Memória de um monumento impossível
Rafael
Alves Pinto Junior
PINTO JUNIOR , Rafael
Alves. Memória de um monumento impossível. 19&20, Rio
de Janeiro, v. IX, n. 2, jul./dez. 2014. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/obras/rapj_monumento.htm>.
*
* *
1.
Este
texto objetiva discutir as variáveis envolvidas no projeto do Monumento ao Homem Brasileiro, pensado
para ser colocado no edifício do Ministério da Educação e Saúde, atual Palácio
Capanema, no Rio de Janeiro. Este episódio envolve uma série de questões que
foram centrais tanto para as artes plásticas quanto para a arquitetura das
primeiras décadas do século XX no Brasil. A proposta do monumento foi um
momento de síntese dos embates em relação à criação de uma identidade nacional,
presente nas obras de diversos artistas e arquitetos da época: a construção e
afirmação de uma obra de arte pública, instrumento de propaganda e retórica
política da Era Vargas.
2.
Antes,
uma justificativa necessária: falarei de um monumento que não se realizou. Se
falar de uma obra de arte existente já envolve certo grau de dificuldade, falar
de uma que ficou restrita à concepção certamente é um desafio maior. Tratarei
de uma ausência, portanto.
3.
Neste
recorte, lembrarei fatos conhecidos por muitos e também resultados de pesquisas
relevantes feitas por estudiosos do célebre edifício.[1]
No meu recorte, procurarei me ater ao monumento, deixando a arquitetura em
plano secundário. Com isso, tenho a ambição de verificar que o entrelaçamento
entre arte e política que está por trás das pretensões do monumento permite ver
que ainda há algo a ser dito sobre a realização que o Ministério representou. O
próprio edifício já foi concebido como um monumento e protótipo, como observado
com propriedade tanto por Comas (1987, 2000) quanto por Segre
(2013). Sua existência era um lembrete e advertência, ponto de referência à
ação e à reflexão.[2]
4.
Se
por um lado as pretensões de se conseguir com que o edifício do Ministério -
atual Palácio Capanema - se transformasse em um monumento lograram êxito, por
outro lado o Monumento ao Homem Brasileiro não teve a mesma sorte.
Modernidade e tradição, continuidade e ruptura se entrelaçaram, como veremos,
na concepção da obra.
O espaço arquitetônico sintetizador das artes
maiores.
5.
A
inserção das obras de arte como elementos compositivos da decoração dos espaços
internos e externos do Palácio Capanema parece ter sido produto da ação de diversos
membros da equipe que trabalhou no projeto. Tanto Lúcio
Costa quanto Oscar Niemeyer e Carlos Leão estavam imersos no ambiente cultural da
vanguarda artística da década de 1930, favorável à ideia da arquitetura como
elemento aglutinador e integrador das artes plásticas.[3]
Colocava-se à ótica do modernismo das primeiras décadas do século XX o papel da
arquitetura como síntese das artes.[4] Era uma ideia tão fecunda quanto
ambiciosa: o espaço moderno haveria de transformar a sociedade e a arte seria
um instrumento para mudar - e moldar - o homem do século XX.[5]
6.
Há
que reconhecer que estudar a política iconográfica do primeiro governo de
Getúlio Vargas (1930-1945) ultrapassa os limites deste trabalho. Importa-nos
reconhecer que, imerso nesta conjuntura e mediado por Gustavo Capanema
(1900-1985), a criação do Ministério constituiu-se num marco simbólico
considerável. Além disto, pela realização arquitetônica podemos identificar os
mesmos questionamentos nacionalistas presentes também no espaço artístico da
produção de diversos artistas da época - entre o artístico e ideológico - e
aqueles referentes à afirmação de uma identidade nacional, desencadeada pelo
pensamento de agentes como Gilberto Freyre, Caio Prado Junior e Sérgio Buarque
de Holanda.
7.
A
criação do edifício do Ministério representou bem mais que um feito de
arquitetura, pretendendo constituir-se em um marco da política na formação de
novas mentalidades.[6]
Foi uma afirmação de identidade que teve um ponto de inflexão - ou encontrou
outras tendências internacionais, com as quais seria necessário compor - na
colaboração de Le Corbusier no projeto do edifício. A influência de Le
Corbusier foi marcante e sua rápida estadia no Brasil - de julho a agosto de
1936 - foi decisiva no tocante a fazer com que os princípios que ele defendia
não permanecessem no terreno da abstração. Homem sintonizado com a produção
arquitetônica internacional de sua época, Le Corbusier, além de arquiteto, era pintor e escultor. Também acreditava na arquitetura como
elemento integrador das demais artes, ou melhor, no papel simbólico que as
obras de arte podiam acrescentar aos espaços arquitetônicos.
8.
Enquanto
rumava para o Brasil, Le Corbusier escrevia L’architecture
et les Arts
Majeurs,
obra onde desenvolveu suas opiniões sobre a relação que via possível e
necessária entre as três artes “maiores”: a pintura, a escultura e a
arquitetura.[7] Fazia então a sua própria reflexão a
respeito das proposições que Walter Gropius havia
colocado dezessete anos antes na Bauhaus, quando disse que “juntos concebemos e
criamos o novo edifício do futuro, que reunirá arquitetura, escultura e pintura
numa única unidade” (GROPIUS, 1919).
9.
A
presença de Le Corbusier, em detrimento de Gropius,[8]
se justificou não somente pelo “afrancesamento” da cultura brasileira da época,
mas pelo fato de que Lúcio Costa via no pensamento do francês uma ligação entre
os problemas sociais, técnicos e estéticos de sua época, enquanto não via nada
disso na Bauhaus. Este argumento
parece decorrer, no pensamento de Lúcio Costa, da associação que fazia entre
espontaneidade e razão lógica.[9]
10.
Le
Corbusier retomou no Brasil o tema da síntese das artes. Como afirmou Célia Gonsales (2012),
isso significou que, somado à abordagem da essência única da arte moderna,
havia a ideia de que obras de arte devem estar presentes no espaço da
arquitetura e da cidade em uma relação de mútua interferência (SEGRE, 2013,
p.380). Visto desta maneira, o edifício do Ministério aparecia como a expressão
de uma Gesamtkunstwerke,[10]
antigo objetivo de muitas edificações setecentistas europeias em assegurar
uma unidade entre a arquitetura e demais elementos decorativos, na qual os
efeitos de conjunto tem função primordial.
11.
No
caso da arquitetura modernista brasileira da década de 1930 e 40, a pretensão
da síntese das artes[11] se aproximava de um recurso puramente
retórico, como elemento fundamental da persuasão (ARGAN, 2004) da imagem
modernista identitária que buscava uma
afirmação. Desta maneira e devido à precedência dos valores visuais que o
espaço arquitetônico modernista construiu ao se afirmar, o emprego da retórica
dispensa a priori o reconhecimento de
que teses ela queira demonstrar. O que importa é o reconhecimento de que ela
pretende simplesmente persuadir - e não a isto ou aquilo. O espaço
arquitetônico modernista se configurava então, como apto a discorrer,
fornecendo ao mesmo tempo o argumento e a prova.[12]
É neste contexto que vemos a inserção do Monumento ao Homem Brasileiro.
