A pintura histórica na construção de
projetos nacionais: “primeiras missas” na América Latina
María Silvina Sosa Vota e Rosangela de Jesus Silva
VOTA, María Silvina Sosa; SILVA,
Rosangela de Jesus. A pintura histórica na construção de projetos nacionais:
“primeiras missas” na América Latina. 19&20, Rio de Janeiro, v. XII, n. 2, jul.-dez. 2017. https://doi.org/10.52913/19e20.xii2.01b
[Español]
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A
pintura histórica na construção de discursos nacionais
1. A
pintura pode ser pensada como um elemento material e cultural, resultado de um
processo criativo atravessado por múltiplas forças de poder convergentes. Para
Michael Baxandall (2006), o quadro é entendido como um objeto intencional, não
é um elemento que aparece ao acaso, mas é o produto de um conjunto de ações
deliberadas. Além de ser intencional, é uma criação processual e é importante
adotar esta perspectiva de processo para pensar em uma pintura, para assim
poder visualizar as relações sociais e de poder que interveem na sua criação. Á
medida em que se vão colocando novos elementos pictóricos no quadro, o pintor
vai reconfigurando suas ideias a partir do que está criando, além do fato de
que a obra se submete constantemente a revisões e correções.
2. O
quadro também está inserido dentro de uma determinada cultura, na qual também
se encontra o pintor e autor do quadro, que ,como ser
social atuando em um contexto cultural, realiza eleições a partir dos “insumos”
que o momento e o lugar lhe oferecem. Ou seja, está sujeito, por exemplo, a
determinadas opções tecnológicas, a um mercado com características específicas, etc. No presente trabalho, se buscará
abordar uma perspectiva sobre a pintura histórica que tenta conjugar tanto o
autor como seu contexto e a análise da pintura em si.
3. Também
não se pode deixar de lado um dos elementos centrais de qualquer pintura, que é
seu valor e interesse visual. Segundo Baxandall (2006, p. 82), o pintor realiza
uma série de traços e manchas sobre uma tela que tem como objetivo gerar algum
efeito visual que seja coerente com a intenção do autor. Assim, a pintura pode
ser entendida como uma criação deliberada e subjetiva, produto da combinação de
elementos pictóricos, que busca transmitir uma mensagem, uma ideia ou um sentimento.
É uma forma de comunicação cuja essência se encontra no visual.
4. Para
avançarmos na questão da pintura histórica a partir da América Latina, parece
importante ter uma noção básica do momento que o continente estava atravessando. Nos concentraremos em um momento posterior ao chamado
período independentista, onde a América começa a fragmentar-se em distintas
repúblicas, com exceção do Brasil cuja “independência” em 1822 manteve o
sistema monárquico de governo, tornando-se republicano apenas em 1889. Estas
novas delimitações territoriais, na maioria das vezes, não respeitaram limites
culturais ou divisões históricas; pelo contrário, tiveram uma grande cota de
arbitrariedade, já que não se justificaram nas próprias sociedades que ali
viviam, nem houve respeito pelas dinâmicas culturais das
mesmas. Assim, as novas repúblicas (e monarquia, no caso brasileiro)
reúnem não só diversas populações de distintas origens étnicas e formas de
vida, mas também agrupam ecossistemas, climas, geografias diferentes dentro de
um mesmo governo. Esta grande diversidade representa um desafio a estes novos
governos crioulos e centralizadores - os quais, por outro lado, vale dizer, são
também um elemento dentro desse complexo sistema, mas que se impõem como
hegemônicos. Como gerar uma adesão à causa nacional seja republicana ou
monárquica? Como gerar um mesmo sentimento de identidade nacional em indivíduos
e grupos tão diferentes entre si? Entre as diversas ferramentas que foram
utilizadas para alcançar estes objetivos, estava a pintura de história, aquela
imagem de grandes proporções que brindava suporte visual à invenção do passado
nacional utilizado como discurso para unir um território, uma nação, um império
ou uma República.
5. Neste
contexto, era atribuída a pintura de história um relevante poder político.
Walter Pereira indica a origem desta conjunção particular entre poder político
e arte na Revolução Francesa:
6.
Desde a
Revolução Francesa podemos identificar a expressiva ação política do governo
francês em fazer da pintura um
instrumento de poder [...]. A arte foi apropriada pelo período
revolucionário francês como uma categoria de valor cívico e como instrumento didático na educação pública,
implicando numa determinação do poder político sobre as instituições culturais.
A multiplicidade de gêneros artísticos consagrava à pintura, especialmente à
pintura histórica, um lugar ímpar no
projeto cívico nacional. Uma arte monumental comemorativa, parte integrante
das festas e celebrações nacionais, produzida num circuito de encomendas
oficiais. (PEREIRA, 2012, p. 97. Grifos nossos).
7. Embora
não se queira repetir narrativas nas quais a América Latina seja colocada em
atitude de cópia daquilo que é europeu, não podemos desconhecer os impactos que
a França e a Revolução Francesa tiveram nas ideias políticas e artísticas
latino-americanas durante o século XIX. A França foi considerada como modelo
civilizador e seu ensino artístico serviu de base na formação de academias,
exposições e circuitos de consumo de arte na América Latina. Com diferentes
graus de intensidade, variando de acordo com o lugar, as novas repúblicas
utilizaram a adesão ao modelo francês em alguns casos, como caminho de
diferenciação do passado colonial ibérico.[1]
Por outro lado, as ideias de cidadania, nação, república, democracia e tantos
outros conceitos, que após as Independências ressoavam na América, se
fundamentavam muitas vezes em textos de autores franceses vinculados ou lidos
durante a Revolução de 1789 como, por exemplo, Jean Jacques Rousseau.[2]
8. No
entanto, a realidade americana se diferenciava muito da europeia e dos modelos,
conceitos, ideias e instituições que não podiam ser aplicadas de forma
mecânica. Aqueles que viam na Europa uma fonte de “inspiração” para construir
as nações americanas deviam realizar adaptações, releituras e traduções que
dessem conta das particularidades regionais, gerando assim elementos inovadores.
Por este motivo, se pode falar de um diálogo com a Europa, mas não de cópia.
9. Para
reforçar esta ideia sobre a produção artística latino-americana com foco na
pintura de história, Maria Ligia Coelho Prado afirma que a
mesma era tão original quanto a europeia e que a já mencionada ideia de
cópia está pautada por parâmetros eurocêntricos de análise. Para a autora:
10.
Entendo
que as produções artísticas latino-americanas [...], não são meras copias da
produção europeia, pastiches sem criatividade ou originalidade. Ao contrário,
carregam reflexão e criatividade ou originalidade. A despeito de, no século
XIX, muitos pintores terem estudado na Europa, onde (re)aprenderam as últimas
técnicas e se familiarizaram com as novas correntes em voga, de volta à terra natal,
eles olharam para dentro de suas nações, interrogaram-se sobre sua história e
conceberam interpretações imagéticas dos acontecimentos. (PRADO, 2010, p. 188).
11. Mesmo
que os artistas tenham se pautado por ideais artísticos e estéticos europeus,
tiveram que tratar de assuntos próprios de sua região, se envolveram com eles,
estiveram atentos as suas minucias e os traduziram em termos pictóricos,
atendendo as necessidades deste espaço e tempo particulares.
12. É
importante entender a pintura histórica em seu contexto, já que as condições
que possibilitaram seu surgimento marcaram de forma significativa seu
desenvolvimento. Este tipo de pintura acadêmica[3]
oitocentista era considerada, dentro da academia, como o gênero mais nobre e completo.
Isto se devia ao fato de que um bom pintor de história, deveria ter domínio de
todos os outros gêneros pictóricos e saber fazer uso de todos eles em conjunto.
Por esta complexidade, a pintura histórica não apenas exigia um talento
artístico particular, mas também conferia um status privilegiado ao pintor de
história em relação aos outros pintores de gêneros considerados menores.
13.
El pintor decimonónico que aspirase a la
gloria artística, al Arte con mayúsculas, estaba obligado a pintar cuadros de
historia, pero sólo podía hacerlo si la imagen que aparecía en ellos era del
gusto del Estado. (PÉREZ VEJO, 2007, p. 214).
14. A
citação acima ajuda a pensar ao que se devia parte do prestigio
do pintor de história: a sua relação estreita com o Estado. O que está em jogo
e envolve o Estado oitocentista com as artes, é a configuração de um suporte
visual para um passado nacional que estava sendo inventado através da historiografia.
Segundo Tomás Pérez Vejo (2007), o Estado do século XIX, por meio de suas
diferentes instituições, como as academias de Belas Artes ou as exposições,
direcionava a produção artística nacional para onde estavam seus interesses.
Com respeito a pintura de história, as enormes dimensões deste tipo de pintura,[4]
o grande trabalho intelectual, manual e técnico do artista para sua elaboração,
faziam com que uma obra deste tipo fosse consideravelmente cara para a aquisição
de particulares, somado ao objetivo de se erigir um passado nacional que
evocasse o patriotismo. Logo, os artistas deveriam atentar para essas questões
se quisessem ser bem-sucedidos, já que o Estado tinha quase o monopólio
artístico sobre esse gênero histórico.
15. Partindo
na maioria dos casos das necessidades do Estado, o pintor de história explorava
tempos pretéritos, mergulhando na historiografia da época e nas fontes
documentais as quais tinha possibilidade de acessar, para assim poder extrair
deste acúmulo de experiências e acontecimentos passados, aqueles que fossem
épicos e monumentais para serem imaginados e plasmados em uma grande tela que
deveria impactar ao público que a visse. Muitas vezes, a verossimilhança era
confundida com a verdade histórica; a imagem concebida com o respaldo
historiográfico buscado pelo artista outorgava a esta o status de verdade. Da
mesma maneira, a mensagem transmitida pela pintura era legitimada pela história
- por uma história que na época se queria constituir como ciência e, como tal,
ser um instrumento para chegar a “verdades.” Com respeito a este tema, Isis
Pimentel de Castro afirma que
16.
