Celita
Vaccani: Trabalho referente aos comentários sobre o “Aleijadinho” escritos por Henrique Bernardelli
organização
de Arthur Valle e Camila Dazzi
VALLE,
Arthur; DAZZI, Camila (org.).
Celita Vaccani:
Trabalho referente aos comentários sobre o “Aleijadinho” escritos por Henrique
Bernardelli. 19&20,
Rio de Janeiro, v. II, n. 1, jan. 2007. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/cv_hb.htm>
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No texto aqui transcrito com grafia atualizada, a
escultora e professora Celita Vaccani
defende o relativo pioneirismo de Henrique Bernardelli na
valorização de uma figura-chave da arte colonial brasileira, o famoso Antonio
Francisco Lisboa, dito “Aleijadinho.” Na virada do século XIX para o
XX, quando era professor de pintura na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de
Janeiro, Bernardelli viajou para Minas Gerais e teria comentado a notícia de
Rodrigo José Ferreira Brêtas sobre o escultor e
arquiteto da antiga Vila Rica. Além disso, Bernardelli pintou uma composição em
sua homenagem, que foi exibida na Exposição Geral de Belas Artes de 1900, sob o
n. 4, e reproduzida acompanhando um artigo de Arthur
Azevedo sobre o encarnador e pintor mineiro
Venâncio José do Espírito Santo na edição de fevereiro de 1904 da revista Kósmos [ver link] (também em Kósmos, alguns
meses depois, foi publicada uma breve notícia dedicada
exclusivamente ao “Aleijadinho,” escrita por Gustavo Penna [ver link]).
Bernardelli parecia antecipar-se, assim, ao entusiasmo de partidários do estilo
dito “neocolonial” e modernistas paulistas, que viam na obra do Lisboa os
exemplos por excelência de uma arte tipicamente brasileira. Originalmente
publicado em: VACCANI, Celita. ASPECTOS DA VIDA E
ARTE DE ANTONIO FRANCISCO LISBOA O “ALEIJADINHO.” Arquivos da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro:
Universidade do Brasil, nº XI, agosto de 1965, p. 162-177.
*
[p. 169]
[...]
Análise do Documento
No Museu Nacional de Belas Artes, encontramos, ao
efetuarmos pesquisas sobre Henrique Bernardelli, nas
comemorações do seu centenário, [p. 171] um
documento muito interessante e importante para o conhecimento de | sua completa
personalidade.
Esse documento faz
parte do fundo documental pertencente aos irmãos | Bernardelli e entregue ao
Museu Nacional de Belas Artes, pelo executor | testamentário dos irmãos
Bernardelli, de quem era amigo e secretário, | Sr. Ubirajara de Azeredo
Coutinho, após o falecimento de Henrique Ber- | nardelli. Trata-se de 8 (oito) folhas do Volume I da Revista do Archivo | Publico
Mineiro, ocupando as páginas 161 a 176 [sic], presas por um grampo | de
metal já oxidado.
As folhas estão amarelecidas pelo tempo, dobradas em 3
(três) com | as margens esgarçadas e com o papel inteiramente quebradiço. Não
há | dúvida que Henrique Bernardelli lhe atribuía importância especial.
a) assinalou a propriedade, assinando a lápis vermelho
Henrique | Bernardelli, no canto superior esquerdo da pág. 161;
b) anotou cuidadosamente a lápis o artigo, assinalando os
trechos | mais interessantes e escrevendo comentários nas margens que são |
largas, tendo sido utilizadas para este fim, tanto do lado direito, | quanto do
lado esquerdo;
c) assinou a lápis novamente, na pág. 174, ao terminar as
suas notas | como desejando frisar especialmente a autoria das mesmas;
d) prendeu com um grampo de metal as referidas folhas e as
conservou | por mais de 30 anos, pois guardou cuidadosamente o documento, |
dobrado em 3, dentro de um envelope de formato “ofício”, timbrado | com as Armas
da República, a declaração S.
P. e a indicação | “Da Escola Nacional de
Belas Artes”, escrevendo sobre o mesmo:
“História do Aleijadinho”
“20 de julho 1933”
“Henrique Bernardelli”
Dentro do mesmo envelope, encontrava-se, também, já muito esmae- | cida pelo tempo, a cópia positiva de um desenho
representando a cabeça | de um personagem do século XVIII, tendo a indicação hológrafa de | Henrique Bernardelli, escrita a lápis na
parte interior: “Mestre Aleijadinlo” | e no verso, outra indicação hológrafa de
Henrique Bernardelli | “O Aleijadinho” [Figura 1].