Uma equação de variáveis irreconciliáveis
12.
A
produção arquitetônica ocidental está repleta de obras de arte nela inseridas
como elementos decorativos. Prática comum desde a antiguidade, sobretudo em
edifícios de destinação pública, que foram destacados com esculturas
monumentais para reforçar tanto seus significados quanto a perpetuar a memória
de quem os construiu.
13.
No
Brasil, uma das primeiras esculturas públicas foi a
estátua equestre de Pedro I. Como observou Paulo Knauss
(2010), a promoção dessa imagem estabeleceu um novo lugar para a escultura na
sociedade, integrando o Brasil no contexto de uma prática do mundo ocidental do
liberalismo, consagrando a afirmação da escultura pública no Brasil, ao mesmo tempo que instalou uma tradição que perdura ainda
hoje.
14.
Como
verificou Roberto Segre (2013, p. 391), na década de
1930, apesar de esculturas não-figurativas como as de
Umberto Boccioni (1882-1916), Alexander Calder (1898-1976), Constantin Brancusi (1876-1957) e Ossip Zadkine (1890-1697) já serem conhecidas no meio artístico
brasileiro, a principal referência escultórica ainda era figurativa. Destaca-se
a principalmente a produção de artistas como Charles Despiau
(1874-1946), Antoine Bourdelle (1861-1929), Aristide Maillol (1861-1944), Camille
Claudel (1864-1943) [Figura 1a, Figura 1b e
Figura 1c] e, principalmente, Auguste Rodin (1840-1917).
15.
No
prédio do Ministério da Educação, o ministro Capanema vigiava de perto a concepção
de todas as obras de arte a serem colocadas, tanto em relação ao tema, quanto
aos locais para cada uma se destinaria. Tutelava os temas, as dimensões e os
locais onde cada uma deveria ser colocada.[13]
Os azulejos que Candido Portinari executou com temáticas abstratas parecem
ter sido as únicas obras de arte que escaparam da ação diretiva do ministro.[14]
16.
Em
relação às esculturas, Capanema concebeu um programa fundamentado em uma
retórica monumental de raízes classicistas - diferente
da das pinturas, cuja temática era fundamentalmente agrária - e alinhada com a
política simbólica dos anos 1930, no geral, e com a do governo de Franklin
Delano Roosevelt (1933-1945), em particular. Para Fabris, na década de 1930,
todo país que desejasse afirmar a própria identidade nacional e justificar o
próprio regime político lançaria mão do espírito clássico enquanto ideia
universal e atemporal, por enfeixar valores comuns a todo o Ocidente desde a
Antiguidade (2000, p. 172).
17.
Com este objetivo, parece ter sido de Capanema a ideia
de se fazer um monumento que representasse o brasileiro - um colosso de 11 metros
de altura - e colocá-lo à entrada do edifício. Dentre as várias estátuas que
seriam concebidas como elementos decorativos e simbólicos somados ao espaço
arquitetônico, o ministro destacou a do Homem
Brasileiro como a principal - a que ocuparia não somente o local mais
importante, mas a que também deveria ser mais significativa, a imagem que
deveria transmitir uma mensagem indelével de modernidade. Com este objetivo, em
17 de julho de 1937, Capanema escreveu a Vargas
18.
A principal delas será a estátua do homem, do homem
brasileiro. Porque este símbolo? Justamente porque o Ministério da Educação e
Saúde se destina a preparar,a
compor, a aperfeiçoar o homem do Brasil. Ele é verdadeiramente o ‘ ministério
do homem’. [...] o homem estará sentado num soco. Será
nu, como o Penseur de Rodin [Figura 2]. Mas o seu aspecto será o da calma, do domínio, da afirmação. A
estátua terá cerca de 11 metros de altura, dos quais
apenas 3 ou 4 decímetros serão reservados ao pedestal. Isto quer dizer que
quase todo o bloco de granito será a figura do homem, cujas plantas quase
tocarão o chão. Há na obra planejada, qualquer coisa de parecido com os
colossos de Menon, em Tebas, ou com as estátuas do templo de Amom, em Karnak [Figura 3]. (Apud LISSOVSKY e SÁ, 1996, p. 224-225)
19.
Notável
é o fato de que a equipe do projeto de arquitetura não questionou frontalmente
a intenção, a forma ou as dimensões do monumento. Antes da vinda de Le
Corbusier, ele já aparecia nos estudos da equipe brasileira [Figura 4]. Le Corbusier abraçou a ideia da estátua a
reforçar o sentido simbólico do edifício, como demonstram seus estudos [Figura 5]. Para ele (1998, p. 55), “o urbanismo dispõe,
a arquitetura constrói e a escultura e a pintura dirão as palavras seletas que
são a sua razão de ser.” Cláudia Cabral (2010) é da opinião de que a ideia do homem
sentado servia à perfeição para demonstrar a nova relação entre interior e
exterior, entre natureza e edifício, que se desejava alcançar em sua
arquitetura: “homem sentado lá fora é sempre parte integrante do cenário dos
homens sentados aqui dentro” [Figura 6a e Figura 6b].
20.
Nos
estudos para o terreno da praia de Santa Luzia, podemos ver o monumento tal
qual Capanema ambicionava: localizado na esplanada da entrada principal do
edifício a sugerir que a figura desempenharia um papel de referência visual à
praça de acesso, além de se constituir num óbvio elemento de afirmação de
implantação na circulação externa. Uma imagem que seria visível tanto do
exterior quanto do interior do edifício. O desenho de Le Corbusier do interior
dos escritórios é inequívoco. Com a mudança do terreno, a ideia da estátua não
foi abandonada. Nos estudos de Corbusier para o terreno no centro da cidade do
Rio de Janeiro, o homem “coletivo e
cósmico”[15]
posicionava-se com a mesma importância [Figura 7a, Figura 7b, Figura 7c e Figura 7d].
21.
Com
o passar do tempo, polidamente, o monumento foi sendo deslocado. Conforme
analisado por Barki, a significação do monumento foi
sendo diminuída gradativamente, sem haver enfrentamentos com Capanema:
22.
Uma vez elaborada a solução final, com a intervenção
de Oscar Niemeyer, a escultura nunca ficou posicionada diante da entrada principal
- conforme a sugestão de Capanema -, e sim deslocada em diversas posições na
parte posterior do MES, orientada para a rua Pedro
Lessa, via que desapareceria junto com a escultura. Também foram esquecidas as
relações matemáticas entre a escultura e edifício, estudadas por Le Corbusier. (BARKI, 2006)
23.
