Voyage pittoresque de la Flandre et du Brabant (1769).
[25] Johannes Glauber (1646-1726), filho do químico Johann Rudolph Glauber (1604-1670), foi um pintor da “época de ouro” holandesa. A passagem referida pelo tradutor francês se encontra em: DESCAMPS, J. B. La Vie des peintres flamands, allemands et hollandois... Paris, 1760, tomo III, p. 190.
[26] Ernest de Lairesse (1636-1675), filho de Reinier, irmão mais velho de Gerard, foi um pintor (“LAIRESSE (Ernest de), zoon van Reinier, oudsten broeder van Gerard, werd in 1635 te Luik geboren. Hij legde zich vooral op het schilderen van bloemen, vruchten en vogelen toe, waardoor hij zich de goedkeuring verwierf van Hendrik van Beijeren, Keurvorst van Keulen en Bisschop van Luik, die hem in zijne dienst nam en op zijne kosten naar Rome zond om zich verder te oefenen. Na eene afwezigheid van twee jaren, keerde hij terug en vestigde zich te Bonn, waar hij in stille afzondering leefde en voor zijnen beschermer, den bisschop van Luik werkzaam was. Zijne fraaijste voortbrengsels zijn bij het bombardement van Bonn vernietigd. Zijne werken zijn voor het grootste gedeelte in Duitschland gebleven, ook berusten er in Luik, die hij in 1664 voor onderscheidene particulieren in die stad geschilderd heeft. In 1675 overleed hij”. VAN DER AA, A. J. Biographisch Woordenboek der Nederlanden … Haarlem: J. J. Van Brederode, vol. 11, 1865, p.34. Disponível em: <http://www.historici.nl/Onderzoek/Projecten/biographisch_woordenboek> Acesso em 20 set. 2012.)
[27] Jacob ou Jacques de Lairesse (1645-1690), irmão de Gerarde filho de Reinier, praticou a pintura (“LAIRESSE (Jacob of Jaques), broeder van Gerard de oude en zoon van Reinier, beoefende de schilderkunst”. Idem, p. 38.)
[28] Jan de Lairesse (?-?), irmão de Gerard e filho de Reinier, praticou a pintura (“LAIRESSE (Jan de) broeder van Gerard de oude en zoon van Reinier, beoefende de schilderkunst”. Idem, p. 38.)
[29] Abraham de Lairesse (1666-1726/28), filho de Gerard de Lairesse, nasceu em Utrecht e praticou a pintura (“LAIRESSE (Abraham de) zoon van Gerard Lairesse, den oude en van Maria Salme, werd in 1666 in Utrecht geboren en beoefende aldaar de schilderkunst. Kramm, vermeldt van hem een titelprent voor een werk getiteld: De zegepralende Vecht, gezichten van Lustplaatsen enz. Beginnende van Utrecht en met Muyden besluytende, Amsterdam, bij de Wed. Nicolaas Visch, enz. 1719 in fo.; middelmatig geteekend, volkomen sijstematish, droog en zonder geest of leven in de figuren, en door A . van der Laan in het koper gebragt”. Idem, p. 34).
[30] Gerard de Lairesse de jonge, o terceiro filho de Gerard de Lairesse. G. Hoet cita-o na sua lista como um hábil pintor (“LAIRESSE (Gerard) de jonge, derde zoon van Gerard Lairesse voornoemd, wordt door G. Hoet op zijn lijst al seen bekwaam kunstenaar gesteld. Meer wordt niet van hem vermeld”. Idem, p. 38.)
[31] Arnold Houbraken (1660 - 1719) foi um pintor e escritor holandês.
[32] O livro De groote schouburgh der Nederlantsche Konstschilders en schilderessen, 1718-21, contém biografias dos pintores dos Países Baixos do século XVII.
[33] Provavelmente, trata-se de uma série de cinco alegorias, pintadas por Lairesse em grisaille (técnica em que se preserva os tons monocromáticos), entre 1675 e 1683 para a casa “Messina”, de Philips de Flines em Herengracht. As pinturas encontram-se hoje no Rijksmuseum, em Amsterdam, e são elas: Allegorie op de Kunsten, Allegorie op de Milddadigheid, Allegorie op de Rijkdom, Allegorie op de Roem, e, por fim, Allegorie op de Wetenschappen.
