Pedro Weingärtner e a Pintura Neopompeiana

Camila Dazzi [1]

DAZZI, Camila. Pedro Weingärtner e a Pintura Neopompeiana. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n. 2, abr. 2009. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/pw_pneopompeiana.htm>.

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There is not such a great difference between the ancients and the moderns as we are apt to suppose.This is the truth that I have always endeavoured to express in my pictures, that the old Romans were human flesh and blood, like ourselves, moved by much the same passions and emotions.

Lawrence Alma-Tadema, The Strand Magazine, 1899[2]

                     1.            O  Museu  Arqueológico  de  Nápoles abrigou, faz alguns anos,  uma  significativa  mostra  sobre  a  obra  do  artista  de  origem  holandesa  Lawrence Alma-Tadema.[3] O  caráter  único  da  exposição  estava,  no  entanto,  não  na quantidade de suas obras expostas, que eram significativamente poucas, mas na busca de apresentar o contexto artístico  italiano de  finais do século XIX no qual elas estavam  imersas. A exposição, que ocupou um dos maiores salões do  antigo  palazzo  do museu  de  arqueologia,  apresentava  uma  vasta coletânea  de obras  de  pintores  italianos,  que  como  Alma-Tadema,  foram  buscar  em Pompéia, e mais amplamente na antiguidade romana, inspiração para as suas obras. Ao percorrer os  inúmeros corredores da mostra, em meio a pinturas e esculturas  íamos  nos lembrando  dos  artistas  brasileiros  que  completaram  as  suas  formações artísticas  na  Itália  da  segunda  metade  do  oitocentos,  como  Henrique Bernardelli, Zeferino da Costa, Rodolpho Bernardelli e Pedro Weingärtner. Se  dos  três primeiros  conseguíamos  lembrar  de  obras  que  poderiam  estar perfeitamente  inseridas no contexto da mostra, sem nada deixar a desejar às demais, de Pedro Weingärtner de nada  recordávamos. Qual  não  foi  a  nossa surpresa,  portanto,  durante  o  I Colóquio Nacional de Estudos Sobre a Arte Brasileira do Século XIX,  (ver link),[4]  quando  foram mostradas algumas  imagens de pinturas  realizadas pelo artista quando de sua estadia  na  Itália. As telas, que retratavam  cenas  pompeianas,  nos  remeteram  não  só  a  produção  de  Alma-Tadema,  mas  a  de  muitos  daqueles artistas italianos presentes na mostra napolitana, e ainda tão pouco conhecidos dos  estudiosos  brasileiros.  Tais  obras  de  Weingärtner,  no  entanto,  não mereceram maiores comentários por parte dos comunicadores, o que não seria possível no pouco tempo que lhes havia sido concedido.[5]

                     2.            No  presente  artigo,  buscaremos  comentar,  ainda  que  brevementea produção neopompeiana de Pedro Weingärtner, mostrando a sua inserção nesse significativo conjunto de artistas que, em fins do século XIX, elegeram Pompéia como cenário de suas composições.

                     3.            Os  sítios  arqueológicos de Roma, Pompéia  e Herculano,  desde  os  primeiros achados ocorridos há mais de dois séculos, foram fonte de inspiração e matéria de elaboração  para  o  movimento  artístico  e  intelectual  europeu,  revelado através  de  cenas  do  cotidiano  das  cidades  destruídas  pelo  Vesúvio,  até pinturas de caráter mais histórico,  representando personagens  inspiradas nas evidências documentárias e arqueológicas do mundo clássico. Tornada moda em  toda  Europa  graças  às  então  recentes  escavações  arqueológicas conduzidas em Pompéia pelo  italiano Giuseppe Fiorelli, e à obra  de artistas como Gêrome  e  Alma-Tadema[6] e  a  literatos  como Bulwer-Lytton,[7] na  Itália este  gênero  de  pintura  de  história  teve,  sobretudo  em  Nápoles,   grande sucesso,  encontrando  igualmente  adeptos  em  um  mercado  de  arte  de amplitude  internacional.[8] Tal  difusão  podemos  atribuir,  -  além  de  um  certo sentimento nacionalista do público  italiano  - , à vontade de adornar as casas, por  parte  de  uma  elite intelectual  e  burguesa,  que  amava  se  reconhecer em telas que retratavam virtudes,  vícios, ritos  e costumes de uma sociedade remota, e, no entanto, bastante presente graças às empreitadas arqueológicas cujos descobertas eram largamente noticiadas.

                     4.            Tal pittura antica di genere, tendo como objetivo recuperar os testemunhos da vida  cotidiana  antiga,  ambientava cenas pompeianas - ou mais genericamente  romanas - em  lugares  como banhos, lojas, termas e casas, com um estudo acurado  da  arquitetura  e de outros elementos históricos.  A  escolha  das  cenas  e  das  suas  ambientações  era determinada  pelos  critérios  de  cotidianidade  e  verdade  humana,[9]  o  que acabou por  determinar,  em grande  parte, um  afastamento  de  interesse  pela Roma  Imperial ou  Republicana, e da sua vida política, expressa na  linguagem monumental  da  sua  arquitetura,  na  nobreza  dos  sentimentos  e  nas  ações ideais, que respondiam, só em parte, às necessidades da sociedade de fins do oitocentos.[10]  Era  necessário  passar  da  esfera  do  ethos  ao  território  vivo  e prosaico  da  realidade  humana,  e  Pompéia  constituía  a  palavra  chave  que permitia à  imaginação restaurar ao  fluir  vibrante da  vida aquela dimensão cotidiana que  os  monumentos  romanos,  na  sua  magnífica  imponência,  não puderam  conservar.  Pompéia  permitia  entrever  a  vida  privada  dos  antigos, enquanto  os  restos  dos monumentos  públicos  da  antiga Roma  só  permitiam conhecer a sua história política.

                     5.            O interesse pelo neopompeiano identificado em Weingärtner não é um  caso  isolado  no  cenário  artístico  brasileiro e ,mais  precisamente, fluminense das últimas décadas do oitocentos. Vários dos nossos artistas que complementaram  suas  formações  artísticas  na  Itália,  sobretudo  Roma e Nápoles,  demonstraram igual interesse  por  temáticas  à  antiga  Roma. Obra que  inaugura  essa  tendência  por  parte  dos  nossos  artistas éPompeana (1876) [Figura 1] de  Zeferino  da Costa,  ganhador  do Prêmio  de Viagem da Academia Imperial de Belas Artes em 1868. A  tela  representa uma mulher de Pompéia na  intimidade  de  um  interiéur  vermelho  “pompeiano,”  cujo  refinamento  e  luxo são  simbolizados  pela  pele  de  onça  e  pelo  gracioso mosaico  que  reveste  o chão. Vemos a  jovem no momento em que se despe - ou se veste, é difícil precisar  -,  tendo  a  nudez  parcialmente  coberta  por  uma  fita  azul  que  lhe desce  dos  longos  cabelos  negros.  O  quadro,  que  não  possui  os  princípios veristas/realistas  defendidos  por  artistas  como  Domenico  Morelli,[11] demonstra,  no  entanto,  grande  aproximação  com  a  obra  de  pintores  como Federico  Maldarelli,  também  esse  realizador  de  telas  como  La  Pompeiana (1871) e La vestizione (1864) [Figura 2], cuja estética em muito se aproxima daquela empregada por Zeferino.

                     6.            Outro  artista  em  cuja  obra  vemos  reflexos  dessa  tentativa  de  reconstituição artística do antigo é Rodolpho Bernardelli, pensionista da Academia  Imperial de  Belas  Artes  em  Roma,  entre  1877  e  1885.[12]  Neste  sentido,  o  Museu Nacional  de  Belas Artes  possuí  dois  de  seus  envios  de  pensionista,  ambos bronzes em baixo  relevo, nos quais  fica demonstrado o  favoritismo do artista por personagens de reconhecimento histórico como Fabíola (1878) [Figura 3]. Para a sua execução o artista parece ter buscado, como era de praxe, inspiração em um romance  histórico. Trata-se da Fabíola do Cardeal  Wiseman,  publicado  em  1854,[13]  livro  que teve  grande  repercussão  no ambiente  italiano  daquele  momento.  A  história,  que  se  passa  em  meio  a sociedade romana antiga, particularmente entre os cristãos de Roma, conta  a paixão  de  Fabíola,  nobre  romana  opulenta,  autoritária  e  imperiosa,  por São Sebastião.[14]  No  romance,  o  cenário  de  Roma  Antiga  é  tratado  com  veracidade,  buscando o escritor  reconstituir os  costumes, a arquitetura e  as vestimentas daquela época, entre outros dados.

                     7.            Alguns  trabalhos  de Henrique Bernardelli,  que  escolhe Roma  como  lugar  de estudos entre 1879 e 1888,[15] como Bachanal, Depois da Bachanal, Profano e Sacro e Depois da orgia, apresentadas em telas de pequeno formato ou  sob  forma  de  estudo (aquarelas  e  pasteis),  datadas  da  década  de  1880, seguiam  igualmente  esse  modelo  específico  de  pintura  histórica,  com personagens da história antiga de Roma, e com clara ambientação pompeiana.  A mais  famosa de suas  telas, é Messalina (c.1886-1890) [Figura 4], pertencente ao Museu Nacional de Belas Artes/RJ. A tela de grande formato, diferente das demais, representa um personagem bastante divulgado na  literatura de  finais do  século  XIX,  por  encarnar  o  tipo  da  femme  fatale:  trata-se  da  esposa  do Imperador  Romano  Cláudio  (40  d.C.),  da  qual  se sabe a  respeito somente imoralidades e delitos, incluindo vários amantes  provenientes  de  todas  as classes sociais.[16] A tela, não estando destinada, devido as suas proporções, a embelezar  a  parede  da  casa  de  algum  membro  da  elite  intelectualizada brasileira, mas sim de  figurar nas paredes de um museu, se encaixa em um viés da   pintura neopompeiana, de caráter “histórico”, ao qual era conferido um status mais elevado. Tal partido, assumido por alguns artistas, não era de todo incomum na  Itália, basta lembrarmos de telas igualmente significativas e de  grande  formato,  como  os  belíssimos  La  vendetta  de  Poppea  (1876)  e  I Funeralli di Britanni (1888) [Figura 5] de Giovanni Muzzioli

                     8.            Weingärtner, portanto, está  imerso em uma  tendência  igualmente nacional: a paixão por Pompéia, a possibilidade de repovoar através da arte as suas  ruas  de  vida,  encontrava,  também  aqui  no  Brasil,  os  seus  adeptos.  E não nos referimos somente aos artistas, pois se as obras eram realizadas em grande  parte  na  Itália,  era  o  público  brasileiro  que  elas  visavam,  sendo enviadas para  figurarem em exposições públicas onde podiam ser admiradas e adquiridas por particulares. Outra possibilidade era elas serem compradas pela própria Academia, vindo a  fazer parte de uma coleção de caráter didático, cujo propósito era servir como modelo e fonte de estudos aos  jovens  artistas  que  ingressavam  na  Academia  -  como  é  o  caso  de Messalina[17] e Pompeana.

                     9.            Um dos mais significativos artistas de finais do século XIX e início do XX, Pedro Weingärtner ainda não mereceu, por parte dos historiadores da arte brasileira, a devida  importância,  não  figurando  no mesmo  patamar  de  celebridades  do nosso oitocentos, como Rodolpho Amoêdo, Belmiro de Almeida e Almeida Jr. Nascido no Rio Grande do Sul, descendente de alemães, Weingärtner, diferentemente de grande parte de seus contemporâneos,  não frequentou a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, viajando, em fevereiro de 1878, para a Alemanha por conta própria.[18] Em 1882, encontrava-se em Paris, onde  recebeu do  Imperador Dom Pedro  II uma  pensão  oficial  que  garantiu  a  continuidade  de  sua  permanência  na Europa. O artista opta por montar, em 1884, seu ateliê em Roma, o que não se é de estranhar. Naquele ano viviam em Roma alguns artistas brasileiros, como Zeferino  da Costa  e  os  irmãos Bernardelli,  com  os  quais  ele  poderia manter contato,  como  de  fato  o  fez.  Motivo que igualmente explica a sua escolha por Roma é fato de que,  ao  contrário  do  que  se  afirma comumente,  o  ambiente  artístico   italiano  estava  longe  de  ser  “destituído  de ebulição  cultural”,  sendo  a  arte  italiana  contemporânea  considerada,  então, possuidora  de  grande  modernidade,  seja  pela  crítica  de  arte  internacional, como por aquela brasileira[19]. Apesar de voltar ao Brasil em 1891, Weingärtner fez contínuas e demoradas viagens à  Itália, mantendo, portanto, assídua troca artística com a cultura figurativa daquele país.

                  10.            As  sucessivas  estadias  do artista na  Itália foram ocasiões igualmente importantes para visitar as coleções museológicas, os sítios arqueológicos e  ter uma aproximação direta com  a  antiguidade. É o que  atesta, por exemplo a introdução em suas obras de objetos da antiguidade romana pertencentes ao Museu Arqueológico de Nápoles, como a escultura Jovem Soldado [Figura 6], exposta no Museu na década de 1890, juntamente com outros objetos vindos das escavações em Pompéia e Herculano. Já a experiência vivenciada por Weingärtner ao percorrer as ruas de Pompéia pode ser sentida nas pinturas que o artista realizou  da cidade  arqueológica, como  Rua de Pompéia (1889) [Figura 7] e Banco na  Via Sacra (1896) [Figura 8] - representação, na realidade, da Tumba de Mamia, lugar de descanso de uma sacerdotisa de nobre casa, na via dei Sepolcri, em Pompéia. As obras revelam a busca de Weingärtner por captar a atmosfera e a cor locais, assim como evidenciam o seu interesse na reconstituição de um ambiente verista  para suas pinturas de cenas neopompeianas.

                  11.            Tais viagens também possibilitaram o diálogo com os diferentes artistas e tendências estéticas que vigoravam naqueles anos. Nesse sentido, Domenico Morelli é um dos pintores italianos com o qual podemos estabelecer relações com Weingärtner, graças ao seu papel como representante máximo das novas tendencias do verismo pictórico no cenário artístico italiano das últimas décadas do século XIX.

                  12.            A própria escolha do tema por parte de Weingärtner e Morelli ao retratarem cenas neopompeianos nos aponta um laço em comum entre os dois artistas: o interesse pelos cidadãos comuns de Roma. Após o século I d.C. os divertimentos de massa, oferecidos pelos imperadores em Roma e pelos governadores de localidades afastadas da capital, asseguravam que mesmo os cidadãos quem não dispunham de dinheiro pudessem ter acesso aos prazeres que antes só cabiam a elite. Os dois passatempos mais populares, abertos a todas as classes sociais, eram os espetáculos nos anfiteatros e a freqüentação das termas públicas. Evitando representar a violência dos jogos no anfiteatro, Weingärtner e Morelli concentraram suas pinturas neopompeianas nas termas. Sendo uma característica da vida romana, toda cidade deveria, teoricamente, possuir uma sede para as termas, e Pompéia não era exceção, com ao todo três termas ativas. O ritual do banho durava muitas horas e comportava não somente o banho, mas igualmente exercícios físicos, a socialização e relaxamento, momentos diversos que rendiam infindáveis possibilidades de pintura aos artistas.

                  13.            Pompeianas no frigidarium (1897) [Figura 9], No Caldarium (1900) [Figura 10], Banhistas (1918) [Figura 11],[20] os três quadros neopompeianos de Weingärtner por nós abordados no presente texto, apresentam algumas similitudes, para além da temática, com o Bagno Pompeiano  [Figura 12] do mestre napolitano Domenico Morelli.

                  14.            Em sua tela, considerada o primeiro quadro de inspiração neopompeiana no ambiente italiano, Morelli apresentava uma versão verista/realista da antiguidade clássica,  empregando  uma  luminosidade que,  longe de ser difusa,  fria  e abstrata,  como  em  obras  de  temática  similar  realizadas  por  artistas  de  uma geração  anterior,  procurava  dar  uma  ambientação  naturalística  à  cena. Sua busca por uma  reconstituição de uma antiguidade clássica que  se mantinha viva,  destituída, portanto,  de  uma  sempre  presente  áurea  de  idealização,  o distanciava  de  produções  anteriores,  e  o  tornava,  aos  olhos  dos  críticos  e demais  artistas,  no  mesmo  patamar  com o que  demais  moderno  havia  no cenário artístico europeu.

                  15.            Para  entendermos  melhor  as  mudanças  defendidas  por  Morelli,  basta compararmos o seu Bagno Pompeiano com uma tela como Tepidarium (1853) [Figura 13] de  Théodore  Chassériau.  Na  tela  do  artista  francês  vemos  um  ambiente demasiado  grandioso  para  ser  real,  tendo  ao  centro  uma  Venus  genitrix, rodeada por um significativo número de mulheres e servas que nos remetem a um harém, estando estas banhadas por uma  luz difusa e  imaginária. Em Chassériau, o  diálogo  com  o  antigo se traduz na  rarefação atmosférica e na beleza mítica dos corpos, na pureza do desenho. Já a  tela de Morelli nos apresenta algo muito mais verossímil. De fato, o artista napolitano  retrata  um  lugar  real, as  Terme  Stabiane,  que  haviam  sido escavadas  apenas  dois  anos  antes,  respeitando  sobretudo,  as  sua proporções arquitetônicas.[21]

                  16.            Como vimos acima, também como Morelli, Weingärtner não se baseou  unicamente  em  relatos  literários, indo pessoalmente a Pompéia e coletando um  repertório de esculturas, detalhes decorativos e arquitetônicos  a fim de criar a ilusão de uma “história recuperada”. Sua tentativa de reconstituição do passado  levava, Weingärtner, igualmente, a incluir em sua cenas detalhes anedóticos, como ocorre No Caldarium, em que o espaço feminino é invadido pelo masculino, de uma forma, poderíamos dizer, cômica. No último plano do quadro, vemos três de rapazes tentando forçar a entrada através de uma porta, bravamente defendida pela figura de uma cerva, enquanto o grupo de mulheres do primeiro plano tenta encobrir, sem grande sucesso, a  sua nudez. A atitude inapropriada, mas divertida dos rapazes é acentuada pelos elementos que eles portam, a flauta e o tirso, e que aludem, de forma explicita, aos ritos dionisíacos.

                  17.            No entanto, há um detalhe interessante nos quadros de Weingärtner que os distancia daquele de do mestre napolitano. Se nos quadros deste último  predomina  o  “vermelho  pompeiano”  nas  paredes  e  o  azul  do  teto, já cenas de banho de Weingärtner possuem um uso mais restrito de cor. Nos quadros de Weingärtner se impõe certa tendência “classicizante,” expressa em um ambiente termal frio, poderíamos dizer que pouco acolhedor se  tivermos em mente aquele  criado por Morelli. Em No Frigidarium,  com suas paredes claras, piso com mosaicos geométricos e corpos femininos finamente delineados, o  artista  acentua  esse gosto  ao  adornar  as  paredes  da  terma  feminina  com  baixos  relevos  de  um “branco-neoclássico”, retratando cenas de batalha entre centauros e homens, no que nos parece ser uma  tentativa  do  artista  de  aproximar  o  ambiente pompeianano  da  cultura  grega,  ou,  pelo  menos,  de  dotar  a  cena  de  um caráter  mais  clássico.  Não  por  acaso,  os  relevos  representados  por Weingärtner  possuem  grande  similaridade  com  as métopas  do  Pártenon  de Atenas. 

                  18.            Nesse  sentido,  as  pinturas  do  artista  rio-grandense  nos  remetem igualmente àquelas  realizadas  por  Alma-Tadema,  que  em  sua  busca  pelo  mito  no cotidiano,  fazia  em  suas  telas, reviver  o  antigo  por  um  viés  finamente estetizante.  Tal aproximação da obra de Lawrence Alma-Tadema não causa estranhamento, sendo  bastante  plausível  que  Pedro Weingärtner   tenha  entrado  em  contato com  a  suas  pinturas  na  Itália,  uma  vez  que  Tadema  visiotu inúmeras  vezes aquele país.  Sabe-se que ele esteve em Nápoles pela primeira vez em 1863, em viagem de lua de mel, tendo sucessivamente retornado, graças à amizade com o mestre napolitano  Domenico  Morelli,  com  o  qual  se  correspondia regularmente. Esteve também em contato com a Academia de Belas Artes de Nápoles,  sendo  nomeado  professor  honorário,  como  nos  indica  o  catálogo Reale  Istituto  di  Belle  ArtiPremiazione  dell'anno  1877-1878,  1878.  Alma-Tedema,  além  disso,  foi  amplamente  conhecido  na  Itália,  sobretudo  após  a Mostra Internacional de Roma de 1883. No mesmo ano, o pintor visita Roma e se demora em Pompéia, expondo no Palazzo delle Esposizioni duas aquarelas Una domanda e La scalla, e  três óleos, amplamente popularizados através de gravuras,  As  festas  “vendemmialiO  estúdio  do  pintor  O  gabinete  de escultura.[22] 

                  19.            De  fato, Weingärtner  em  seu  estudo  Figura  tocando  flauta  (s/d) [Figura 14], demonstra uma forte afinidade com a obra do artista de origem holandesa, que a partir dos anos setenta substitui as pesadas paredes de cor vermelho pompeiano, por estruturas  arquitetônicas  em  mármore branco, dotadas de vistas externas, muitas vezes tendo como pano de fundo o mar mediterrâneo [Figura 15]. Em Figura  tocando  flauta vemos uma jovem tocando o instrumento de sopro, tendo à cabeça uma coroa de louros. Sua beleza idealizada, seus cabelos aloirados e a pele clara,  - distante da beleza morena dos  tipos mediterrâneos -, têm como pano de fundo uma estrutura arquitetônica marmórea e o oceano projetado ao longe. Aqui, a  fonte de  inspiração de Weingärtner, diferentemente das cenas de banho, não  são  as  cidades  vesuvianas, mas os  seus  arredores, sobretudo  a  costa  ao  longo  de  Nápoles.  Em  época  romana,  o  golfo  era  um lugar  conhecido  pelas  espetaculares  villae marinae,  situadas  na  encostas  de penhascos. A mais famosa delas era a Villa de Iovis, do Imperador Tibério, na ilha de Capri, da qual hoje só restam alguns traços [Figura 16].

                  20.            Esperamos com esse breve texto lançar luz à uma parcela da produção de Weingärtner ainda bem pouco conhecida dos pesquisadores. Tal produção neopompeiana, ainda que pequena no conjunto da obra do artista,  -   que produziu pinturas  de  tipos  regionais,  paisagens,  retratos  e  pinturas  de  história  - nos permite conjecturar sobre a relação do pintor com o meio artístico italiano de fins de oitocentos, e não somente aquele alemão com o qual é comumente associado. É o que procurou mostar nosso ensaio ao relacionar a obra do artista com a de Domenico Morelli e Alma-Tadema, que, embora de origem holandesa e de seu mais conhecido contato com a Inglaterra, manteve fortes vínculos com a cultura figurativa italiana.

Referências bibliográficas

Domenico  Morelli  e  il  suo  tempo:  1823-1901,  dal  romanticismo  al simbolismo. Napoli: Electa, 2006. (catálogo da mostra)

QUERCI, Eugenia, DE CARO, Stefano. Alma Tedemala nostalgia dell’ antigo. Napoli: Electa, 2008. (catálogo da mostra)

PIANTONI,  Gianna,  PINGEOT,  Anne. Italiens: 1880-1910, l´art italien a l´epréuve da la modernité. Paris: RMN, 2001. (catálogo da mostra).

La pittura in Italia. L`Ottocento. Milano:Electa, 1991

DAZZI, Camila. Meirelles, Zeferino, Bernardelli e outros mais: a trajetória dos pensionistas da Academia Imperial em Roma. Revista de História da Arte e Arqueologia, v. 10, p. 17-42, 2008.

DAZZI, Camila. As Relações Brasil-Itália na Arte do Segundo Oitocentos: estudo sobre a obra de Henrique Bernardelli (1880 a 1900). Campinas: IFCH/UNICAMP, 2006. (dissertação mestrado).

MALTESE,  Conrado.  Realismo  e  verismo  nella  pittura  italiana dell‘Ottocento. Milano: Fratelli Fabri Editori, 1967.

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[1] Mestre em História da Arte pelo IFCH da UNICAMP e Doutoranda pela EBA da UFRJ. É professora-pesquisadora, lecionando nos cursos de graduação e pós-graduação do CEFET/RJ - UnED Nova Friburgo.

[2] Frederick Dolman, Illustradted  Interviews LXVIII: Lawrence Alma-Tadema, in The Strand Magazine, 18 dicembre 1899, p. 607.

[3] A  exposição   intitulada Alma  Tadema  e  La noltalgia  dell`antigo ocorreu  entre  outubro  de  2007  e  março  de  2008,  no  Museu  Arqueológico  de Nápoles. Para maiores detalhes  consultar  o  catálogo: QUERCI,  Eugenia; DE CARO,  Stefano. Alama  Tedema  e  la nostalgia dell’ antigo. Napoli: Electa, 2007.

[4] O  I Colóquio Nacional de Estudos Sobre Arte Brasileira do Século XIX, promovido pelo Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ, ocorreu entre os dias 25 e 29 de fevereiro de 2008, na Fundação Casa de Rui Barbosa. A publicação com os trabalhos apresentados será lançada em 2009: CAVALCANTI, Ana, DAZZI, Camila, VALLE, Arthur (org.). Oitocentos: Arte Brasileira do Império à Primeira República. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2008.

[5]  Faço  referência,  aqui,  à  mesa  “Pedro Weingärtner”.  Aproveito  para  agradecer  aos  seus  participantes  a oportunidade de melhor conhecer a obra do artista. São eles Alfredo Nicolaiewsky, Neiva Bohns, Paulo Gomes, Ana Albani e Suzana Gastal.

[6] Alma-Tadema tinha uma forte relação de amizade com Domenico Morelli. O artista esteve em Nápoles pela primeira vez em 1863, em viagem de lua de mel. Sucessivamente retornou inúmeras vezes, graças à amizade com o mestre napolitano, com o qual se escrevia regularmente. Esteve também em contato com a Academia de Belas Artes de Nápoles, sendo nomeado professor honorário, como nos  indica o catálogo Reale  Istituto di Belle Arti. Premiazione dell`anno  1877-1878, Napoli  1878. Alma  Tadema,  além  disto,  expôs  em  inúmeras  exposiçoes  napolitanas. Sobre  o assunto ver: PICONE, Mariantonieta.   “La pittura dell`Ottocento nell`Itália meridionale dal 1848 alla fine secolo”. In: La pittura in Itália. L`Ottocento. Milano:Electa, 1991. nota 56.

[7] Estes  textos  literários  serviam  como  guias  para  pinturas  que  procuravam  reconstituir  a  vida  na antiguidade. Além do livro de Edward G. Bulwer (1834), havia o conhecido A história de Roma desde os tempos mais antigos até a constituição do Império, de H. G. Liddelle

[8] Estes quadros eram, via de regra, feitos para colecionadores americanos, que dominavam e de certa forma determinavam o gosto do mercado de arte italiano, através da figura de importantes marchands internacionais. O mais famoso é Adolphe Goupil, que comercializou a obra de vários artistas  italianos de  renome, como Domenico Morelli e Francesco Paolo Michetti.

[9] VALSASSINA, Caterina Bom. La pittura a Roma nella seconda meta dell`Ottocento. La pittura in Italia. L`Ottocento. Milano: Electa, 1991.

[10] QUERCI, Eugenia. Nostalgia dell´antico. Alma-Tadema e l`arte neo-pompeiana in Italia. Alama Tedema e la nostalgia dell’ antigo. Napoli: Electa, 2008, p.21-39 (catálogo da mostra).

[11] Sobre  o  verismo  italiano  ver:  MALTESE,  Conrado.  Realismo  e  verismo  nella  pittura  italiana dell‘Ottocento. Milano: Fratelli Fabri Editori, 1967.

[12] SILVA, Maria do Carmo Couto da. A obra Cristo e a mulher adúltera e a formação  italiana do escultor Rodolfo  Bernardelli.  Campinas:  Programa  de  Pós-graduação  em  História  IFCH/UNICAMP,  2005.  (dissertação  de mestrado).

[13] Esse  romance alcançou  imensa popularidade durante o século XIX e um  resumo do  livro consta  inclusive como verbete do Grand Dictionnaire Universel du XIX Siècle. Paris: Larousse et Boyer, 1866.

[14] Catalogo das obras expostas na Academia de Belas Artes, em 15 de março de 1879. Rio de Janeiro: Typ. do Pereira Braga & Cia, 1879. p.45 [ver link]. O momento escolhido por Rodolfo Bernardelli consta no catálogo da Exposição Geral de elas Artes de 1879: Desfalecido  pela  perda de  sangue,  e  julgado morto,  foi  o  corpo  entregue aos escravos  de Santa Irene, que o reclamara para dar-lhe sepultura. Na ocasião destes o levantaram do chão, são surpreendidos por Afra que, aproximando-se deles, diz-lhe: ‘Ainda está vivo’.”

[15] Erroneamente datada como tendo ocorrido em 1886, a volta de henrique Bernardelli ao Brasil só ocorre em 1888.  Para  maiores  detalhes  concultar:  Dazzi,  Camila.  As  relações  Brasil-Itália  na  arte  do  último  oitocentos: estudo aprofundado sobre Henrique Bernardelli (1880-1890). Campinas: Programa de Pós-graduação em História IFCH/UNICAMP, 2006. (dissertação de mestrado).

[16]  Enciclopédia Italiana di Scienze, Lettere ed Arti .no 22 , Milano: Rizzoli & C, 1934. s/p..  

[17]  A compra da tela é registrada em um oficio de Rodolfo Bernardelli, diretor da instituição, em que esse pede ao Governo dinheiro para pagar a aquisição de algumas obras, dentre elas a tela “Messalina” e o pastel “Modelo em repouso”   de  Henrique  Bernardelli.  Livro  de Correspondências Enviadas,  da  ENBA,  p.  95,  oficio  datado  de  17  de novembro de 1892. A mesma data da compra aparece no Inventario de 1921, realizado pelo MNBA. (MNBA - pasta 57)  .

[18] Na Alemanha matriculou-se primeiro na Kunstgewerbeschule de Hamburgo, mudando-se  depois  para  a  cidade  de Carlsruhe,  onde  foi  aluno  de  Theodor Poeck. Estabeleceu-se em Berlim, em 1880, onde freqüentou a Königliche Akademie der Bildenden Künste local. Para maiores detalhes ver o texto; BOHNS, Neiva Maria Fonseca. Realidades simultâneas: Contextualização histórica da obra de Pedro Weingärtner. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 2, abr. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/artistas_nb_weingartner.htm>

[19] Uma  revisão  historiográfica  sobre  o  papel  da  arte  italiana  no  século  XIX  tem  sido  realizada  nas  ultimas décadas por vários estudiosos estrangeiros. No Brasil, uma fonte para aprofundamento é o artigo: DAZZI, Camila. Meirelles, Zeferino, Bernardelli e outros mais: a trajetória dos pensionistas da Academia Imperial em Roma. Revista de História da Arte e Arqueologia, v. 10, p. 17-42, 2008.

[20] As obras Pompeianas no frigidarium (1897) e No Caldarium (1900), são igualmente conhecidas como, respectivamente, Gênero 1 e Gênero 2.

[21] MARTORELLI, Luisa. I valori dell´Antico: tra medievo e classicitá. Domenico Morelli e il suo tempo: 1823-1901, dal romanticismo al simbolismo. Napoli: Electa, 2006. p. 57-69 (catálogo da mostra).

[22] Sobre  as  passagens  de  Alma  Tadema  pela  Itália  ver:  PICONE, Mariantonieta.   La  pittura  dell`Ottocento nell`Itália meridionale dal 1848 alla fine secolo. La pittura in Itália. L`Ottocento. Milano:Electa, 1991. nota 56.