No verso do envelope existe parte do rascunho hológrafo a lápis de | um
documento pertencente ao Arquivo do Museu Nacional de Belas | Artes e pelo qual
Henrique Bernardelli se dirige ao Ministro Washington Pires.
Comentários de Henrique Bernardelli
Alinhamos a seguir, em colunas paralelas, a
esquerda o que existe | impresso no documento - e à direita os comentários
escritos por Hen- | rique Bernardelli.
[p. 172] Observações
Desejaríamos tecer ligeiros comentários sobre esse documento anotado | por
Henrique Bernardelli:
a) Nota-se preliminarmente o interesse com que Henrique
Bernardelli | viveu o artigo, associando-se às opiniões nele expressas, corri-
| gindo-as, ironizando, discordando, mas sempre demonstrando o | profundo
interesse que a figura do Aleijadinho lhe despertava;
b) A preocupação de exaltar o artista, que na época em que
es- | creveu, não encontrava ainda em nosso meio cultural, a reper- | cussão
que merecia (p. 166 - linhas 30 e 38; p. 171 - linhas 11 e 12, e 20);
c) A resposta cabal às críticas formuladas no artigo, dando
com sua | grande experiência, de pintor e esteta, as razões das falhas apon- |
tadas (vide comentários na p. 166, linhas 40 e 41; p. 167 linhas 5 | e 6, 12 e
25);
d) A confirmação de sua estada em Ouro Preto (p. 168,
linhas 2 e 3; p. 171, linhas 11 e 12).
A este respeito procuramos indiretamente datar essa estada. Sabemos | que o
artigo do Arquivo Público Mineiro, foi publicado em 1896; é óbvio, | portanto, que o comentário não pode ser anterior a essa
data.
Por outro lado, o quadro intitulado “O Aleijadinho em Villa-Rica” [Figura 2], cujo | paradeiro se ignora e que é o quadro ao
qual se refere no seu comentário | de p. 171 linhas 11 e 12, foi reproduzido e
apreciado por Arthur Azevedo, | no artigo “Um Artista Mineiro”, na revista Kosmos,
Rio de Janeiro, ano I, | no 2, Fevereiro de
1904. Esta data, portanto, marca o limite máximo da | questão.
A estada de Henrique Bernardelli em Ouro Preto, e o seu entusiasmo | pelo
Aleijadinho, comprovados ambos pêlos comentários ora divulgados e | pela
composição do quadro “O Aleijadinho em Villa-Rica”, situam-se irre- |
mediavelmente entre 1896 e 1904.
Existe confirmação documental da determinação desses dois términos |
cronológicos. Trata-se de uma aquarela, estudo para o quadro “O Aleija- | dinho em Villa-Rica” de minha propriedade [Figura 3], e de um quadro a óleo per- | tencente a D.
Regina Monteiro Real [Figura 4]. Ambos contêm a declaração "Ouro |
Preto", estando o segundo datado de 1898.
A aquarela foi pintada no interior da Igreja de S. Francisco, daquela |
cidade, e o óleo é um quadro de paisagem representando os fundos da |
residência ouropretana da Rua do Rosário, de propriedade de Antonio | Gomes
Monteiro, avô de D. Regina Monteiro Real.
Fica, assim, positivamente provado que, já em fins do século XIX, | Henrique Bernardelli esteve em Ouro Preto e ali se
empolgou pela obra | do Aleijadinho, traduzindo sua emoção em um quadro que lhe
dedicou e | onde vemos o interesse com que estudou o tipo físico do nosso
insigne [p. 173] artista colonial, reproduzindo com realismo a
circunstância de ser o mesmo | obrigado a atar às suas mãos deformadas os
instrumentos de trabalho.
Não pode haver, portanto, a menor dúvida que Henrique Bernardelli |
pertence ao grupo dos precursores do movimento artístico de enalteci- | mento
da obra do nosso genial escultor colonial. E, não há melhor prova | desse seu
sentimento do que as próprias palavras com que encerra os | seus comentários
sobre o Aleijadinho (p. 174, linhas 20 e 21): “O meu profundo respeito e
admiração. Mando aos pósteros | o meu tributo ao génio”.
(As.) Celita Vaccani - em 12-8-1957
Confere com o original
Secretaria do Museu Nacional de Belas Artes, em 18 de agosto de 1957. |
(As.) Elza Ramos Peixoto - Conservador. - Minstério da Educação e | Cultura -
Museu Nacional de Belas Artes. - Visto - Oswaldo Teixeira - Diretor
do Museu Nacional de Belas Artes - Rio - 1957.
[Abaixo, facsimile das p.
174-177]