[34] Philips de Flines (1640-1700) foi um grande colecionador de pinturas de “mestres” holandeses e italianos, como Rembrandt, Lairesse, Ticiano e Veronese, além de bustos e esculturas antigas. Philips também foi um dos principais membros da já citada sociedade francófila Nil Volentibus Arduum. É ainda conhecido por sua contribuição para a botânica e para a tuinsierkunst (decoração de jardins) e por participar na elaboração do livro Flora Batava. Cf: <http://stadsarchief.amsterdam.nl/archieven/archiefbank/overzicht/1303.nl.html> Acesso em 20 set. 2012.
[35] Cf. Het Groot schilderboek door Gerard de Lairesse. Amsterdam: Hendrick Desbordes, 1712. Fac-simile disponível em: <http://www.dbnl.org/tekst/knuv001hand02_01/knuv001hand02_01_0029.php> Acesso em 20 set. 2012.
[36] Quinto Horácio Flaco (Venúsia, 8 de dezembro de 65 a.C. - Roma, 27 de novembro de 8 a. C.) foi um poeta lírico e satírico romano, além de filósofo.
[37] Palinuro foi o timoneiro do navio de Eneias que, ao cair no mar numa noite, depois que Hipnos o faz dormir, é capturado, morto e o seu corpo jogado no mar, novamente.
[38] Naturais ou habitantes da Lacônia, também conhecida como Lacedemônia, localizada na região do Peloponeso, tendo como capital a cidade histórica de Esparta.
[39] Prometeu, segundo o mito grego, roubou o fogo, que era exclusivo dos deuses, e deu-o aos homens. O mito foi tratado por diversos autores na Antiguidade, sendo as obras de Hesíodo e Ésquilo consideradas por muitos como as principais referências a seu respeito.
[40] Júpiter é considerado o “pai dos deuses e dos homens”, segundo a mitologia romana.
[41 - nota do autor] É bom enviar aqui ao excelente Tratado das Paixões de Brun, fazendo observar que deve ter cuidado em procurar a edição original de B. Picart, que é muito mais correta, e que, além disso, foi aumentada com muitos rostos, depois das edições contrafeitas, que apareceram.
[42] Raffaello Sanzio (1483-1520), frequentemente referido apenas como Rafael, foi um pintor italiano do século XV.
[43] Polidoro Caldara (c. 1499-1543), mais conhecido como Polidoro da Caravaggio, foi um pintor italiano do século XV, discípulo de Rafael.
[44] Leonardo da Vinci (1452-1519) foi um pintor italiano do século XV, além de ser considerado por muitos uma figura emblemática por seus estudos.
[45] Piero di Giovanni Bonaccorsi (1501-1547), também conhecido simplesmente como Perin del Vaga, foi um pintor italiano do século XVI, discípulo de Rafael.
[467] Girolamo Francesco Maria Mazzola (1503-1540), ou Mazzuoli, também chamado de Parmigianino, conhecido em francês pelo nome de Parmesan, foi um pintor italiano do século XVI.
[47] Francesco Primaticcio (1504-1570), conhecido em francês pelo nome de Primatice, foi um pintor italiano do século XVI, discípulo de Rafael.
[48] Pietro da Cortona (1596-1669) foi um pintor italiano do primeiro quartel do século XVII.
[49] Jacopo Robusti (1518-1594), mais conhecido como Tintoretto, ou em francês como Tintoret, foi um pintor italiano do século XVI.
[50] Giorgio Barbarelli (1477-1510), também chamado de Zorzi da Vedelago, ou Zorzi da Castelfranco, ou simplesmente Giorgione, foi um pintor italiano do último quartel do século XV e início do XVI.
[51] Lodovico Carracci (1555-1619), ou em francês Louis Carrache, foi um pintor italiano dos últimos quartéis do século XVI e início do século XVII, primo de Annibal e Agostino Carracci.
[52] Annibale Carracci (1560-1609), ou em francês Annibal Carrache, foi um pintor italiano do século XVI.
[53] Francesco Albani (1578-1660), conhecido em francês como L’Albane, foi um pintor italiano dos últimos quartéis do século XVI e XVII.
[54] Jacopo Bassano (1515-1592), ou em francês le Bassan, foi um pintor italiano do século XVI.
[55] Giovanni Lanfranco (1582-1647), ou em francês Lanfranc, foi um pintor italiano do século XVII.