Rodolpho Amoêdo: Manuscrito sobre os processos materiais no ensino da pintura datado de 1933
organização de Arthur Valle e Camila Dazzi
Transcrição feita a partir do original pertencente ao Acervo Arquivológico do Museu Dom João VI / Escola de Belas Artes / UFRJ. Notação: 4811, 5 páginas (foi mantida aqui a ortografia utilizada pelo autor). Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/>
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[Pág. 1] Não faltam publicações em que são explicados os processos materiaes da arte da Pintura, na antiguidade na idade media e modernamente, de 1830 para cá, muitos artistas e homens de letras que se interessaram por esta sublime arte, publicaram trabalhos seus e outras traducções de authores antigos.
Entretanto um artista que sobre esses mesmos processos publicou um livro notavel, pondo um pouco de ordem n’estas couzas poude dizer “que a conservação da Pintura se encontra hoje na razão inversa da sua antiguidade!”.
Por que? e como? Como os pintores cada vez menos se tem querido occupar com estas questões, o mercantilismo se foi apropriando da confecção de todo o material artístico, sobre o pretexto de lhes poupar tempo na confecção do mesmo material! Ora, a industria foi progredindo com o desenvolvimento da chimica, mas foi também [Pág. 2] facilitando imitações desastroza que os artistas tiveram de supportar pondo assim bem caro a sua negligencia ou mesmo bôa fé.
Por que? a esta interrogação se responde pouco com a resposta á primeira e mais algumas outras razões como seja por exemplo a falta de um ensino systhematico sobre os differentes processos materiaes da pintura entendendo-se que basta adquirir reputação de Pintor para poder decidir sobre o emprego, qualidade, e authenticidade de qualquer materia das que se uzam em pintura. Não é preciso mais para demonstrar que o ensino dos processos materiaes da Pintura, se impõem como uma necessidade imperiosa numa Escola superior de Bellas Artes.
Existindo duas cadeiras de Pintura em nossa Escola Nal de Bellas Artes, pensei logo que me foi confiada a regência de uma d'ellas [...] de dar-lhe uma feição prática; sem prejuizo da materia.
Doutrinaria, procurando dar aos meus [Pág. 3] alumnos noções positivas sobre os principais processos materiaes, familiarizando-os com o material e seu emprego.
Claro está que não se pretende fazer de cada alumno um especialista em cada um dos processos em uso, mas colocal-os em situação de conscientemente escolher aquelle que melhor se coadune com o seu sentimento, offerecendo-lhe assim facilidades maiores para o seu desenvolvimento.
Foi por essas razões que adaptei três dos principais processos mais praticados actualmente, os quaes não somente se auxiliam mutuamente como instruem o artista sobre o grande numero de material empregado na Pintura = São elles a aquarella, a tempera e o óleo. = conquanto a aquarella propriamente dito tal como se pratica hoje, só surgisse no começo do século IX[1] sendo [Pág. 4] portanto a mais moderna; pareceu-me de toda a conveniência iniciar os jovens artistas começando por um processo que além de simples emprego, o material é de cômoda e fácil aquisição.
Com alguma noções práticas desse processo em que só são empregadas as tintas por transparência, pode o alumno enfrentar as difficuldades da Tempera, pintura que sem prescindir do processo nem do material da Aquarella, já comporta opacescencias e empastamentos, facultando maiores maiores recursos de correção.
Por ultimo poderão enfrentar a mais uzada de todas as pinturas hoje praticadas, a “Pintura a óleo”, embora hoje não seja considerada a mais sólida.
Com trez annos de successivas praticas desses processos e com o manejo do material correspondente poderá o alumno que esteja possuído de grande amór à arte escolher o [Pág. 5] processo que melhor lhe convenha ou qualquer outro d`elles derivado como o gouache, a pintura a cera, etc etc.
Será precizo lembrarmo-nos que como bem diz J. G. Vibert[2] em seu notavel livro sobre a conservação da Pintura; “que, se dermos aos vindouros a impressão de que a Pintura não dura elles acabarão abandonando-a!...”
Profsor Rodolpho Amoedo
Escola Nal de Bellas Artes, 24 de março de 1933.
[1] Possivelmente, Amoêdo cometeu aqui um erro ortográfico, querendo se referir ao século XIX como época inicial do uso moderno da aquarela.
[2] Amoêdo se refere provavelmente ao livro de Jehan-George Vibert, La science de la peinture. Paris : Albin Michel, 1891. VIII, 332 p.