As
pinturas indianistas de Rodolfo Amoedo
Marcelo Gonczarowska Jorge
JORGE,
Marcelo Gonczarowska. As pinturas indianistas de
Rodolfo Amoedo. 19&20,
Rio de Janeiro, v. V,
n. 2, abr. 2010. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/obras/ra_indianismo.htm>.
*
* *
INTRODUÇÃO
1.
Ao
pesquisar Rodolfo
Amoedo, percebemos que as pinturas do artista são belas, sofisticadas,
instigantes. São trabalhos que sempre atraíram e provavelmente continuarão
exercendo fascínio sobre as pessoas. A historiadora Maria Eurydice
Ribeiro defende que qualquer trabalho intelectual tem que envolver prazer para
funcionar. A satisfação de pesquisar as obras de Rodolfo Amoedo, portanto, é
total.
2.
A
escolha específica pelas pinturas indianistas realizadas durante do período de
pensionato é devida à qualidade dessas obras, as melhores de toda a carreira de
Amoedo. O historiador Francisco Acquarone (1930, p. 207) afirma que “lá [na
Europa, Amoedo] executou suas melhores obras”, e o próprio
Amoedo confirma: “Em Paris, eu pintava bastante. Posso dizer mesmo que
apenas lá vivi em toda a sua plenitude a minha vida de artista” (TAPAJÓS GOMES
apud CAVALCANTI, 2007, p. 64). Dentre elas, as mais misteriosas e estimulantes
são as indianistas, que cativam a curiosidade do público de hoje, desacostumado
a ler livros como O Uraguai e O Guarani.
3.
Neste
trabalho, será feito primeiramente um panorama do indianismo, com especial
atenção para as artes brasileiras, e depois faremos um apanhado das
circunstâncias nas quais Amoedo pintou Marabá [Figura 1], O último Tamoio [Figura 2] e A Morte de Atalá
[Figura 3]. Talvez, cientes do universo que cercava o
artista, possamos encontrar pistas sobre a sua motivação. Em seguida, cada uma
das pinturas supracitadas será analisada individualmente. Por último, com base
neste percurso, tentaremos fazer a união entre a personalidade de Amoedo, o
caráter de suas obras e o contexto em que elas foram produzidas, buscando
compreender os resultados dessa alquimia.
4.
Infelizmente,
por questões logísticas, eu não tive acesso a todos os estudos de Amoedo para
as obras, assim como a nenhum material autográfico do artista sobre as mesmas,
e essa lacuna da pesquisa, se preenchida, poderia nos aproximar mais do Amoedo
pintor. Sabemos que a metodologia de um artista diz tanto sobre sua
personalidade quanto o trabalho final em si. De qualquer forma, espero que a
pesquisa exaustiva e o raciocínio sirvam como paliativo para essa falta.
O
PROBLEMA DA DEFINIÇÃO PARA ARTE INDIANISTA
5.
O
que é arte indianista? Qual é o seu conceito? Essas questões foram colocadas
para mim pelo meu orientador quando o trabalho de pesquisa e redação deste
artigo (que foi produzido originalmente como um projeto de iniciação
científica) já estava bem avançado. Ao começar a pesquisar o trabalho de
Rodolfo Amoedo e suas telas indianistas, minha primeira preocupação foi saber o
quê é arte indianista e quais são as suas características. Contudo, a maior
parte dos livros de história da arte, catálogos e livros de arte brasileira que
citavam o termo esquivou-se de conceituá-lo ou importou da literatura a
definição para indianismo. Tendo isso em consideração, eu resolvi seguir com o
trabalho sem trazer essa definição, mas acreditando que uma convenção para
“arte indianista” poderia substituir um conceito, da mesma forma como não há
uma definição perfeitamente abrangente para cultura, mas mesmo assim
qualquer um tem uma idéia mais ou menos abstrata do
que é.
6.
Entretanto,
o questionamento levantado pelo meu orientador me trouxe uma dúvida ainda mais
pertinente: realmente existiu uma arte que pode ser chamada de indianista nas
artes plásticas brasileiras? Ou esse é um título que se atribuiu comumente às
pinturas com figuras de índios e que não partilham de outro denominador comum?
O fato de o auge da produção de pinturas com temática indianista ter acontecido
bem após sua voga na literatura é um dado que suscita a dúvida sobre o quanto
os pintores e escultores compartilhavam do espírito do indianismo romântico,
aquele que resolvera elevar o índio ao status de alter
ego nacional.
7.
Na
América Latina e mais especificamente no México, a arte indianista foi um
movimento político e de grande força, com um caráter nacionalista bem mais
acentuado do que o que percebemos nas artes plásticas do Brasil. Dawn Ades (1997) explica que a produção artística mexicana
de meados do século XIX demonstrava o despertar do interesse pele a história
americana, tanto pretérita quanto contemporânea [Figura 4].
A autora ainda explica que a
8.
unidade nacional, a suma
preocupação do momento, cada vez mais era considerada como dependendo do
sentido de identidade, de ‘mexicanidad’, com fortes
raízes históricas. Os anos de regime colonial passaram a ser vistos como uma
selvagem interrupção da história mexicana, enquanto a continuidade com o
passado pré-conquista era enaltecida. (1997, p. 31)
9.
Os
astecas já eram uma civilização bem avançada quando da chegada dos espanhóis ao
México, que invadiram o território com grande violência e crueldade, submetendo
os índios a um estado de servidão. Os intelectuais mexicanos (assim como os
brasileiros fariam depois) projetaram no índio a história do próprio país, e os
estrangeiros tornaram-se os vilões. O México foi invadido durante toda a sua
história, e só para os Estados Unidos perdeu metade do seu território. Ades
(1997, p. 31) aponta que com a restauração da república mexicana em 1867, “foi
pintada uma grande quantidade de imensas telas que reproduziam cenas do passado
pré-colombiano, como o democrático Parlamento de Tlaxcala,
de Rodrigo Gutiérrez, ou a Descoberta de Pulque [Figura 5],
de Obregón. No último quartel do século, porém,
passou-se a dar preferência à agressividade contida nas imagens dessa história
[Figura 6],
aquelas que punham em evidência os aspectos violentos e perversos da conquista
espanhola e os 300 anos de regime colonial que se seguiram; são exemplos o Frei Bartolomeu de Las
Casas (1875)
[Figura 7] e os Episódios
da conquista (1877)
[Figura 8],
de Félix Parra.”
10.
A
representação com caráter heroico de um episódio da história indígena pode ser
encontrada até no trabalho do inglês Millais [Figura 9],
mas em nenhuma das pinturas indianistas brasileiras encontramos um discurso
político tão evidente, ou uma celebração do indígena e sua civilização. O
último tamoio (1884), de Amoedo, talvez seja a pintura indianista que mais
se aproxima desse caráter nativista, mas a presença de Anchieta - europeu -
atenua o maniqueismo dos papéis.
11.
O
indianismo na pintura e na escultura brasileiras foge do caráter heroico e
cheio de movimento que a literatura prezou em grande parte, principalmente nos
textos de Gonçalves de Magalhães e José de Alencar. Aqui, os artistas plásticos
privilegiaram os episódios e o tratamento lírico e trágico do tema, bem
romântico, tanto que a maior parte dos índios é representada em situações
trágicas - mortos ou morrendo (Aimbire, Atalá, Lindóia, Moema) ou afogando-se em lágrimas (Marabá,
Iracema). Quase nunca encontramos o índio guerreiro, do naipe de um Peri ou Jaguarê, e talvez a única representação pictórica de um
índio guerreiro em ação seja o Felipe Camarão expulsando os holandeses do
Nordeste [Figura 10] na Batalha dos Guararapes (1879) de Vitor
Meirelles.
12.
Para
Lucas de Monterato, o caráter acadêmico de boa parte
das obras de arte também seria um impedimento para a produção de uma arte
verdadeiramente indianista, como ele aponta em História da arte, com um
apêndice sobre as artes no Brasil (1978, p. 284): “Romance, pintura e
escultura, sob a influência do academismo, chegaram a criar um Indianismo
superficial, contraditório entre a linguagem formal clássica e os enfeites
indígenas”. Bardi (1975, p. 178) reconhece que a pintura brasileira de temática
indianista serviu para “desenganchar a pintura da época em relação à rotina da
temática de gênero do academismo francês. É o único período em que a pintura e
a literatura se contatam”, mas em seguida afirma que “os esforços nos dois
setores parecem mais de químicos preocupados em realizar um determinado
produto, não dispondo dos elementos indispensáveis ou os tendo tão deficientes
quanto adulterados”, compartilhando com Monterato a
opinião de haver um aspecto artificial nessas obras.
13.
Mas
a corrente de crítica a que esses autores pertencem (não podemos esquecer que
os dois escreviam na década de 70, período em que a arte acadêmica pairava na
mais baixa estima) dificilmente veria mais do que artificialismo na arte do
período, como fica claro no trecho abaixo, de autoria de Bardi (1975, pp. 178 e
179), em que ele defende que os pintores acadêmicos brasileiros,
14.
ignorantes de etnografia, não
dispunham de contato com os indígenas, nem eram leitores crédulos de A Confederação dos
Tamoios, de Domingos José Gonçalves de Magalhães, confluíam suas especulações
indigenísticas para um maneirismo decaído [...]. Autêntica pintura
indianista é a dos desenhistas que integravam as comitivas de explorações, pois
eles observam o aborígene com curiosidade e interesse científico.
15.
Aqui,
Bardi confunde pintura indianista com etnografia, esquecendo a diferença básica
de que enquanto aquela possui um cerne poético e artístico, o objetivo desta é
primordialmente científico, documental. Além disso, os pintores brasileiros não
estavam tão preocupados com arqueologia (tendo em vista a dificuldade de se
encontrar índios com costumes, roupas e acessórios tradicionais no Rio de
Janeiro da segunda metade do século XIX, quanto mais submetê-los às longas
horas de pose necessárias para a conclusão de uma pintura histórica), assim
como os pintores franceses não estavam preocupados em reproduzir cortes de
cabelos e indumentária do período grego arcaico ao representar a guerra de
Tróia. A ideia era criar uma ilusão suficientemente convincente para atingir ou
superar o grau de exigência e o gosto do público da época.
16.
Mas,
afinal de contas, seria o indianismo nas artes plásticas apenas uma versão
“acadêmica” e sem vida de seu homônimo literário? Não, não devemos pensar
assim. As artes plásticas e a literatura são duas linguagens diferentes, e assim
será com suas respectivas abordagens. Francisco Acquarone definiu o indianismo
como nada mais que “uma reação da alma brasileira contra a influência
espiritual da ex-metrópole” (1939, p. 58) mas, enquanto esse parece ser o caso da literatura, a
pintura parece estar mais preocupada com o lado lírico e idílico do indianismo,
em detrimento do lado heroico e epopeico.
17.
Luciano
Migliaccio parece ter encontrado um dos fios da meada para a solução da nossa
questão. Ao comentar a Moema de Vitor Meirelles [Figura 11], ele defende que o artista
18.
reformulou em termos
nacionais um outro gênero: a paisagem histórica, que, unindo o indianismo ao
romance sentimental e ao erotismo por meio da imagem feminina, tornou-se
característico da pintura brasileira durante toda a segunda metade do século. (MIGLIACCIO,
2000, p. 105)
19.
De
fato, a maioria das obras indianistas brasileiras são nus ou semi-nus femininos, em que a
paisagem recebe grande destaque - o que torna ainda mais evidente a validade do
comentário. Migliaccio (2000, p. 106) segue defendendo que, em sua fórmula
clássica, o tema do nu feminino na paisagem “busca uma harmonia entre forma
humana e paisagem, entre erotismo e contemplação da natureza. Moema [de
Vitor Meirelles] é, portanto, um idílio, mas um idílio trágico”
e completa lembrando que as “Iracemas e Marabás de Rodrigo
Duarte, de Amoedo e de Parreiras
ecoam a mesma triste poesia, que Meirelles soube, primeiro, intuir.
Demonstram que Meirelles tocou um nervo sensível da imaginação do povo
brasileiro.” Talvez nosso indianismo seja, por um lado, um orientalismo à
brasileira, só que na nossa arte, ao invés de escravas e odaliscas nuas em
haréns, encontramos moças nuas com o tempero exótico da paisagem (o tema do nu
feminino na paisagem também apareceu em outros países latinos, como na Caçadora
dos Andes [Figura 12], de1891, do mexicano Felipe
Gutiérrez).
20.