A
pintura histórica procurou marcar sua legitimidade por meio da investigação
científica. Essa tradição buscou distanciar-se de categorias como “imaginação”,
carregadas nesse momento de conotação negativa. Os pintores de história
empenhavam-se em representar “o que realmente aconteceu” [...]. O pintor
deveria permear todo seu trabalho por minuciosa pesquisa histórica e atenta
observação [...]. De nada adiantariam todos seus estudos de anatomia e de
claro-escuro, se, na representação de um grande momento da história nacional,
não se vestissem os atores com roupa da época ou não se reconstituísse o
ambiente o mais fidedignamente possível. As fontes tornavam-se seu refúgio,
pois, quando a crítica o atingia, sua defesa era pautada no arrolamento dos
documentos nos quais se baseara [...]. (PIMENTEL, 2005, p. 348)
17. A
representação visual da história estava influenciada pelas ideias historiográficas
da época. Grosso modo, a historiografia do século XIX, era
evolucionista, linear, trazia a ideia de que a humanidade caminhava no sentido
de avançar a formas melhores, mais complexas e civilizadas. A história mostrava
o progresso e o caminho da civilização - aliás, progresso e civilização foram
duas palavras chave, especialmente no momento de
analisar o discurso latino-americano oitocentista. Por outro lado, a história
teria o papel de ser magister vitae, ou seja, a “mestre da vida.” Neste
sentido, o estudo da história deveria proporcionar lições para o futuro,
deveria ser a porta voz da mensagem de tempos pretéritos com validade para o
presente. Estas ideias se manifestaram na pintura histórica, tanto na escolha
de determinadas temáticas sobre outras, como também nos usos que se fariam das
obras.
18. Retomando
as relações da pintura, história e Estado, tanto na Europa como na América,
esta particular conjunção da arte, visão e história colocada sob as asas
estatais, se constituiu como elemento de poder político para gerar adesão
nacional, destacando-se como instrumento de conhecimento e ferramenta
pedagógica. Sua função comunicativa de mostrar ao receptor da mensagem uma
determinada versão do passado que se fazia presente a partir da configuração de
manchas, cores e traços de uma pintura, permitia ao espectador conhecer uma
versão do passado nacional que se manifestava diante de seus olhos. Por sua
vez, esta versão da história, era feita a partir da seleção de um passado
glorioso que inspirasse valores cívicos, a ordem e o patriotismo. Desta
maneira, o Estado utilizava a pintura como um espaço privilegiado onde mostrava
a história nacional para assim, transmitir e fixar nas mentes dos cidadãos o
amor à pátria através de momentos épicos dos quais se deveria sentir orgulho.
19. Não se
deve deixar de considerar que “a invenção de um passado comum visava
fundamentalmente à criação de uma identidade nacional” (PIMENTEL, 2005, p.
350), tão necessária para a legitimação das novas nações. Walter Pereira (2012,
p. 96) confere a pintura de história o poder de unir o indivíduo com um todo,
assim, “cada espectador ao realizar sua leitura, constrói uma relação entre a
imagem e a nação.” Em outras palavras, as pinturas históricas seriam um meio
para integrar o público que as observasse com a própria história nacional,
procurando gerar uma identificação desse indivíduo com o grupo nacional, com a
“comunidade imaginada” (ANDERSON, 2008). Neste mesmo sentido, a identificação
do cidadão-observador com a imagem que aparecia diante dele, permitia que esse
indivíduo recebesse uma poderosa e simbólica mensagem sobre a memória nacional,
a qual respondia aos interesses do Estado, que pretendia que esta se tornasse
coletiva através de sua difusão, seja por meio da palavra escrita - a história
-, ou da imagem - a pintura de história.
20. Sobre
o conceito de memória, Jô Gondar (2005) enfatiza que esta é uma construção
processual, feita a partir de relações e valores e sob nenhum conceito implica
uma verdade. Por outro lado, adverte que existem tantas memórias como grupos
humanos. Com a pintura histórica e seu uso político, vemos uma intencionalidade
de forjar uma memória hegemônica nacional - que se pretende verdadeira
-, sobre o passado histórico, para assim contribuir com uma identidade nacional
que gere adesão dos indivíduos com o Estado.
21. Retomando
a ideia da memória como campo de lutas, se pode dizer que este embate tem como
protagonistas o esquecimento e a lembrança. Pérez Vejo (2007) nos adverte que
se bem a pintura de história permite elevar uma memória, uma recordação sobre o
passado, também oculta e silencia outras memorias. A respeito dos estudos sobre o tema, diz:
22.
Se ha hecho, sin embargo, mucho menos hincapié en
la contribución de la pintura de historia a la invención del olvido; en la importancia
que este género pictórico en la política de una memoria que permitió eliminar
del pasado nacional aquellas imágenes sin cabida en el retrato canónico de lo
que la nación era. (PÉREZ VEJO, 2007, p. 213).
23. O
autor chama atenção para o fato de que é de igual importância o que se esquece
e o que se recorda, porque ambos processos
correspondem a mesma lógica de embates da memória. Tanto o esquecimento
como a lembrança, o resgate ou o descarte de uma memória ou outra, nos dizem
sobre o carácter da construção visual nacional, como esta queria se mostrar e
projetar, que lugares eram atribuídos aos diferentes atores sociais nos
projetos republicanos ou imperiais e um sem número de
informações mais. Somado a ideia acima mencionada sobre o Estado como tutor e
detentor do monopólio sobre este gênero de pintura, fica claro seu papel e
influência sobre a memória e o imaginário nacional a partir das representações
visuais das pinturas com temas de história, principalmente pelo seu poder de
fazer as escolhas.
O tema
da primeira missa
24. Os
temas da pintura de história são bem variados, dependem em grande medida do
contexto, do lugar onde foram feitas e do tempo que as viu surgir. Não
obstante, muitas temáticas se reiteram em diferentes momentos e lugares. Entre
eles, os temas considerados como fundacionais da nação, tais como o processo de
conquista ou de independência, por exemplo, são recorrentes em várias telas
latino-americanas e são representados através de diversas formas. Um assunto
que chama a atenção por sua persistência no tempo durante grande parte do
século XIX e nas primeiras décadas do XX, é o da primeira missa. Analisaremos
as seguintes pinturas de história (mencionadas em ordem cronológica): La primera misa [Cuba] (1827), de Jean
Baptiste Vermay (1786-1833) [Figura 1];
Le Première Messe en Amérique (1850), de Pharamond Blanchard
(1805-1873) [Figura 2]; Primiére messe en Kabylie (1855),
de Horace Vernet
(1789-1863) [Figura 3]; A primeira missa no Brasil (1860),
de Victor Meirelles
(1832-1903) [Figura 4]; La primera misa en Chile (1904),
de Pedro Subercaseaux
(1880-1956) [Figura 5]; e La primera misa en Buenos Aires
(1910), de José Bouchet
(1853-1919) [Figura 6].
25. Como é
possível apreciar pela sucessão de títulos e autores, o tema foi apropriado e
configurado de diferentes maneiras por vários pintores. Em um período que vai
desde 1827 a 1910, identificou-se seis pinturas que imaginam a primeira missa
em um lugar específico, cinco delas na América e uma na África. Cada pintura
tem um percurso bastante particular, tem motivos diversos e seus autores são
diferentes. No entanto, vê-las em conjunto e realizar comparações entre elas
será um caminho metodológico adotado para poder observar as particularidades de
cada pintura, as ausências e as presenças colocadas em cada lugar específico,
tentando assim entender, na medida do possível, os motivos para essas escolhas
de cada pintor.
26. Como
forma de fazer leituras gerais sobre este conjunto de pinturas, se pode
observar nas narrativas que todas propõem dar conta de um processo de conquista
e colonização da Europa sobre a América ou a
África, em momentos históricos distintos. Para o caso das pinturas sobre a América,
estas dão conta de um período entre os séculos XV e XVI, enquanto no de
Cabília, atual Argélia, o acontecimento se coloca no século XIX, elemento que
será importante ter em conta quando tratarmos de cada trabalho em particular.
27. Por
outro lado, como mostram as telas, dentro desse processo de expansão europeia,
o cristianismo tinha um lugar de destaque e acompanhava o processo da conquista
militar. Diferentemente do que se pode pensar quando se fala de conquista -
como violência, morte, injustiça, etc. -, nenhuma das
pinturas selecionadas parece sugerir associações com estes valores negativos.
Isto nos está dizendo sobre o particular lugar ideológico e político a partir
do qual os pintores estão se colocando.
28. No
caso de Cuba, América, Buenos Aires, Chile e Brasil, as pinturas nos situam em
um lugar específico e em um momento particular. Estamos diante do preciso
instante no qual se estava celebrando a primeira missa cristã no lugar que o
título de cada quadro específica. É o momento embrionário de uma nação
que se batiza. Curioso é que no momento em que ocorreu
o momento retratado, o lugar não tinha ainda esse nome, nem as conotações que a
cada nomenclatura se associa. Portanto, estamos tratando de leituras
retrospectivas dos pintores, que associam um conceito-nome como eles o conhecem
em seu momento presente a um fato do passado que coincide, provavelmente, em
sua localização geográfica com o lugar ao que querem referir-se, mas que não
tem as mesmas implicações. Para sermos mais claros, pensemos nos exemplos de
Bouchet e Buenos Aires: quando o pintor se coloca diante da tela, no momento de
criar uma imagem da primeira missa em Buenos Aires, esta denominação de espaço
sugere uma cidade portuária, capital federal, integrante importantíssima da
República Argentina, ex-capital do Vice-reinado do Rio da Prata, entre muitas
outras coisas. No entanto, no preciso momento ao qual se está fazendo
referência, nenhuma dessas coisas havia ocorrido. Desta maneira, ao colocar o
nome Buenos Aires, é criada uma série de valores projetados retrospectivamente
naquele momento fundacional que se relaciona ao presente do pintor e do
observador, seja este do século XIX ou do XXI.
A
primeira missa em Cuba
29. Ao
começarmos o percurso pelas pinturas das primeiras missas em ordem cronológica,
aparece primeiro La primera misa [Cuba] pintada em 1826 por Jean
Baptiste Vermay [Figura
1]. Comecemos por recordar que Cuba
neste momento não era uma república, mas ainda fazia parte do Império Espanhol. Cuba será um dos últimos enclaves coloniais
espanhóis na região americana e caribenha.
30. Vermay
foi um pintor francês nascido em Tournan-en-Brie, em 1786. Quando jovem, foi
enviado a Paris para estudar pintura com o renomado artista Jacques Louis
David, (1748-1825) - pintor oficial da corte de Napoleão. Teve breves estadias
na Alemanha, Itália e Estados Unidos, até receber a encomenda de restaurar
algumas obras e pintar outras com temas religiosos em Havana. Estabeleceu-se na
cidade entre o fim da segunda década do século XIX, até sua morte no ano de
1833. Em Cuba, teve um papel de destaque na institucionalização do ensino
artístico, fundando em 1818 a Escola de Desenho no Convento de San Agustín, a
qual se tornará a Academia de San Alejandro em 1831 onde ocupará o cargo de
diretor até seu falecimento.
31. A
Primera Misa en Cuba está localizada no mesmo lugar onde descansam
as cinzas de Vermay, no “El Templete”. Esta edificação religiosa, pautada por
uma estética neoclássica, foi erguida em 1827 com o objetivo de ser um
monumento religioso e político construído no lugar onde se supõe que se
realizou a primeira missa e o primeiro “cabildo” de Havana. Ao construir-se
o edifício, foi encomendado ao pintor francês a realização de três pinturas
para serem colocadas dentro do “Templete”. Cada uma das pinturas desta série
não pode ser abstraída da sequência na qual foi pensada, já que as três
dialogam entre elas, com o edifício e com a história.
32. Além
da primeira missa, pintada em 1826, há também uma que trata sobre o primeiro
cabildo, datada do mesmo ano [Figura
7], e outra que tem o tema da
inauguração do templo e foi pintada em 1828 [Figura
8]. As três obras fazem referência a
três acontecimentos fundacionais que tiveram lugar no mesmo espaço, assim como
também o edifício que as alberga que é um monumento comemorativo dos mesmos
fatos. A partir disto, podemos inferir sobre as relações entre o poder
religioso e o poder político e um entrecruzamento dos mesmos
para a construção de uma memória cubana. Tanto a religião através da primeira
missa, a política com o primeiro cabildo e sua fusão na inauguração do templo
foram pensados por Vermay e por todos os interventores na construção do
“Templete” como momentos primordiais e fundacionais da história de Cuba.
33. Ao
analisarmos as pinturas, privilegiando o tema da primeira missa, e comparamos a
esta com a do primeiro cabildo, um elemento chama particularmente a atenção: a
árvore. Esta árvore - a ceiba -,
parece ser um elemento central tanto para “El Templete,” como para a história
da ilha. Esta árvore de grande proporção seria o que indicaria efetivamente
onde se deram os acontecimentos de que trata Vermay. Atualmente há uma ceiba em
frente a fachada do Templete, apesar de não ser a mesma que havia na chegada de
Diego Velázquez de Cuéllar no século XVI[5]. Foi feito um esforço durante muito tempo
de que ao morrer uma ceiba fosse colocada outra no mesmo lugar, para assim
atuar como testemunho histórico da passagem do tempo e dos importantes
acontecimentos. Vermay ao recorrer a pintura da árvore está imprimindo
legitimidade à sua pintura, a partir da história que dizia que tanto a primeira
missa quanto o primeiro cabildo foram celebrados sob a sombra da grande ceiba.
34. Dentro
da composição de La primera misa, a ceiba ocupa um espaço privilegiado e
marca a divisão entre dois planos: o fundo com a paisagem montanhosa, natural,
virgem; e, na frente, um espaço sagrado, da benção da ilha e de ponto de
partida de uma civilização pautada pela religião. No centro da pintura,
seguindo a mesma linha da árvore, se encontra o padre encarregado de levar
adiante o primeiro momento cristão na ilha, fazendo uso de sua palavra e do que
se vê como um altar improvisado. Este homem provavelmente seria Bartolomé
de Las Casas (c. 1474-1566), levado a Cuba como capelão pelo conquistador Diego
Velázquez de Cuéllar, para encarregar-se da cristianização ou, em outras
palavras, da conquista religiosa.
35. Vemos
que a linha da árvore, que continua em Las Casas, divide a pintura em dois,
englobando dois grupos de personagens distintos. Na esquerda, temos a grupo de
conquistadores conscientes do momento sagrado que estão vivendo. Por outro
lado, à direita, vemos um grupo de indígenas junto com um europeu. Este
europeu, pela hierarquia que nos informa suas roupas, sua posição e seu espaço
diferenciado outorgado na pintura de Vermay, parece ser o próprio Diego
Velázquez de Cuéllar. Velázquez está retratado em uma atitude particular: está
ensinando, indicando aos indígenas como comportar-se na missa, lhes mostra o
caminho da religião cristã. Desta maneira, Vermay parece estar de alguma
maneira suavizando a imagem de conquistador duro e cruel ao colocá-lo próximo
da religião e como condutor da mesma. Uma de suas mãos está em cima do ombro de
um indígena, o qual está de joelhos e com as mãos em processo de juntar-se,
como símbolo de sua boa capacidade de aprender e incorporar a fé cristã. A
outra mão aponta para o altar e para Las Casas, reforçando seu papel de mestre
neste processo. Tanto este indígena ajoelhado como o outro que se destaca e que
está de pé, tem o torso nu e a pintura de seus rostos não está tão detalhada
como a dos outros que aparecem na tela. À primeira vista, não é possível
afirmar com segurança acerca do gênero dos mesmos. No
entanto, o que está ajoelhado tem, em suas costas uma espécie de cesto alargado
onde se guardariam flechas, pelo que poderia se sugerir que é um guerreiro, um
caçador, e, por este motivo, associado a uma função considerada masculina.
36. Para
finalizar o caso cubano, é pertinente para o presente trabalho ter em conta que
La primer misa de Jean Baptiste Vermay resulta do particular cruzamento
de um motivo religioso tomado como evento político e fundacional de um espaço,
de uma unidade política administrativa, e que parece importante destacá-lo no
século XIX como um momento primordial do povo de Cuba, que recebe como herança
espanhola a religião cristã. Ainda que tenha sido em Havana. se generaliza ao
conjunto da ilha, posteriormente constituída como república. O fato de que “El
Templete” continue tendo um lugar de destaque em Cuba nos indica que o discurso
contido em seu interior ainda tem uma vigência e que existe um interesse em
mantê-lo.
A
primeira missa na América
37. O
autor de Le Première Messe en Amérique [Figura
2] foi o pintor e litógrafo francês
Pharamond Blanchard, nascido em Lyon no ano de 1805 e falecido em Paris em
1873. Em 1819, ingressa na Escola de Belas Artes de Paris e posteriormente, em
1825, se translada a Madrid, Espanha, para formar parte de um grupo de artistas
que trabalhariam em uma obra intitulada Colección litográfica de los
cuadros del rey de España, publicada no ano seguinte. Depois desse
trabalho, se instala na cidade realizando pinturas como artista independente.
Da península Ibérica receberá uma grande inspiração para a realização de
pinturas, as quais apresentará periodicamente nos Salões de Paris a partir de
1834. Chegando a década de 1840, realiza passagens
pelo México em meio a Intervenção Francesa como membro de uma expedição oficial
a cargo do militar Charles Baudin (1784-1854).
38. Durante
sua estadia do outro lado do Atlântico, também conhece Cuba. Este dado pode não
ser menor se nos colocarmos em um terreno hipotético. Ou seja, na época em que
Blanchard conheceu a ilha, “El Templete” já estava construído e La primera
misa de Vermay pronta. Além disso, o templo tem uma localização central na
cidade de Havana, pelo que deveria ser um espaço de trânsito comum. No entanto,
não temos como comprovar esta hipótese, mas apesar disso podemos colocá-la como
uma possibilidade. O que sim sabemos é que a partir de sua passagem pela
América e Caribe, começa a pintar uma serie de quadros relativos ao “descobrimento”
(BISPO, 2009).
39. Entre
esses quadros se encontra Le Première Messe en Amérique que foi exposta
no Salão de Paris de 1850. No ano seguinte, no mês de janeiro, a revista
parisiense Le Magasin Pittoresque, publica uma litografia da pintura.
Neste suporte ela alcançará outros espaços de circulação, até maiores, algo que
também pode nos indicar acerca do êxito desta pintura dado o interesse do
periódico em publicá-la [Figura
9].
40. Blanchard
imagina e dá forma a como poderia ter sido a primeira missa realizada na
América. Esta teria ocorrido no ano de 1493, no marco da segunda viagem de
Cristovão Colombo para as Índias. O lugar geográfico onde se supõe que esta
celebração ocorreu foi na ilha La Española, atualmente
Santo Domingo, mais especificamente no lugar batizado como La Isabela em honra
à rainha Isabel, a Católica. O responsável por realizar o ato solene foi o
vigário apostólico Fray Bernardo Boyl/Boil.
41. Ao nos
concentrarmos na imagem, vemos que um dos impactos iniciais que tem o
espectador ao observar a pintura, é a avassaladora natureza americana.
Sobretudo, na metade superior da composição, aparece uma grande variedade de
espécies diferentes representadas, criando uma vegetação espessa que provavelmente
dialoga com o imaginário de exotismo e exuberância que circulava na Europa
sobre América.
