Pedro Weingärtner e a Pintura Neopompeiana
Camila Dazzi [1]
DAZZI, Camila. Pedro Weingärtner e a Pintura Neopompeiana. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n. 2, abr. 2009. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/pw_pneopompeiana.htm>.
*
* *
There is not such a great difference between the
ancients and the moderns as we are apt to suppose.This
is the truth that I have always endeavoured to
express in my pictures, that the old Romans were human flesh and blood, like
ourselves, moved by much the same passions and emotions.
Lawrence Alma-Tadema, The Strand Magazine, 1899[2]
1. O Museu Arqueológico de Nápoles abrigou, faz alguns anos, uma significativa mostra sobre a obra do artista de origem holandesa Lawrence Alma-Tadema.[3] O caráter único da exposição estava, no entanto, não na quantidade de suas obras expostas, que eram significativamente poucas, mas na busca de apresentar o contexto artístico italiano de finais do século XIX no qual elas estavam imersas. A exposição, que ocupou um dos maiores salões do antigo palazzo do museu de arqueologia, apresentava uma vasta coletânea de obras de pintores italianos, que como Alma-Tadema, foram buscar em Pompéia, e mais amplamente na antiguidade romana, inspiração para as suas obras. Ao percorrer os inúmeros corredores da mostra, em meio a pinturas e esculturas íamos nos lembrando dos artistas brasileiros que completaram as suas formações artísticas na Itália da segunda metade do oitocentos, como Henrique Bernardelli, Zeferino da Costa, Rodolpho Bernardelli e Pedro Weingärtner. Se dos três primeiros conseguíamos lembrar de obras que poderiam estar perfeitamente inseridas no contexto da mostra, sem nada deixar a desejar às demais, de Pedro Weingärtner de nada recordávamos. Qual não foi a nossa surpresa, portanto, durante o I Colóquio Nacional de Estudos Sobre a Arte Brasileira do Século XIX, (ver link),[4] quando foram mostradas algumas imagens de pinturas realizadas pelo artista quando de sua estadia na Itália. As telas, que retratavam cenas pompeianas, nos remeteram não só a produção de Alma-Tadema, mas a de muitos daqueles artistas italianos presentes na mostra napolitana, e ainda tão pouco conhecidos dos estudiosos brasileiros. Tais obras de Weingärtner, no entanto, não mereceram maiores comentários por parte dos comunicadores, o que não seria possível no pouco tempo que lhes havia sido concedido.[5]
2. No presente artigo, buscaremos comentar, ainda que brevemente, a produção neopompeiana de Pedro Weingärtner, mostrando a sua inserção nesse significativo conjunto de artistas que, em fins do século XIX, elegeram Pompéia como cenário de suas composições.
3. Os sítios arqueológicos de Roma, Pompéia e Herculano, desde os primeiros achados ocorridos há mais de dois séculos, foram fonte de inspiração e matéria de elaboração para o movimento artístico e intelectual europeu, revelado através de cenas do cotidiano das cidades destruídas pelo Vesúvio, até pinturas de caráter mais histórico, representando personagens inspiradas nas evidências documentárias e arqueológicas do mundo clássico. Tornada moda em toda Europa graças às então recentes escavações arqueológicas conduzidas em Pompéia pelo italiano Giuseppe Fiorelli, e à obra de artistas como Gêrome e Alma-Tadema[6] e a literatos como Bulwer-Lytton,[7] na Itália este gênero de pintura de história teve, sobretudo em Nápoles, grande sucesso, encontrando igualmente adeptos em um mercado de arte de amplitude internacional.[8] Tal difusão podemos atribuir, - além de um certo sentimento nacionalista do público italiano - , à vontade de adornar as casas, por parte de uma elite intelectual e burguesa, que amava se reconhecer em telas que retratavam virtudes, vícios, ritos e costumes de uma sociedade remota, e, no entanto, bastante presente graças às empreitadas arqueológicas cujos descobertas eram largamente noticiadas.