Mas,
e no caso de trabalhos como O Último Tamoio, de Amoedo, o Rio
Paraíba do Sul (1866) [Figura
13] de Almeida Reis e Alegoria do império brasileiro (1872)
[Figura
14] de Chaves Pinheiro? O Último Tamoio, assim como o
Felipe Camarão na Batalha dos Guararapes (1879) de Meirelles, parece ser
representante do raríssimo tipo de pintura que coloca o índio como herói, ou
herói-guerreiro na composição, e, agora sim, eles representam a ideia de “herói
típico da nacionalidade, como tal anteposto ao colonizador europeu”, como diz José
Roberto Teixeira Leite (1988, p. 256) em seu dicionário de pintura. Já as
esculturas são alegorias, sendo que no trabalho de Chaves Pinheiro a
identificação entre o Brasil e o índio é explícita, e dessa identificação
podemos captar as características tradicionais do índio romântico: forte,
robusto, viril, sereno, tranquilo e bonito. Se é um
trabalho que usa a imagem do nativo como alegoria, também não deixa de ser uma
celebração do índio rousseauniano.
21.
Tendo
em vista tantas abordagens diferentes para o tema do índio na arte nacional,
tanto do ponto de vista da crítica quanto do ponto de vista artístico, fica
evidente que talvez uma única definição para arte indianista seja impossível
ou, se houvesse, seria genérica demais. Ainda assim, podemos depreender do
conjunto de trabalhos que o indianismo nacional, que era tudo menos coeso, foi
uma forma de expressão lírico-trágica da natureza - tanto em relação à paisagem
quanto ao caráter - nacional, e o índio um personagem selvagem, distante e
mítico o suficiente para personificar toda uma gama de sentimentos estoicos,
raros e dignos, sem parecer demasiadamente artificial ou irreal. Tão grande é o
índio (brasileiro) que pode demonstrar grandeza e serenidade mesmo na derrota[1].
O indianismo é a projeção do caráter brasileiro na nossa pintura mais no que se
refere às escolhas em cima do tema do que sobre o tema em si.
INDIANISMO
NA ARTE BRASILEIRA
Romantismo
e indianismo
22.
Após
declarar a independência e assumir o trono do império brasileiro, D. Pedro I
adotou como símbolo da monarquia tupiniquim o dragão, que passou a decorar o
cetro [Figura 15],
a ordem de D. Pedro I e muitos outros acessórios cerimoniais.
23.
Com
o passar do tempo, a imagem do dragão foi caindo em desuso e outros símbolos
foram sendo assumidos pela monarquia para representar seu caráter oficial e
para simbolizar a ideia de nacionalidade recém-adquirida pelos cidadãos do
país.
24.
O
grande símbolo em torno do qual girava a identidade nacional era o próprio
imperador. Primeiro Pedro I, mas, logo em seguida - e com muito mais
propriedade -, o carioca Pedro II. Mesmo como figura simbólica, o
imperador-criança manteve a unidade territorial do país em meio às turbulências
do período regencial e dos primeiros anos do segundo reinado.
25.
Enquanto
D. Pedro II amadurecia e tomava as rédeas do Império, vinha penetrando no país
uma tendência artística e cultural chamada de Romantismo, reconhecida na arte
europeia desde o final do século XVIII. Esse movimento tinha como cerne a
valorização do emocional sobre o racional e um renovado interesse em temas
medievais e místicos que pudessem incorporar uma boa dose de idealização
misturada a um sentimentalismo à flor da pele. A natureza voltou a
ganhar um espaço que havia perdido com a ascensão do neoclassicismo, e seus
fenômenos e efeitos sobre o homem foram buscados com insistência pelos
artistas. A regra geral era a fantasia e a imaginação, assim como a busca por
um universo íntimo em oposição ao mundo público do movimento neoclássico. Outra
grande característica do Romantismo foi seu exacerbado nacionalismo,
especialmente perceptível em países como o a Itália, a Grécia e a Alemanha. No
Brasil, os primeiros sinais desse movimento artístico vieram com a literatura,
em romances como A Moreninha e Cinco Minutos e em poemas de
autores como Gonçalves Dias, Manuel de
Araújo Porto-Alegre e até do próprio D. Pedro II.
26.
As
tramas heroicas eram uma grande vertente do romantismo literário europeu; elas
eram ambientadas muitas vezes em cenário medieval, onde um rapaz forte e
incorruptível lutava bravamente para defender belos princípios, proteger seu
reino e salvar donzelas indefesas. As histórias dos Cavaleiros da Távola
Redonda e de Tristão e Isolda ganharam importantes versões nesse
período, especialmente pela pena do inglês Lord Tennyson.
27.
Contudo,
nosso país tem o inconveniente de ter sido “descoberto” depois da Idade Média,
o que nos priva de um passado povoado por cavaleiros e castelos. Como a
separação de Portugal deixou cicatrizes e mágoas, estava fora de cogitação
assumir Portugal como cenário para uma literatura brasileira medievalista, até
porque o Brasil ainda estava nas primeiras décadas de sua independência e em
busca de traços e características que pudessem refletir o caráter da nação como
ente de corpo e personalidade independentes da antiga metrópole colonial.
28.
Em
busca de um símbolo que pudesse ser incorporado à nossa literatura como
meritório representante dos mais altos ideais, do mais nobre espírito
guerreiro, da mais inquebrantável ética e da personificação da moral e da
virilidade, os artistas brasileiros o encontraram na figura do índio, o verdadeiro
filho da terra - o homem primitivo de Rousseau -; aquele que não fora
corrompido pela maligna sociedade e que se guiava
apenas pelos seus instintos mais primordiais e pela perfeita comunhão com a
natureza.
29.
No
século XIX, muitos dos brasões da nobreza brasileira passaram a trazer a imagem
do índio e, à época da independência, diversos políticos trocaram seus nomes
portugueses por outros de origem tupi. Talvez esse destaque do índio fosse,
nessa época, uma tentativa de valorização daquilo que o Brasil tinha de seu, de
próprio, em oposição ao estrangeiro, ao importado. E como característica única
nossa, não compartilhada com os europeus e apenas em graus diferentes com os
outros países latinos, o índio brasileiro tivesse que ser celebrado como um
troféu da nossa nacionalidade.
30.
Por
mais que a visão do índio fosse idealizada, foi dela que se utilizaram aqueles
homens do século XIX que precisavam criar para si um herói de cujos princípios pudesse ser extraída a essência dos valores que acreditavam
ser os mais inspiradores. Vale a pena recuar um pouco no tempo para perceber
qual o caminho percorrido pela literatura indianista antes de ser apropriada
pelos nossos românticos.
O
Indianismo na Literatura
31.
Para
entender o indianismo nas artes plásticas, é fundamental que se conheça o
indianismo nas letras brasileiras, pois aquele é, em parte, produto deste. Eu
destacarei apenas os textos de conteúdo ficcional, na tentativa de compreender
como a figura do índio se integrou à imaginária romântica e foi assimilado pelos
autores ficcionistas.
32.
Por
incrível que pareça, o primeiro texto a tratar do indígena brasileiro de forma
literária foi produzido pelo francês Ronsard, que em
1559 publicou Ode contre Fortune, inspirado no
índio brasileiro[2]. Lope de Vega,
espanhol, escreveu no começo do século XVII El Brasil restituido,
que tem uma personagem índia chamada Brasília. Os autores portugueses,
entretanto, sempre mantiveram estranho silêncio em relação ao tema. O jesuíta
José de Anchieta, que vem ao Brasil em meados do século XVI para catequizar os
índios e converter as almas, escreve o auto Fala aos índios pelo padre José
de Anchieta, em língua tupi, que põe no palco personagens índios, anjos e
demônios.
33.
Na
literatura brasileira, o primeiro poema que opõe o herói índio ao vilão europeu
foi escrito ainda durante o período colonial, mais precisamente em 1769, e seu
título é O Uraguai. Basílio da Gama, autor
deste poema épico, descreve um episódio ocorrido em meados do século XVIII,
quando jesuítas e índios estabelecidos nos Sete Povos das Missões no Rio Grande
do Sul se recusaram a obedecer ao Tratado de Madrid, o qual dispunha sobre a
nova organização do território português e espanhol naquela região. Basílio da
Gama defende que os jesuítas usaram os indígenas para defender seus próprios
interesses, submetendo-os a um verdadeiro massacre por parte das tropas
luso-espanholas, destacadas para fazer valer a nova lei. O protagonista é Cocambo, que além de lutar contra os europeus ainda é
vítima das maquinações do jesuíta Balda, que deseja que seu filho ilegítimo Baldeta assuma a liderança dos nativos.
34.
O
poema assume o lado dos silvícolas como vítimas da disputa de poder entre os
europeus, e ainda destaca-lhes um papel heroico e central na história. Haroldo
Paranhos (1937, p. 151), em sua História do Romantismo no
Brasil, afirma que embora não caiba a Basílio da Gama a
35.
introdução do índio americano
na literatura [...] pois,
antes do autor do Uruguai [sic],
Alonso de Ercilia em La Araucana, Diego de
Aguilar e Córdoba no El Marañon, e Hernando
Alvarez no Puren Indômito, já haviam iniciado
o indianismo na literatura espanhola, foi todavia Basílio da Gama o iniciador
da poesia americana no Brasil, gênero que mais tarde tomaria entre nós uma
feição acentuadamente nacional.
36.
O Caramuru (1781),
de Santa Rita Durão, é considerado o segundo livro brasileiro de temática
indianista. Seu protagonista é Diogo, um homem branco, náufrago, que passa a
viver com os índios e é disputado por duas virgens
nativas, Moema e Paraguassú. Quando Diogo - chamado Caramuru
pelos silvícolas - embarca num navio e parte de volta pra a Europa, as duas
jovens se jogam ao mar atrás do amado. Contudo, apenas Paraguassú
consegue subir ao navio e Moema morre na tentativa. Aqui, o foco é diferente daquele
projetado por Basílio da Gama no seu poema e daquele usado futuramente pelos
escritores românticos, já que conta as peripécias de um náufrago português no
Brasil do século XVI; mas este ainda é considerado um poema de temática
indianista.
37.
Em
1785, Souza Caldas escreve Ode ao Homem Selvagem, em que celebra “os
doces anos de vida primitiva dos humanos” (SOUZA CALDAS apud COUTINHO, 1997, p.
73). O poema é de cunho essencialmente rousseauniano,
sendo mais uma crítica à sociedade europeia que uma loa ao silvícola
brasileiro. Essa abordagem baseada no índio como o “bom selvagem” estava em
voga na Europa iluminista do século XVIII, que
38.
exaltava as virtudes
familiares, e especialmente maternais, dos índios, assim como a fidelidade
conjugal. No início do século XIX, o índio se viu atribuído dos traços do herói
romântico: gosto da solidão, profundeza das paixões, melancolia [...].
Pertencendo a uma raça que se dizia a ponto de ser extinta, o índio tornou-se o
símbolo do desamparo humano diante da marcha do progresso material.
(HONOUR, 1977, p. XXV, tradução nossa)
39.
Até
a década de 1840, a nossa literatura indianista sofreria um grande hiato. No
exterior, entretanto, foram publicadas algumas das obras mais conhecidas sobre
o tema, como as do francês René de Chateaubriand, que em 1801 publica a famosa Atalá, que trata do amor impossível entre o índio Chactas e a mestiça Atalá.
Depois, escreveu Les Natchez
(1826) e Voyage em Amérique (1827). Também é
desse período O último dos Moicanos, de 1826, escrito pelo americano Fenimore Cooper, sendo considerada sua obra-prima.
40.
Voltando
ao Brasil, apenas em meados do século XIX vemos surgir na literatura os
primeiros indícios da retomada da temática indianista. Em A Moreninha
(1844) - considerado o primeiro romance brasileiro - Joaquim Manuel de Macedo
dedica um capítulo a contar uma lenda indígena sobre a origem de uma nascente,
e por meio de uma personagem declama todo um canto indígena. Coutinho e
Coutinho (1997, p. 76) dizem que no mesmo ano “Teixeira e Souza (1812-1861)
inicia a nova fase do indianismo brasileiro com o poema em cinco cantos Os
três dias de um noivado, tomando por base uma lenda indígena [...].
Tratava-se de um indianismo com sentimento nativista, como sinônimo de
independência [...]”. No mesmo ano, o Barão de Paranapiacaba
escreve Cântico do Tupi, Prisioneiro índio e Imprecação do
índio.
41.