O
encargo do monumento caiu no colo do artista brasileiro Celso
Antônio (1896-1984). A partir daí, instaurou-se uma crise em si reveladora,
por esclarecer o descompasso dos objetivos ideológicos do contratante e do
contratado. A escolha do artista parecia óbvia: Le Corbusier admirava o
escultor e aprovou seu nome para a execução do monumento.[16]
A obra de Celso Antônio tendia ao monumental, plena de traços expressionistas,
e nela podia-se observar uma influência da distante produção estatuária
egípcia, identificável em obras posteriores como Mulher com as mãos no
cabelo e Mulher Reclinada
[Figura 8a, Figura 8b e
Figura 8c]. O artista chegou a fazer um modelo para o monumento
[Figura 9], que
se desfez durante a execução, para a decepção de Capanema. Um modelo que em
nada correspondia ao idealizado: de acordo com Fabris (2000, p. 171), um homem
barrigudo, de traços sertanejos e nada atlético.
24.
Uma
observação do modelo em gesso feito por Celso Antonio
demonstra o quanto ele se ateve aos ditames do ministro, procurando fundir numa
mesma imagem o Colosso de Memmon e o Penseur de
Rodin. Estava sentado, olhando à frente; marcava o presente e contemplava o
futuro, como a encomenda requeria. A proposta não deu certo, porém. A imagem
não transmitia dinamismo, confiança, nem, principalmente, beleza. Assentado
sobre um bloco monolítico, o Homem Brasileiro parecia fundido à sua
base, inerte. Havia que separar a representação da “calma” da representação da
“inércia”.
25.
Por
meio de Mario de Andrade, Capanema procurou Vitor
Brecheret (1894-1955) para que assumisse a obra, sugerindo que fizesse algo
sem estilizações ou decorações (CAVALCANTI, 2006, p. 52). O artista estava
imerso com a execução de outro monumento de vulto, o Monumento às Bandeiras,
concebido em 1920, e não se dispôs a executar outra obra de grandes proporções.
Chegou a fazer um modelo em escala reduzida, que também não correspondeu às
ambições do ministro. Por fim, Capanema recorreu ao pintor e escultor Ernesto de Fiori (1884-1945), que havia há pouco chegado ao
Brasil e cuja temática principal era o corpo humano, sugerindo movimento ou em
repouso, executada com um modelado áspero a traduzir tensão psicológica.
26.
Ao
recorrer tanto a Brecheret quanto a De Fiori, Capanema sugeriu como referência
a produção de Aristide Maillol e Charles Despiau, que considerava grandes escultores de sua época.
Com isto queria dizer o óbvio: que o monumento deveria ser de cunho
classicista. Fabris (2000, p. 171) esclarece
que o fato do ministro indicar como modelo escultores classicistas não era
casual, pois
27.
Integra um movimento mais vasto, de âmbito
internacional, interessado em determinar a configuração do “homem novo” a
partir de duas matrizes fundamentais: a regeneração da raça, expressa por uma
figura atemporal, atlética e nua, própria de países como a Alemanha e a Itália;
o agigantamento do trabalhador, típico dos Estados Unidos e da União Soviética,
entre outros. O mito do “homem novo” pontua toda a década de 30: a ele são
dedicadas as capas das principais revistas.
28.
De
Fiori produziu uma série de imagens, algumas que ficaram apenas como estudos em
gesso e outras que foram fundidas em bronze. Imagens como Guerreiro
[Figura 10],
Homem Andando [Figura 11a e Figura11b], Jovem Sentado [Figura 12] e O Brasileiro [Figura 13]
são exemplos de tentativas de se atender a encomenda ministerial. Nenhuma
atingiu o objetivo. De uma maneira ou de outra, a tarefa mostrava-se irrealizável,
quando na realidade a questão era mais conceitual do que seria o monumento e
menos de qual artista seria capaz de fazer este ou aquele protótipo.
A imagem da “raça” ou a “raça” da imagem
29.
A
concepção do monumento baseava-se na concepção não da recordação de um fato ou
de um personagem do passado, mas de um futuro. Um herói não do que foi, mas do
que haveria de ser. Um marco a simbolizar não os feitos heroicos já feitos, mas
o que estava sendo feito e do que isso resultaria daí em diante. Lembremos da carta de Capanema a Getúlio onde diz que o
aspecto da imagem seria o da afirmação, do domínio: e quem afirma ou domina, o
faz do presente em diante. Assim, observa-se que a iniciativa gestava a
construção de uma memória social projetada, o controle de uma afirmação e
expectativa que articulariam simbolicamente a afirmação do Estado a partir da
materialização de uma imagem fundadora. Era a ação de demarcar um novo período
político legitimado, tendo um personagem que representasse todo o país adiante
da história.
30.
A
própria definição de monumento remonta à deusa grega da memória, Mnemosine, tornada concreta em imagem durável. No caso,
diferente dos tradicionais monumentos que destacavam o indivíduo, a proposta de
Capanema tentava inscrever a coletividade na pretensão de identificá-lo com as
estruturas sociais que estavam em construção na época e que abarcariam a
coletividade. Para ele, estava-se diante de outro tipo de feito heroico, ainda
mais hercúleo que qualquer esforço individual - a definição do destino político
do país. O Monumento ao Homem Brasileiro seria o emblema da história e
da nação ao afirmar o Estado e o novo tempo que se construía.
31.
A
imagem de um homem sentado, característica de vários croquis, olhando à frente,
poderia simbolizar o que? Estabilidade? Confiança? Solidez? Calma e domínio? Ou
o contrário? Apatia? Conformismo? Impassibilidade? Não se pode identificar nos
croquis uma estrutura narrativa que equacionasse as variáveis de tempo, espaço,
sujeito da história e nação. Inexiste um enunciado que nos permita associá-la a
um modo de encarar a história.
32.
Como
o monumento deveria completar simbolicamente o edifício, Capanema, em 30 de
agosto de 1937 consultou quatro referências no meio acadêmico (Froes da
Fonseca, Roquette Pinto, Rocha Vaz e Oliveira Vianna)
que poderiam auxiliá-lo na configuração do perfil do homem brasileiro.
Ressaltava que havia no propósito da obra, além do evidente aspecto estético
monumental característico, um propósito científico em se procurar em fixar em
uma imagem o que de brasileiro havia ou deveria haver no homem que habitava
essas paragens.
33.
Com
esta consulta aos acadêmicos, o ministro reconhecia que pisava em hipóteses
acerca de um futuro ideal. Como observou Paulo Knauss
(2000, p. 184), com a consulta aos eminentes professores, o ministro terminou
abrindo a polêmica em torno da imagem a ser representada a partir da condição
hipotética do objeto. Abrira a Caixa de Pandora, libertando um monstro que iria
consumi-lo: o que seria brasileiro? Quais traços poderiam caracterizá-lo? Como
unificar um país multifacetado em uma imagem identitária?