4. Tal pittura antica di genere, tendo como objetivo recuperar os testemunhos da vida cotidiana antiga, ambientava cenas pompeianas - ou mais genericamente romanas - em lugares como banhos, lojas, termas e casas, com um estudo acurado da arquitetura e de outros elementos históricos. A escolha das cenas e das suas ambientações era determinada pelos critérios de cotidianidade e verdade humana,[9] o que acabou por determinar, em grande parte, um afastamento de interesse pela Roma Imperial ou Republicana, e da sua vida política, expressa na linguagem monumental da sua arquitetura, na nobreza dos sentimentos e nas ações ideais, que respondiam, só em parte, às necessidades da sociedade de fins do oitocentos.[10] Era necessário passar da esfera do ethos ao território vivo e prosaico da realidade humana, e Pompéia constituía a palavra chave que permitia à imaginação restaurar ao fluir vibrante da vida aquela dimensão cotidiana que os monumentos romanos, na sua magnífica imponência, não puderam conservar. Pompéia permitia entrever a vida privada dos antigos, enquanto os restos dos monumentos públicos da antiga Roma só permitiam conhecer a sua história política.
5. O interesse pelo neopompeiano identificado em Weingärtner não é um caso isolado no cenário artístico brasileiro e ,mais precisamente, fluminense das últimas décadas do oitocentos. Vários dos nossos artistas que complementaram suas formações artísticas na Itália, sobretudo Roma e Nápoles, demonstraram igual interesse por temáticas à antiga Roma. Obra que inaugura essa tendência por parte dos nossos artistas é a Pompeana (1876) [Figura 1] de Zeferino da Costa, ganhador do Prêmio de Viagem da Academia Imperial de Belas Artes em 1868. A tela representa uma mulher de Pompéia na intimidade de um interiéur vermelho “pompeiano,” cujo refinamento e luxo são simbolizados pela pele de onça e pelo gracioso mosaico que reveste o chão. Vemos a jovem no momento em que se despe - ou se veste, é difícil precisar -, tendo a nudez parcialmente coberta por uma fita azul que lhe desce dos longos cabelos negros. O quadro, que não possui os princípios veristas/realistas defendidos por artistas como Domenico Morelli,[11] demonstra, no entanto, grande aproximação com a obra de pintores como Federico Maldarelli, também esse realizador de telas como La Pompeiana (1871) e La vestizione (1864) [Figura 2], cuja estética em muito se aproxima daquela empregada por Zeferino.
6. Outro artista em cuja obra vemos reflexos dessa tentativa de reconstituição artística do antigo é Rodolpho Bernardelli, pensionista da Academia Imperial de Belas Artes em Roma, entre 1877 e 1885.[12] Neste sentido, o Museu Nacional de Belas Artes possuí dois de seus envios de pensionista, ambos bronzes em baixo relevo, nos quais fica demonstrado o favoritismo do artista por personagens de reconhecimento histórico como Fabíola (1878) [Figura 3]. Para a sua execução o artista parece ter buscado, como era de praxe, inspiração em um romance histórico. Trata-se da Fabíola do Cardeal Wiseman, publicado em 1854,[13] livro que teve grande repercussão no ambiente italiano daquele momento. A história, que se passa em meio a sociedade romana antiga, particularmente entre os cristãos de Roma, conta a paixão de Fabíola, nobre romana opulenta, autoritária e imperiosa, por São Sebastião.[14] No romance, o cenário de Roma Antiga é tratado com veracidade, buscando o escritor reconstituir os costumes, a arquitetura e as vestimentas daquela época, entre outros dados.
7. Alguns trabalhos de Henrique Bernardelli, que escolhe Roma como lugar de estudos entre 1879 e 1888,[15] como Bachanal, Depois da Bachanal, Profano e Sacro e Depois da orgia, apresentadas em telas de pequeno formato ou sob forma de estudo (aquarelas e pasteis), datadas da década de 1880, seguiam igualmente esse modelo específico de pintura histórica, com personagens da história antiga de Roma, e com clara ambientação pompeiana. A mais famosa de suas telas, é Messalina (c.1886-1890) [Figura 4], pertencente ao Museu Nacional de Belas Artes/RJ. A tela de grande formato, diferente das demais, representa um personagem bastante divulgado na literatura de finais do século XIX, por encarnar o tipo da femme fatale: trata-se da esposa do Imperador Romano Cláudio (40 d.C.), da qual se sabe a respeito somente imoralidades e delitos, incluindo vários amantes provenientes de todas as classes sociais.[16] A tela, não estando destinada, devido as suas proporções, a embelezar a parede da casa de algum membro da elite intelectualizada brasileira, mas sim de figurar nas paredes de um museu, se encaixa em um viés da pintura neopompeiana, de caráter “histórico”, ao qual era conferido um status mais elevado. Tal partido, assumido por alguns artistas, não era de todo incomum na Itália, basta lembrarmos de telas igualmente significativas e de grande formato, como os belíssimos La vendetta de Poppea (1876) e I Funeralli di Britanni (1888) [Figura 5] de Giovanni Muzzioli.