Quem
aparece em seguida é o grande poeta do indianismo no Brasil, Gonçalves Dias. Em
1846, 1848, 1851, 1857 - e ainda postumamente -, ele publica livros com
diversos poemas indianistas, como O canto do índio (1846), Tabira
(1848), I-juca-pirama
(1851) e Canção do Tamoio (1851). Em grande parte desses poemas
Gonçalves Dias celebra o poder guerreiro do índio, destemido e corajoso. Seriam
os valores que o brasileiro teria herdado dessa raça.
42.
Logo
depois, Gonçalves de Magalhães lança seu grande poema épico A Confederação
dos Tamoios (1856). Gonçalves de Magalhães era o poeta oficial do Império,
tendo publicado A Confederação sob patrocínio
de D. Pedro II, que também lhe concederia a graça do título de Visconde do
Araguaia. Diz Alfredo Bosi (1982, p. 108) em sua História Concisa da
Literatura Brasileira que Gonçalves de Magalhães,
43.
tendo-nos dado o lírico
e o dramático, faltava-lhe o épico; fê-lo retomando Durão e Basílio, lidos sob
um ângulo enfaticamente nativista [...]. A essa altura, o indianismo já
caminhara além das intuições dos árcades e pré-românticos e se estruturava como
uma para-ideologia dentro do nacionalismo.
44.
O
seu poema descreve um episódio da história colonial em que os índios da região
onde hoje fica o Rio de Janeiro se aliaram aos invasores franceses contra os
colonizadores portugueses, que escravizavam os nativos e dizimavam as tribos
rebeldes.
45.
Já
o escritor José de Alencar retoma o caráter guerreiro do índio mas assume um discurso mais lírico nos seus poemas, livros
e folhetins. Em 1857, escreve o famoso folhetim O Guarani e em 1863
redige o poema Filhos de Tupã - nunca concluído, e que só seria
publicado postumamente. Em seguida, publica seus dois grandes romances
indianistas, Iracema (1865) e Ubirajara (1874). Em O Guarani
e em Iracema, ele celebra a miscigenação das raças - nativa e europeia -
como formadora da nacionalidade brasileira.
46.
Daí
em diante, a temática indianista entraria em flagrante declínio, sendo sucedida
pela segunda geração romântica, à qual pertence Álvares de Azevedo, e logo
depois pelo realismo, a partir do final da década de 1870. Contudo, podemos
citar ainda O Evangelho nas Selvas (1875), de Fagundes Varela; Americanas
(1875), de Machado de Assis; e, por último, A Morte do Tapir (1888), de
Olavo Bilac, poeta do Parnasianismo.
47.
Deste
ponto em diante, afigura-se o ocaso do indianismo como tema literário e mesmo
da visão do índio como arquétipo ideal do bom selvagem. Daí para frente, a
imagem do índio na literatura assumiria outros simbolismos ligados a uma
ideologia completamente diferente daquela em voga durante o Império.
O
Indianismo na pintura e na escultura até 1884
48.
O
indianismo na arte brasileira é herdeiro tardio do indianismo literário. E, ao
contrário da literatura, essa temática ainda não foi suficientemente abordada
nos estudos sobre a história da arte no Brasil, mas apenas em caráter
superficial, o que torna um desafio qualquer texto que procure investigar esse
segmento temático. Contudo, com base nas poucas informações das quais se
dispõe, traço em seguida uma “história” da arte indianista no Brasil, fazendo
uma ponte para o que acontecia em outros países na mesma época.
49.
O
período colonial foi rico em imagens dos indígenas americanos, não só no Brasil
como no resto do continente. Essas imagens, entretanto, são de cunho
etnográfico e documental, caráter completamente diverso daquele que é objeto do
nosso estudo e que viria a ocorrer no Brasil apenas na segunda metade do século
XIX - de aspecto literário e histórico, mas não antropológico e científico. De
qualquer forma, parece importante apontar que o primeiro documento em que
aparece a imagem do índio brasileiro é o livro acompanhado de ilustrações Viagens
e Aventuras no Brasil, escrito por Hans Staden em 1557 [Figura 16].
50.
Nos
trabalhos marcantes de Albert Eckhout, um holandês
convocado pelo conde Maurício de Natal para registrar conquista do Brasil pela
Companhia das Índias Ocidentais holandesa no século XVII, ainda é central a
preocupação documental, mas já encontramos uma certa
“inserção” no universo artístico [Figura 17].
Não havendo ele feito escola no Brasil ou na Europa, seu caso é único na
história da arte brasileira.
51.
Ainda
na época colonial, encontramos diversas vezes a representação alegórica da
América como uma índia, tanto no Brasil quanto na Europa, mas esse tipo de trabalho
dificilmente pode ser considerado indianista.
52.
Já
no final do século XVIII, Benjamin West, pintor americano radicado em Londres,
pinta algumas telas de temática histórica representando episódios da história
americana. Em duas delas, ele agrega personagens indígenas: na primeira, A
Morte do General Wolfe (1770) [Figura 18]
- que mostra a cena de uma batalha que acontece no que é hoje o Canadá - o
índio é apenas um acessório que, junto com outros representantes do império
britânico (como ingleses e escoceses), amparam o moribundo general no momento
em que ele recebe a notícia de sua vitória; a segunda, que destaca aos
silvícolas um papel de muito mais relevância na composição, é O Tratado de
Penn com os índios (1772) [Figura 19], cujo tema é o tratado de paz assinado
pelo colono Willian Penn e os índios, permitindo a colonização do estado
norte-americano da Pensilvânia. Essas pinturas, no entanto, têm uma abordagem
completamente diferente daquela que seria escolhida pelos indianistas
brasileiros e latino-americanos no século seguinte, em que o índio seria
celebrado como uma força guerreira e moral. As pinturas de West, apesar de
serem provavelmente as primeiras realizadas por artista americano em que o
índio está representado além da alegoria, não são indianistas, mas históricas,
e o nativo ali assume o papel de coadjuvante dos grandes atos perpetrados pelo
homem branco.
53.
Porém,
nesta pesquisa, a primeira obra que pude encontrar de temática literária ligada
ao índio foi produzida nos Estados Unidos, em 1804. O título do quadro é A
morte de Jane McCrea [Figura 20]
e foi pintado pelo americano John Vanderlyn,
inspirado no poema épico de Joel Barlow Vision of
Columbus (1787). A pintura retrata a história, passada no período colonial,
de Jane Mccrea, que procura por seu namorado fora do
forte dos colonizadores mas é capturada por dois
moicanos; estes, após discutir selvagemente sobre quem ficaria com ela,
matam-na de forma brutal. A abordagem da questão indígena é diversa daquela
utilizada pelos brasileiros, mas é consistente no que se refere à realidade do
que foi a colonização nos Estados Unidos, além de ser um tanto mais realista do
que a idealização imposta pelos românticos tupiniquins (já que no próprio
Brasil são vastos os relatos de massacres provocados pelos índios em aldeias e
vilas no período colonial).
54.
Em
1808, Girodet-Trioson pintou em Paris o célebre Sepultamento
de Atalá [Figura 21], já imbuído de ares românticos e
em conformidade com o estilo do livro de Chateaubriand. Delacroix
pintaria Les Natchez
[Figura
22], em 1835, também inspirado em Chateaubriand.
55.
Com
a chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808, começa-se a liberalizar
o acesso de estrangeiros ao território nacional, o que produz uma onda de
desenhos e gravuras de essência etnográfica e antropológica sobre os índios
brasileiros. A chamada Missão Francesa aporta no Rio de Janeiro em 1816 e funda
o que se tornaria a futura Academia Imperial de Belas Artes. Entretanto, na
produção desses artistas, ainda não encontramos arte indianista.
56.
Francisco
Pedro do Amaral, discípulo de Debret,
pintou uma representação alegórica da América como uma índia [Figura 23], na segunda metade da década de 1820
(ARAÚJO, 2008). Mas seu caráter é indiscutivelmente alegórico e decorativo.
57.
Para
as décadas seguintes, o melhor guia no assunto são os catálogos das Exposições
Gerais realizadas no Rio de Janeiro a partir de 1840. Carlos Levy compilou as
obras de cada exposição num volume lançado em 1990, que abrange as Exposições
Gerais realizadas pela Academia Imperial entre 1840 e 1889. Essa será a fonte
principal da cronologia que usaremos a partir de agora, mas vale frisar que
vamos destacar apenas aquelas obras que não sejam etnográficas ou
antropológicas. O foco serão trabalhos nos quais o índio é o tema principal ou
um dos elementos de destaque[3].
58.
Na
Exposição Geral de 1842, Rafael Mendes de Carvalho expõe o pequeno esboço Plantação da Cruz
pelos Selvagens. Rafael ganharia uma bolsa de estudos do Senado do Império
para estudar na Europa em 1845, sendo o primeiro estudante da Academia Imperial
a receber esse privilégio.
59.
Entre
1845/46, Rugendas pinta A primeira missa celebrada em São
Vicente (São Paulo) no ano de 1532. A pintura, apesar de não ser
propriamente indianista, é uma das primeiras a colocar em destaque a figura do
índio na construção da nação, ao mostrar Anchieta batizando os nativos. O
próprio Rugendas havia pintado em 1836 uma cena de
rapto pelos índios chilenos, baseado numa história real, El
rapto de Trinidad Salcedo [Figura 24].
60.
Nesses
mesmos anos, a Academia de São Carlos da Cidade do México já está produzindo
profusamente pinturas em que os índios, principalmente os grandes personagens
do passado azteca, assumem o papel de símbolo da
Nação, em contraposição ao europeu colonizador. Cenas de massacres perpetrados
por Hernán Cortez e outros foram retratados em obras
comoventes.
61.
Podemos
citar como artista do indianismo mexicano, por exemplo, Manuel Vilar, que
esculpe nas décadas de 1840 e 1850 Montezuma,
o imperador azteca no tempo da conquista espanhola; La
Malinche, índia azteca
que assessorou Cortez; e Tlahuicole, guerreiro
tlaxcala.
62.
Voltando
para o cenário brasileiro, encontramos o artista francês François Biard, que viveu aqui entre 1858 e 1860 e escreveu um livro sobre sua
experiência brasileira. Biard produziu algumas obras
indianistas, como Dois índios numa canoa [Figura 25]
e Índios adorando o sol.
63.
Vitor
Meirelles, ainda usufruindo do pensionato em Paris, expõe em 1859 um esboceto
para a Primeira Missa, e no ano seguinte Frederico Tirone
(ou Tironi) expõe as pinturas Enterro de Atalá e Fuga de Atalá,
sendo esta última a primeira versão brasileira deste
tema, que ainda seria muitas vezes retomado pelos artistas brasileiros.
64.
Em
1862, Jules Le Chevrel, futuramente
professor interino de desenho na Academia Imperial, apresenta na Exposição
Geral a tela Paraguassú e Diogo Álvares
Corrêa, inspirada na história do Caramuru, escrita em versos por
Santa Rita Durão. Esta é provavelmente a primeira representação em artes
plásticas de um tema indianista baseado na própria literatura brasileira. Leon Deprés
de Cluny, escultor, expõe Família de selvagens atacada por uma serpente
na mesma ocasião.
65.
É
ainda neste ano que é apresentada no Rio de Janeiro a grande tela A Primeira
Missa no Brasil [Figura 26], de Vitor Meirelles. A pintura não é tão
propriamente indianista quanto é histórica, nem os índios recebem um papel de
grande destaque. Mas esta é a primeira pintura brasileira de grandes dimensões
- pintada para forjar o momento de “batismo” do Brasil - na qual o índio assume
o papel de co-fundador da
identidade nacional. A pintura é simbólica dos esforços que estavam sendo
feitos durante o Império para alçar a imagem dos indígenas a símbolo do país.
66.
Vitor
Meirelles pintaria Moema [Figura 11] em 1866. O quadro, de tamanho natural,
representa a infeliz amante de Caramuru que pereceu afogada ao tentar alcançar
o navio do amado. No trabalho de Meirelles, o corpo da índia é mostrado
estendido sobre a praia após ser devolvido ao continente pelas vagas do mar. O
quadro, construído em torno de tons terrosos, é um dos mais belos nus
realizados por artista nacional e aqui, como na Primeira Missa, a
paisagem assume papel preponderante. Toda a cena é carregada de ares românticos
e idealizada. Na Moema, como em quase todas as pinturas do artista, o
ar, a atmosfera, são elementos essenciais para o conjunto.
67.