42. Na
metade inferior da tela, podemos distinguir três planos. De trás para frente,
vemos uma paisagem costeira com incipientes montanhas ao fundo e embarcações,
pouco detalhadas, que estão navegando. Na sequência, vemos à esquerda, em terra
firme, um grupo que supomos sejam europeus, que assistem a missa e que parecem
dar uma noção do numeroso público que participava da mesma. Finalmente,
no primeiro plano temos a celebração da missa em um altar improvisado e os dois
principais grupos ali presentes, bem distintos e separados materialmente por um
conjunto de plantas e flores frondosas: os europeus e os indígenas. Enquanto os
primeiros assistem a missa com atenção e tem uma postura de respeito diante
daquele momento, indicando sua consciência do sagrado que representa, os
indígenas mostram certa indiferença e receio com relação ao acontecimento.
Alguns falam entre si, outros olham com desconfiança. A postura deste grupo de
sujeitos como conjunto passa a ideia de que o momento que estão presenciando
não tem um valor sagrado para eles. Além disso, alguns dos indígenas estão nus,
o que poderia ser entendido como símbolo de inferioridade. Por outro lado, a
nudez e a maior proximidade com a vegetação imóvel, parece indicar uma relação
de fusão com a natureza. Desta maneira, se contrapõem visualmente os europeus
“civilizados” e os indígenas “selvagens,” como a natureza. Triangulando aos
dois grupos, no vértice se encontra o que supomos seja o Fray Boyl junto com um
ajudante, sob a sombra do toldo no altar improvisado. A disposição destes
elementos nos transmite a ideia de que a religião estaria começando a abrir
caminho dentro da espessa floresta, pois o altar parece configurar-se como una
porta para esse bosque que aparece escuro e onde se deve levar a religião
cristã.
A
primeira missa em Cabília
43. Do
conjunto de pinturas escolhidas com o tema da primeira missa que elegemos
analisar, o caso da de Horace Vernet é o único que não está pensado na América
Latina, mas busca retratar o momento na África, mais exatamente em Cabília,
região que atualmente se encontra na Argélia [Figura
3]. Apesar de tratar-se de um espaço
africano, nos serve para o exercício metodológico comparativo; além disso, será
de especial importância tê-lo em ao estudar a tela de Meirelles a seguir.
44. Emile
Jean Horace Vernet foi um pintor francês, nascido em una família tradicional de
pintores, que viveu entre 1789 e 1893. Teve uma formação em pintura acadêmica
clássica e seu tema mais recorrente são as cenas de batalha do exército
francês. Além das cenas bélicas, também pintou quadros de tipo orientalista,
baseados em sua experiência no norte africano. O patriotismo evocado em
suas telas lhe valeu o mecenato do duque de Orleans, que posteriormente se
tornou o rei Luís Felipe I da França, último rei dos franceses. Na década de
1830 foi convidado para ser o cronista gráfico oficial das tropas francesas em
suas incursões ao norte africano. Vernet acompanhou o exército da França em
suas expedições ao outro lado do Mediterrâneo, onde atualmente se encontra a
Argélia.
45. Como
mencionamos, Vernet estava encarregado de registrar visualmente a ocupação
francesa no norte da África e este dado não é menor, já que, diferentemente das
outras primeiras missas acima comentadas, Vernet participou efetivamente da
considerada primeira missa em Cabília e a partir de sua experiência, de sua
vivência, realizou uma composição pictórica. Diferentemente dos outros artistas
que pintavam sobre tempos pretéritos dos quais só tinham conhecimentos através
da história, Vernet pinta um processo que lhe é contemporâneo. Mas será que
Vernet é mais objetivo ou sua pintura é mais real pela sua qualidade de
testemunha? Peter Burke (2005, p. 18) adverte que não se deve acreditar
cegamente no que uma pintura deste tipo representa, como se fosse “verdade,”
pois o fato do pintor ter presenciado o acontecimento não a torna mais fidedigna.
O artista pode ter realizado esboços e, a partir deles, construir outra imagem
acrescentando novos elementos e referências que poderiam responder a questões
estéticas, interesses pessoais do artista, questões da técnica, ou ainda,
exigências do mecenas da obra.
46. Para
analisar a imagem poderíamos dividi-la em quatro planos. A partir do fundo para
a frente, temos uma paisagem de montanhas imponentes colocadas de tal maneira
que proporcionam profundidade na pintura, perceptível através dos picos
montanhosos que vão aparecendo atrás de cada montanha. Tanto as montanhas,
neste caso, como a espessa floresta no caso da pintura de Blanchard, se
apresentam como um obstáculo a ser superado pela conquista. Portanto, se pode
ver um discurso no qual se chama atenção para o desafio pelo qual os
conquistadores deveriam passar e superar, colocando-os como figuras heroicas.
Ao pé das montanhas - oferecendo-nos uma ideia de que estamos observando um
vale - podemos ver uma cena de acampamento militar: várias tendas aparecem no
horizonte, assim como também tropas do exército que ordenadamente se dirigem ao
lugar da missa. Mais à frente, temos o altar, um altar não tão improvisado como
o de Vermay e Blanchard. Apesar de se perceber sua condição de efêmero como os
outros, parece ter maiores condições de infraestrutura para a celebração
religiosa. Neste altar, um padre e dois religiosos que o rodeiam estão em um
movimento verdadeiramente sagrado e sublime da celebração cristã. É curiosa a
disposição e os elementos que se encontram no altar, sobretudo os tambores
marciais vistos atrás da cruz: isto sugeriria uma relação entre o poder
religioso e o poder militar, uma comunhão especial destas duas esferas no
processo de conquista. Finalmente, no primeiro plano, temos sujeitos que por
sua vestimenta distinta entendemos serem do norte africano, ou seja, contra
quem estariam lutando os franceses em seu processo de colonização imperialista
do século XIX.
47. O
primeiro plano, por sua vez, podemos dividi-lo em três partes. À esquerda, um
grupo de quatro homens, vestidos com roupas árabes e sem sapato. É provável que
o fato do pintor ter escolhido representa-los sem
calçados, esteja associado a uma forma de colocar em um plano de inferioridade
sua cultura. É possível observar na iconografia que estar descalço pode se
relacionar à escravidão, pobreza ou mesmo selvageria. Por outro lado, nas
atitudes dos homens do grupo, vemos uma certa indiferença pelo que está
ocorrendo no altar. No centro da pintura podemos identificar outro grupo de homens,
que por possuírem a mesma vestimenta e uma espécie de lança, supomos que sejam
parte do exército nativo dessa região. Todos estão severamente alinhados e de
joelhos, reverenciando a cena que está acontecendo a sua frente. Por último, na
margem direita, vemos a única presença feminina reconhecível. Esta mulher,
parece estar cuidando de um soldado ferido em algum enfrentamento, o que
reforça a ideia de que a cena se dá em um acampamento militar.
48. A
partir da análise da imagem, podemos determinar que apesar de Vernet ter estado
no local ao que faz referência e de ter presenciado situações similares,
imprime na composição seu ponto de vista francês com características
orientalistas.[6] Seu discurso é bem claro com respeito aos
nativos: assim como Blanchard representa indígenas indiferentes na missa,
Vernet faz o mesmo com seus personagens norte-africanos - assim como também
fará Meirelles com alguns indígenas “brasileiros.” Além disso, estabelece uma
alteridade entre os que respeitam e os que não, entre os europeus
conquistadores e os nativos. Por outro lado, projeta uma dominação sobre essa
alteridade: os membros do exército não-francês que se encontram em primeiro
plano estão em perfeita ordem e reverência diante da Santa Cruz. Isto pode ser
visto como símbolo de que algum avanço foi feito em termos de cristianização em
Cabília, o que pode ser visto também como uma vitória da França.
49. A
grande diferença que devemos destacar, para finalizar a análise desta pintura,
é a representação dos nativos em Vermay, Blanchard y Vernet: enquanto nos dois
primeiros os nativos americanos são quase parte da natureza e estão em uma
clara posição de inferioridade, com Vernet os nativos africanos foram uma
ameaça neutralizada. Não estão nus, não são parte da natureza e por isso
representam, além de tudo já mencionado, uma vitória militar e política e não
somente religiosa. Não obstante, não devemos esquecer que as duas primeiras
pinturas comentadas se referem a um período do primeiro contato entre culturas que
não tinham quase conhecimento uma da outra, sob uma perspectiva eurocêntrica, o
que também parece objetivo enfatizar nas pinturas, enquanto
que, no caso da África mediterrânea, já existia uma série de
intercâmbios de longa duração.
A primeira missa no Brasil
50. Depois
de ter tratado dos pintores franceses, dois retratando a América e um a África,
chegamos ao primeiro latino-americano a pintar a primeira missa de sua própria
América Latina, onde veremos mais claro o entrelaçamento entre arte, história e
Estado nacional. Filho de imigrantes portugueses, Victor Meirelles de Lima,
nasceu perto da atual cidade de Florianópolis no ano de 1832 e viveu até o ano
de 1903, quando faleceu no Rio de Janeiro. Meirelles começou sua formação
acadêmica oficial na Academia Imperial de Belas Artes no Brasil e, em
reconhecimento ao seu talento, ganhou em 1853 uma bolsa de estudos para a
Europa, onde pintará A primeira missa no Brasil em 1860 [Figura 4].
51. Naquele
momento, a Academia Imperial de Belas Artes do Brasil estava sob a direção de Manuel de Araújo Porto Alegre
(1806-1879) e contava com a proteção de Dom Pedro II. Segundo Teresinha Sueli
Franz (2007), o diretor da Academia se reunia semanalmente com o Imperador e
mantinha correspondência assídua com o jovem pintor. Desta maneira, Meirelles
se mantinha vinculado às necessidades do mundo artístico brasileiro e pensava
em prol deste, além de ter que cumprir com obrigações que havia contraído com a
bolsa de estudos, que implicava em certas exigências do pintor com seu país de
origem como, por exemplo, enviar regularmente cópias de pinturas famosas. Este
requerimento o cumpriria com grande satisfação, o que colaborou para alargar
sua estadia na Europa dos três anos, contemplados incialmente com a bolsa, para
oito anos.