8. Weingärtner, portanto, está imerso em uma tendência igualmente nacional: a paixão por Pompéia, a possibilidade de repovoar através da arte as suas ruas de vida, encontrava, também aqui no Brasil, os seus adeptos. E não nos referimos somente aos artistas, pois se as obras eram realizadas em grande parte na Itália, era o público brasileiro que elas visavam, sendo enviadas para figurarem em exposições públicas onde podiam ser admiradas e adquiridas por particulares. Outra possibilidade era elas serem compradas pela própria Academia, vindo a fazer parte de uma coleção de caráter didático, cujo propósito era servir como modelo e fonte de estudos aos jovens artistas que ingressavam na Academia - como é o caso de Messalina[17] e Pompeana.
9. Um dos mais significativos artistas de finais do século XIX e início do XX, Pedro Weingärtner ainda não mereceu, por parte dos historiadores da arte brasileira, a devida importância, não figurando no mesmo patamar de celebridades do nosso oitocentos, como Rodolpho Amoêdo, Belmiro de Almeida e Almeida Jr. Nascido no Rio Grande do Sul, descendente de alemães, Weingärtner, diferentemente de grande parte de seus contemporâneos, não frequentou a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, viajando, em fevereiro de 1878, para a Alemanha por conta própria.[18] Em 1882, encontrava-se em Paris, onde recebeu do Imperador Dom Pedro II uma pensão oficial que garantiu a continuidade de sua permanência na Europa. O artista opta por montar, em 1884, seu ateliê em Roma, o que não se é de estranhar. Naquele ano viviam em Roma alguns artistas brasileiros, como Zeferino da Costa e os irmãos Bernardelli, com os quais ele poderia manter contato, como de fato o fez. Motivo que igualmente explica a sua escolha por Roma é fato de que, ao contrário do que se afirma comumente, o ambiente artístico italiano estava longe de ser “destituído de ebulição cultural”, sendo a arte italiana contemporânea considerada, então, possuidora de grande modernidade, seja pela crítica de arte internacional, como por aquela brasileira[19]. Apesar de voltar ao Brasil em 1891, Weingärtner fez contínuas e demoradas viagens à Itália, mantendo, portanto, assídua troca artística com a cultura figurativa daquele país.
10. As sucessivas estadias do artista na Itália foram ocasiões igualmente importantes para visitar as coleções museológicas, os sítios arqueológicos e ter uma aproximação direta com a antiguidade. É o que atesta, por exemplo a introdução em suas obras de objetos da antiguidade romana pertencentes ao Museu Arqueológico de Nápoles, como a escultura Jovem Soldado [Figura 6], exposta no Museu na década de 1890, juntamente com outros objetos vindos das escavações em Pompéia e Herculano. Já a experiência vivenciada por Weingärtner ao percorrer as ruas de Pompéia pode ser sentida nas pinturas que o artista realizou da cidade arqueológica, como Rua de Pompéia (1889) [Figura 7] e Banco na Via Sacra (1896) [Figura 8] - representação, na realidade, da Tumba de Mamia, lugar de descanso de uma sacerdotisa de nobre casa, na via dei Sepolcri, em Pompéia. As obras revelam a busca de Weingärtner por captar a atmosfera e a cor locais, assim como evidenciam o seu interesse na reconstituição de um ambiente verista para suas pinturas de cenas neopompeianas.
11. Tais viagens também possibilitaram o diálogo com os diferentes artistas e tendências estéticas que vigoravam naqueles anos. Nesse sentido, Domenico Morelli é um dos pintores italianos com o qual podemos estabelecer relações com Weingärtner, graças ao seu papel como representante máximo das novas tendencias do verismo pictórico no cenário artístico italiano das últimas décadas do século XIX.