Na
Exposição Geral do ano seguinte, Almeida Reis, pensionista na Europa, mostrou O
Rio Paraíba do Sul [Figura
13], que é a imagem de um índio como uma alegoria do dito rio. A
estátua causou comoção entre os professores, pois “não foi bem aceita pela
Academia e o artista perdeu sua ‘bolsa de pensionista’, retornando ao Brasil”
(FERNANDES, 2002-2002, p.27). Na verdade, Almeida Reis vinha sistematicamente
desobedecendo à Academia e já havia entrado em atrito com o professor de
escultura Chaves Pinheiro. Na década de 1880, ele tentaria a vaga de professor
de escultura na Academia Imperial, mas seria unanimemente recusado pelo
colegiado (que ainda era basicamente o mesmo da década de 1860). A obra em si é
essencialmente romântica, com uma superfície pouco polida, o que se tornaria
uma característica do artista, no que lembra o estilo de Rodin.
68.
É
possível que Almeida Reis tenha decidido pela alegoria - e não por uma das
enfadonhas esculturas de temática mitológica - influenciado por duas obras de Louis Rochet, seu professor em Paris, que também são
alegorias a rios e que usam a imagem do índio: Rio Madeira e Rio São
Francisco, de 1856, que fariam parte de um monumento no Brasil.
69.
Karl Linde levou para a mostra de 1868 um Combate de
dois índios feito em cera.
70.
Em
1872, Chaves Pinheiro produz o projeto para uma grande escultura em bronze
intitulada Alegoria do Império Brasileiro [Figura
14], em que um índio segura o cetro imperial e um escudo com o brasão
do Império, declarando abertamente a identificação entre a Pátria e o índio.
Sônia Pereira (2008, p. 38) lembra que “[...] em Alegoria ao Império
Brasileiro, de 1872, de Francisco Manuel Chaves Pinheiro, é o próprio
Império que se faz representar como um índio. A postura ainda é clássica, como
representação de um guerreiro antigo, mas o indígena é imediatamente
reconhecível”.
71.
Em
1875 Rodolfo
Bernardelli expõe Um índio em repouso, e em 1876 nenhuma obra de
temática puramente indianista[4] é apresentada.
72.
Já
a exposição de 1879 tem um boom de obras indianistas. Antônio
Firmino de Monteiro expõe a paisagem histórica A Confederação dos
Tamoios: Exéquias de Camorim, que
representava o funeral de um índio morto pelos caçadores de escravos. Almeida
Reis esculpe o busto do Marquês de Herval com uma inscrição em tupi,
prestando homenagem ao general. Leôncio da Costa Vieira pinta A catequese: paisagem histórica. Pedro Peres
expõe A elevação da cruz [Figura 27], que seria um momento anterior à Primeira Missa de Vitor Meirelles. A obra também é
mais propriamente histórica que indianista, mas os índios têm um destaque muito
maior aqui do que aquele atribuído aos mesmos na pintura de Meirelles, de vinte
anos antes. Por fim, de Meirelles, é exposta a Batalha dos Guararapes,
que celebra a união das três raças - negra, índia e
portuguesa - contra o invasor holandês, episódio que é considerado o marco
fundador do exército brasileiro. O índio é representado na tela por Felipe
Camarão [Figura 10], que auxiliou na expulsão dos holandeses de Olinda e Recife e foi
agraciado com diversas distinções pelo rei de Portugal.
73.
Em
1882, o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro realizou uma exposição
famosa, à qual José Maria de Medeiros compareceu com Lindóia [Figura 28],
que em muitos aspectos lembra a Moema de Vitor Meirelles. A cena,
baseada no poema O Uraguai, de Basílio da
Gama, mostra a índia caída no chão após ser picada por uma serpente. A bela
Lindóia havia preferido o suicídio ao casamento com Baldeta,
filho do vilão Balda. O corpo, sensual, está estirado
na metade inferior do quadro, enquanto a parte superior é ocupada pela paisagem
selvagem de onde alguns índios correm para acudir Lindóia. A organização é a
mesma da Moema, apesar de a abordagem ser um pouco menos romântica e o
quadro um tanto menos bonito.
74.
De
acordo com Laudelino Freire, seria desse período - entre 1878 e 1882 - o
pequeno painel Moema, pintado por Pedro
Américo, mas não há fontes suficientes para confirmar essa data.
75.
A
última exposição do império, de 1884, parece ter sido, por ironia, a mais
prolífica em obras destacadamente indianistas. Podemos citar em primeiro lugar Exéquias
de Atalá [Figura 29], de Augusto Rodrigues Duarte, que na
verdade foi pintada em Paris em 1878 e exposta no Liceu em 1882. Até hoje é
considerada a melhor pintura do artista. Aurélio de Figueiredo expôs Ceci no
banho, personagem tirada do romance O Guarani, de José de Alencar.
José Maria de Medeiros participa com a sua Iracema [Figura 30], cuja figura da índia é universalmente
considerada feia, mas a pintura em si é muito bem concebida e de paisagem
realizada com esmero. Esta pintura e a de Augusto Duarte seriam recomendadas
pela congregação para serem adquiridas pelo governo imperial. Leopoldo Joaquim Teixeira
de Faria expõe uma
cópia de Atalá (provavelmente da obra
de Girodet-Trioson) e Rodolfo Bernardelli traz A
Faceira [Figura 31], escultura que retrata uma índia
assanhada, mas sem nenhum traço indígena.
76.
Ainda
em 1884, Rodolfo Amoedo expõe Marabá [Figura 1] e O último Tamoio [Figura 2], que, de uma forma geral, recebem boas
críticas. Na Revista Ilustrada, “X”, um crítico anônimo (provavelmente o
próprio Angelo Agostini), faz os seguintes comentários:
77.
O Sr. José Ferraz
de Almeida Junior e Rodolpho Amoedo são os que maior sensação tem causado
n’esta exposição.
78.
Ex-alumnos e pensionistas da
Academia foram para a Europa estudar o que esta não lhes podia ensinar; e pelos
quadros que mandaram, vê-se que elles não perderam o
seu tempo.
79.
Estudaram bastante estudaram muito até em razão do
pouco tempo que lá estiveram. Por isso não se póde
deixar de admirar os seus grandes progressos.
80.
[...]
81.
O Sr. Rodolpho Amoedo, muito tem concorrido em
abrilhantar esta exposição com os seus trabalhos. Alguns d’estes também foram
expostos no salão em Paris. São quatorze telas entre grandes e pequenas,
constando de estudos, composições e duas cópias. Só uma d’estas telas não
presta: é um estudo de cabeça de um menino napolitano. As outras, apezar de terem alguns senões, possuem qualidades que muito
as recommendam. (“X”, 1884)
82.
O
crítico da Revista Illustrada termina sua
análise afirmando que “estes dois jovens pintores [estão] em primeiro lugar
entre os artistas brasileiros” (“X”, 1884), demonstrando a boa impressão que as
obras de ambos causaram na exposição.
83.
Amoedo
havia pintando em Paris ainda Morte de Atalá,
de 1883, que não foi exposta na Academia em 1884.Com a
queda da monarquia, a temática indianista entraria explícito declínio. Nos anos
seguintes, ainda haveriam de ser produzidas mais
algumas obras de temática indianista, como a Iracema (1909) [Figura 32] de Antônio Parreiras e a Moema
(1894) de Rodolfo Bernardelli [Figura 33].
Tadeu Chiarelli (2002, p. 155), em Arte Internacional Brasileira, afirma
que, “Nos primeiros anos da República, terminara a necessidade nítida no
Império de forjar os mitos da nacionalidade, quer na literatura, quer nas artes
visuais”. A República estaria preocupada em forjar seus próprios mitos, como Tiradentes
e outros heróis[5].
84.
A
temática indianista jamais foi tão forte e presente na arte brasileira como o
foram a temática histórica ou o retrato. Foi mais uma
“tendência” que atingiu seu pico entre as Exposições Gerais de 1879 e 1884.
Súdita num reino romântico, a arte indianista via nos temas da literatura uma
fonte plena de assuntos trágicos e tocantes. Talvez por isso sejam raros os
exemplos de índio-guerreiro, que vemos tão bem plasmados na literatura de
Gonçalves Dias e José de Alencar.
RODOLFO AMOEDO (1857-1941)
85.
Diz
Francisco Acquarone (1939, p. 206) que diante “[...] deste nome [Rodolfo
Amoedo] devem descobrir-se todos os que estudam pintura no Brasil. [...] Sua
obra vigorosa de desenho e opulenta de cor garante-lhe sem contestação um dos
primeiros lugares na arte nacional”.
86.
Rodolfo
Amoedo foi um dos professores mais longevos da Escola Nacional de Belas Artes.
Era considerado ótimo conhecedor do metier e
dava grande importância ao aprendizado da técnica, introduzindo na Escola
Nacional de Belas Artes as técnicas de encáustica e afresco. Foi professor de
grandes nomes da arte nacional, entre eles Eliseu
Visconti e Candido Portinari. Era famoso por ter uma personalidade
forte e se envolver em diversas brigas, sendo uma das mais famosas aquela que
teve com Rodolfo Bernardelli, o que o levaria a abandonar a ENBA em 1905 e a
voltar apenas depois que seu desafeto deixara a direção da instituição, em
1915.
87.
Amoedo
nasceu em 11 de dezembro de 1857, num vilarejo na Bahia. Passou a infância em
Salvador, na Bahia, mas foi ainda adolescente para a capital do Império.
Ingressou no Colégio D. Pedro II mas teve que
abandonar os estudos para ajudar na renda familiar. Assim que pôde ingressou no
Liceu de Artes e Ofícios (1873) e depois na Academia Imperial de Belas Artes
(1874), onde estudou com Agostinho da Mota, Zeferino da
Costa e Vitor Meirelles. Pouco se sabe sobre esse período. Em 1878, Rodolfo
Amoedo concorreu e ganhou o Prêmio de Viagem ao Exterior.
2.1.
Prêmio de Viagem e pensionato em Paris
88.
Os
Prêmios de Viagem foram instituídos na Academia Imperial em 1845. O diretor
nesse período, F. E. Taunay, que fora professor de francês e de desenho do
Imperador D. Pedro II, conseguiu promover a ideia junto ao governo. O prêmio
consistia em bancar os estudos na Europa do aluno vencedor. Essa bolsa de
estudos visava principalmente renovar a própria Academia e atualizar o mundo artístico
do Rio de Janeiro por meio dos estudantes que voltavam do Velho Mundo.
89.
Planejado
inicialmente para premiar anualmente um aluno, a regra foi seguida apenas na
década de 1840. Nos anos seguintes, o Prêmio era organizado apenas quando a
conjuntura permitia, pois a verba dependia do governo tanto para a realização
do certame quanto para o pagamento das bolsas. Em alguns casos especiais,
quando a Academia não realizava os concursos, o próprio Imperador custeava
pessoalmente os estudos de alunos talentosos.
90.
As
regras eram rígidas: os alunos deveriam matricular-se em instituições aprovadas
pela Academia no Rio de Janeiro; deveriam realizar um mínimo de cópias de obras
de arte europeias indicadas pelos professores no Brasil (e também obras de sua
própria escolha); e deveriam ainda produzir algum número de trabalhos
originais. Ao desobedecer a essas regras, o pensionista (como eram chamados os
bolsistas) corria o risco de ter sua bolsa de estudos cortada e ter que
abandonar a Europa. Talvez devido a isso, a maioria dos alunos tentou manter-se
na linha, o que não impediu que uma bolsa ou outra fosse suspensa, como no caso
do escultor Almeida Reis.
91.
De
acordo com Ana Cavalcanti (2001-2002, p.75), o júri que selecionava os
vencedores tendia a escolher pintores na maioria das vezes[6]:
92.
Quanto às especialidades dos pensionistas, nota-se uma
nítida predominância dos pintores. Entre os pensionistas da Academia, contam-se
oito pintores, quatro arquitetos, três escultores e dois gravadores de
medalhas. A predominância de pintores se faz ainda mais forte se acrescentarmos
a estes dados as especialidades dos cinco pensionistas do imperador, pois todos
eram pintores.[7]
93.
O
concurso que escolheu Rodolfo Amoedo aconteceu em 1878. Nessa época, a Academia
já tinha em seu quadro docente vários pintores ex-pensionistas.
Essa realidade denota um grau de exigência muito elevado sobre os postulantes
ao Prêmio. Como aponta Cybele Fernandes (2001-2002, p. 21), “[...] a produção
da Academia em pintura histórica encontrou, após a década de setenta, o seu
momento mais significativo na obra de três artistas: Victor Meirelles, Pedro
Américo e João Zeferino da Costa”, sendo que Victor Meirelles e Zeferino da
Costa foram professores de Amoedo e estavam na comissão de seleção do Prêmio de
Viagem em 1878. Rodolfo Amoedo ainda teve a oportunidade de presenciar a grande
polêmica gerada pela exposição da Batalha do Avaí, de Américo, e da Batalha
dos Guararapes, de Meirelles, 1m 1879, cada uma representante de uma
vertente completamente diferente da arte acadêmica, preparando o jovem artista
para o universo de estilos e vanguardas que haveria de encontrar no Velho
Mundo.