Como traduzir em uma mesma imagem um pais
multirracial, produto da somatória do caipira paulista, o caboclo
do Norte, o sertanejo da caatinga e o vaqueiro do Sul? Seria
possível uma imagem que sintetizasse séculos de mestiçagem entre portugueses,
escravos e indígenas que contituía o próprio cerne de
nossa própria herança colonial, como compreendia Lúcio Costa (1995, p. 382) ?
[17]
34.
Capanema
atingiu em cheio o problema. Mas as impossibilidades
de uma resposta única, somadas aos fracassos dos modelos dos artistas,
sepultaram definitivamente o monumento. Diante de um monumento, a leitura pode
ficar em aberto devido ou a uma ambiguidade rica e complexa que permita sempre
novas conexões ou devido a se ter um suporte inconsistente que pode permitir
qualquer tipo de leitura, das mais rasas às mais delirantes.
35.
Imaginando
a obra de arte como um texto não compreensível por parte do espectador ou como
um sistema alegórico hermético limitado exclusivamente ao vocabulário do
artista que a concebeu, a ideia do monumento permanecia muda para o observador
comum. Certamente, far-se-ia necessário a colocação de placas explicativas sobre
ao que o monumento fazia alusão, o que reforçaria a posição do observador
inscrito no lugar da incapacidade de ler a representação.
36.
Há
que lembrar que essa questão da identidade social havia entrado há não muito
tempo no epicentro do debate intelectual e artístico nacional. Um dos primeiros
a levantar a questão nesta época foi o militante político, crítico de arte e
literatura Mário Pedrosa (1900-1981), em 1933: a arte não podia ser entendida
longe do povo, restrita às academias ou às suas preocupações puramente formais.
Para Pedrosa, a arte deveria levar em consideração o proletariado que era o
principal motor de um dos aspectos fundamentais da modernização no Brasil.
Neste mesmo ano, tanto Mário de Andrade como Emiliano
Di Cavalcanti (1897-1976) advogam a necessidade de uma produção artística a
serviço da coletividade e de uma arte identitária.[18]
37.
Neste
sentido, falar de um conceito de brasilidade expresso na arte corresponde a
abordar uma temática constante no cenário cultural nacional[19]
e que diz respeito aos problemas de conceituação de uma cultura brasileira. No
caso da arte, podemos identificar práticas ideológicas inauguradoras de uma
maneira de ordenar, ou ao menos de propor, uma unidade cultural, ainda que imagética.[20]
38.
Ao
entenderem identidade como sinônimo de definição ou o estabelecimento de um
estilo como a afirmação de determinados elementos temáticos e formais, os
modernistas pareciam ambicionar não outra coisa que a tradução plástica do
universo simbólico nacional. Visto desta maneira, os embates em torno de uma
conceituação de identidade cultural no Brasil não podem ser entendidos como um
conceito fechado, mas antes como um continuum
de resultados transitórios, dado basicamente às suas causas múltiplas e
mutáveis. Desta forma, tornando-se um ponto de referência essencial no processo
de formação da arte brasileira, o modernismo se afirmou no Brasil através de um
processo historicamente inconcluso, dinâmico e contraditório em sua essência e,
portanto, problemático e aberto, ainda que em sua primeira fase até os anos
1930 esta antinomia não seja consciente. Somente a partir da II Guerra Mundial
é que esta antinomia seria assumida - principalmente por Mário de Andrade -
como uma estrutura inquieta e como um problema em aberto, o que certamente
acentua a dramaticidade e a incompletude da modernidade na cultura brasileira.
39.
(Re)ver a preocupação nacionalista de Capanema significa
compreender a sua inserção na Era Vargas. Primeiramente, importa reconhecer que
isto ocorreu em toda a América Latina, onde os temas sociais e a preocupação
com as camadas mais pobres da população eram uma constante. Os países
latino-americanos atravessavam uma modernização e as contradições tornaram-se
mais visíveis. Em segundo lugar, ocorreu um “redescobrimento” das próprias
raízes, da identidade nacional, da herança dos povos indígenas e africanos, tão
decantada pelos artistas e intelectuais modernistas: do produto entre o
artista, a exteriorização dos problemas sociais e as investigações sobre a
ancestralidade cultural, nasceriam as linguagens
locais que caracterizaram a arte modernista brasileira na década de 1930.
40.
O
modernismo brasileiro, apesar de proclamar conteúdos sociais, foi notadamente
um movimento de elites, haja vista a liderança de Paulo Prado na Semana de Arte
Moderna 1922. Os artistas receberam apoio da oligarquia cafeeira paulista,
detentores do poder na República Velha e representantes do “Ancién Regime.”
41.
Apesar
de se preocupar em manter uma fachada de democracia, a criação do Estado Novo
converter-se-ia numa ditadura que perduraria até 1945. No entanto, Vargas nunca
perdeu o apoio dos intelectuais progressistas,[21]
inclusive daqueles que seguiam correntes políticas da esquerda. Por quê? Dentre
várias razões, talvez porque Vargas nunca impôs “cabrestos” aos artistas,
pretendendo dirigir as artes plásticas a serviço do Estado. De certa maneira,
foi permitida uma “livre expressão” sutilmente vigiada e a coexistência de
tendências dissimiles, tanto as acadêmicas como as da vanguarda, numa espécie
de acordo tacitamente aceito por todos. A ideologia se difundiu mais pelo
rádio, pelo esporte e pela música - a organização dos imensos “cantos
orfeônicos” - do que através de uma imagética formalmente construída nos
espaços públicos.[22]
42.
Se
colocando neste cenário nacionalista, entre uma liberdade artística e uma
circunstância de posicionamento ideológico, a proposta do Monumento ao Homem Brasileiro cairia como uma luva no projeto
intelectual de Mário de Andrade, que ambicionava a criação de uma identidade
nacional coletiva,[23]
o que se mostrava inalcançável.
43.
Além
de todas as dificuldades conceituais e operacionais que observamos em torno do
monumento pairava outra sombra: a questão espinhosa da identidade racial.
Arraigada a ela estavam os pseudoestudos da fisiognomonia, ao associar os traços corporais a
determinadas disposições morais. A fisiognomonia foi
uma pseudociência que atingiu seu auge no positivismo do século XIX, sobretudo
com os estudos da antropologia criminal do médico, psiquiatra, antropólogo e
político Cesare Lombroso
(1835-1909). Se sua assertiva fosse válida por um lado, ao postular que os
traços de uma mente criminosa estavam sempre associados a anomalias somáticas,
deveriam ser também válidas por outro, segundo o qual a ausência destas
anomalias deveria demonstrar o bem. Apesar de seus equívocos, Lombroso era um estudioso convicto e erudito. Não chegou à
simplificação de afirmar que quem era feio era delinquente, mas estava aberto o
caminho para o preconceito que identificava quem fosse feio como mau por
natureza. Como observou Eco (2007, p.
261):
44.
Isso sem falar no passo subsequente, com o qual se
tornam feios e maus, também na literatura popular, todos os excluídos que a
sociedade não consegue integrar e controlar ou não tem a intenção de redimir -
como já obervava Nietzsche a respeito de Sócrates. E
estes marginalizados serão os pobres, como mostra o retrato do subproletário Franti, feito por
De Amicis, os homossexuais (ver Foucalt),
os dementes e, marcadas inexoravelmente por seu vício, as prostitutas (ver Rosenkranz) e as ladras (ver Mastriani).
45.
As
ideias de identificação social produziriam resultados tão nefastos quanto
inesquecíveis nos regimes fascistas na Europa. E, como já vimos, os esforços de
Capanema demonstram que ele podia transigir em muita coisa, mas não em deixar
que o Monumento ao Homem Brasileiro correspondesse a uma imagem que não
traduzisse suas ambições de futuro.[24]
Certamente, não queria que fosse uma imagem de indolência ou fragilidade, do
mesmo modo que não queria que fosse associado a algo sofrido, doente ou
infeliz. Um herói haveria de ser belo (ECO, 2007, p. 205) e viril. O covarde, o
pusilânime, o frouxo, o impotente e o sodomita eram mais do que nunca objetos
de desprezo (CORBIN, 2013, p. 7). Neste sentido suas pretensões estavam mais
próximas das representações do homem feitas pela cineasta Leni Riefenstahl (1902-2003) e pelo arquiteto e artista plástico
Arno Brecker (1900-1991) [Figura
14a e Figura14b] do que de
Macunaíma. Ainda que não fosse possível identificar o homem nacional com os do
Terceiro Reich em suas pretensões de revitalizar a mitologia helênica numa
versão de ação do corpo guerreiro, transpirando vitalidade bélica, com a
exaltação da beleza nacionalista numa recomposição do militarismo do corpo dos
guerreiros espartanos e atenienses, parece certo inscrever a concepção do Monumento
ao Homem Brasileiro nesta esfera. As decepções do ministro apenas reforçam
este ponto de vista.
46.
A
esse respeito vale lembrar que a distância entre Capanema e o Fascismo não era
abissal. Em 1935, enquanto se instalava a comissão para a Cidade Universitária
no Rio de Janeiro, ele tratou de levar adiante a ideia da colaboração do
arquiteto italiano Marcello Piacentini (1881-1960),
autor da Cidade Universitária de Roma e joia do regime fascista.[25]
47.
Diante
de uma equação com esta quantidade de variáveis, Capanema capitulou. O Monumento
ao Homem Brasileiro não saiu do plano das intenções. Entretanto, a vontade
do ministro não era um caniço que se dobrava com facilidade. O edifício havia
sido concebido para transmitir uma ideia de leveza ao apoiar-se sobre pilotis;
apenas o teatro possuía um volume maciço sobre o solo. Para atenuar sua
superfície, a equipe do projeto sugeriu a colocação de uma obra de arte que
fosse um relevo sobre o plano (ZANINI, 1980), um elemento dirigido à dinâmica
urbana da Rua Araujo Porto Alegre. A sugestão
temática de Capanema foi, como havia sido, imodesta: a
Vitória - algo como a Vitória de Samotrácia, a
lembrar perpetuamente a realização da obra. Como a realização da obra era uma
vitória política e governamental, nada melhor que mostrar uma imagem de Vitória
aos transeuntes.
48.
Novamente,
foram convidados Victor Brecheret e Celso Antônio, além de Bruno Giorgi. Novamente, outro fracasso.[26]
Nenhuma proposta agradou ao ministro.[27] A obra foi postergada até 1942, com a
contribuição de Jacques Liptchitz (18891-1973) e não
seria a Vitória, mas outro tema clássico de resistência: Prometeu e o abutre [Figura 15a e Figura 15b].[28]
Mais um fracasso. A estátua foi realizada, mas os adjetivos relacionados a ela
foram pouco lisonjeiros: Barki, Kós
e Vilas Boas observaram que, depois de colocada, a obra de Liptchitz
desencadeou uma polêmica na imprensa, culminando com um protesto formal da
Sociedade Brasileira de Belas Artes, recebendo “poucos artigos favoráveis - de
Quirino Campofiorito e Agostinho Olavo - e uma
multiplicidade contra, definida como ‘monstro antediluviano,’
‘urubu,’ ‘pesadelo,’ ‘escultura teratológica.’”[29]
49.
Se,
devido a toda a problemática já levantada, o Monumento ao Homem Brasileiro
desencadeou uma crise que resultou no esvaziamento do modelo escultórico e na
própria definição de monumento na primeira metade do século XX no Brasil,
faltava um capítulo. Capanema aspirava criar uma aurora e precipitou um ocaso:
o Monumento à Juventude Brasileira.
50.
Os
fatos são conhecidos. Em outubro de 1943, o Sindicato dos Educadores, em
conjunto com o movimento da Juventude Brasileira, se mobilizou para arrecadar
fundos para a construção de um monumento destinado ao futuro glorioso que,
acreditava-se, aguardava os jovens brasileiros.[30]
Esboços para esse novo monumento feitos com o papel timbrado do gabinete do
ministro indicam a participação direta desse último [Figura 16].[31]
Frustrado com a não realização do Monumento ao Homem Brasileiro,
conhecedor da recepção do Prometeu estrangulando o abutre, ele havia
encontrado uma saída: o Monumento à
Juventude seria o Monumento ao Homem
Brasileiro possível, como brilhantemente observou Paulo Knauss (1999).
51.
Como
o Colosso da intenção inicial, o jovem casal destinava-se ao futuro,
posicionando numa composição bem mais dinâmica que os estudos feitos para o Homem
Brasileiro. Bem menor que as intenções iniciais - dos 11 metros da proposta
de Capanema para 4,45 metros do produto final - o monumento possível está lá,
com seus altivos olhares à frente antevendo o futuro que os espera [Figura 17]. Não apresenta um homem maduro, como na
concepção inicial, na posse de todas suas faculdades físicas e intelectuais,
mas um casal de jovens, um processo, ainda em formação. Imortalizados em
granito, completam o edifício do Ministério ao aguardar um futuro ainda visto
como dourado.
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_________________________
[1] Sobretudo as
reflexões de Roberto Segre (2013), certamente as mais
aprofundadas no assunto até agora.
[2] Para Comas (2000),
“essencialmente solidário e integrado com o sítio ao qual se implanta, [o
ministério] tem, além disso, o potencial de reprodução do protótipo. Giedion dizia que era ‘um passo certo em direção à
monumentalidade contemporânea.’ Uma praça semi-edificada
cercada por quarteirões fechados não se vincula à cidade da carta de Atenas.
Mais parece protótipo de edifício institucional que reinterpreta, em termos
contemporâneos, as ideias tradicionais de rua, quarteirão, praça e a oposição
entre tecido e monumento.”
[3] Como observou Barki, Kós e Vilas Boas, Lucio
Costa nunca deixou de desenhar as paisagens relacionadas com suas obras em
viagens de estudos. Oscar Niemeyer manteve uma constante produção literária,
gráfica, escultórica e de desenho de mobiliário. Carlos Leão foi o mais próximo
das atividades artísticas, dedicand0-se no final de sua vida à pintura e ao desenho.
Outros arquitetos alcançaram certo prestígio através de suas obras artísticas:
Alcides da Rocha Miranda, Géza Héller
e Eugênio
de Proença Sigaud. Esse vínculo perdurou nos anos 1940, ao reprimir-se na ENBA as manifestações vanguardistas. Os
estudantes montaram em 1942 e 1943 a Exposição dos Dissidentes no
recém-inaugurado edifício da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), apoiados
pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e alguns de seus membros, como
Maurício Roberto, Francisco Bolonha, Eduardo Corona, Alcides da Rocha Miranda,
Oscar Niemeyer e Firmino Saldanha. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.069/376>.
[4] A esse respeito ver
ROSA, 2005.
[5] Como os demais
modernistas de sua época, Lúcio Costa estava convicto disto. Em carta a Capanema
ele colocou que: “Neste oásis circundado de pesados casarões de aspecto
uniforme e enfadonho, viceja agora, irreal na sua limpidez cristalina, tão
linda e pura flor - flor do espírito, prenúncio certo de que o mundo para o
qual caminhamos inelutavelmente, poderá vir a ser,
apesar das previsões agourentas do saudosismo reacionário, não somente mais
humano e socialmente mais justo, senão, também, mais belo.” Carta de Lúcio
Costa a Capanema, outubro de 1945. GC/Costa, Lúcio, doc. 1,
série b. Carta de Lúcio Costa a Capanema, outubro de 1945. GC/Costa, Lúcio. doc. 1 série b. Citado em: <http://www.schwartzman.org.br/simon/capanema/capit3.htm>.
[6] A esse respeito Schwartzman (2000, P. 97) afirmou que “se a tarefa
educativa visava, mais do que à transmissão de conhecimentos, à formação de
mentalidades, era natural que as atividades do ministério se ramificassem por
muitas outras esferas, além da simples reforma do sistema escolar. Era
necessário desenvolver a alta cultura do país, sua arte, sua música, suas
letras; era necessário ter uma ação sobre os jovens e sobre as mulheres que
garantisse o compromisso dos primeiros com os valores da nação que se
construía, e o lugar das segundas na preservação de suas instituições básicas;
era preciso, finalmente, impedir que a nacionalidade, ainda em fase tão
incipiente de construção, fosse ameaçada por agentes abertos ou ocultos de
outras culturas, outras ideologias e nações. Como sempre, estas ações do
Ministério da Educação não se dariam no vazio, mas encontrariam outros setores,
movimentos e tendências com as quais seria necessário compor, transigir, ou
enfrentar.”
[7] LE CORBUSIER. A
arquitetura e as Belas-Artes - As tendências da arquitetura racionalista
relativamente à colaboração da pintura e da escultura. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro: Iphan, n. 19, 1984,
p. 53-69.
[8] Em relação à
produção artística, Gropius orbitava em torno da
abstração, o que o distanciava ainda mais de Le Corbusier. Grandes monumentos
realizados antes de 1935 - como o Monumento aos Mortos da Primeira Guerra
(Gropius, 1920), a Tumba de Lenin (Schussev, 1930) e o Monumento a Rosa de Luxemburgo
(Mies van der Rohe, 1926) - não eram figurativos.
[9] Talvez, em parte
devido a isto, a produção de Lúcio Costa não caminharia para um “vértice”.
Metodologicamente, não equivalia a um “processo” cumulativo. Antes, partia de
um léxico determinado que, mediante um rigoroso raciocínio crítico, frutifica
várias soluções possíveis
[10] Literalmente
traduzido como “obra de arte total”.
[11] Anos mais tarde,
este tema de “síntese das artes” teve um outro momento
de reflexão no Congresso Internacional
Extraordinário dos Críticos de Arte, ocorrido em São Paulo, Rio de Janeiro
e Brasília, de 17 a 25 de setembro de 1959. Um ano antes da inauguração da nova
capital federal. O tema do Congresso, sugerido por Pedrosa, dificilmente
poderia ser superado em ambição: Brasília, cidade-síntese das artes.
Curiosamente, as únicas vozes dissonantes foram as de Pedrosa e Lúcio Costa. O
urbanista se mostrou perplexo com a arquitetura contemporânea e o papel das
novas técnicas que alteravam, a seu ver, o papel da arte, sobretudo no tocante
ao seu ensino. Lúcio Costa discordou até mesmo da expressão que unia o
Congresso.
[12] Sem ser alegórico,
o espaço modernista - ao menos o explicitado em obras como o Ministério da
Educação e Saúde - se construiria através desta retórica, entendida como a arte
de persuadir, a arte de estabelecer um discurso político - ainda que distante
do conceito aristotélico de se falar no Areópago. A retórica como um
instrumento persuasivo não está necessariamente ligada a um texto literário e
seu emprego na arte é inconteste.
[13] A correspondência de Portinari, por exemplo, não deixa
dúvida em relação à atuação diretiva da temática. O ministro indica livros para
que o artista se inspire, cita autores de referência e manda até fotografias
para subsidiá-lo. Escrevendo ao artista em 7 de
dezembro de 1942, Capanema colocou que: “Sobre as pinturas para o edifício do
Ministério da Educação penso que não mudarei de ideia quanto aos temas. No
salão de audiências, haverá os doze quadros dos ciclos econômicos, ou melhor,
dos aspectos fundamentais de nossa evolução econômica. Falta fazer o último - a
carnaúba -, mudar de lugar o da borracha, e fazer de novo um que se destruiu.
Na sala de espera, o assunto será o que já disse - a energia nacional
representada por expressões da nossa vida popular. No grande painel, deverão
figurar o gaúcho, o sertanejo e o jangadeiro. Você deve ler o III Capítulo da
segunda parte de Os Sertões de
Euclides da Cunha. Ali estão traçados de maneira mais viva os tipos do gaúcho e
do sertanejo.
Não sei que autor terá descrito o tipo do
jangadeiro. Pergunte ao Manoel Bandeira. No gabinete do Ministro, a ideia que me
ocorreu anteontem aí na sua casa parece a melhor: pintar Salomão no julgamento
da disputa entre as duas mulheres. Você leia a história no terceiro livro de
Reis, Capitulo III, versículos 16-28. No salão de conferências, a melhor ideia
ainda é a primeira: pintar num painel a primeira aula do Brasil (o jesuíta com
os índios) e noutro, uma aula de hoje (uma aula de canto). No salão de
exposições, na grande parede do fundo, deverão ser pintadas cenas da vida
infantil. Peço-lhe que faça os necessários estudos e perdoe desde já as minhas
impertinências.
Creia no grande apreço e afetuosa estima do seu
amigo.
Capanema”
Capanema, Gustavo; Ministério da Educação e Saúde. [Carta] 1942 dez. 07,
Rio de Janeiro, RJ [para] Candido Portinari, [Rio de Janeiro, RJ].
[14] Conforme já tive
oportunidade de observar em Os azulejos
de Portinari na arquitetura modernista no Brasil (2014).
[15] No original em
francês: “son homme instintif, individuel, collectif et cosmique,
lá où Il s´est exprimé dans le
grand débat homme et nature, homme et destin” (LUCAN, 1997, p.
267).
[16] Em carta a
Capanema, em 30 de dezembro de 1937, ele diz: “Estou feliz também por saber que
o grande escultor Celso Antônio estuda a figura monumental que será colocada
diante do edifício [...]” (apud LISSOVSKY, 1996, p. 140).
[17] À sua maneira,
Cândido Portinari já havia enfrentado esta questão espinhosa em sua obra
pictórica desta época. Para ele, o verdadeiro brasileiro não era nem sulista,
nem nordestino ou sertanejo, era trabalhador. Fosse camponês ou operário, a
figura do homem trabalhador, duro, embrutecido, calejado, resistente, reunia
todas as outras coisas que limitavam-se ao reino das
aparências. É nesse sentido que obras como Mestiço (1934), Café
(1935) e Lavrador de Café (1934) podem ser entendidos como produto
destas reflexões na mente do artista, como produto de seu modo de ver o
nacionalismo, a referência formal expressionista e a temática social. As mais influentes
obras de Portinari das décadas de 1930-40 relacionam-se, em maior ou menor
grau, com estas variáveis.
[18] Dois anos depois, a
capital brasileira passou por dias de efervescência política com o regresso de
Prestes e o apoio do P.C.B. à Aliança Nacional Libertadora (ANL). O Clube de
Cultura Moderna lançou a revista Movimento, claramente se colocando ao
lado da ANL. Neste mesmo ano, a revista organizou a primeira Exposição de arte
Social tendo a frente o intelectual Aníbal Machado. Estiveram presentes na
exposição os trabalhos de Carlos Leão, J. Barbosa, Toledo, Teruz, Alcides Rocha Miranda, Guignard,
Ismael Nery, Paulo Werneck, Waldemar da Costa, Hugo
Adami, Santa Rosa, Di Cavalcanti, Goeldi
e, claro, Portinari. Ao que parece, a imagem de Portinari saiu enormemente
fortalecida da exposição, através da divulgação de Aníbal Machado.
Desconsiderando o papel da produção de Di Cavalcanti e Tarsila
no movimento modernista, ele colocou textualmente em relação ao evento: “É
preciso, porém, ter a coragem de afirmar que antes de Cândido Portinari, os
nossos grandes pintores fugiram à realidade brasileira.Com
exceção de Almeida Júnior, limitaram-se, como Pedro
Américo e Victor Meirelles, aos quadros alegóricos, comemorativos e
às academias luxuosas” (In: AMARAL, 2003, p.50).
[19] No período entre
1917 e 1922, a preocupação capital dos artistas brasileiros seria a afirmação
de uma arte moderna. A partir de 1922 - uma vez alcançado este objetivo - esta
preocupação seria marcada pelo cunho do nacionalismo. A tão decantada
preocupação nacionalista na origem da arte modernista já não era de modo alguma
inédita. A realidade nacional já vinha, de longe, inspirando os artistas
nativos, imigrantes ou visitantes, desde o Romantismo. Apesar disto, a busca
pela caracterização de uma identidade nacional parece ser o elemento comum à
vanguarda brasileira. Isto naturalmente se traduzia no plano formal à
subordinação da obra de arte ao assunto e colocava conceitualmente os
modernistas em planos opostos. Desde Manet (1832-1883), muitos artistas
modernos europeus abominariam a primazia do tema e a sujeição a um assunto. Do
lado de cá do Atlântico, antes de se projetar a imagem de um Brasil, fazia-se
necessário configurar-lhe uma expressão, conceituar
uma brasilidade.
[20] Como já é conhecido, a afirmação do modernismo na arte brasileira correspondeu
à construção de um discurso e se processou através de duas maneiras: num plano
conceitual mais amplo, dizia respeito a como os artistas se defrontam com as
teorias internacionais advindas das vanguardas europeias; numa outra esfera, se
refere a como a subjetividade de cada artista brasileiro lidaria e como
produziria a partir deste enfrentamento, nas condições de produção específicas
da sociedade brasileira da época. Historicamente, estas duas maneiras
correspondem a dois momentos: um a partir da Semana de 1922, que objetiva o
estabelecimento de uma linguagem que fosse, ao mesmo tempo, moderna e
brasileira, enraizando meios para a continuação de seus valores; e outro, a
partir de 1930, quando o movimento modernista vai em direção a uma temática de
preocupação social, conforme afirmou Zílio (1997, p.18).
[21] De qualquer forma,
a atitude de Vargas em relação à cultura foi ambígua e sua ideologia
pragmática, não impedindo que ele reprimisse fortemente os partidos de esquerda
e os de direita quando se opuseram a ele. O conceito ideológico de nacionalismo
da Era Vargas apresenta-se assim abstrato, devido à sua ausência de conteúdo
social, resultando na prática uma definitiva consolidação do poder estatal.
[22] Para Lafetá (2000), já na metade da década de 1930, o modernismo
se transformaria de um projeto estético em um projeto ideológico.
[23] Esta questão de
identidade estava sendo enfrentada à época por Portinari na execução do grande
mural do Ciclo Econômico. Sua primeira grande obra pública, os painéis do Ciclo
da Vida Econômica do Brasil, do Ministério (Cana de açúcar, Tabaco, Algodão,
Pau-Brasil, Erva-mate, Borracha, Café, Cacau, Ferro, Gado Bovino, Ouro e
Carnaúba) são exemplos de como o pintor via o Brasil. A esse respeito ver:
FABRIS, 1996.
[24] Como observou Schwartzman ao
colocar que: “Era um projeto revolucionário em seus objetivos. Mas o
modernismo, do qual Mário de Andrade foi um dos principais representantes, era
suficientemente amplo e ambíguo para permitir interpretações bastante variadas
e não se colocar em contradição frontal com o programa político e ideológico do
Ministério da Educação. Em algumas versões, o modernismo se aproximaria
perigosamente do irracionalismo nacionalista e autoritário europeu, e não é por
acaso que o próprio Plínio Salgado seja identificado com uma das vertentes
deste movimento. O que preponderou no autoritarismo brasileiro, no entanto, não
foi a busca das raízes mais populares e vitais do
povo, que caracterizava a preocupação de Mário de Andrade, e sim a tentativa de
fazer do catolicismo tradicional e do culto dos símbolos e lideres da pátria a
base mítica do Estado forte que se tratava de constituir. Capanema estava,
seguramente, muito mais identificado com esta vertente do que com a
representada pelo autor de Macunaíma, que não temia entrar em contato com ‘a
sensualidade, o gosto pelas bobagens um certo sentimentalismo melado, heroísmo,
coragem e covardia misturados, uma propensão política e pro discurso’ que
faziam parte da visão andradiana do caráter
brasileiro.
Era, sem dúvida, no
envolvimento dos modernistas com o folclore, as artes, e particularmente com a
poesia e as artes plásticas, que residia o ponto de contato entre eles e o
ministério. Para o ministro, importavam os valores estéticos e a proximidade
com a cultura; para os intelectuais, o Ministério da Educação abria a
possibilidade de um espaço para o desenvolvimento de seu trabalho, a partir do
qual supunham que poderia ser contrabandeado, por assim dizer, o conteúdo
revolucionário mais amplo que acreditavam que suas obras poderiam trazer.”
Disponível em: <http://www.schwartzman.org.br/simon/capanema/capit3.htm>.
Acesso em: Acesso em: 22 ago 2013, 12:45.
[25] Como também
observou Schwartzman: “em telegramas à embaixada
brasileira em Roma, de maio e junho de 1935, Capanema pedia que se contratasse
o arquiteto para ‘vir ao Brasil realizar idêntico serviço informando preço e
tempo provável.’ Uma longa carta do ministro de
Relações Exteriores, J. C. Macedo Soares, instruindo a embaixada em Roma sobre
o assunto, informava que a cidade deveria ser construída na Praia Vermelha e
para realizá-la era necessário um arquiteto ‘que seja não somente uma
notabilidade de fama universal na matéria, como que disponha ainda de um corpo
de técnicos profissionais que, pela sua organização e capacidade, possa dar, de
antemão, a garantia de fiel e completa execução da obra.’ A carta previa que
talvez fosse necessário convencer o governo italiano sobre a importância do
trabalho e, para isto, sugeria que a embaixada argumentasse mostrando ‘o alto e
expressivo significado que terá para o nome da Itália e do regime fascista, em
particular, a obra de vulto brasileira a ser executada pelo arquiteto italiano.
A boa propaganda da cultura italiana no Brasil deverá impressionar a geração
atual dos nossos universitários e dos que virão.’” Disponível em: <http://www.schwartzman.org.br/simon/capanema/capit3.htm>.
Acesso em 28 abr 2014.
[26] Numa entrevista
concedida em 12 de Dezembro de 1968 a Alberto Xavier, Capanema se referiu à
colocação precisa de determinadas obras e aos imodestos objetivos ambicionados:
“Aí foram lançados nomes como os de Portinari, Celso Antonio,
para quem o Congresso Nacional acaba de votar uma pensão, porque ele está na
miséria, inclusive passando necessidades. Colaborou também o Lipchitz, em uma escultura na parede curva do auditório.
Aquela parede devia ter uma escultura e uma [escultura] ali era uma coisa muito
difícil. Tentamos com o Celso Antonio, com o Bruno
Giorgi, com o Brecheret, enfim, com muitos escultores brasileiros. Nenhum dava
certo. O Celso Antonio fez uma escultura muito bonita
para lá, uma beleza de escultura. Fez a maquete e eu e Lúcio Costa fomos vê-la.
Então, Lúcio Costa me disse: ‘Dá idéia de uma
borboleta pregada na parede.’ Então, eu lhe disse:
‘Olha, Lúcio, você liquidou com o projeto inicial, eu já não faço mais.’ A
nossa ideia a respeito do projeto e de que fosse ou representasse uma vitória,
uma coisa como a Vitória de Samotrácia. A vitória de Samotrácia era o que estava na minha cabeça, embora eu não
a conhecesse ainda. Ela nunca esteve no Brasil. Só muito tempo depois é que
pude vê-la em Paris. A vitória de Samotrácia me
entusiasmava muito. Eu queria uma coisa como aquilo, uma coisa daquele gênero,
com aquele sentido. Foi então que Oscar Niemeyer sugeriu-me que indagasse o Lipchitz, que estava em Nova York, poderia vir fazer a
escultura.” (CAPANEMA, Gustavo. Depoimento sobre o edifício do Ministério da
Educação. In: XAVIER, Alberto, 2003).
[27] CAPANEMA, G. Depoimento sobre o edifício do Ministério da
Educação. In: Módulo, nº 85, Rio de Janeiro: maio
1985, p. 28-32. Reproduzido em XAVIER, Alberto (Org.). Arquitetura moderna brasileira. Depoimento de uma geração. São Paulo,
ABEA/FVA/PINI, 1987, p. 113-126.
[28] A obra foi içada em
1945, e conforme colocou José Barki: “devido a sua
complexidade, em 1944 foi enviado um modelo com 1/3 das proporções previstas.
Devido à dificuldades técnicas, além da intuição
acerca do fim do governo Vargas, Capanema decidiu colocar a figura em bronze
com o mesmo tamanho do modelo. Isto causou irritação em Lipchitz,
que negou a autoria nas publicações de sua obra. Cabe reconhecer que estava
certo: a escultura se perde na amplitude do muro e na escala urbana fica pouco
legível. No entanto, é a obra esteticamente mais avançada entre as esculturas
no ministério. Nela, a simplicidade das ‘decomposições’ cubistas dos arlequins
se transformou em um ‘paroxismo barroco’ expressionista. Prometeu e o abutre
estão fundidos com um ritmo que é definido pela variação da luz ao longo do
dia. O drama é percebido, não somente pelo escuro do bronze, mas também pela tensão
que transcende o acontecimento, exteriorizado pela deformação do corpo do
Prometeu no gesto de estrangular o abutre. Uma vez colocada, desencadeou uma
polêmica na imprensa, com poucos artigos favoráveis - de Quirino Campofiorito e Agostinho Olavo - e uma multiplicidade
contra.” (BARKI et all, op. cit. 2006).
[29] Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.069/376>.
[30] Pelo rádio, a
locutora Lúcia Magalhães informou aos ouvintes que o monumento seria uma expressão
de confiança no futuro da raça. Em suas palavras: “eu muitas vezes disse,
através deste microfone, que a atual geração da Juventude Brasileira era
predestinada. Confirmando esta intuição, é preciso ver mais um signo de
predestinação nesse momento que perpetuando no bronze toda a Juventude da nossa
terra, a que amanhã surgirá para tomar das mãos dos seus maiores o facho da
civilização [...]. É esse sentimento, fator precioso e unificador da Pátria,
que o Monumento da Juventude Brasileira quer perpetuar. [...] entrego aos meus
ouvintes da Hora da Juventude a missão honrosa de propagar a fé no futuro de
seus próprios destinos.” (In: KNAUSS, op. Cit. P. 185).
[31] Observa-se que são
feitas diferentes alternativas de apoio para o grupo escultórico, mas não
formas diferentes. A ideia do jovem casal já estava definida e parecia ser
inegociável.