12. A própria escolha do tema por parte de Weingärtner e Morelli ao retratarem cenas neopompeianos nos aponta um laço em comum entre os dois artistas: o interesse pelos cidadãos comuns de Roma. Após o século I d.C. os divertimentos de massa, oferecidos pelos imperadores em Roma e pelos governadores de localidades afastadas da capital, asseguravam que mesmo os cidadãos quem não dispunham de dinheiro pudessem ter acesso aos prazeres que antes só cabiam a elite. Os dois passatempos mais populares, abertos a todas as classes sociais, eram os espetáculos nos anfiteatros e a freqüentação das termas públicas. Evitando representar a violência dos jogos no anfiteatro, Weingärtner e Morelli concentraram suas pinturas neopompeianas nas termas. Sendo uma característica da vida romana, toda cidade deveria, teoricamente, possuir uma sede para as termas, e Pompéia não era exceção, com ao todo três termas ativas. O ritual do banho durava muitas horas e comportava não somente o banho, mas igualmente exercícios físicos, a socialização e relaxamento, momentos diversos que rendiam infindáveis possibilidades de pintura aos artistas.
13. Pompeianas no frigidarium (1897) [Figura 9], No Caldarium (1900) [Figura 10], Banhistas (1918) [Figura 11],[20] os três quadros neopompeianos de Weingärtner por nós abordados no presente texto, apresentam algumas similitudes, para além da temática, com o Bagno Pompeiano [Figura 12] do mestre napolitano Domenico Morelli.
14. Em sua tela, considerada o primeiro quadro de inspiração neopompeiana no ambiente italiano, Morelli apresentava uma versão verista/realista da antiguidade clássica, empregando uma luminosidade que, longe de ser difusa, fria e abstrata, como em obras de temática similar realizadas por artistas de uma geração anterior, procurava dar uma ambientação naturalística à cena. Sua busca por uma reconstituição de uma antiguidade clássica que se mantinha viva, destituída, portanto, de uma sempre presente áurea de idealização, o distanciava de produções anteriores, e o tornava, aos olhos dos críticos e demais artistas, no mesmo patamar com o que demais moderno havia no cenário artístico europeu.
15. Para entendermos melhor as mudanças defendidas por Morelli, basta compararmos o seu Bagno Pompeiano com uma tela como Tepidarium (1853) [Figura 13] de Théodore Chassériau. Na tela do artista francês vemos um ambiente demasiado grandioso para ser real, tendo ao centro uma Venus genitrix, rodeada por um significativo número de mulheres e servas que nos remetem a um harém, estando estas banhadas por uma luz difusa e imaginária. Em Chassériau, o diálogo com o antigo se traduz na rarefação atmosférica e na beleza mítica dos corpos, na pureza do desenho. Já a tela de Morelli nos apresenta algo muito mais verossímil. De fato, o artista napolitano retrata um lugar real, as Terme Stabiane, que haviam sido escavadas apenas dois anos antes, respeitando sobretudo, as sua proporções arquitetônicas.[21]
16. Como vimos acima, também como Morelli, Weingärtner não se baseou unicamente em relatos literários, indo pessoalmente a Pompéia e coletando um repertório de esculturas, detalhes decorativos e arquitetônicos a fim de criar a ilusão de uma “história recuperada”. Sua tentativa de reconstituição do passado levava, Weingärtner, igualmente, a incluir em sua cenas detalhes anedóticos, como ocorre No Caldarium, em que o espaço feminino é invadido pelo masculino, de uma forma, poderíamos dizer, cômica. No último plano do quadro, vemos três de rapazes tentando forçar a entrada através de uma porta, bravamente defendida pela figura de uma cerva, enquanto o grupo de mulheres do primeiro plano tenta encobrir, sem grande sucesso, a sua nudez. A atitude inapropriada, mas divertida dos rapazes é acentuada pelos elementos que eles portam, a flauta e o tirso, e que aludem, de forma explicita, aos ritos dionisíacos.
17. No entanto, há um detalhe interessante nos quadros de Weingärtner que os distancia daquele de do mestre napolitano. Se nos quadros deste último predomina o “vermelho pompeiano” nas paredes e o azul do teto, já cenas de banho de Weingärtner possuem um uso mais restrito de cor. Nos quadros de Weingärtner se impõe certa tendência “classicizante,” expressa em um ambiente termal frio, poderíamos dizer que pouco acolhedor se tivermos em mente aquele criado por Morelli. Em No Frigidarium, com suas paredes claras, piso com mosaicos geométricos e corpos femininos finamente delineados, o artista acentua esse gosto ao adornar as paredes da terma feminina com baixos relevos de um “branco-neoclássico”, retratando cenas de batalha entre centauros e homens, no que nos parece ser uma tentativa do artista de aproximar o ambiente pompeianano da cultura grega, ou, pelo menos, de dotar a cena de um caráter mais clássico. Não por acaso, os relevos representados por Weingärtner possuem grande similaridade com as métopas do Pártenon de Atenas.