94.
O
concurso de que participou Amoedo foi muito polêmico. O tema era O
Sacrifício de Abel [Figura 34], e, no primeiro parecer da
comissão julgadora, Amoedo e Henrique Bernadelli - pintores históricos -, foram classificados
em primeiro lugar, enquanto o rendimento de Antônio Firmino de Monteiro, pintor
de paisagens, foi julgado inferior. Considerando os dois concorrentes restantes
como de altíssimo nível, os professores se pronunciaram incapazes de escolher
um só vencedor e sugeriram que se tirasse a sorte para se decidir o ganhador. O
diretor da academia se recusou a proceder de tal forma e determinou que a
Comissão chegasse a um só vencedor. Os professores jurados repetiram que era
impossível escolher entre os candidatos e procedeu-se então a uma votação
secreta para a escolha de um único candidato. O resultado da votação empatou
novamente, e o diretor foi obrigado a dar seu voto de Minerva a favor de
Amoedo.
95.
Assim,
em 1879, partia Amoedo para Paris. Contudo, ele ainda não pôde respirar aliviado. Conta Tapajós Gomes (apud CAVALCANTI,
2001/2002, p.78) que
96.
[...] apesar de vitorioso, [Rodolfo Amoedo] não se livrou desde logo da má
vontade dos que ficaram. Se o regulamento dos prêmios de viagem já era por si
mesmo exigente, para Rodolfo Amoedo se tornou escorchante. O prêmio durava
cinco anos; mas as autoridades de Belas Artes podiam, dentro dos três primeiros
anos, de um momento para outro, cortar a pensão ao pensionista cujos progressos
não correspondessem à sua expectativa. Bastava, pois, uma simples resolução das
autoridades de Belas Artes [...].
97.
E
não era só isso;
98.
Há relatos que identificam as grandes dificuldades
enfrentadas pelos alunos na Europa, ao se descobrirem com dificuldades
referentes ao desconhecimento do idioma do país, à fragilidade dos
conhecimentos específicos da sua área, à engrenagem de ensino nas academias
europeias, à dificuldade de vencer todos esses obstáculos no prazo determinado
pela instituição [Academia do Rio de
Janeiro]. (FERNANDES,
2001-2002, p.14)
99.
A
preferência entre os estudantes era por estudar na França, que tinha a mais
prestigiada instituição da época no campo do ensino artístico: a Escola de
Belas-Artes de Paris. Dos treze pintores agraciados com bolsas do Prêmio de
Viagem e do Imperador[8], sete escolheram Paris como destino,
enquanto quatro escolheram Roma e dois estudaram em Paris e Roma[9].
100.
Ao
chegar à capital francesa, Rodolfo Amoedo matriculou-se na Académie
Julien como aluno no ateliê de Cabanel e depois no estúdio chefiado por Boulanger e Lefebvre. Era muito importante para os
candidatos a uma vaga na École de Beaux Arts (antiga Academia
de Belas-Artes de Paris) garantir uma boa preparação para os testes. A École, que admitia alunos estrangeiros, exigia
exames de
101.
anatomia e perspectiva,
desenho ornamental ou história geral. As respostas para essas provas tinham que
ser dadas em francês, claro, o que já era um funil para alguns dos
pretendentes. Se um candidato passasse da primeira etapa, a próxima era mais
crítica - execução do desenho de um gesso de alguma escultura antiga ou do
modelo vivo, a ser completado em duas sessões de seis horas
cada uma, num cubículo privado. (WISSMAN, 1996, p. 109,
tradução nossa)
102.
Assim
que passou nos exames de admissão para a École
de Beaux Arts, Amoedo
ingressou na classe do professor Cabanel. Ainda de
acordo com Tapajós Gomes (apud CAVALCANTI, 2001/2002, p. 78), “Nos concursos
mensais para frequentar as aulas de Cabanel, o
primeiro lugar nunca saía de um destes três alunos: Rivemale,
Lavalay e Amoedo, entre quarenta condiscípulos”. A
importância de ficar entre os primeiros lugares não se resumia apenas ao
orgulho ou ao prestígio do aluno, mas porque “o mérito de um estudante relativo
ao dos outros determinava sua posição em frente ao modelo no estúdio. [...]
[Uma colocação aceitável], mas entre as últimas no grupo, significava que o
estudante era colocado longe do modelo [Figura 35]”(WISSMAN, 1996, p. 109, tradução nossa).
103.
Ciente
de que deveria seguir estritamente as regras ditadas pela Academia brasileira,
Rodolfo Amoedo atravessou seus três primeiros anos em Paris sem sobressaltos.
Em 1882, Amoedo começou a preparar uma pintura para apresentar no Salon, a grande vitrine artística da época.
104.
Essa
grande exposição era realizada desde o século XVIII em Paris, e era uma ótima
oportunidade para um jovem artista ganhar fama. O Salon
foi controlado pelo governo até 1881, quando passou para as mãos da Societé des Artistes Français, e daí em
diante era organizado pelos próprios artistas. As
obras candidatadas a integrar a exposição eram submetidas a um júri formado
pelos professores da Escola de Belas-Artes, que as julgavam em termos de
qualidade técnica, temática e decência. O controle rígido exercido por esses
acadêmicos começara a criar muita polêmica desde meados do séc. XIX. O primeiro
sinal de insatisfação apareceu em 1848, quando
105.
o descontentamento
da classe artística em relação à intransigência dos júris de seleção se uniu ao
calor revolucionário e o novo Ministro de Belas Artes republicano,
Charles Blanc, atendeu às reivindicações de um salão sem júri de admissão, e em
que os próprios artistas se responsabilizariam pela instalação das obras. [...] Mas prevaleceu a impressão de fracasso [da tentativa] e em 1849 o júri de seleção
voltou à ativa. (ALVIM, 2008)
106.
Todavia,
a insatisfação continuou, culminando em 1863 com a criação do Salon des Refusés, composto pelas obras recusadas no Salão
oficial e, daí em diante, foram sendo criados vários
outros espaços para mostras; inclusive para a exposição dos impressionistas em
1874.
107.
“Contudo,
apesar de haverem muitas reclamações sobre a sua organização e políticas, o
Salão permaneceu no centro da vida artística parisiense e era a principal arena
na qual a arte contemporânea era exibida e pela qual ideias e
opiniões sobre arte moderna eram ventiladas e debatidas (ORMOND;
KILMURRAY, 1998, p.11, tradução nossa). Além do status derivado da aprovação
por parte do Salon, havia também a questão
econômica, pois os artistas que tivessem seus trabalhos exibidos no Salon sofriam uma poderosa valorização[10],
além de terem a oportunidade de angariar prêmios e se tornarem conhecidos do
público:
108.
Os Salões anuais recebiam extensa cobertura da
imprensa nas revistas de artes e nos jornais franceses da época, e era nesse meio que reputações eram forjadas e futuras
comissões asseguradas. O caráter do Salão mudou pouco a pouco à medida que foi
se tornando um palco econômico e comercial, onde artistas exibiam seus talentos
individuais para potenciais patronos e colecionadores. (ORMOND; KILMURRAY, 1998,
p.11, tradução nossa)
AS
PINTURAS INDIANISTAS DE RODOLFO AMOEDO
Marabá
109.
A
pintura que Rodolfo Amoedo decidiu apresentar no Salon
era um nu, que chamou de Marabá [Figura 1]. O título refere-se a um poema de
Gonçalves Dias, de mesmo nome, em que o poeta romântico descreve a angústia de
uma mestiça filha de um branco e uma índia, detentora de cachos loiros e olhos
azuis, e que por isso era considerada feia e exótica pelos índios da sua aldeia[11].
Ainda remetendo-nos a Ana Cavalcanti, descobrimos que a pintura de
110.
Amoedo
foi aprovada pelo júri do Salon e por Cabanel, que fazia parte do comitê de seleção naquele ano.
Contudo, a recepção da pintura no Brasil não foi a
mesma que na Europa.
111.
Rodolfo
Amoedo tomou a liberdade de representar Marabá com cabelos e olhos castanhos,
contrariando a fonte literária[12]; e isso pareceu um crime para uma parte
dos críticos. Gonzaga Duque (DUQUE ESTRADA, 1888) revela sua opinião
sobre o tratamento dado à mestiça:
112.
[...] o poeta dos Timbiras nos descreve a Marabá um tipo
louro, de olhos azuis como o mar; e o pintor, afastando-se dessas
características, dá-lhe à tez o tom queimado das folhas secas, aos olhos o
negro do jacarandá, aos cabelos a cor dos frutos do tucum. [...] É um tipo de mestiça, esse que
aí figura na tela. Mas, não é o tipo da Marabá, a filha do estrangeiro, odiada
pelos gentios.
113.
Oscar Guanabarino (1884) continua na mesma linha: “[Marabá]
devia representar um tipo de raça mestiça, mas o seu colorido está muito longe
disso”. Como se não bastasse, Guanabarino (1884)
passa a criticar a anatomia da figura:
114.
[...] dir-se-ia que o tronco foi copiado de um
modelo que não concluiu o número necessário de sessões para o acabamento da
obra, recorrendo o pintor a outro modelo para obter um par de pernas que por
felicidade estão encolhidas. [...] A tradição diz-nos que os indígenas não se casavam com as marabás; se a
cópia do natural fosse de uma autêntica, de uma verdadeira representante do
tipo, poderíamos concluir que a repugnância desses selvagens era devida às
formas desproporcionadas daquela gente e à enfermidade, não menos deformante,
da anchylose, sendo certo que nesta pobre
mestiça o joelho tem o volume de uma bala de artilharia antiga de calibre 68.
115.
Nesse
ponto, o crítico encontra eco na própria Academia de Belas-Artes: “[o] desenho
deixa ainda alguma coisa a desejar; pois sendo essa qualidade estudada com
cuidado desde a cabeça até a região peitoral, não acontece o mesmo dessa região
até as pernas, que é um tanto descurada”, escreveriam os professores Zeferino
da Costa e José Maria de Medeiros, ao fazer uma avaliação sobre as obras
enviadas pelo pensionista (CAVALCANTI, 2001-2002, p.73).
116.
As
críticas têm razão. O quadril é de fato imenso, e não parece pertencer ao mesmo
corpo que o tronco. Os joelhos, que à primeira vista passam por “normais”, após
uma observação mais detida parecem inchados. Mas poder-se-ia argumentar que,
por estar a figura em escorço, algumas partes de seu
corpo parecem maiores que outras, devido à perspectiva. E isso seria realmente
possível se Amoedo tivesse pintado a modelo de muito perto, sem dar a distância
necessária para que as deformações da perspectiva se anulassem. Contudo, é
difícil acreditar que um artista como ele, que passou anos de sua vida
desenhando modelos vivos, não estivesse ciente de que deveria haver uma
distância mínima entre o pintor e o modelo. Outra possibilidade é a de que ele
não tenha percebido a desproporcionalidade, ou mesmo que não tenha se
importado. Os pintores acadêmicos estavam acostumados a manipular as proporções
de seus modelos para que se encaixassem numa estética pessoal. Ingres é o melhor exemplo dessa abordagem artística. Basta
lembrarmo-nos de sua Grande Odalisca [Figura 36].
117.
Outra
possibilidade é a de que a própria modelo tivesse aquele corpo, o que é improvável,
mas não impossível. Veja-se, por exemplo, O rapto de uma mulher herzegovina (1861) [Figura 37],
do tcheco Yaroslav Cermak.
Nesta obra, o quadril e a cocha da mulher causam estranheza, parecendo
indiscutivelmente grandes, especialmente porque a figura também está em
escorço. Na segunda metade do século XIX, as mulheres eram submetidas às
demandas estéticas mais extremas e o espartilho causava consideráveis
deformações. Em geral, as costelas ficavam esmagadas, o tronco era projetado
para frente e as vísceras eram pressionadas para baixo. Na escultura Dançarina
(1904) [Figura
38] de Alexandre Falguière, algumas dessas
deformações ficam claras.
118.
Quanto
ao tipo físico da Marabá, é importante salientar que o poema fala
explicitamente de cabelos loiros “cor d’oiro fino” e de olhos azuis como “as
vagas do mar”. Amoedo, ciente das críticas que
receberia por não ater-se fielmente ao texto, só poderia ter escolhido muito
conscientemente representar a Marabá morena e de olhos escuros. Agora,
resta-nos tentar decifrar o porquê. Na verdade, o
artista pode ter dado um título ao quadro após terminá-lo, o que explicaria
muitas das discrepâncias em relação ao poema. Se não foi este o caso, é
razoável imaginar que ele tenha feito referência às “marabás” de uma forma
geral[13],
e não à do poema.