52. No ano
de 1859, quando estava em Paris, surgiu a ideia de pintar a primeira missa.
Araújo Porto Alegre sugere para este propósito utilizar a então recentemente
“redescoberta” carta de Pero Vaz de Caminha (1450-1500).[7]
Esta carta havia caído em esquecimento durante alguns séculos, mas nas
primeiras décadas do XIX, foi redescoberta e chamada de “Certidão de nascimento
do Brasil,” pois é o primeiro documento escrito que fala sobre a futura
nação. Nela se plasmam as impressões deste português letrado a respeito
do “encontro” com a cultura indígena e as primeiras tentativas de comunicação e
intercâmbio, dentre as quais está a primeira missa. Este é um exemplo do
trabalho investigativo do pintor, que como mencionamos acima, busca na
historiografia e nos documentos a sua disposição a inspiração para sua pintura
e a base que lhe dará legitimidade.
53. Além
da referência de Caminha, Meirelles tinha o modelo do pintor francês que
acabamos de tratar, Horace Vernet, que podia ser visto nos Salões de Paris.
Tanto Teresinha Franz, como Maria de Fátima Couto (2008) afirmam esta conexão
entre os dois pintores, baseando suas afirmações em Jorge Coli, o qual diz que:
54.
O jovem
Meirelles, em Paris, devia fazer um quadro significativo para a cultura
nacional. Ele tinha, diante dos olhos, como referência obrigatória, o quadro de
Horace Vernet, mestre indiscutível, expusera poucos anos antes, cujo título e o
essencial do tema estavam muito próximos do projeto brasileiro. [...]
Vernet presenciara o acontecimento [...]. Essa situação, na qual um outro pintor
ainda mais de grande prestígio, era testemunha e participante do fato
histórico, introduz um aspecto suplementar na ‘verdade’ que Meirelles buscava:
além da carta de Caminha, além do estudo da natureza local, havia uma
experiência visual contemporânea análoga àquela passada em 1500, que permitia
um reforço na verossimilhança da imagem. Por
todas essas razães, nosso brasileiro tomou-a como modelo, e dela extraiu o
núcleo da sua. (COLI apud COUTO, 2008, p.168)
55. Assim,
além de utilizar a carta de Caminha para alcançar a legitimação e
verossimilhança de sua obra, também recorre ao já consagrado Vernet. Na
pintura, vemos esta relação na composição do altar: em ambas, este espaço do
altar parece ter sido mais elaborado que nas missas em Cuba e América; além
disso, ocupa o ponto mais alto e de maior iluminação, pelo que podemos afirmar
que constitui o centro de cada pintura; encontra-se sobre um retábulo com
degraus, onde acima há uma mesa com a cruz, a qual foi construída com
troncos. Ambos padres que estão celebrando a
missa se encontram na mesma posição, levantando a hóstia, sendo que os dois têm
um religioso atrás sustentado-lhes as roupas.
56. Após
ter apontado esta semelhança, podemos nos concentrar nas especificidades da
pintura de Meirelles. O altar, no seu caso, é o centro de uma composição que
parece distribuir-se de maneira circular. Em um círculo mais iluminado e
central, a cruz e o padre Henrique de Coimbra (c. 1465-1532), como continuação da mesma, são os elementos centrais. Neste círculo iluminado
encontramos os europeus, tanto os conquistadores como os religiosos. Todo este
grupo parece entender o momento que estão vivendo e atuam de acordo ao que se
espera, alguns de pé, outros ajoelhados.
57. Ao
redor deste pequeno grupo, estão os indígenas, que pela primeira vez são
representados como maioria. Não obstante, esta maioria não parece supor um
perigo para a sagrada ação que ocorre no meio da pintura. O estudo das reações
e gestos de cada um dos indígenas representados nesta pintura seria um grande
tema para análise; no entanto, isso nos desviaria muito de nosso propósito, já
que neste artigo nos interessa observar que, em linhas gerais, existem diversas
reações identificáveis por parte dos indígenas: assombro, indiferença,
curiosidade, receio, mas nunca uma atitude ameaçadora.[8]
Por este motivo, acreditamos que Meirelles nos quer transmitir uma imagem na
qual o primeiro contato entre culturas diferentes como portugueses e indígenas
não estaria pautada pela violência explícita.
58. Por
outro lado, a natureza também tem um lugar preponderante na pintura. No fundo
aparecem palmeiras, espécies que não são originárias do lugar ao qual a pintura
remete, o atual estado da Bahia, mas estão colocadas para reforçar um
estereótipo tropical, de natureza exuberante com o qual o Brasil era associado.
Porto Alegre havia aconselhado Meirelles na composição da paisagem natural:
59.
Não se
esqueça de colocar algumas embaíbas que são formosas e enfeitam o bosque pelo
caráter especial de suas folhas [...] Lembre-se bem
das nossas árvores e troncos retos, carregados de plantas diversas, altas e com
coqueiros e com palmitos pelo meio, pois estes crescem à sombra dos grandes
madeiros. Pouco, mas caraterístico, genuinamente brasileiro. (PORTO ALEGRE apud
COLI, 1998, p. 120).
60. No
fundo, temos uma paisagem natural, exuberante, com vegetação e montanha e, além
disso, se pode apreciar um horizonte costeiro pelo qual haviam chegado os
portugueses. Na parte inferior da pintura e sobre a margem direita, esta
natureza parece estar jogando outro papel, pois os indígenas estão entrelaçados
em espécies vegetais e nas árvores o que nos induz a pensar em uma associação
entre natureza e indígenas, a mesma relação que propunha Blanchard em sua
composição.
61. Com
todos os elementos descritos acima, esta pintura da primeira missa no Brasil
será aceita no Salão parisiense de 1861, o que garantirá reconhecimento e
glória a Meirelles no seu retorno a sua terra natal nesse mesmo ano.
Posteriormente, foi escolhida, junto a outras de suas obras, para representar a
Brasil na Exposição Universal da Filadélfia em 1876. Para Franz, o grande êxito
que esta pintura trouxe para Meirelles e sua apropriação pelo Brasil como um
ícone oficial de sua história responde a que:
62.
Antes de
ser produto da mente isolada de um artista, a ‘Primeira Missa no Brasil’ é uma
síntese visual do processo civilizatório de cunho nacionalista do Segundo
Império brasileiro, e Victor Meirelles de Lima foi o homem que concretizou em forma
de pintura as ideias deste projeto (FRANZ, 2007, p. 10)
63. Em
outras palavras, o êxito desta pintura e sua apropriação como símbolo oficial
da história nacional, responde a que Meirelles soube entrar dentro da lógica do
que queria o Estado brasileiro através das sugestões de Araújo Porto Alegre,
pelo que podemos ler nessa pintura a necessidade do Brasil na década de 1860.
Isso serve de exemplo paradigmático para apontar a relação entre discurso
oficial e narrativa histórica visual da pintura.
A
primeira missa no Chile
64. Pedro
Subercaseaux, o pintor da primeira missa no Chile [Figura
5], nasceu em Roma, Itália, em 10 de
dezembro de 1880.[9]. Em um primeiro momento pelas funções
políticas do pai, depois por seu trabalho e formação artística e mais tarde por
sua vocação religiosa, Subercaseaux realizará este percurso transatlântico
tantas vezes, que chega a afirmar que passou um ano e três meses de sua vida cruzando
mares (SUBERCASEAUX ERRÁZURIZ, 1962, p. 11). Isto influenciará as leituras que
faz sobre o Chile, sobre a Europa e sua própria postura como mediador entre
estas duas culturas manifestadas em várias anedotas ao longo de suas memórias.
Apesar de ter vivido intermitentemente no Chile, não deixa de se considerar
natural daquele país e de expressar um fervoroso amor por essa pátria, o que
não ocorre ao se referir aos países europeus nos quais havia vivido.
65. O
artista faz parte do setor mais privilegiado da sociedade chilena do
novecentos, tanto em termos econômicos como políticos, logo, seu olhar sobre o
contexto será deste lugar particular. Também é um indivíduo em contínuo
trânsito entre dois mundos, o europeu e o americano, questão que lhe permite
ter acesso a diferentes universos simbólicos e culturais que acabarão
influenciando seu trabalho artístico. Por outro lado, a religião em sua vida
terá um importante lugar, em um primeiro momento pela influência familiar
(destacando-se sobretudo a devoção cristã da mãe) e até o final de sua vida
pela decisão de dedicar-se a vida eclesiástica. Sua educação artística,
possibilitada pelos meios econômicos familiares, será pautada por modelos
clássicos de desenho e composição que o fizeram entrar em tensão com as novas
estéticas do século XX, para as quais olhará com certa recusa. Por último seu
patriotismo e amor pela República do Chile se conjuga de maneira particular com
a figura de um pintor, caricaturista e monge que em muitos momentos se colocará
acima de tudo o que o rodeia, alternando uma atitude ativa e uma passiva com
respeito a sociedade chilena da virada do século.
66. Os
temas que mais lhe despertavam interesse para colocar em seus quadros eram os
relacionados ao mundo militar e as “glórias” do Chile em tempos históricos. Mais específicamente:
67.
[…] me atraían fuertemente
dos épocas de nuestra historia: la Conquista y la Independencia, por lo que
ellas representan de heroísmo y a la vez de pintoresco. Veía en ellas
magníficas ocasiones para composiciones dramáticas de intenso movimiento y
colorido. (SUBERCASEAUX ERRÁZURIZ, 1962, p. 152)
68. A
própria educação artística de Subercaseaux, o estilo que ele mesmo define como
clássico e seus temas de interesse, permitem pensar sua pintura dentro da
definição de uma arte acadêmica. Embora Subercaseaux[10]
não tenha pintado somente quadros com temas históricos, mas também realizado
retratos, pinturas de costumes e, mais para o final de sua vida, pinturas
religiosas, por exemplo, os trabalhos que receberam maior reconhecimento foram
aqueles nos quais retratou os triunfos da República chilena em tempos
pretéritos.
69. No
quadro aqui analisado, o próprio título da pintura nos indica que a imagem
representa a primeira missa celebrada em território chileno. A isto se soma a
caracterização dos personagens que intervêm na imagem, os quais nos remetem
diretamente ao tempo da invasão europeia na América, especificamente na região
do Pacífico sul da América do Sul. As armaduras, as roupas, as espadas,
os cavalos, as lanças e os cascos imprimem uma marca militar na pintura.
70. Para
se ter uma ideia do significado histórico do momento da primeira missa na época
de transição entre o século XIX e XX, recorremos a três obras historiográficas
de grande difusão na época, com as quais Subercaseaux pode ter entrado em
contato. São elas: o primeiro tomo da Historia física y política en Chile
(1844) do francês Claudio Gay (1800-1873);[11]
o primeiro tomo da Historia General de Chile (1881) de Diego Barros
Arana (1830-1907);[12] e também o primeiro tomo da Historia
de Chile (1940) de Francisco A. Encina (1874-1965).[13]
As duas primeiras obras mencionadas estiveram ao alcance de ser lidas por
Subercaseaux antes de pintar a sua primeira missa. No entanto, em suas
memórias, o pintor confessa ter um vínculo com Encina e, de fato, esse é o
único historiador que menciona ao longo de sua autobiografia. Por outro lado, a
obra de Encina, apesar de ter tido enorme difusão, foi acusada de ser um plágio
da obra de Barros Arana gerando uma grande polêmica na época. Sem entrar na
discussão sobre a veracidade das acusações, a semelhança entre as obras existe,
o que pode nos indicar uma continuidade de certas ideias ao longo das décadas
que atravessam a publicação de Barros Arana, a pintura da primeira missa e a História
do Chile de Encina.
71. Nenhuma
destas publicações menciona alguma coisa sobre a primeira missa realizada no
Chile. No entanto, abordaram a expedição de Diego de Almagro (c.1475 -1538), de
Cuzco para além dos limites do império inca no Sul, onde ocorre a primeira
celebração cristã no atual território chileno. Subercaseaux também realizou
pinturas de outros momentos desta expedição.[14]
72. A
história do Chile para os três autores mencionados tem como ponto de partida a
expedição de Almagro, com poucos antecedentes. Encina destacará apenas a
passagem de Hernando de Magallanes (1480-1521) em 1519, sendo o “primer europeo
que pisó el territorio que más tarde debía formar la provincia de Chile”
(ENCINA, 1940, p. 137). Os indígenas da região irão aparecendo nestas
narrativas a medida que os conquistadores vão passando
por suas regiões, sem nenhum tipo de história própria, salvo os Incas. Encina,
Barros Arana e Gay coincidem ao afirmar que a expedição de Almagro saiu de
Cuzco e que foi motivada pelas disputas de poder que mantinham com Francisco
Pizarro (1478-1541) e seus irmãos sobre a jurisdição de suas respectivas
governações em territórios recém-conquistados. Pizarro havia alimentado a
ambição de glória em Almagro, incentivando-o a partir para uma empresa
distante, para assim ficar como a única autoridade na região dos Andes
centrais.
73. A travessia
é o ponto mais crítico de toda a expedição para os três historiadores. No
entanto, não se manterá esta sensação no restante da viagem das tropas de
Almagro. Ao chegar ao vale de Copiapó, primeiro ponto de descanso depois da
difícil travessia, uma nova esperança aparecerá. Encontrarão alimentos, o clima
se tornará mais amigável e as expectativas dos espanhóis ressurgirão. Este vale
representa um ponto de inflexão na expedição, depois das penúrias que viveram
na cordilheira, o caminho se tornará fácil de transitar. Desta maneira, existe
um discurso nas entrelinhas que quer destacar a valentia destes soldados
(apenas deles, não dos indígenas ou negros que iam junto) que puderam superar
os obstáculos que a natureza os impunha para alcançar seus objetivos. A
esperança se manterá pouco tempo mais, já que quando descobrem que a região não
é abundante em ouro e prata como os incas afirmavam, começam a pensar em
empreender o retorno aos Andes centrais ou Peru, como é chamado pelos
historiadores, o que só se concretizou quando este falido objetivo material se
entrelaçou com as pretensões políticas de Almagro.
74. Esta
chegada a Copiapó e o valor que lhe outorgam os conquistadores, segundo os
historiadores, é particularmente interessante para este trabalho, pois nesta
região se havia celebrado a primeira missa em território chileno durante este
trânsito expedicionário de Almagro no ano de 1536.
75. Embora
a missa não seja mencionada, em diferentes passagens encontramos que a religião
cristã tinha um lugar importante dentro da conquista. Encina destaca a presença
de religiosos da Ordem das Mercedes no conjunto de pessoas que partem de Cuzco.
Também Barros Arana (1940, p. 156) se encarrega de destacar a faceta espiritual
da conquista e diz a respeito que:
76.
Los conquistadores españoles del siglo XVI estaban
profundamente convencidos de que desempeñaban una misión divina […] cuando
vacilaban en la elección del camino que debían seguir, celebraban misas y
oraciones para que Dios los iluminara.
77. Além
da obtenção de riquezas, seu objetivo seria a propagação da fé: logo, devido a
esse objetivo elevado, o Papa autorizava e amparava a empresa. Não obstante,
Barros Arana denuncia que a causa santa não era mais que uma fachada para tirar
proveito individual, já que os espanhóis cometiam crimes, assassinatos, roubos
e um sem fim de ações violentas para saciar sua
ambição terrena. Assim Deus era invocado como o motivo da campanha, mas as
ações se distanciavam muito do discurso. Pode ser que esta arremetida de Barros
Arana contra a religião e a Igreja como instituição, seja consequência de sua
postura política liberal e sua defesa da laicidade (BIBLIOTECA NACIONAL DE
CHILE, 2015b). Apenas para fazer um contraponto, recordemos que Subercaseaux
tem uma postura conservadora que se distancia desta visão.
78. A
chegada a Copiapó também se destaca porque é apresentada como a entrada no
Chile pelos conquistadores. Ou seja, os historiadores partem dos limites dos
Estados nacionais de sua época para poder demarcar a história que estão
escrevendo. Assim, praticam um anacronismo deliberado ao considerar a paisagem
da cordilheira como a paisagem entre Argentina e Chile. Com respeito
a este episódio, Barros Arana (1999, p. 141) afirma “allí [en la cordillera]
los esperaban nuevos sufrimientos antes de penetrar en la deseada tierra de
Chile.” Encina (1940, p. 154), ao se referir a um episódio onde é
imposto um castigo exemplar a um indígena menciona que: “Almagro inició su
entrada a territorio chileno con un acto de justicia y sagacidad política.” O
Estado do século XIX aparece com o nome que lhe foi dado posteriormente, já que
o que se denominava Chile era apenas uma pequena parte do território que não
chegava no século XVI a referir-se a região do Atacama, onde se encontra
Copiapó.
79. Voltand
à pintura, esta está organizada de tal maneira que o centro da
mesma é o altar da celebração. A centralidade também está dada pela
frondosa árvore que se impõe por trás do espaço construído para a missa. Esta
árvore, nos informa a altura da imagem e atua como eixo articulador da mesma, pois abre a cena para que o observador se
incorpore a missa. Se seguimos a verticalidade traçada pela árvore, vemos que
em sua base se encontra o ponto mais iluminado da pintura e que a disposição
dos corpos na mesma se coloca de tal maneira que abre um caminho pelo qual
transita o olhar do observador para chegar ao altar. No extremo desse caminho,
um homem nos instiga com seu olhar enigmático incorporando-nos definitivamente
na cena. Este diálogo tão explícito com o observador, não o havíamos visto até
agora em outras primeiras missas, nas quais o observador ficava fora da
celebração, sendo estranho à situação. Com o caminho, a luz e o olhar
instigador do conquistador, Subercaseaux nos convida a participar de um dos
momentos “inaugurais” do Chile.
80. O
papel da natureza nesta pintura, se assemelhao da natureza pintada por Bouchet
para o caso de Buenos Aires, que veremos a seguir. Cumpre a função de situar -
as margens do Prata, aos pés dos Andes -, de colocá-la em um cenário realista
da celebração e de reforçar o momento como ponto de inflexão da expedição. Por
este motivo, a natureza da missa de Subercaseaux é importante, mas não tem o papel
protagônico que tem a natureza de Blanchard, por exemplo, onde esta parecia ser
um personagem a mais na composição.
81. De
maneira geral, distinguimos seis grupos de pessoas. Em primeiro lugar, no
centro do altar, encontramos ao padre encarregado da missa e a um religioso
acomodando os elementos da mesa da celebração. Na frente deles e em uma posição
privilegiada, encontramos três homens, dois religiosos e um militar. O terceiro
grupo o localizamos entre os conquistadores, à esquerda do eixo traçado pela árvore,
e o seguinte, é o grupo de conquistadores que estão do lado direito. À direita
da pintura, vemos em um plano de fundo, uma multidão de indivíduos
indeterminada, com lanças e cavalos. Por último, uma figura não é
passível de ser agrupada em nenhum dos conjuntos mencionados: este é o indígena
que identificamos na margem direita da composição. A própria origem étnica do
homem, nos conduz a pensá-lo de forma separada do resto.
