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...................................................Arte Brasileira do Século XIX e Início do XX |
Fontes
Primárias - Textos de artistas
Retórica dos pintores, de Modesto Brocos (versão integral)
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DAZZI, Camila (org.). Retórica dos pintores, de Modesto Brocos (versão integral). 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 1, jan. 2010. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/brocos_retorica.htm>.
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Modesto Brocos y Gomez (Santiago de Compostela, Espanha, 1852 - Rio de Janeiro, 1936) é um dos muitos artistas consagrados do século XIX que, embora tendo seus nomes amplamente conhecidos por aqueles que estudam a arte brasileira Oitocentista, ainda possuem grande parte de suas obras em total desconhecimento, ou, ao menos, muito pouco estudadas. Ainda assim, cumpre destacar que Brocos vem recebendo uma atenção significativa nos últimos anos, perceptível através da realização de empreitadas, como a exposição Modesto Brocos, um estrangeiro nos trópicos, ocorrida em 2007 no Museu Nacional de Belas Artes, ou ainda da elaboração da tese de doutorado em andamento de José Luiz da Silva Nunes sobre o livro de Brocos Retórica dos pintores [1].
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Retórica dos pintores
é uma raridade no meio artístico carioca do século
XIX e início do XX, período que conta com raras
publicações de livros redigidos por artistas. Não é, no entanto, a estreia de Brocos como escritor, que já havia lançado, em 1915, A questão do ensino de Bellas Artes [2],
livro no qual se debruça sobre os problemas que percebe no
ensino artístico acadêmico ministrado no Rio de Janeiro.
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Apesar de Retórica dos pintores
ser igualmente conhecida como uma obra que versa sobre o ensino da
arte, o livro, na verdade, possui assuntos bastante variados, indo
desde questões estéticas (a definição da
arte, da beleza, etc.) até outros mais propriamente
técnicos (o ensino do desenho e da pintura, os diferentes
processos materiais dessa última, etc.). É no
Prólogo e nos Capítulos I e II da obra que Brocos se
atêm mais precisamente ao tema do qual deriva o nome do
livro, ou seja, a aplicação das regras de
elaboração do discurso à composição
pictórica, muito frequente na literatura artística desde
os tempos de Leon Battista Alberti e resumido no célebre mote de
Horácio, Ut pictura poesis.
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Mas, para além das
temáticas principais que o livro aborda, ele se revela, para
aqueles que o lêem detidamente, uma fonte muito mais rica. E
é justamente aí que reside, em grande parte, o
fascínio que nos desperta a Retórica
de Brocos, na possibilidade de entrarmos em contato com um viés
do pensamento sobre a arte circulante no Rio de Janeiro de finais do
século XIX e início do século XX, pois, embora
publicada em 1933, quando Brocos contava com 81
anos de idade, é provável que a obra tenha sido iniciada
décadas antes. O próprio Brocos revela no
Prólogo que foi durante o seu pensionato artístico
em Roma, no decorrer de 1880, que lhe assaltou a idéia de
escrever um livro que aplicasse as regras da retórica à
pintura. Assim, é bastante plausível pensar que Retórica
seja a coletânea de apontamentos e textos sobre arte escritos
pelo autor ao longo de sua extensa trajetória
artística.
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O livro, nesse sentido, pode, em
muitos momentos, parecer um eco de posicionamentos defendidos por
críticos e artistas ao longo de todo o século XIX,
através de artigos publicados em periódicos, como a velha
defesa a favor de uma arte nacional, evidenciada nesse trecho de Retórica:
É muito digna de louvor esta aspiração de termos uma arte nacional, aspiração que aliás todas as nações que se prezam deverão ter; mas não será gritando alto que nós conseguiremos esta aspiração, será, sim, trabalhando forte e forte que, seguindo todos os pintores as pegadas do primeiro iniciador, depois de algumas gerações, chegaremos a obter um resultado lisonjeiro [3]
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Em outros momentos, porém,
foge do lugar comum, ao não mencionar habituais modelos de
reflexão teórica de artistas e críticos do
período, como Émile Zola, Hyppolyte Taine ou
Théophile Gautier, mas sim figuras até mesmo
politicamente controversas, como o anarquista Léon
Tolstói. Basta lembrarmos que toda a década de 1920 foi
marcada pela repressão ao anarquismo, com o envio de centenas de
anarquistas para a morte certa, no campo de concentração
de Clevelândia, no Amapá. No trecho abaixo, Brocos
certamente faz referencia ao livro de Tolstói O Que é Arte? [4], traduzido para o francês em 1918, e no qual o autor russo questionava conceitos como o bom, o belo e o verdadeiro:
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A arte, segundo, Tolstoi, é um dos
órgãos do progresso humano; pela palavra o homem comunica
seus pensamentos, pelas imagens comunica seus sentimentos com todos
os homens não só do presente como
também do porvir. [5]
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Da recepção de Retórica dos Pintores,
pouco sabemos. Qual foi a tiragem? Recebeu elogios através dos
periódicos do momento? Ou, pelo contrário, sofreu
críticas desfavoráveis? Tampouco sabemos se logo caiu no
esquecimento ou se, como o seu autor esperava, “[ajudou] aos estudantes de pintura nos seus estudos” [6], tornando-se, ainda que por breve tempo, um guia. Só existe uma edição de Retórica de Brocos, publicada pela Typographia d’A Industria do Livro, em 1933. É esta versão que agora disponibilizamos, esperando que a facilidade de acesso ao fac-símile do livro
integral favoreça o surgimento de novas pesquisas, de modo que
as lacunas aqui verificadas sejam, em breve, preenchidas.
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Reproduções feitas a partir de exemplar pertencente à Biblioteca do Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro - EBA/UFRJ
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.[1] NUNES, José Luiz da Silva. Modesto Brocos e a "Retórica dos Pintores". Tese de Doutorado em andamento pelo Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ. Orientadora: Profa. Dra. Sonia Gomes Pereira..
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[2] BROCOS, Modesto. A questão do ensino de bellas artes, seguido da critica sobre a direcção Bernardelli e justificação do autor. Rio de Janeiro, 1915.
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[3] BROCOS, Modesto. Retórica dos pintores. Rio de Janeiro: Typ. D’A Industria do Livro, 1933, p. 133.
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[4] O livro de Tolstoi, O que é arte? [Chto takoye iskusstvo], foi publicado pela primeira vez em Moscou, em 1898. Logo, conheceu uma edição em inglês, em 1899 (London: Thomas Y. Crowell, 1899 ) e em francês somente em 1918 (Paris: Perrim, 1918).
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[5] BROCOS, Op. cit., p. 38.
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[6] Idem, p. 5.