18. Nesse sentido, as pinturas do artista rio-grandense nos remetem igualmente àquelas realizadas por Alma-Tadema, que em sua busca pelo mito no cotidiano, fazia em suas telas, reviver o antigo por um viés finamente estetizante. Tal aproximação da obra de Lawrence Alma-Tadema não causa estranhamento, sendo bastante plausível que Pedro Weingärtner tenha entrado em contato com a suas pinturas na Itália, uma vez que Tadema visiotu inúmeras vezes aquele país. Sabe-se que ele esteve em Nápoles pela primeira vez em 1863, em viagem de lua de mel, tendo sucessivamente retornado, graças à amizade com o mestre napolitano Domenico Morelli, com o qual se correspondia regularmente. Esteve também em contato com a Academia de Belas Artes de Nápoles, sendo nomeado professor honorário, como nos indica o catálogo Reale Istituto di Belle Arti. Premiazione dell'anno 1877-1878, 1878. Alma-Tedema, além disso, foi amplamente conhecido na Itália, sobretudo após a Mostra Internacional de Roma de 1883. No mesmo ano, o pintor visita Roma e se demora em Pompéia, expondo no Palazzo delle Esposizioni duas aquarelas Una domanda e La scalla, e três óleos, amplamente popularizados através de gravuras, As festas “vendemmiali”, O estúdio do pintor e O gabinete de escultura.[22]
19. De fato, Weingärtner em seu estudo Figura tocando flauta (s/d) [Figura 14], demonstra uma forte afinidade com a obra do artista de origem holandesa, que a partir dos anos setenta substitui as pesadas paredes de cor vermelho pompeiano, por estruturas arquitetônicas em mármore branco, dotadas de vistas externas, muitas vezes tendo como pano de fundo o mar mediterrâneo [Figura 15]. Em Figura tocando flauta vemos uma jovem tocando o instrumento de sopro, tendo à cabeça uma coroa de louros. Sua beleza idealizada, seus cabelos aloirados e a pele clara, - distante da beleza morena dos tipos mediterrâneos -, têm como pano de fundo uma estrutura arquitetônica marmórea e o oceano projetado ao longe. Aqui, a fonte de inspiração de Weingärtner, diferentemente das cenas de banho, não são as cidades vesuvianas, mas os seus arredores, sobretudo a costa ao longo de Nápoles. Em época romana, o golfo era um lugar conhecido pelas espetaculares villae marinae, situadas na encostas de penhascos. A mais famosa delas era a Villa de Iovis, do Imperador Tibério, na ilha de Capri, da qual hoje só restam alguns traços [Figura 16].
20. Esperamos com esse breve texto lançar luz à uma parcela da produção de Weingärtner ainda bem pouco conhecida dos pesquisadores. Tal produção neopompeiana, ainda que pequena no conjunto da obra do artista, - que produziu pinturas de tipos regionais, paisagens, retratos e pinturas de história - nos permite conjecturar sobre a relação do pintor com o meio artístico italiano de fins de oitocentos, e não somente aquele alemão com o qual é comumente associado. É o que procurou mostar nosso ensaio ao relacionar a obra do artista com a de Domenico Morelli e Alma-Tadema, que, embora de origem holandesa e de seu mais conhecido contato com a Inglaterra, manteve fortes vínculos com a cultura figurativa italiana.
Referências
bibliográficas
Domenico
Morelli e il
suo tempo: 1823-1901,
dal romanticismo al simbolismo. Napoli: Electa, 2006. (catálogo da mostra)
QUERCI,
Eugenia, DE CARO, Stefano. Alma Tedema e la nostalgia dell’
antigo. Napoli: Electa, 2008. (catálogo da
mostra)
PIANTONI,
Gianna, PINGEOT, Anne. Italiens: 1880-1910, l´art
italien a l´epréuve da la modernité.
Paris: RMN, 2001. (catálogo da mostra).
La pittura in Italia. L`Ottocento. Milano:Electa,
1991
DAZZI,
Camila. Meirelles, Zeferino, Bernardelli e outros mais: a trajetória dos
pensionistas da Academia Imperial em Roma. Revista de História da Arte e
Arqueologia, v. 10, p. 17-42, 2008.
DAZZI,
Camila. As Relações Brasil-Itália na Arte do Segundo Oitocentos: estudo
sobre a obra de Henrique Bernardelli (1880 a 1900). Campinas: IFCH/UNICAMP,
2006. (dissertação mestrado).
MALTESE,
Conrado. Realismo e verismo nella
pittura italiana dell‘Ottocento. Milano: Fratelli Fabri Editori, 1967.
_________________________
[1] Mestre em
História da Arte pelo IFCH da UNICAMP e Doutoranda pela EBA da UFRJ. É
professora-pesquisadora, lecionando nos cursos de graduação e pós-graduação do
CEFET/RJ - UnED Nova
Friburgo.
[2] Frederick Dolman, Illustradted Interviews
LXVIII: Lawrence Alma-Tadema, in The Strand Magazine, 18 dicembre 1899, p. 607.
[3] A
exposição intitulada Alma Tadema
e La noltalgia dell`antigo ocorreu entre outubro
de 2007 e março de 2008, no
Museu Arqueológico de Nápoles. Para maiores detalhes
consultar o catálogo: QUERCI, Eugenia; DE CARO,
Stefano. Alama Tedema
e la nostalgia dell’ antigo. Napoli: Electa,
2007.
[4] O I
Colóquio Nacional de Estudos Sobre Arte Brasileira do Século XIX, promovido
pelo Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ, ocorreu entre os
dias 25 e 29 de fevereiro de 2008, na Fundação Casa de Rui Barbosa. A
publicação com os trabalhos apresentados será lançada em 2009: CAVALCANTI, Ana,
DAZZI, Camila, VALLE, Arthur (org.). Oitocentos: Arte Brasileira do
Império à Primeira República. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2008.
[5]
Faço referência, aqui, à
mesa “Pedro Weingärtner”. Aproveito
para agradecer aos seus participantes a
oportunidade de melhor conhecer a obra do artista. São eles Alfredo Nicolaiewsky, Neiva Bohns, Paulo
Gomes, Ana Albani e Suzana Gastal.
[6] Alma-Tadema tinha uma forte relação de amizade com Domenico
Morelli. O artista esteve em Nápoles pela primeira vez em 1863, em viagem de
lua de mel. Sucessivamente retornou inúmeras vezes, graças à amizade com o
mestre napolitano, com o qual se escrevia regularmente. Esteve também em
contato com a Academia de Belas Artes de Nápoles, sendo nomeado professor
honorário, como nos indica o catálogo Reale
Istituto di Belle Arti. Premiazione dell`anno 1877-1878,
Napoli 1878. Alma Tadema,
além disto, expôs em inúmeras exposiçoes
napolitanas. Sobre o assunto ver: PICONE, Mariantonieta.
“La pittura dell`Ottocento
nell`Itália meridionale dal 1848 alla fine secolo”. In: La pittura in
Itália. L`Ottocento. Milano:Electa, 1991. nota 56.
[7] Estes
textos literários serviam como guias para
pinturas que procuravam reconstituir a vida
na antiguidade. Além do livro de Edward G. Bulwer
(1834), havia o conhecido A história de Roma desde os tempos mais antigos
até a constituição do Império, de H. G. Liddelle.
[8] Estes quadros
eram, via de regra, feitos para colecionadores
americanos, que dominavam e de certa forma determinavam o gosto do mercado de
arte italiano, através da figura de importantes marchands
internacionais. O mais famoso é Adolphe Goupil, que comercializou
a obra de vários artistas italianos de renome, como Domenico
Morelli e Francesco Paolo Michetti.
[9] VALSASSINA,
Caterina Bom. La pittura a Roma nella
seconda meta dell`Ottocento.
La pittura in Italia.
L`Ottocento. Milano: Electa, 1991.
[10] QUERCI, Eugenia. Nostalgia dell´antico.
Alma-Tadema e l`arte
neo-pompeiana in Italia. Alama Tedema e la nostalgia dell’
antigo. Napoli: Electa, 2008, p.21-39 (catálogo
da mostra).
[11] Sobre o verismo italiano
ver: MALTESE, Conrado. Realismo e
verismo nella pittura
italiana dell‘Ottocento.
Milano: Fratelli Fabri Editori,
1967.
[12] SILVA, Maria do Carmo Couto da.
A obra Cristo e a mulher adúltera e a formação italiana do escultor
Rodolfo Bernardelli. Campinas: Programa de
Pós-graduação em História IFCH/UNICAMP, 2005.
(dissertação de mestrado).
[13] Esse romance alcançou imensa popularidade
durante o século XIX e um resumo do livro consta inclusive
como verbete do Grand Dictionnaire Universel du
XIX Siècle. Paris: Larousse et
Boyer, 1866.
[14] Catalogo
das obras expostas na Academia de Belas Artes, em 15 de março de 1879. Rio de Janeiro: Typ. do Pereira Braga & Cia, 1879. p.45
[ver link].
O momento escolhido por Rodolfo Bernardelli consta no catálogo da Exposição
Geral de elas Artes de 1879: Desfalecido pela perda de
sangue, e julgado morto, foi o corpo
entregue aos escravos de Santa Irene, que o reclamara para dar-lhe
sepultura. Na ocasião destes o levantaram do chão, são
surpreendidos por Afra que, aproximando-se deles, diz-lhe: ‘Ainda está vivo’.”
[15] Erroneamente datada como tendo ocorrido em 1886, a
volta de henrique
Bernardelli ao Brasil só ocorre em 1888. Para maiores
detalhes concultar: Dazzi, Camila.
As relações Brasil-Itália na arte do
último oitocentos: estudo aprofundado sobre Henrique Bernardelli
(1880-1890). Campinas: Programa de Pós-graduação em História IFCH/UNICAMP,
2006. (dissertação de mestrado).
[16] Enciclopédia Italiana di
Scienze, Lettere ed Arti
.no 22 , Milano: Rizzoli & C, 1934. s/p..
[17] A compra da tela é registrada
em um oficio de Rodolfo Bernardelli, diretor da instituição, em que esse pede
ao Governo dinheiro para pagar a aquisição de algumas obras, dentre elas a tela
“Messalina” e o pastel “Modelo em repouso” de Henrique
Bernardelli. Livro de Correspondências Enviadas, da
ENBA, p. 95, oficio datado de 17 de
novembro de 1892. A mesma data da compra aparece no Inventario de 1921,
realizado pelo MNBA. (MNBA - pasta 57) .
[18] Na Alemanha matriculou-se primeiro
na Kunstgewerbeschule de Hamburgo,
mudando-se depois para a cidade de Carlsruhe, onde foi aluno de
Theodor Poeck. Estabeleceu-se em Berlim, em 1880,
onde freqüentou a Königliche
Akademie der Bildenden Künste local. Para maiores detalhes ver o texto; BOHNS,
Neiva Maria Fonseca. Realidades simultâneas: Contextualização histórica da obra
de Pedro Weingärtner. 19&20,
Rio de Janeiro, v. III, n. 2, abr. 2008. Disponível
em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/artistas_nb_weingartner.htm>
[19] Uma revisão
historiográfica sobre o papel da arte
italiana no século XIX tem sido
realizada nas ultimas décadas por vários estudiosos estrangeiros.
No Brasil, uma fonte para aprofundamento é o artigo: DAZZI, Camila. Meirelles,
Zeferino, Bernardelli e outros mais: a trajetória dos pensionistas da Academia
Imperial em Roma. Revista de História da Arte e Arqueologia, v. 10, p.
17-42, 2008.
[20] As obras Pompeianas
no frigidarium (1897) e No Caldarium
(1900), são igualmente conhecidas como, respectivamente, Gênero 1 e Gênero 2.
[21] MARTORELLI, Luisa.
I valori dell´Antico:
tra medievo e classicitá. Domenico
Morelli e il suo tempo: 1823-1901,
dal romanticismo al simbolismo. Napoli: Electa, 2006. p. 57-69 (catálogo
da mostra).
[22] Sobre as passagens
de Alma Tadema pela
Itália ver: PICONE, Mariantonieta.
La pittura dell`Ottocento nell`Itália meridionale dal 1848 alla fine secolo. La pittura in Itália. L`Ottocento. Milano:Electa,
1991. nota 56.