82. A
florescente natureza, se encontra em um segundo plano, apesar da árvore se impor
atrás do altar. Do solo em que pisam os conquistadores, surge o pasto, o qual
parece estar crescendo. Esta questão nos indica um renascer e inclusive uma
época primaveral de ressurgimento progressivo da natureza. No fundo, árvores de
espécies indeterminadas se somam trazendo verde para a cena e por trás deles,
um relevo montanhoso se insinua timidamente por trás da presença humana. Pela
localização que nos brinda o título, a primeira associação que surge é que
estas montanhas representariam a cordilheira dos Andes, espinha dorsal da
geografia chilena.
83. Retomando
algumas ideias de Tomás Pérez Vejo (2007) mencionadas anteriormente, vale
destacar que em uma pintura importam tanto o que é representado como o que não
é. Na missa de Subercaseaux temos grandes ausências que a historiografia citada
nos permite advertir: estes são os negros e os indígenas que tanto Gay, quanto
Encina e Barros Arana mencionam. Por que? Os sujeitos
africanos ou afrodescendentes não aparecem nem sequer através de elementos que
pudessem remeter a eles e os indígenas não aparecem com a magnitude que a
história escrita os representa (15 mil pessoas). Aparece apenas um, um homem, à
direita da pintura, o qual apenas observa o que está ocorrendo. Não é
representado realizando nenhuma ação nem intervindo na cena, apenas olha. Sua
representação é um enigma, sobre o qual podemos tentar jogar luz se o
comparamos com os demais indígenas das outras pinturas de missas e também com outras pinturas do próprio Subercaseaux que
representam momentos do mesmo processo de conquista liderado por Almagro.
84. Ao
comparar com as outras primeiras missas, vemos que ao indígena de Subercaseaux
ninguém o guia nem lhe ensina como no caso cubano ou argentino. Tampouco se
confunde com a natureza, nem se encontra em um grupo maior, como no caso da
pintura de Blanchard e de Meirelles. Apenas observa, sozinho.
85. Diferente
de outros casos de missas, como o brasileiro, por exemplo, a relação que
retrata a primeira missa no Chile não é de primeiro contato: os indígenas
vinham na própria expedição conquistadora. Por outro lado, a chamada
“pacificação” da Araucania de finais do século XIX - quer dizer, o extermínio e
desapropriação de terras indígenas dos nativos que habitavam ao sul do rio
Biobío por parte da República do Chile - se fundamentava em um discurso
civilizatório onde o indígena estaria longe desse ideal. Esta questão perdura
ao longo de pelo menos duas décadas, já que nas celebrações do centenário do
Chile (1910) o mesmo discurso se encontra presente e atravessa a pintura da
missa. Desta maneira, e em coincidência com o discurso de progresso e
civilização imperante na época, Subercaseaux pode ter optado por realizar
apenas uma mínima representação do indígena, advertindo sobre sua presença mas sem nenhuma agência.
86. Pensando
esta mesma questão em relação as outras pinturas históricas chilenas que
puderam ser referência para Subercaseaux, Josefina de la Maza adverte que Pedro
Lira na tela La fundación de Santiago, também
havia reduzido ao mínimo o elemento indígena. Lira, em sua pintura - que sem
dúvida era conhecida por Subercaseaux pela grande repercussão que teve -
representou apenas um cacique, Huelen Huala, quando a historiografia aponta a
presença de mais sujeitos:
87.
La versión de Claude Gay -
ampliamente conocida en la década de 1880 - es un buen ejemplo. En este relato,
[…] se mencionan a varios caciques participando de la negociación de la tierra.
En su versión, Pedro Lira ha optado por minimizar la presencia indígena,
introduciendo a Huelen Huala como la única “voz india” (DE LA MAZA, 2013, p. 3)
88. Além
de confirmarmos a presença e difusão da obra de Gay, já citada, de la Maza nos
permite pensar em uma tradição pictórica que trata sobre momentos fundacionais
que, se bem não se anula a presencia indígena, a reduz ao mínimo possível,
contrariando as próprias informações disponíveis.
89. Outra
grande ausência da pintura - e também da
historiografia - que percebemos a partir do exercício comparativo, é a mulher
ou elementos que remetam ao feminino. Enquanto com Meirelles e Blachard vimos
representações de indígenas, tanto homens como mulheres em um entrelaçamento
com a natureza, com Bouchet a mulher indígena cumpre um papel mais alegórico
como veremos a seguir. Em qualquer desses casos, a mulher tinha um lugar dentro
da narrativa visual construída. Talvez a proposta de Subercaseaux seja
destacar a virilidade dos conquistadores como militares, em uma odisseia que
implicava fortaleza física, discurso no qual o feminino não teria espaço.
A
primeira missa em Buenos Aires
90. La
Primera Misa en Buenos Aires, pintada em 1910 [Figura 6], é a última dentro do grupo de
imagens escolhidas. Seu autor, José Bouchet, nasceu em 1853 em Pontevedra,
Espanha, e faleceu em 1919. Aos doze anos, se translada a Argentina, onde
viverá a maior parte de sua vida. Começou seus estudos de pintura com Juan
Manuel Blanes (1830-1901), pintor que gozava de grande prestígio na época na
região do Rio da Prata. Em 1875 adquire a cidadania argentina, que
oportunamente lhe permite ganhar uma bolsa do governo da província de Buenos
Aires para estudar em Florença.
91. Finalizando
a primeira década do século XX, a Argentina estava com os preparativos para o
Centenário da Revolução de Maio de 1810. Neste momento, Buenos Aires estava se
afirmando enquanto capital federal da nação, além de estar passando por um
processo de modernização de sua infraestrutura, proporcionada pela relativa
prosperidade econômica da cidade. Neste contexto, Buenos Aires utiliza o marco
do Centenário para empreender a construção simbólica da cidade como embrião da
nação Argentina, ou seja, se quer colocá-la como articuladora central da
narrativa oficial, tendo como pauta a projeção de uma cidade civilizada e
moderna.
92. Por
outro lado, a imigração massiva das últimas décadas gerava um desafio para a
questão nacional: como integrá-la? A Argentina começará a incorporar em seu
discurso do centenário elementos que durante o século XIX havia negado e que
agora retomava como base para a ideia de nação que queria projetar, isto é, as
raízes hispânicas e a Igreja Católica. Se bem este discurso pretendia por um
lado incluir, por outro também funcionava como um dispositivo de exclusão, pois
não devemos esquecer que há pouco tempo se havia levado adiante a chamada
“Conquista del Desierto” (1878-1885), com o objetivo de ter o controle efetivo
sobre o território ao sul de Buenos Aires passando por cima dos indígenas
habitantes desse lugar. Veremos como na pintura de Bouchet podemos fazer uma
leitura sobre a funcionalidade desta narrativa visual para o discurso oficial.
93. Neste
contexto foi feita a encomenda a Bouchet para realizar uma pintura com estas
especificidades.[15] Assim, em 1910, o pintor exibe La Primera Misa en Buenos Aires, especial
conjunção de um passado espanhol que outorgava a Buenos Aires o papel de eixo
articulador nacional justificado em seu batismo fundacional.
94. Na
pintura de Bouchet, após observar as outras primeiras missas já comentadas,
vemos que a natureza não desempenha o mesmo papel. Aqui vemos pouca vegetação -
apenas uma árvore - e um rio, que supomos seja o da Prata, que ao fundo nos
situa nas costas da cidade agora portuária. Neste caso, a natureza já não
parece mais ser um personagem central, como nas outras missas, mas sim uma tela
de fundo para nos situar em um lugar familiar, que além disso já está informado
de antemão pelo nome atribuído a tela. Desta maneira, a atenção do
observador concentra-se na atividade humana.
95. Outra
diferença substancial do caso bonaerense em relação ao cubano, americano e
argelino é a organização horizontal da composição. A narrativa proposta é lida
da direita para a esquerda, pautada pelo marco fundacional da cidade e pelo
altar improvisado onde o padre Juan de Rivanedeira celebra a missa. Segue-se um
grupo de homens que concentram sua atenção na atividade da direita. Entre
esses homens, se encontra o que identificamos como Juan de Garay (1528-1583),
por sua pose soberba e hierarquia entre os diferentes homens. Garay é considerado
aquele que fundou pela segunda e definitiva vez a cidade de Buenos Aires, em
1580. Atrás de Garay se encontram distintos senhores que teriam colaborado para
tal propósito, alguns destes com vestimentas mais humildes que nas missas que
vimos anteriormente.
96. Uma
parte da pintura chama a atenção. Esta se localiza no primeiro plano da cena e
tem como protagonistas uma indígena e um espanhol. Esta indígena - que é sem
dúvida uma mulher - está sentada no chão em uma posição de passividade,
recebendo explicações de um europeu que amavelmente parece estar lhe explicando
o que está acontecendo, em uma atitude semelhante a que Vermay atribuiu a Diego
Velázquez de Cuellar. Esta parte da pintura, a relacionamos com o
empreendimento do Estado argentino de desapropriação de terras indígenas e com
uma projeção de submissão destes. Em outras palavras, o indígena que deve ser
incorporado é aquele submisso e passivo que recebe instruções assim como faz a
mulher da pintura. É de se destacar que o indígena escolhido, como
metáfora, para este quadro seja uma mulher. Isto não é casual, já que
convencionalmente a mulher tem sido tradicionalmente colocada como símbolo de
passividade e submissão, algo observado na tela através de sua posição -
sentada no chão - e sua atitude - escutando sem questionar. Por outro
lado, a religião aparece na pintura como o elemento de integração do indígena a
esta sociedade em formação, pois a esta mulher não se exclui; o europeu que
explica a integra. Além disso é preciso lembrar que é legado a mulher o cuidado
da educação dos filhos, logo de sua formação religiosa.
97. Desta
maneira concluímos nosso percurso pelas primeiras missas, com o caso
bonaerense. Nesta pintura, pudemos ver outra vez a conjunção do
político-militar com a religião como momento sublime de fundação de um espaço
pelos europeus. O caso de Buenos Aires em particular nos permite uma reflexão
em torno do uso do indígena como alegoria, do papel da mulher na representação
do tema e dos diferentes papeis desempenhados pela natureza na composição
pictórica. Podemos também ver pela data que o tema tem um interesse de longa
duração: pelo menos desde 1826 com Vermey até 1910 com Bouchet, passando por um
número considerável de pintores. O fato de que tenha sido uma encomenda para a
celebração do Centenário da Revolução de Maio nos permite ver também que não
importa apenas para fins pictóricos, mas que os Estados continuavam a interessar-se
pelo tema, que seguia vigente.
Algumas
considerações
98. Após
ter transitado por várias pinturas, concebidas e executadas em espaços
distintos, pudemos extrair de sua análise e comparação alguns elementos para
pensar. Embora as pinturas apresentam propostas
diferentes, alguns elementos são constantes, por mais que não sejam
representados da mesma maneira.
99. Em
primeiro lugar, devemos ter em conta que se trata de um momento particular de
comunhão entre culturas diferentes. Se há ou não há conflito, se é harmônico ou
violento, dependerá de cada desenvolvimento particular e de vários fatores que
convergirão na pintura. No entanto, o assunto do contato cultural em torno da
missa se desprende da análise como categoria de reflexão.
100. No
mesmo sentido, a missa atua como espaço sagrado de união e de começo. De união
no sentido que se acaba de mencionar, sem adjetivar de que tipo se trata, e de
começo porque estas pinturas remetem a um momento primordial particular.
Pode-se falar da fundação espiritual de um espaço que de alguma maneira abalará
o transcurso da história deste lugar em um sentido religioso. Como comentamos
acima, a pintura de história com o tema da missa como instrumento pedagógico
dirigido aos cidadãos transmite uma mensagem de legitimidade da própria
construção nacional fazendo referência a religião.
101. Este
apelo à religião cristã e o fato de que todas as pinturas, sem exceção, possuem
como sujeito destacado um representante da Igreja Católica, europeu e do sexo
masculino, nos dão conta de uma perspectiva eurocêntrica da pintura que deve
ser mencionado. Este eurocentrismo na representação e nos diferentes
percursos da pintura e dos pintores deve ser entendido contextualmente. Desta
maneira queremos problematizar especialmente o caso dos artistas latino-americanos,
ou seja, Meirelles, Subercaseaux e, em alguma medida, também Bouchet, tomando
como referência, tal e como se mencionou anteriormente o trabalho de Maria
Ligia Prado Coelho acerca das adaptações e respostas aos contextos locais de
cada artista.
102. Outra
categoria para refletir é a da natureza. Em algumas obras esta tem mais
protagonismo que em outras, no entanto, sempre existe uma referência a
ela. Torna-se especialmente crucial sua observação quando se relaciona
diretamente a população nativa, já que há conotações políticas e sociais
indiscutíveis, as quais são consequência, muitas vezes, do eurocentrismo
latente.
103. Por
último, seria interessante fazer um esforço sobre a presença feminina na
pintura das missas. Sobretudo no caso de Bouchet, a mulher parece ter um
sentido alegórico. No entanto, nem sempre aparece representada uma mulher nem
uma associação direta a elementos femininos, visto que a ausência também deve
ser um fator de análise.
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______________________________
[1] Principalmente os
países que tinham sido ex-colônias espanholas, de forma geral e sem nos detemos
em casos particulares, tentaram distanciar-se do passado ibérico colonial em
seus primeiros momentos de organização nacional. Já em um período mais próximo
ao século XX, com a retomada de relações comerciais com a Espanha, os festejos
do IV Centenário do Descobrimento da América na Península Ibérica e os festejos
dos Centenários da Independência na América Latina, começa a aparecer um novo
sentimento hispanista na América.
[2] Para citar exemplos
concretos, em primeiro lugar, Nicolas Shumway aponta que n’A invenção da
Argentina, o trabalho de tradução de Mariano Moreno - personagem
ligado a Revolução de Maio -, na primeira edição argentina de El Contrato
Social de Jean Jacques Rousseau tinha por objetivo esclarecer ao povo e
educá-lo sob os valores iluministas franceses (SHUMWAY, 2008, p. 58). Em
segundo lugar, em 1960, um artista plástico chileno Sergio Montecino Montalava
(1960, p.158) afirmava que: “Hay en nuestra pintura, ciertamente, una fuerte influencia europea, que proviene especialmente de Francia,
como ocurre en casi todos los países latino americanos […]” Embora não
concordemos com a ideia de influência colocada por Montecinos, é
importante neste momento entender a presença desse referencial europeu,
francês.
[3] Entende-se por pintura
acadêmica aquela que segue as diretrizes formais de uma Academia de ensino
artístico, que cuida de profissionalizar a carreira de pintor. Ver: PEREIRA,
Sonia Gomes. Arte Brasileira no século XIX. Belo Horizonte: C/
Arte, 2008.
[4] Com respeito a grandes
proporções das pinturas de história, Walter Pereira nos diz que: “o tamanho era
fruto da ambição narrativa e imaginária da representação pictórica do passado,
em uma escala que reafirmava sua importância e de seu campo simbólico”
(PEREIRA, 2012, p. 97).
[5] Foi o primeiro
governador de Cuba entre 1465 e 1524.
[6] O conceito de Edward
Said, orientalismo, refere-se, entre outras coisas a uma maneira
determinada de conceber e olhar sobre o Oriente, que acaba convertendo-se em um
estereótipo da alteridade localizada em um determinado espaço geográfico,
questão que se vê refletida nas representações pictóricas, na literatura, nos
estudos acadêmicos, etc.
[7] Caminha havia sido o
escrivão português da frota de Pedro Álvarez Cabral (1468-1520), o qual chegou
às costas do atual território do Brasil em nome da Coroa Portuguesa no ano de
1500. O escrivão redatou uma carta-documento dirigida ao rei Dom Manuel I, com grande proeza literária,
relatando os acontecimentos ocorridos na chegada dos portugueses na costa
brasileira.
[8] Maraliz Christo analisa
a condição de imobilidade na qual os indígenas são representados na pintura de
história na América Latina, logo, sem oferecer qualquer perigo ao evento da
ação colonial europeia. Cfr. CHRISTO, Maraliz C. V. Heróis imóveis na pintura
indigenista da América Latina. In: Anais do XXX Colóquio CBHA, Rio de Janeiro, 2010, p.
354-363. Disponível em: <http://www.cbha.art.br/coloquios/2010/anais/site/pdf/_completo2010copia.pdf> , Acesso em: 1 dez. 2017.
[9] Foi o primeiro filho de
Amalia Errázuriz e Ramón Subercaseaux, representantes de uma rica e tradicional
família da elite chilena. Seu pai estava cumprindo missões diplomáticas naquela
região da Europa no momento de seu nascimento. Aos poucos meses de vida, a
família retorna ao Chile. Vive seus primeiros anos alternadamente entre
Santiago, Roma, Paris, Berlim e um colégio religioso inglês, em Douai (norte da
França). Por este motivo, aprenderá várias línguas, conviverá com diferentes
estilos de vida e entrará em contato com diversas manifestações artísticas.
Também viajará a Terra Santa e ao norte africano. Quando adulto, Subercaseaux
se estabelece no Chile, embora continue fazendo muitas viagens a Europa, mas
com estadias menos prolongadas do que as de sua infância e adolescência. Na
segunda década do século XX, Subercaseaux decide converter-se em monge
beneditino e se instala em uma abadia inglesa durante vários anos, até que, nos
últimos anos de sua vida retorna a América do Sul definitivamente para ser o
fundador da ordem de São Benedito em terras chilenas, onde passará os últimos
anos de sua vida, sendo um pintor e religioso muito respeitado por seus
contemporâneos. Falece em Santiago, em janeiro de 1956, aos 75 anos de
idade.
[10] Além de se fazer
conhecido como pintor, Subercaseaux teve um importante trabalho como
caricaturista no início do século passado em revistas como Zig-Za e Pacífico
Magazine por exemplo. Esta produção visual “menos séria” a realizava sob o
pseudônimo Lusting. Destacava-se por ter criado a primeira história em
quadrinhos chilena, Las aventuras de Von Pilsener, caricatura de
um alemão no Chile.
[11] Claude Gay foi um
naturalista francês que aceitou, na década de 1830, a missão de realizar uma
expedição científica pelo território chileno, patrocinada pelo governo daquele
país, para descrevê-lo a partir de sua geografia, suas espécies animais e
vegetais, sua população e sua história. Daquela expedição surge na década
seguinte a Historia física y política de
Chile, cujo primeiro tomo dedicado a História foi publicado na Europa em
1844 e até 1871 continuou publicando-se volumes sob o mesmo título, totalizando
29 tomos dedicados a história, botânica, geografia, zoologia, agricultura e documentos
históricos.
[12] Barros Arana foi um
importante historiador chileno e figura pública da política e da educação na
segunda metade do século XIX. Sua Historia
General de Chile possui 16 volumes e foi escrita e publicada entre 1881 e
1902. Foi uma obra de grande difusão em sua época.
[13] Francisco Encina foi
também um historiador, político e advogado chileno. Sua História de Chile
foi uma obra muito vendida e também muito polêmica
pelas denúncias de plágio da obra de Barros Arana. Por este trabalho chegou a
ganhar o Prêmio Nacional de Literatura em 1955.
[14] As pinturas são: Expedición de Almagro a Chile (1907) e Descubrimiento de Chile por Almagro
(c.1918).
[15] A este respeito Scapol
(2014) afirma que a pintura foi produto de uma petição e não da simples vontade
de Bouchet, no entanto não nos informa quem ou o que demandou a criação desta
imagem. Apesar disso, sugere que haviam sido setores aristocráticos ligados ao
Centenário da Revolução de Maio e, por esse motivo, ligados ao poder
governamental.