119.
A
composição da pintura é muito sóbria. A jovem está deitada na relva de um
bosque com a cabeça apoiada nas mãos, olhando longe, como a se lamentar. A
economia de elementos e cores no cenário, e a luz crepuscular que aparece entre
a vegetação no fundo, potencializam a sensação de solidão da protagonista,
simbolizada pela florzinha vermelha solitária com a qual deparamos em frente à
rocha em que Marabá se apoia. O enquadramento escolhido por Amoedo transmite a
sensação de confinamento, de opressão sobre a figura da mestiça. A perfeição da
modelagem e das cores atribui um realismo impressionante para o nu e, isso
somado à pose que ressalta o eixo diagonal da tela, nos faz segurar o fôlego
esperando ver Marabá mexendo as pernas, alisando os cabelos ou suspirando
lamentos de tristeza.
120.
Luciano
Migliaccio (1997b) acredita que, na verdade, a intenção de Amoedo não era
representar Marabá como uma vítima, mas sim de pintá-la de acordo com o “tema
da mulher perdida: a flor do mal da poesia de Baudelaire, para sermos mais
claros. Que Amoedo incline-se por essa solução, parece evidente, mais ainda que
na obra acabada, no estudo à óleo [...], feito no
ateliê parisiense, a partir do modelo vivo [Figura 39].” Esse estudo tem de diferente do
original a posição da cabeça e a iluminação mais sombria que recebe. Nesse
sentido, é curioso ver a semelhança entre este quadro e Eva após a queda [Figura 40],
de Alexandre Cabanel, e a Phryne
[Figura
41], de Boulanger, professores de Amoedo em
Paris.
121.
Talvez,
mais que ligado à ideia da “mulher como perdição” tão popular na arte europeia
do fin-de-siécle,
o jovem artista quisesse representar a mágoa e a desconfiança da jovem repelida
pela sociedade em que vivia. Na tela final, a expressão parece um tanto serena,
pedindo mais olhares compassivos que olhares de volúpia. É a mulher estoica que
enfrenta com coragem as desventuras de uma vida solitária.
O
Último Tamoio
122.
Estimulado
pelo sucesso do ano anterior, em 1883 Amoedo preparou outra pintura para
apresentar no Salon. Esta é a pintura mais
comumente ligada ao seu nome, e uma das mais representativas do indianismo nas
artes plásticas brasileiras: O Último Tamoio [Figura 2].
123.
A
pintura corresponde a um episódio pouco conhecido da história nacional. Ao
promover a colonização na capitania de São Vicente, na primeira metade do
século XVI, o capitão Brás Cubas deu início à captura e escravização dos
indígenas da região, principalmente os da etnia tupinambá. Entre os cativos,
estavam o chefe tupinambá Kaiçuru e seu filho Aimbire[14]. Kaiçuru
morreu no cativeiro, devido aos maus tratos perpetrados pelos colonizadores
portugueses. Aimbire, agora cacique da tribo,
insuflou uma revolta dos índios e organizou a fuga das propriedades
pertencentes a Brás Cubas.
124.
Livre,
Aimbire uniu-se a outros chefes indígenas (entre eles
tupinambás, goitacazes e aimorés) e formou a
Confederação dos Tamoios em 1554 (tumuya quer
dizer “os mais velhos” no idioma tupinambá), cujo território se estendia desde
o sul do litoral fluminense até a área onde hoje está a cidade de São Paulo. O
objetivo dos índios era expulsar os portugueses e impedir a escravização dos
indígenas, e para isso conseguiram o apoio dos franceses que haviam invadido o
Rio de Janeiro e montado uma base na Baía da Guanabara.
125.
O
primeiro chefe da Confederação, Cunhambebe, morreu devido a doenças
transmitidas pelo contato com os brancos[15],
e Aimbire foi eleito para sucedê-lo na chefia. Os
tamoios conquistaram grandes vitórias, o que obrigou os portugueses a enviar os
jesuítas Anchieta e Nóbrega para selar um acordo de paz com a Confederação.
Obedecendo às cláusulas da negociação, os portugueses tiveram que libertar
todos os seus escravos índios[16].
126.
Em
1565, Estácio de Sá, sobrinho do governador-geral Mem de Sá, chegou à capitania
de São Vicente com reforços e impôs pesadas derrotas aos tamoios e aos
franceses. Os tupinambás tiveram que se retirar para o interior e os franceses
foram expulsos do Rio de Janeiro. Em 1567 Aimbire
morreu numa batalha, que também deixou Estácio de Sá mortalmente ferido.
127.
Um
dos resultados mais importantes da guerra contra os tamoios é que os
portugueses ficaram cientes de que a escravização dos nativos seria uma
política arriscada, e decidiram intensificar a escravidão negra no Brasil.
128.
A
história dessa guerra foi plasmada no já citado poema Confederação dos
Tamoios, de Gonçalves de Magalhães. O seu livro, no entanto, dá um enfoque
explicitamente romântico ao episódio, o que nos ajuda a entender algumas
escolhas de Amoedo ao pintar o quadro.
129.
Os
primeiros versos de Gonçalves de Magalhães têm por objetivo celebrar a natureza
brasileira e sua ligação com os índios. Em seguida ele descreve (1856, p.15) a
sanha destruidora dos portugueses - tomados como vilões - e lamenta que a
influência dos jesuítas fosse inócua frente à cobiça e à sanha maligna do
colonizador português, que
130.
Levava o captiveiro, o
horror, o estrago,
131.
O incendio e a morte às
tabas indianas.
132.
Homens justos, apóstolos de Christo,
133.
Anchieta e seus irmãos em vão bradavam
134.
Contra tão fera usança e ruim costume:
135.
Conselhos de dever, de honra, que valem
136.
P’ra as almas
encharcadas na cobiça?
137.
Nos
versos seguintes, o poeta introduz Aimbire, que seria
o herói incontestável da história. Gonçalves de Magalhães (1856, p.15) decidiu
começar o enredo no ponto em que Aimbire já era chefe
dos tamoios:
138.
Aimbire, o mais audaz
entre os Tamoyos,
139.
Meditava projectos de
vingança
140.
Contra a Lusa colonia
Vicentina,
141.
Donde p’ra seus irmãos o mal
saía.
142.
De sertão em sertão, de taba em taba
143.
Andava elle incansável
incitando
144.
As tribus dos tamoyos à revolta.
145.
Aimbire é o herói que lidera seu povo contra uma força
opressora estrangeira. Um herói à altura de um Aquiles ou um Tristão.
146.
Nos
cantos seguintes, Gonçalves de Magalhães descreve as batalhas e a disputa entre
índios e portugueses. Narra que Aimbire ataca
Piratininga apenas para poder recuperar sua amada, Iguassu,
que havia sido sequestrada.
147.
Outro
aspecto importante para nossa pintura é entender o destaque que o poeta dá ao
papel dos jesuítas no conflito. No poema, Nóbrega e Anchieta foram
para os territórios tamoios levar uma proposta de paz dos portugueses e,
enquanto Nóbrega voltou para São Vicente para levar os termos do armistício,
Anchieta se voluntariou para ficar de refém dos índios, como garantia. Nisso,
aproveitou para apostolar entre os gentios e tentar neutralizar a influência
dos franceses protestantes sobre os nativos. Oportunamente, o padre foi
libertado.
148.
O
poema segue contando que, alguns anos depois, os portugueses retomaram as
hostilidades e empreenderam uma guerra sangrenta contra índios e franceses. Na
batalha que expulsa os últimos da Baía da Guanabara, Iguassu
é ferida no coração e morre aos pés de Aimbire, que
se vinga dando uma flechada em Estácio de Sá - que acabaria morrendo dali a
alguns dias. No calor do momento, o cacique pega o cadáver da esposa e brada
feroz (GONÇALVES DE MAGALHÃES, 1856, p.338):
149.
Tamoyo sou, Tamoyo morrer quero,
150.
E livre morrerei. Comigo morra
151.
O ultimo Tamoyo; e nenhum fique
152.
Para escravo do Luso: a nenhum delles
153.
Darei a gloria de tirar-me a
vida.”
154.
Nisso, lançou-se ao mar com o corpo de Iguassu.
155.
O
suicídio era um tema favorito entre os românticos, e considerado uma saída
dramática e até digna de uma situação que não apresentasse esperanças de
melhora. Werther, o personagem de Goethe, lançaria a
moda do suicídio entre os jovens românticos, tendência que ficou conhecida como
o “mal do século”. Marco Antônio se matou ao saber que perdera a batalha final
para Augusto, e Romeu se suicidou ao encontrar a amada morta. “Comigo morra o
ultimo Tamoyo”. Está aí o título do nosso quadro.
156.
Ainda
de acordo com a Confederação dos Tamoios (GONÇALVES DE MAGALHÃES, 1856,
p.339), no dia seguinte, com a vitória selada, os portugueses
157.
Viram nas ondas fluctuar dous corpos,
158.
Que o mar na enchente arremessára
às praias.
159.
De Aimbire e de Iguassú os corpos eram!
160.
Vio-os Anchieta com
chorosos olhos:
161.
Para a terra os tirou; e nessa praia,
162.
Que inda depois de mortos abraçavam,
163.
Sepultura lhes deo, p’ra sempre unidos.
164.
Ao
contrário do poema, Amoedo resolveu ignorar a presença do corpo de Iguassu, no que podemos especular que a imagem da índia
pouco ia agregar para o tema heroico do quadro. Contudo, alguns críticos não
suportaram a falta de fidelidade ao texto e Guarabarino
(1884) é um exemplo deles: “A tradição nos obriga a procurar o corpo de Iguassú, mas em vão. Debalde percorre-se todo o quadro
esperando ver indicado em algum ponto, ainda mesmo remoto, o vulto da
companheira de Aimbire”. Outro detalhe que deixou
alguns críticos de cabelo em pé foi o hábito que veste Anchieta, “representado
como Capuchinho, quando era Jesuíta” (GUANABARINO, 1884).
165.
De
uma forma geral, no entanto, o quadro agradou bastante os críticos. Gonzaga
Duque escreveu em 1888 que o “cadáver de Aimbire está
pintado com profundo sentimento de realidade [...]. A composição agrada muito,
sem parecer pedante e preocupada; e a execução é franca e audaciosa, porém
simples e severa”. O crítico anônimo da Revista Illustrada
diria ainda que “o Sr. Amoedo surprehendeu-nos
devéras, pela maneira brilhante como se sahiu de um assumpto tão difficil
quanto ingrato. Com certeza não esperavamos
tanto”(“X”, 1884).
166.
A
composição é simples, mas muito bem construída. Sônia Gomes Pereira (2008,
p.25) defende que o uso de uma escala restrita de cores reforça a “ideia de
integração entre o índio e a natureza”, no que encontra suporte em Walmyr Ayala (p.120), que aponta que “a paisagem e a figura
principal do tamoio se integram como elementos de uma mesma natureza,
primitiva, desnuda e indefesa”. A pintura toda se desenvolve em torno de roxos,
ocres e marrons. A cor do mar é um verde sujo, e as nuvens do céu são
roxo-azuladas, escuras. Nelas, é sugerido o reflexo da luz alaranjada do Sol
nascente. A atmosfera fica ainda mais pesada devido à cadeia de montanhas e ao
hábito religioso de Anchieta - muito escuros e localizados na metade superior
da pintura -, que transmitem uma sensação de opressão.
167.
Amoedo
aplica nesta pintura todo o seu talento: não nos conta a história apenas, mas
até nos indica como devemos nos sentir: a economia de elementos, a paleta
reduzida e o clima pesado dão à cena a impressão de uma profunda desolação, que
fica ainda mais lúgubre devido às esparsas sugestões de movimento (e de som),
que vêm das gaivotas brancas, da onda que quebra na praia e do movimento de
aproximação desenvolvido por Anchieta. Francisco Acquarone afirmou em História
da Arte no Brasil que O Último Tamoio “é uma das mais vigorosas, das
mais pujantes telas que se contam na pintura brasileira” (1939, p. 207).
168.
Anchieta
é belissimamente pintado. Apesar do erro na reconstituição histórica, Amoedo
deu atenção a vários detalhes na caracterização do padre: a anatomia dos pés e
das mãos é invejável; a cor da pele do padre em relação ao cadáver de Aimbire; o peso da roupa que indica seriedade; as chinelas
que indicam humildade; a areia espalhada sobre o manto, sugerindo a pressa de
Anchieta em resgatar o copo sem que pudesse se preocupar com suas roupas.
169.
Já
a imagem do índio... é a glória de qualquer artista
acadêmico. Rodolfo Amoedo não se furta ao desafio e não escolhe apenas uma pose
difícil, como também uma iluminação complicada, que bate sobre o cadáver numa
direção em que os artistas não costumam usá-la, por ser quase o negativo da luz
natural, que normalmente vem de cima da figura, projetando as sombras sob as
sobrancelhas, nariz, queixo etc. Aliás, a iluminação de Aimbire
é o único pecado compositivo da pintura, já que, apesar de incrementar o
realismo do corpo, diminui no mesmo grau a dramaticidade da cena, ao iluminar
muito e tudo, como um cadáver sendo examinado numa aula de anatomia.
170.
De
fato, as pernas, a mão, o rosto - todo o conjunto - são representados com uma
verdade assustadora. Gonzaga Duque (1929, p. 12) defende mesmo que “a figura
principal, admiravelmente desenhada quase d'escorço, é um acabado estudo de
afogado, de acordo com os rigores da reproducção
naturalista [...]. A verdade [...] do cadaver sorprehende em seus detalhes [...]”. A cor, pálida,
amarelada, corresponde fielmente à cor que os mortos assumem. O penacho sobre o
ventre do índio é estrategicamente colocado, pois, no escorço em que o
personagem foi representado, a genitália é quase “oferecida” ao espectador. Os
cabelos negros, desgrenhados, são representados ainda úmidos, destacando o
rosto empalidecido. As sobrancelhas foram raspadas, como é hábito de algumas
tribos brasileiras até hoje. Tudo, inclusive a própria pose de braços
estendidos perpendicularmente ao corpo, nos leva a acreditar que Amoedo fez intencionalmente
um paralelo entre Aimbire e Cristo crucificado.
171.
A
pose dos personagens nos lembra uma pietá [Figura 42]. Essa pose é usada na arte desde a Idade
Média, quando a intenção do artista é demonstrar lamento e sacrifício. Podemos
reconhecê-la em obras de temáticas completamente diferentes, como no quadro Ivan,
o Terrível, e seu filho em 16 de novembro de 1581 (1885) [Figura 43],
do russo Repin, que mostra o Czar Ivan arrependido
por ter assassinado o herdeiro do trono num acesso de raiva; e n’O cavaleiro
ferido (1855) [Figura 44], de W. S. Burton, que retrata uma cena da
Guerra Civil britânica.
172.
Walmir
Ayala (p.120) acredita que o papel do padre na pintura - e, portanto, no texto
de Gonçalves de Magalhães - reflete a “tendência de harmonizar as raças a
partir da interferência cristã, o que não deixa de ser altamente idealista e
romanesco”. A celebração da religião católica, que liga índios e portugueses na
construção da nova nação, está presente na Primeira Missa, de Meirelles,
na Primeira Missa em São Vicente, de Rugendas,
e na Elevação da Cruz, de Pedro Peres. Apesar de o Último Tamoio
ser uma pintura bem diferente daquelas, o padre cumpre aqui o papel de
representante da fé cristã, fé essa que seria - de acordo com a mentalidade do
homem vitoriano - um dos lados positivos da civilização que aportou em nossas
praias a partir dos 1500, trazendo valores como a caridade e a solidariedade. A
importância do papel de Anchieta no conflito entre índios e brancos, atuando
como pacificador e conciliador, é destacada durante todo o poema de Gonçalves
de Magalhães, e não poderia ser diferente na pintura.
173.
A
união entre o índio e o religioso é suavemente realçada na mão (de Anchieta)
que segura a outra (de Aimbire),
cuidadosamente colocadas próximas ao centro do quadro. As mãos formam o vértice
de um triângulo, cujos outros vértices estão nas cabeças das figuras. Esse
triângulo corresponde a outro maior, que tem por vértices a mão direita de Aimbire, a cabeça de Anchieta e os pés dos personagens [Esquema 1]. Essa construção serve de legenda para a própria
história: o índio devolvido pelo mar (a mão direita) é acudido pelo padre
(cabeça de Anchieta) que vai prestar-lhe seus deveres cristãos e sepultá-lo na
terra onde tinha suas raízes (representado pelos pés descalços do nativo, que
apontam para a terra).
174.
Aparentemente,
na época em que foi exposto no Rio pela primeira vez, o quadro não
despertou a mesma curiosidade que desperta hoje. Apesar de ter sido citado na
maioria dos artigos de imprensa sobre a Exposição Geral de 1884, ele não foi
discutido nas reuniões da congregação da Academia que versavam sobre a
exposição. Talvez, a imagem daquele índio que lutou até a morte pelos seus
ideais e pela liberdade do seu povo nos toque muito mais hoje do que há 120
anos.
A
Morte de Atalá
175.
A Morte de Atalá [Figura 3] é a pintura menos conhecida daquelas de
temática indianista de Amoedo. Até onde minha pesquisa pode ir, não há
evidência de que o quadro tenha sido exposto no Brasil. Hoje pertence a uma
coleção particular em São Paulo.
176.
O
livro de François René de Chateaubriand conta a desventurada história do amor
de Chactas e Atalá. Na
região do rio Mississipi[17], onde hoje está a Louisiana, a tribo de Chactas - os natchez - foi
dizimada por uma tribo inimiga - os muscolugos. Ainda
criança, o índio foi vendido para o espanhol López, que o criaria como um
filho. Ao crescer, Chactas sentia cada vez mais falta
da vida selvagem, e recebeu a permissão de López para viver na natureza.
Contudo, desacostumado à vida na floresta, foi capturado pelos muscolugos, e condenado à morte. Atalá,
a filha do chefe da tribo, apiedou-se do jovem e o ajudou a fugir. Nisso, os
dois acabaram se apaixonando e tentaram consumar o amor diversas vezes, mas
vários fenômenos naturais impediram a consumação do ato. Atalá
conta ao amado que é filha de espanhol e índio, e que apenas havia sido adotada
pelo chefe dos muscolugos. Ao continuar a fuga, depararam-se com o padre Aubry, um
missionário que havia passado a vida catequizando índios. Atalá
aproveitou para revelar que era cristã, e Chactas foi
então batizado para poder casar-se com a amada. Nesse momento, a jovem mestiça
faz outra revelação: prometera no leito de morte da sua mãe manter-se virgem
por toda a vida, para expiar o pecado daquela, que se deitou com um espanhol.
Não podendo consumar seu amor, e fiel à promessa feita à sua mãe, ela se vê
impossibilitada de ser feliz e toma um veneno. O padre Aubry
tenta em vão salvá-la, e explica-lhe que sua promessa fora um erro e que ela
não estava obrigada a cumpri-la. Atalá arrepende-se
do suicídio, mas já é tarde demais, e morre na esperança de ser contemplada
pela misericórdia divina.
177.
Nesta
obra, a referência à importância do cristianismo é ainda mais explícita que na
de Gonçalves de Magalhães. Diz o estudioso Antônio Soares Amora (1966, p. 130)
que a intenção de Chateaubriand era
178.
demonstrar, em termos dos
fins morais de uma obra, que a verdadeira Filosofia e a verdadeira Religião,
implícitas no drama dos protagonistas e por vezes expostas nos seus diálogos, e
claramente desenvolvidas no Epílogo do romance, eram em essência uma única
verdade.
179.
Mas
a Morte de Atalá de Amoedo,
apesar de tocante e magistralmente realizada, não transmite toda a carga
simbólica e dramática que existe no Último Tamoio. Mesmo em comparação
com as pinturas de Girodet e de Duarte, ou com a de Cesare
Mussini [Figura 45],
a Atalá de Amoedo é pouco sensível, incapaz de
comover. Migliaccio acerta ao classificar a pintura como “quase um exercício de
escola” (2007b), muito semelhante aos trabalhos que os candidatos tinham que
apresentar na fase final do Prix de Rome.
180.
Como
eu não tive a oportunidade de ver a pintura pessoalmente, qualquer consideração
em relação à cor, e em boa parte em relação à luz, é prejudicada. Quanto à
composição, podemos julgá-la muito boa, especialmente no que concerne à
distribuição dos elementos. A ação acontece na metade direita da tela, quase no
canto. Essa arrumação transmite a ideia de intimidade, de uma cena íntima, pois
todos os personagens se reúnem numa pequena parte do espaço. Do lado esquerdo,
as páginas brancas da bíblia equilibram a massa clara formada do lado oposto
pelos corpos iluminados das figuras, mas sem disputar a atenção, e contribuindo
simbolicamente para o significado geral. Padre Baudry
está maravilhosamente caracterizado, tanto pelas roupas quanto pelo modelo. A
figura do frade nos remete a artistas como Ribera e Zurbarán. Em Chactas, Amoedo teve
o cuidado de trabalhar os traços indígenas, assim como os acessórios. Sua cor e
seus braços fortes dão a perfeita caracterização do “herói índio”, o homem
primitivo, viril, conectado à natureza. Mas a situação em que se encontra
suga-lhe as forças, e seus traços são um tanto inexpressivos.
181.
Atalá jaz no chão e aguarda contrita
o sacramento. Sua pele branca, que já demonstra a ação do veneno que se
apodera de seu organismo, faz contraste com seus cabelos de cor sanguínea, o
vermelho, a cor dos mártires católicos. Como ainda está viva, Amoedo
representou-a recebendo a eucaristia, enquanto nas pinturas de Duarte e Girodet a mestiça morta já segura um crucifixo, que é o
sinal tumular dos cristãos.
182.
Amoedo,
ao contrário de seus colegas, destacou a ação sendo desenrolada entre a suicida
e o monge, enquanto nos outros quadros o grande foco é o sofrimento do jovem Chactas. Inclusive, na pintura do francês Raynaud [Figura 46], a única figura é a do jovem índio.
Talvez, a intenção do artista não tenha sido ressaltar o lado emotivo,
dramático, sentimental da cena; mas sim o aspecto racional, o caráter
transcendental do fato. Ora, a jovem Atalá já estava
irreversivelmente condenada à morte. O que fazer? Prantos? Lamúrias? Não...
Calma, ordem, paz. O desejo de estar com a pessoa querida até o último
instante, numa ligação que dispensa o drama, exige a mais pura ternura e o mais
sincero amor.
CONCLUSÃO
183.
É
de se imaginar que Cabanel tenha ficado orgulhoso da Atalá de Amoedo, pois é um perfeito exemplar de
pintura histórica. Amoedo tinha um estilo mais sério, mais grave e mais
reservado que seu mestre francês. Em Ofélia [Figura 47],
do mesmo ano de Atalá, Cabanel
mostra a jovem dinamarquesa no momento em que cai na água; mas ele parece se esquecer que essa queda causaria a morte da pobre moça, e
representa a figura numa pose sensual e com uma expressão lânguida.
184.
Já
em A morte de Francesca da Rimini e Paolo Malatesta
(1870) [Figura 48], a iluminação é muito semelhante à do
quadro de Amoedo, mas a questão da morte é tratada de forma muito mais
dramática, traduzida principalmente na contorção dos corpos. Do pintor francês,
o artista brasileiro herda a técnica apurada e a valorização do desenho, mas
sua personalidade tende muito mais para uma arte sem espetáculo, mais próxima
daquilo que Vitor Meirelles havia produzido.
185.
Não
seria demais acreditar que a intenção de Amoedo ao produzir suas pinturas
indianistas tenha sido atingir dois objetivos. Um na França e outro no Rio de
Janeiro. No Salon de Paris, era fundamental
que o artista fosse capaz de produzir pinturas impactantes, que causassem uma
impressão duradoura no espectador. Quando um iniciante pretende se destacar
numa exposição que já conta com grandes celebridades; salas e mais salas com
obras de arte empilhadas até o teto; e milhares de artistas procurando um lugar
sob os holofotes; ele deve ter alguma qualidade que seus colegas não possuem.
Não me surpreenderia se a necessidade de ser notado
fosse um dos principais motivos que levaram Rodolfo Amoedo a investir tanto em
pinturas indianistas. Destacar-se na multidão era fundamental para um artista
ambicioso e decidido como ele, e nunca seria demais apelar para o exótico.
186.
Já
quanto ao Brasil, é possível que Amoedo nutrisse
pretensões ainda mais ousadas. A primeira pista são as obras literárias nas
quais ele se inspirou. Marabá, Confederação dos Tamoios, Atalá. Gonçalves Dias era por mérito o “poeta
nacional”. A Confederação era um poema épico, com claras intenções de
ser um símbolo da nacionalidade, tendo recebido apoio financeiro até do próprio
imperador para ser publicada. Já o romance de Chateaubriand era a obra
indianista internacional mais popular da época, unindo “bom selvagem” e
catolicismo, o homem puro e a religião de Cristo. A segunda pista é o papel de
representante da brasilidade atribuído ao índio, o verdadeiro herói americano,
como já foi exaustivamente demonstrado aqui. E a terceira pista é a
popularidade do tema entre as Exposições Gerias de 1879 (que Amoedo presenciou)
e a de 1884, da qual participou.
187.
Baseados
nisso, podemos acreditar que Amoedo apostava que os textos indianistas
formariam algum tipo de mitologia nacional, e enquanto Gonçalves Dias, o bardo
da brasilidade, seria um novo Homero, livros como a Confederação dos Tamoios
e O Guarani formariam a nossa Ilíada e a nossa Odisseia. Um
exemplo melhor seria o que Os Lusíadas de Camões representa
para a identidade portuguesa. Nessa lógica, os índios seriam os novos Aquiles
e Odisseus, ou, dependendo do momento, Spartacus
e Brutus. É possível que Amoedo acreditasse que
a literatura e a arte indianista haveriam de ter sobre a cultura brasileira o
mesmo efeito que a Antigüidade Clássica e suas lendas
tiveram sobre cultura europeia. E claro, vendo nessa situação uma oportunidade
de deixar sua marca para a posteridade, desejou se candidatar ao posto de um
dos retratistas da herança indianista. É provável que se inspirasse no papel
que desempenhou Vitor Meirelles ao pintar A Primeira Missa.
188.
Seu
estilo sério e severo, no que tange à sua produção indianista, assemelha-se ao
das obras da Antiguidade Clássica ou ao de classicistas como David - são
imagens de uma ideologia, de uma crença. Outras pinturas do mesmo período demonstram
que Amoedo era capaz de pintar temáticas mais leves ou menos sérias, como no Estudo
de mulher (1884) [Figura 49] e Amuada (1882).
189.
Contudo,
diversos fatores acabaram pesando contra suas pretensões (caso as nutrisse, de
acordo com nossa hipótese). Em primeiro lugar, naquele momento, todas as
atenções estavam voltadas para Almeida Júnior, que voltara ao Brasil em 1882 e
causara sensação na exposição de 1884. Em segundo lugar, deve ter sido
decepcionante para o jovem pintor a pouca repercussão que suas pinturas de
temática indianista tiveram entre críticos e a congregação da Academia
Imperial. Em último lugar, o próprio status quo brasileiro na década de
1880 já não alimentava a necessidade de se forjar mitos nacionais. Essa busca
entrava em nítida decadência, assim como o próprio romantismo no país. A
pintura histórica era considerada uma herdeira do academicismo que vinha sendo
ferrenhamente combatido pelos críticos e por alguns estudantes da Academia de
Belas Artes. O realismo de artistas como Almeida Júnior e Eliseu Visconti (que
apareceria alguns anos depois) já estava se tornando a tendência artística mais
capaz de refletir uma “escola nacional”, de acordo com críticos de arte como
Gonzaga Duque.
190.
Decepcionado
com a recepção que as pinturas tiveram no Brasil, Amoedo
não produziu outras telas com o tema após 1883. Preferiu trabalhar com com uma temática mais
tradicional, no que obteve muito mais sucesso junto à crítica e à Academia.
Duas telas exemplares da sua mudança de foco são Jesus em Cafarnaum (1887)
[Figura 50] e A Narração de Filetas (1887) [Figura 51], ambas em grandes dimensões e terminadas
no último ano do seu pensionato. A técnica continuou primorosa, e as telas são
muito bem-sucedidas, mas pouco têm em comum com o ar
monocromático e melancólico das pinturas indianistas.
191.
No
futuro, experimentaria com o realismo, o simbolismo e o impressionismo. Os
críticos e estudiosos costumam ser unânimes em considerar sua produção
pós-pensionato em Paris como inferior, e podemos perceber até um certo desleixo na produção de algumas telas, como no Bandeirante,
de 1929, em que cor, pincelada, perspectiva atmosférica e desenho parecem ter
sido realizados sem muito esmero.
192.
Com
a ascensão dos movimentos de vanguarda no século XX, os trabalhos de Amoedo
começaram a ser vistos como datados, sem merecer grandes pesquisas, no oposto
do que aconteceu com Almeida Júnior - celebrizado por suas telas caipiras, como
verdadeiro artista imbuído do espírito brasileiro. Recentemente, entretanto,
com a reavaliação da arte acadêmica produzida no século XIX, plasmada em
publicações de autores como Letícia Squeef, Jorge
Coli, Sônia Gomes Pereira, Rafael Cardoso e Lília Schwarcz
- para citar apenas autores de obras publicadas depois do ano 2000 -,
renovou-se o interesse sobre o trabalho de Amoedo, que vem ganhando enorme
destaque.
193.
O
espírito único das obras indianistas de Rodolfo Amoedo são testemunho do
esforço de um jovem estudante para vencer barreiras tanto na Europa quanto no Brasil.
Ao plasmar artisticamente aquilo que o nosso país acreditava ser especialmente
seu, Amoedo acreditava fazer sua contribuição não apenas para a arte como para
a sociedade. Injustiçado pelo esquecimento e abandono a que foi submetido por
um mundo cujos parâmetros foram virados de ponta-cabeça, talvez a sina de
Amoedo fosse mesmo ser compreendido apenas muito tempo depois. Se acreditarmos
que produziu suas melhores obras projetando o papel que desempenhariam no
futuro, talvez seja a hora de dar a essas pinturas o destaque que elas merecem,
unindo passo e presente para compreendermos a sua lição.
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_________________________
[1] Sobre o caráter
passivo dos heróis e heroínas indígenas da nossa pintura, vale lembrar a voga
na arte acadêmica europeia da representação dos heróis e grandes homens do
passado no momento de sua morte. Para citar apenas alguns exemplos, podemos lembrar do Marat (1793) de David, do Leonardo (1818) de Ingres
e da Rainha Elizabeth (1828)
de Delaroche.
[2] Para a história do
indianismo na literatura brasileira, baseei minha pesquisa principalmente no
livro de Afrânio Coutinho e Eduardo F. Coutinho, A Literatura no Brasil:
Era Romântica.
[3] Como não se sabe o
paradeiro de boa parte das obras inclusas na compilação que Carlos Levy fez do
conteúdo das Exposições Gerais, tive que fazer a seleção entre arte
“indianista” e o “não indianista” baseado muitas vezes apenas no título ou na
descrição das obras. Advirto que a cronologia que eu apresento aqui não pode
ser exaustiva no que se refere à arte indianista do período, pois as
informações sobre a produção artística brasileira dessa época ainda são
bastante exíguas.
[4] É exposta uma
“Paisagem com acampamento de índios”.
[5] Sobre este
assunto, ver: CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o
imaginário da República no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2007. 17ª reimpressão.
[6] As disputas eram
realizadas entre estudantes de várias áreas artísticas diferentes, concorrendo
a um único prêmio de viagem pintores, escultores, arquitetos, gravadores etc.
Ver Laudelino Freire: Um século de Pintura(1816-1916). Disponível em: <http://www.pitoresco.com.br/laudelino/> . Laudelino cita o ofício de 14 de setembro de 1845 escrito pelo diretor da
Academia Felix Taunay: "O concorrente que for julgado superior, não só na
sua classe, mas também aos melhores de outras classes (pintura histórica,
paisagem, arquitetura, escultura, gravura de medalhas), será escolhido o
proposto à aprovação do Governo de Sua Majestade Imperial”.
[7] Ver ainda as
tabelas organizadas por Ana Cavalcanti nas p. 72-74.
[8] “Quando Raphael
Mendes de Carvalho foi enviado para estudar na Itália[1845],
os concursos de Viagem ainda não existiam. Este pintor obteve sua pensão após a
resolução da Assembléia Geral Legislativa. À exceção
de Mendes de Carvalho, todos os outros estudantes receberam suas pensões após
terem sido premiados nos concursos da Academia”. (CAVALCANTI, 2001/2002, p.73)
[9] Vitor Meirelles e
Pedro Weingartner, sendo que este estudou ainda em várias
escolas da Alemanha.
[10] Aqui vale citar
Renoir, numa correspondência ao marchand Durand Ruel, em que ele justifica porque ainda expunha nos Salons: “Eu vou tentar lhe explicar por que eu envio
[pinturas] ao Salon. Em Paris, há,
se muito, quinze colecionadores capazes de apreciar um artista sem o Salon. Há oitenta mil que não comprarão nada se o artista
não está no Salon. Por isso eu envio todos os anos
dois retratos, se possível [...]. Meu envio ao Salon
é absolutamente comercial. Em todo caso, é como alguns remédios. Se não faz
bem, também não faz mal.” (Citado por Lionello
Venturi, Les Archives de l'Impressionisme, 1939, Ruel
Ed., Paris-N.York, vol. 1, p. 115, tradução
nossa)
[11] Eu vivo sozinha; ninguém me procura
Acaso feitura
Não sou de Tupã?
Se algum dentre os homens de mim não se esconde,
- Tu és, me responde
- Tu és Marabá!
- Meus olhos são garços, são cor das safiras,
- Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar,
- Imitam as nuvens de um céu anilado,
- As cores imitam as vagas do mar!
- Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
‘Teus olhos são garços,’
Responde anojado; ‘mas és Marabá:
‘Quero antes uns
olhos bem pretos, luzentes,
‘Uns olhos
fulgentes,
‘Bem pretos,
retintos, não cor d’anajá!’
- É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
- Da cor das areias batidas do mar;
- As aves mais brancas, as conchas mais puras
- Não têm mais alvura, não tem mais brilhar. -
Se ainda me escuta meus agros delírios:
- ‘És alva de lírios,’
Sorrindo responde; ‘mas és Marabá:
‘Quero antes um
rosto de jambo corado,
‘Um rosto crestado
‘Do sol do deserto,
não flor de cajá.’
- Meu colo de leve se encurva engraçado,
- Como hástea pendente do cactos em flor;
- Mimosa, indolente, resvalo no prado,
- Como um soluçado suspiro de amor! -
‘Eu amo a estatura
flexível, ligeira,
Qual duma palmeira,’
Então me respondem; ‘tu és Marabá:
‘Quero antes o colo
da ema orgulhosa,
‘Que pisa vaidosa,
‘Que as flóreas campinas governa, onde está.’
- Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
- O oiro mais puro não tem seu fulgor;
- As brisas nos bosques de os ver
se enamoram.
- De os ver tão formosos como
um beija-flor!
Mas eles respondem: ‘Teus longos cabelos,
‘São loiros, são
belos,
‘Mas são anelados;
tu és Marabá:
‘Quero antes
cabelos, bem lisos, corridos,
‘Cabelos compridos,
‘Não cor d’oiro
fino, nem cor d’anajá.’
--------------
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d’acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:
Jamais um guerreiro, da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!”
(GONÇALVES...,
1966. pp. 169-170)
[12] E essa incoerência
entre a Marabá do poema e a da pintura poderia inclusive nos levar a questionar
se o pintor escolheu um nome para o quadro apenas depois de terminá-lo.
[13] O próprio
Gonçalves Dias inclui a seguinte nota no seu poema: “Marabá: encontramos
na ‘Crônica da Companhia’ um trecho que explica a significação desta palavra e
a idéia desta breve composição. ‘Tinha certa velha enterrado vivo um menino, filho de sua nora, no mesmo
ponto em que o parira, por ser filho a que chamam ‘marabá’, que quer dizer de
mistura (aborrecível entre esta gente)’.” (GONÇALVES..., 1966, p. 169)
[14] Também chamado
Aimberê. Eu adoto aqui a ortografia utilizada por Gonçalves de Magalhães n’A
Confederação dos Tamoios.
[15] Acredita-se que de
varíola.
[16] Hans Staden foi
testemunha ocular desses acontecimentos, pois foi contratado para lutar pelo
lado português nessa guerra. Nisso, foi feito prisioneiro pelos índios e passou
meses cativo entre os tupinambás. As memórias desse episódio estão em seu livro
Viagens e Aventuras no Brasil (1557), no qual relata em detalhes o
famoso hábito antropofágico tupinambá.
[17] Para redigir este
resumo me baseei principalmente no livro Classicismo e Romantismo no Brasil, de Antônio Soares Amora (ver
REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA).