Considerações sobre o Acervo de Pintura Portuguesa da Pinacoteca
da Escola Nacional de Belas Artes
Arthur
Valle
VALLE,
Arthur. Considerações sobre o Acervo de Pintura Portuguesa
da Pinacoteca da Escola Nacional de Belas Artes. 19&20,
Rio de Janeiro, v. VII, n. 1, jan./mar. 2012. https://www.doi.org/10.52913/19e20.VII1.05
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1. O presente texto apresenta os resultados
iniciais de uma investigação sobre os processos de intercâmbio cultural entre
Brasil e Portugal, postos em ação em finais do século XIX e início do XX.[1]
Mais precisamente, o meu objeto de estudo aqui é um conjunto de pinturas de
artistas portugueses, adquirido para compor o acervo de Pinacoteca da Escola
Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (ENBA). Constituído durante as
décadas imediatamente posteriores à proclamação da República no Brasil, em
1889, nesse conjunto se encontram representados alguns dos mais significativos
nomes da pintura portuguesa de fins do Oitocentos e início do Novecentos, a
saber: Adolfo Cesar de Medeiros
Greno, Alfredo Roque Gameiro, Antonio Carvalho da Silva Porto, Carlos
Reis, Columbano
Bordallo Pinheiro, Ernesto
Augusto Ferreira Condeixa, Helena
Roque Gameiro, José
Julio de Souza Pinto, José
Velloso Salgado, José Vital Branco Malhoa, Manoel Henrique Pinto, Rafael
Bordallo Pinheiro, entre outros.
2. Juntamente com grande parte das demais
coleções da ENBA, as pinturas portuguesas que discutirei foram transferidas, em
1937, para o então fundado Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro
(MNBA). No contexto dessa última instituição, o acervo foi analisado por
pesquisadoras como Ecyla Castanheira Brandão[2]
e Zuzana Paternostro[3] e informações adicionais a seu respeito
podem ser obtidas em obras monográficas sobre os artistas portugueses que
compunham a Pinacoteca da ENBA, como é o caso, muito especialmente, de José
Malhoa.[4]
Não obstante, julgo que diversos tópicos relacionados à constituição, ao
significado e às funções desse acervo merecem um ulterior aprofundamento, e.
g.: Quais foram as razões que levaram os responsáveis pela ENBA a
constituir uma coleção de pinturas portuguesas de fins do século XIX e início
do XX? Precisamente por que vias essas pinturas foram adquiridas? Que critérios
foram empregados na seleção das obras e em que medida estas podem ser julgadas
representativas da produção de seus autores? Existem relações entre as
características (formais e iconográficas) dessas pinturas portuguesas e as
orientações pedagógicas implantadas na ENBA, após a proclamação da República?
Em caso positivo, quais?
3. A título de preâmbulo, cabem algumas
palavras a respeito do meu interesse por um fenômeno relacionado aos
intercâmbios culturais entre Brasil e Portugal. Em boa parte da historiografia
da arte brasileira, a imediata conjuntura pós-colonial foi encarada como
sinônimo de ruptura - mais ou menos radical - com a matriz cultural portuguesa.
Prova disso é que a maioria das obras de síntese sobre a história da arte
brasileira literalmente inicia um novo capítulo com as consequências da
instalação no Rio de Janeiro, em 1808, da Corte Portuguesa - muito
especificamente, com a chegada, em 1816, da colônia de artistas e artífices
alcunhada “Missão Artística Francesa”.[5] Todavia, ainda que se aceite tal
periodização e que se compreenda a ausência de estudos sobre os intercâmbios
culturais entre Brasil e Portugal no período imediatamente posterior à
independência política do Brasil, quando modelos emanados diretamente de países
como a Itália e a França teriam vindo “substituir” aqueles anteriormente
fornecidos pela antiga metrópole, tal ausência não se justifica à medida que
nos aproximamos do período republicano, quando os vínculos entre as artes
brasileira e portuguesa voltaram a se intensificar.
4. Além disso, devido especialmente à
circulação de artistas portugueses por cidades como o Rio de Janeiro e a São
Paulo do período, tal fenômeno teria adquirido uma intensidade sui generis no
painel das relações do Brasil com os países europeus, se configurando,
eminentemente, como uma via de “mão-dupla”, que o uso do termo intercâmbio
busca aqui evocar. Parece-me, portanto, que o estudo dos intercâmbios culturais
Brasil-Portugal no período republicano pode adquirir uma importância mais
geral, pois se constituiria como locus privilegiado para uma tomada de
consciência não só das maneiras pelas quais os modelos europeus eram
recalibrados pelos valores do(s) campo(s) artístico(s) brasileiro(s), como,
igualmente, de que modos as práticas de mecenato locais podiam exercer influência
sobre a produção de artistas europeus.
5. É sabido que, desde as décadas finais do
século XIX, a cidade do Rio de Janeiro representava, para os artistas
portugueses, um mercado em expansão. O momento coincide com um significativo
aumento no fluxo migratório português para o Brasil, como deixam entrever dados
fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.[6]
No ápice desse fluxo, entre 1901 e 1930, uma média superior a 25 mil imigrantes
portugueses aportava no Brasil por ano, por razões diversas,[7]
e, ao menos até a Primeira Guerra Mundial, o destino final da maioria destes
era o Rio de Janeiro.[8] Uma parcela da colônia portuguesa
instalada na cidade apoiou, então, a arte produzida por seus patrícios,
formando suas coleções na esteira da saudade das paisagens e costumes de seu
país natal. Com sintetizou Raquel Henriques da Silva a esse respeito:
6. Entre
os milhares de emigrantes que aí [no Brasil] procuravam um destino mais
promissor, os bem sucedidos apoiaram, com dinheiro e entusiasmo, a
possibilidade de um mercado de arte em Portugal. Como toda a burguesia
nacional, eles identificavam-se com aquela pintura que, afetivamente, lhes
recordava as belezas de um pobre país rural, através das especificidades da
paisagem, do casticismo dos costumes ou dos retratos urbanos.[9]
7. Se, portanto, em fins do Oitocentos e início
do Novecentos, o interesse dos artistas portugueses pelo mercado do Rio é bem
compreensível, menos óbvio, à primeira vista, é um interesse no sentido
inverso, ou seja, aquele manifestado por agentes e instituições cariocas pela
arte dos portugueses. É o caso da ENBA, que não possuía qualquer filiação
oficial com a colônia lusitana, mas que foi, não obstante, uma importante
promotora da pintura dos portugueses no Rio de Janeiro, a ponto de constituir,
para sua Pinacoteca, aquele que é, possivelmente, o mais significativo acervo
de pinturas de artistas portugueses de fins do século XIX e início do XX,
localizado no Brasil.
8. Como adiantei, essa tendência é perceptível
especialmente nas primeiras décadas após a proclamação da República no Brasil.
Não por acaso, em novembro de 1890, uma ampla reforma efetivou-se na ENBA: foi
justamente então que a antiga “Academia” foi renomeada como “Escola Nacional”,
e que se renovou, de maneira fundamental, a sua orientação pedagógica e o seu
quadro de professores.[10] A partir da chamada “Reforma de 1890”,
os responsáveis pela ENBA, sob a direção de Rodolpho
Bernardelli, implementaram, entre outras ações, um esforço visando à
ampliação e renovação das coleções didáticas da instituição. Nesse contexto, se
insere aquilo que Zuzana Paternostro definiu como uma “política visando ao
preenchimento das lacunas referentes à coleção de pintura portuguesa, no que
tange aos mestres em plena atividade naquele tempo.”[11]
A seguir, eu gostaria de enumerar os dados que consegui até o momento reunir a
respeito dessa suposta “política”.
9. Começo com um indício que julgo
representativo: no catálogo da Exposição Geral de Belas Artes de 1890 - certame
que abriu suas portas cerca de sete meses antes da oficialização da reforma da
ENBA -, e que enumerava “os quadros das galerias de exposição permanente que
podem ser vistos pelo público,”[12] virtualmente não existe qualquer
referência a quadros de artistas portugueses “modernos”[13].
É somente quando da realização da primeira Exposição Geral oficialmente
organizada pela ENBA, em 1894, que parece se verificar a aquisição de uma
primeira pintura portuguesa contemporânea, para compor o acervo da Pinacoteca
da instituição. Tratava-se, então, de Le rendez-vous, de Souza
Pinto [Figura
1], destaque entre os 5 envios do português[14],
que, na Exposição Geral de 1894, recebeu a 2ª medalha de ouro.[15]
Souza Pinto fora, na verdade, convidado a participar do certame, como revela
uma carta da legação brasileira em Paris ao então vice-diretor da ENBA, Rodolpho
Amoêdo, datada de 2 de agosto de 1894, que informava sobre o embarque dos
quadros do “laureado artista português”, no vapor “CAMPANA” (Chargeurs Réunis),
para envio ao Brasil.[16] Sabemos, ainda, que Le rendez-vous
figurou no Salon da Société des artistes français de 1894: a obra
teria merecido, então, certo destaque, como indicam a sua reprodução em um
catálogo ilustrado do Salon de 1894,[17a]
retomada, em maio de 1895, na capa do periódico francês La Famille.[17b]
Considerando o convite a Souza Pinto e o relativo prestígio de Le rendez-vous
na França, é presumível que, antes mesmo da obra chegar ao Rio, já houvesse um
interesse na sua aquisição para compor a Pinacoteca da ENBA. Uma indicação
expressa para tanto, feita por uma comissão de professores da Escola, consta em
relatório do Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores, datado de
abril de 1895.[18]
10. Segundo Paternostro, dois “esboços para
painéis de azulejo (Um acordo e O rompimento), com nítida
conotação sarcástica”, de autoria de Rafael Bordallo [Figura 2],
“foram doados à Pinacoteca da Escola pelo colecionador Cunha Porto em 1902.”[19]
Todavia, ainda em 1902, um informe de Rodolpho Bernardelli, reproduzido no
relatório do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, afirmava o seguinte:
11. Em
virtude da autorização legislativa que ao Ministério da Fazenda concedia, por
encontro de contas com o Banco da República, uma verba destinada à compra de
obras d’arte para a Escola Nacional de Belas Artes, o então Ministro da Fazenda
Dr. Joaquim Murtinho[20a]
resolveu
nomear uma comissão composta do diretor desta Escola, do professor Rodolpho
Amoêdo e do Sr. Carlos Américo dos Santos, jornalista, para que dessem
parecer sobre o merecimento das obras d'arte que por ventura fossem propostas
ao Governo.
12. A essa
comissão eram enviadas todas as propostas feitas ao Governo, sendo, logo após e
depois de acurado e detido exame, devolvidas ao Ministério da Fazenda com o
parecer da respectiva comissão, fazendo-se todas as aquisições de acordo.[20b]
13. O relatório informava que haviam sido
adquiridas - e não recebidas por doação - peças da “importantíssima e numerosa”
coleção Cunha Porto, entre as quais constariam quadros a óleo, aquarelas,
desenhos e pastéis de “autores portugueses” não descriminados.[21]
O mesmo relatório era bem mais preciso com relação a uma outra aquisição, dessa
feita de 11 quadros, junto ao “Sr. Guilherme da Rosa, representante de artistas
portugueses.”[22] Reproduzo abaixo um fac-símile da lista
de obras que figura no documento:
Tabela 1. Lista de Quadros de Artistas Portugueses
adquiridos para a Pinacoteca da ENBA em 1902.
Fonte: RELATORIO apresentado ao Presidente da Republica dos
Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra Ministro de Estado da Justiça e
Negócios Interiores em abril de 1903.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1903, p. 225
14. Cotejando tal lista com os dados
disponíveis no acervo do MNBA, é possível não só identificar a maioria das
pinturas, como também verificar que existe, a partir da quinta linha, um erro
na correspondência entre os títulos das obras e os nomes de seus respectivos
autores. Assim teriam sido adquiridos, na verdade: 4 quadros de Columbano
Bordallo, A Luva Branca [Figura
3], A Locandeira [Figura
4], Madona e Soldado; 1 de Velloso Salgado, Azinhaga
em Benfica [Figura 5]; 1 de Ernesto Condeixa, Um Homem do Mar
[Figura 6]; 1 de Carlos Reis, Os Amores do Moleiro
[Figura
7]; 1 de Manoel Henrique Pinto, A Saída do Rebanho [Figura
8]; e, por fim, 3 obras, de dimensões modestas mas fina fatura, de José
Malhoa - A Sesta [Figura 9], A Corar a Roupa [Figura 10]
e Gozando os Rendimentos [Figura 11].
15. Uma importante obra do mesmo Malhoa, a
segunda versão de Cócegas [Figura 12]
- que figurara, com o título Chatouillant, no Salon da Société
des artistes français de 1905[23] -, foi comprada após uma grande mostra
individual que o artista realizou, em julho de 1906, no Gabinete Português de
Leitura do Rio de Janeiro.[24] Resenhando a Exposição Geral de 1906,
que abriu suas portas menos de dois meses após o encerramento dessa importante
individual de Malhoa, o articulista anônimo do Jornal do Commercio assim
destacava Cócegas, que lá voltava a figurar: “Na Exposição atual, o
quadro que ocupa o lugar de honra e mais saliência tem, é essa esplêndida
paisagem de Malhôa, denominada As Cócegas, que o Governo em boa hora
adquiriu para a nossa pinacoteca.”[25] Embora a aquisição de Cócegas pelo
Governo brasileiro tenha sido reiterada em outras resenhas sobre a Exposição
Geral de 1906,[26] Nuno Saldanha, em pesquisa recentemente
publicada, apresentou evidências de que a compra, na verdade, teria se
arrastado por longos meses, só se concluindo em maio de 1907.[27]
16. Em 1909, segundo Paternostro, a ENBA teria
adquirido uma primeira obra de Silva Porto, Na Cisterna [Figura 13],
“exposta em 1891 na 1ª Exposição do Grêmio Artístico de Lisboa, com o
título O Poço velho (Odivelas).”[28]
Essa afirmação é em parte corroborada por um documento datilografado,
pertencente ao Museu Dom João VI/EBA/UFRJ, que apresenta uma “Seleção dos
quadros e mais objetos de arte, adquiridos pela verba de ‘Aquisição de obras de
arte’”, e que assinala a compra, em 1909, pelo valor de 1:500$000, de um quadro
a óleo (não nomeado) de Silva Porto.[29] Esse mesmo documento, além de confirmar
a aquisição de Le rendez-vous, em 1894, pelo valor de 3:000$000, acusa
as compras de um segundo quadro a óleo (não nomeado) de Souza Pinto, em 1912,
pelo valor de 2:000$000, bem como de uma obra de João Vaz, intitulada Entardecer,
em 1913, pelo valor de 1:100$000.[30]
17. A aquisição da grande maioria das obras até
aqui elencadas[31] é confirmada no Catálogo Geral das
Galerias de Pintura e de Esculptura da ENBA, editado em 1923 [Figura
14]. Uma transformação significativa na configuração da Pinacoteca da
instituição pode então ser comprovada, se comparamos esse novo documento com o
acima referido catálogo da Exposição Geral de 1890: enquanto neste último os
artistas portugueses “modernos” estavam ausentes, o catálogo de 1923 enumera
nada menos do que 16 obras portuguesas. São elas: Os amores do moleiro
(n. 143), de Carlos Reis; A luva branca (n. 180), A locandeira
(n. 181) e O soldado (n. 182), de Columbano; Um homem do mar (n.
186), de Condeixa; Assembleia, flores (aquarela, n. 253), de Helena
Roque Gameiro; Praia de Adraga (aquarela, n. 254) [Figura 15],
de Alfredo Roque Gameiro;[32] Cócegas (n. 334), A corar
roupa (n. 335), Gozando os rendimentos (n. 336) e A sesta (n.
337), de Malhoa; Saída do Rebanho (n. 435), de Manoel Henrique Pinto; Na
cisterna (n. 498) de Silva Porto; Sob a verdura (n. 507) [Figura 16][33]
e Le rendez-vous (n. 508), de Souza Pinto; Azinhaga em Benfica
(n. 564), de Velloso Salgado.
18. Além disso, julgo digno de nota o fato de
que, no catálogo de 1923, A luva branca, A sesta e Le rendez-vous se
encontrem reproduzidas [Figura
17a, Figura 17b e Figura
17c], o que parece um indício da importância atribuída ao acervo de
pintura portuguesa, no contexto mais amplo das coleções da ENBA. Analogamente,
cerca de dois anos antes, uma foto da Pinacoteca publicada no periódico carioca
Illustração Brasileira, destacava o então diretor João
Baptista da Costa em frente às Cócegas de Malhoa, quadro que se
exibia, assim, como uma espécie de emblema de toda coleção [Figura
18].
19. Depois de 1923 e antes do fim da 1ª
República brasileira, ao menos mais um importante acréscimo ao acervo de
pinturas portuguesas da Pinacoteca da ENBA merece ser destacado. Ele se
relaciona a uma doação feita, em 1926, de trinta e sete pinturas pertencentes à
coleção de Luís Fernandes[34], na qual a presença de pintores
lusitanos de fins do XIX-início do XX era muito significativa. Entre os quadros
de portugueses então doadas a ENBA[35] estariam: Retrato de Josefa Garcia
Greno [Figura 19], de Adolfo Greno; Mulher com Luneta
[Figura
20], de Columbano; e Um compasso difícil (Lição de violino) [Figura 21],
de Malhoa. Atribuídas a Silva Porto, além de cinco pequenas “manchas “ de
paisagem - gênero pelo qual o artista é hoje mais lembrado -, a doação Luís
Fernandes continha duas obras centradas na figura humana, Cabeça de Menina
[Figura 22]
e Mulher montada sobre um burrinho [Figura 23]
- ao que parece, um estudo para uma composição de dimensões consideráveis,
chamada A Volta do Mercado [Figura 24],
atualmente no Museu do Chiado, em Lisboa.
20. Por seu caráter fragmentário, os dados
acima elencados demandam o aprofundamento das pesquisas. Duas considerações
podem, todavia, ser adiantadas, a partir do que até aqui foi exposto. A
primeira é a de que o processo de constituição do acervo de pintura portuguesa
da Pinacoteca da ENBA foi marcado por contingências e pela confluência de
mecanismos de aquisição heterogêneos: ao lado da compra de obras pertencentes a
uma coleção particular, propostas ao Governo por um representante de artistas
ou exibidas em mostras realizadas no Rio, encontramos um significativo montante
de doações de ao menos um colecionador. Esse caráter contingente da formação do
acervo possivelmente está relacionado às limitações orçamentárias que a ENBA
conheceu durante boa parte do período aqui percorrido, que praticamente
impediam o desenvolvimento de qualquer “política” deliberada de aquisições.
21. A segunda consideração é a de que, não
obstante o afirmado no parágrafo anterior, uma certa sistemática pode ser
percebida no processo. Não só o arco de tempo traçado evidencia a sustentação
do que parece ser um verdadeiro interesse pela pintura portuguesa, em especial
durante a longa administração de Rodolpho Bernardelli, que se estendeu de 1890
a 1915,[36] como, sobretudo, as obras possuem
afinidades estéticas significativas: com efeito, considerando a relativa
exceção dos painéis decorativos de Rafael Bordallo, todas as outras pinturas
poderiam ser agrupados sob o rótulo, corrente na historiografia portuguesa de
arte, de “naturalistas”. Tendo chegando a esse ponto de minha exposição, a
questão que agora coloco é a seguinte: que razões estariam por trás desse
interesse? Eu distinguiria três delas, a título de hipóteses e sob todas as
reservas.
22. A primeira dessas razões diria respeito aos
laços de sociabilidade estabelecidos, na Europa, muito especialmente em Paris,
entre portugueses e agentes brasileiros fundamentais na implementação da
“Reforma de 1890”: isso possibilitou que, na passagem para a década de 1880,
jovens artistas brasileiros, em seus estágios finais de formação artística no
Velho Mundo, tomassem conhecimento direto da produção de seus congêneres
lusitanos. Como afirmou Luciano Migliaccio a esse respeito:
23. Tal
diálogo luso-brasileiro tomaria nova força em Paris, onde, na década de
1870-1880, José Julio de Sousa Pinto, Marques de Oliveira, Henrique
Pousão frequentavam o ateliê de Cabanel e de Yvon nos mesmos anos que os
brasileiros José Ferraz de Almeida Junior e Rodolfo Amoedo. Uma
verdadeira colônia artística luso-brasileira iria se reunir em Paris na
residência do paulista Eduardo Prado, amigo de Eça de Queiroz e de Ramalho
Ortigão. O político brasileiro chegou a financiar, na capital francesa, a
publicação de uma Revista Brasil-Portugal de que os dois escritores portugueses
participaram.[37]
24. Pousão e Amoedo teriam realmente sido
amigos próximos, como deixa entrever uma troca de retratos desenhados entre
ambos, apresentada recentemente por Carlos Silveira.[38]
Além disso, a partir de 1882, em Roma, em ambientes de formação e sociabilidade
artísticas como o Circolo Artistico Internazionale, Pousão teria
estreitado laços de amizade com dois outros brasileiros fundamentais para a
“Reforma de 1890”, os irmãos Rodolpho e Henrique Bernardelli.
25. A segunda suposta razão por trás da
constituição do acervo de pintura portuguesa da ENBA se relacionaria à intensa
e já referida circulação de artistas portugueses pelo Rio de Janeiro, a partir
dos anos finais do Império: motivado pelo crescimento do mecenato local, esse
fenômeno teria tornado acessível, na cidade, um grande contingente de pinturas
portuguesas de qualidade. Um dos pioneiros nesse trânsito foi, sem dúvida,
Rafael Bordallo, que, entre 1875 e 1879, instalou-se no Rio, atuando, primeiro,
como colaborador no periódico O Mosquito e, depois, capitaneando
revistas como Psit!!! e O Besouro, que, embora efêmeras, foram
importantes na renovação das artes gráficas fluminenses, em fins do Segundo
Reinado.[39] Na passagem para o século XX, a
circulação de artistas portugueses no Rio teria se tornado ainda mais intensa.
Em 1899, Rafael Bordallo retornou à cidade, dessa vez com uma exposição de suas
cerâmicas artísticas: uma das mais significativas, a Jarra Beethoven,
seria, inclusive, incorporada ao acervo do MNBA.[40]
Em 1906, foi a vez de Malhoa realizar sua exposição no Gabinete Português de
Leitura do Rio, a qual acima me referi, e que foi uma das mais expressivas
mostras individuais realizadas pelo pintor, em vida. Nos anos seguintes,
diversos artistas portugueses como Alfredo e Helena Roque Gameiro, Carlos e João
Reis, Antonio Carneiro, entre outros, promoveriam exposições na
então Capital Federal. A passagem de portugueses pela cidade se encontra bem
documentada em uma série de resenhas intitulada Artistas Portugueses no Rio
de Janeiro [cf. link],
que Adalberto Pinto de Mattos publicou no periódico Illustração
Brasileira, entre fevereiro e novembro de 1925, e que comentei mais
detalhadamente em outras oportunidades.[41]
26. A terceira e última razão por trás da
constituição do acervo da ENBA em questão - sobre a qual eu gostaria de me
deter, com mais vagar - se relacionaria à eminente função pedagógica da sua
Pinacoteca: levando-a em consideração, gostaria de levantar a hipótese de que a
aquisição de pinturas portuguesas visaria à promoção de modelos estéticos que,
ao menos nos anos posteriores a “Reforma de 1890”, eram julgados pertinentes
para o desenvolvimento da arte brasileira. Como adiantei, uma análise, ainda
que não exaustiva, das peças portuguesas adquiridas permite verificar que o
principal desses modelos foi a tendência que, na historiografia lusitana de
arte, se convencionou chamar “Naturalismo”[42]
- termo que, nos últimos anos, tem sido objeto de tentativas de delimitação
também por historiadores de outros países, como Gabriel Weisberg[43]
ou Jorge Coli.[44]
27. Aquilo que é hoje reconhecido como a
variante portuguesa do “Naturalismo” teria se afirmado durante o quartel final
do século XIX. Pintores como os referidos Silva Porto ou Marques de Oliveira
são usualmente lembrados como introdutores da tendência em Portugal, mas teriam
sido as ações do chamado Grupo do Leão [Figura 25] as maiores responsáveis pela sua
consagração[45]. Parece-me significativo que a absoluta
maioria dos artistas portugueses cujas obras figuravam no acervo da Pinacoteca
da ENBA tenha participado, nos anos 1880, das Exposições de Quadros Modernos
- renomeadas, a partir de 1885, Exposições de Arte Moderna -, promovidas
pelo Grupo do Leão. Das oito mostras realizadas entre 1881 e 1888,
Adolfo Greno participou da 6ª, 7ª e 8ª; Carlos Reis da 6ª e 7ª; Columbano
Bordallo, da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 7ª; Ernesto Condeixa da 6ª, 7ª e 8ª; José Malhoa,
Manuel Henrique Pinto e Silva Porto participaram de todas; Sousa Pinto da 5ª,
7ª e 8ª; Rafael Bordallo, da 5ª; e, por fim, Velloso Salgado da 8ª.[46]
28. Existiria, portanto, uma convergência
notável entre a estética das aquisições portuguesas feitas pela ENBA e aquela,
que na historiografia lusitana, hoje se identifica com o termo “Naturalismo”.
Eu não poderia traçar aqui, com rigor, as fronteiras desse conceito, que, na
pena dos escritores de finais do século XIX, frequentemente se confundiam com
as de “Realismo” ou, até mesmo, “Impressionismo”. Referindo-se, por exemplo, à
recepção da obra de Malhoa no período de 1881 a1888, Nuno Saldanha constata que:
“De facto, não parece existir uma clara distinção da crítica [portuguesa] entre
as correntes do Naturalismo e do Realismo.”[47]
Mesmo Émile Zola, talvez “a presença dominante”[48]
no que se refere ao emprego do termo “Naturalismo”, com relação às artes, não
deixou de demonstrar uma certa despreocupação com a rigidez classificatória, ao
afirmar, a respeito do Salon de 1880, que “o naturalismo, ou o impressionismo,
ou a modernidade - podem chamá-lo como quiserem - é hoje o mestre dos
Salões oficiais.”[49]
29. Se não é meu objetivo aqui solucionar tal
imprecisão categorial, creio ser possível afirmar que alguns valores evocados
pelos termos “Naturalismo” e “Realismo” eram recorrentes na literatura
artística portuguesa do período aqui em questão[50],
bem como no meio artístico carioca no qual a “Reforma de 1890” foi concebida e
posta em prática, como demonstrou Camila Dazzi, em capítulo de tese de
doutorado recentemente defendida.[51] De um lado, havia a exigência de um
compromisso moral com uma expressão “sincera” da “Verdade” da Natureza, vista e
sentida através de temperamento individual do artista, que recordava o
conhecido mote de Zola, segundo o qual “uma obra de arte é uma porção da
criação vista através de um temperamento;”[52]
de outro, a exigência complementar de uma negação de quaisquer preconceitos
estéticos de “beleza” ou convenções “acadêmicas”, tanto na escolha de temas,
quanto de tratamento pictórico.
30. Tais exigências mantinham afinidades
notáveis com os parâmetros estético-pedagógicos adotados pelos professores da
ENBA, como deixam entrever as palavras de Rodolpho Bernardelli em relatório
encaminhado ao Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, em maio de
1891. Ali, Bernardelli afirmava a nova orientação da Escola, em contraste com o
“academismo” que, no seu entender, caracterizava o ensino na instituição, antes
da “Reforma de 1890”:
31. Substituindo
a Academia criou-se a Escola Nacional da Belas Artes, que pôde definir todo o
seu programa na repulsa com que foi condenado o título pretensioso e
nefastamente sugestivo de sua antecessora. A Academia era a contemplação ritual
do passado; era a veneração do cânon inviolável das convenções plásticas dos
antigos, distraindo o espírito dos artistas do espetáculo ensinador da
natureza, era a lição tirânica do como viam, contrapondo-se ao ensino intuitivo
e natural do como vedes; era o academismo, em suma, com todas as suas modestas
ambições de corrigir a cena das coisas.[53]
32. Esse declarado “anti-academismo” e os
contrapontos entre as “convenções plásticas dos antigos” e o “espetáculo
ensinador da natureza”, ou entre o “como viam” e o “como vedes”, são típicos
daquele complexo de valores evocado por termos como “Naturalismo” ou “Realismo”
em fins do Oitocentos, no Brasil e em Portugal. Mais à frente, no mesmo
relatório, lembrando um “parecer da comissão de professores [da Academia]
encarregada de julgar os trabalhos de um pensionista que manifestava tendências
emancipadas em arte” e que criticava esse último por sua filiação à “escola realista”,
Bernardelli concluía que “a Academia era a convenção irremediavelmente
revoltada contra a impressão.”[54]
33. Em boa medida, as obras dos “naturalistas”
portugueses parecem afinadas com essa orientação estética, propugnada pelo
então diretor da ENBA. Especialmente por sua suposta capacidade de capturar o
“característico” dos aspectos naturais e dos costumes humanos, tal orientação
parecia apta a atender certas demandas reiteradamente colocadas no meio
artístico carioca, às voltas com a questão da constituição de identidades
visuais regionais e nacionais, cuja solução usualmente resvalava no registro de
paisagens locais e de modos de vida tradicionais. Nesse sentido, vide, já no
início da República, o exemplo de artistas atuantes ou de grande penetração no
Rio de Janeiro, como Almeida Júnior, Modesto
Brocos y Gomez ou Pedro Weingärtner.
34. À guisa de considerações finais, gostaria
de recordar que este artigo representa parte de uma pesquisa que se encontra
ainda em andamento. Ele está sujeito, portanto, às insuficiências
características de trabalhos do gênero, como a falta de conclusões mais
definidas e a abertura de problemas conexos. Seria importante precisar, por
exemplo, as relações estabelecidas com a ENBA por alguns agentes cujos nomes
surgem na documentação consultada, como o “representante de artistas
portugueses” Guilherme da Rosa ou o colecionador Luís Fernandes; seria
igualmente importante enquadrar as aquisições de pinturas portuguesas da ENBA
no contexto mais amplo das aquisições, feitas no mesmo período, de obras de
outras “escolas” europeias, como a espanhola e a italiana. Creio, por fim, que
o entendimento dos intercâmbios culturais Brasil-Portugal no período do
República, lembrados no presente trabalho, exige não só o aprofundamento das
pesquisas, mas, idealmente, um esforço coletivo de investigação, que congregue
historiadores da arte brasileiros e portugueses em torno desse tema complexo e
ainda pouco explorado.
________________________________________
[1]
A
investigação está vinculada à Linha de Pesquisa Estudos sobre Teoria e
Literatura da Arte, do Departamento de Artes da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro (DArtes/UFRRJ), e conta com a participação de licenciandos
dessa instituição, alguns vinculados ao Programa de Licenciatura Internacionais
CAPES/Universidade de Coimbra.
[2]
Pintura
Portuguesa:
Acervo do MNBA. 2. Ed. rev. e aum. Apres. Alcidio Mafra de Souza. Texto de
Ecyla Castanheira Brandão. Rio de Janeiro, 1990.
[3]
PATERNOSTRO,
Zuzana. A pintura portuguesa no Museu Nacional de Belas Artes: O Início da
Coleção. In: O Grupo do Leão e o Naturalismo português. São Paulo:
Pinacoteca do Estado, 1996, p. 23-25 (Catálogo de exposição).
[4]
Por
exemplo: HENRIQUES, Paulo. José Malhoa. Lisboa: Edições INAPA, 1996
(Catálogo de exposição); AMAR O OUTRO MAR. A pintura de MALHOA. Texto
Lucila Verdelho da Costa e Ecyla Castanheira Brandão. Lisboa: GRCI, 2003
(Catálogo de exposição); MIGLIACCIO, Luciano. Malhoa e o Brasil. In: José
Malhoa. ARTing Editores, 2008, n/p; SALDANHA, Nuno. José Malhoa.
Tradição e Modernidade. Scribe, 2010.
[5] Uma lista
não-exaustiva incluiria: Os Componentes do Século XIX. In: BARDI, P. M. História
da arte brasileira: pintura, escultura, arquitetura, outras artes. 2a.
Edição. São Paulo: Melhoramentos, 1976, p. 136 sg.; Século XIX A Missão
Artística Francesa. In: Arte no Brasil. São Paulo: Abril Cultural, 1979,
v. 1, p. 442 sg; PEREIRA, Sonia Gomes. A arte no Brasil no século XIX e início
do XX. In: OLIVEIRA, Myrian A. R. de. História da arte no Brasil: textos
de síntese. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. p. 59 sg.
[6]
Presença
portuguesa: de colonizadores a imigrantes. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/brasil500/portugueses.html
Acesso em: 1 mar. 2012.
[7]
Em
capítulo de livro dedicado ao tema, Eulália M. L. Lobo enumerou os fatores que
condicionaram esse fluxo, durante a 1ª. República brasileira, tais como: a
crise social ocasionada por más colheitas e pela concentração fundiária em
Portugal e o deslanche do desenvolvimento capitalista da economia brasileira
pós-Abolição (LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. A ASCENSÃO DO MOVIMENTO EMIGRATÓRIO
PORTUGUÊS. PARA O BRASIL, A PARTIR DE 1888 AO DECLÍNIO EM 1930. In: LOBO,
Eulália Maria Lahmeyer. Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo:
Editora Hucitec, 2001).
[8]
Os
principais atrativos do Rio de Janeiro para os portugueses diziam respeito a
sua ampla oferta de empregos, frequentemente junto a empresas pertencentes a
compatriotas ou seus descendentes, assim como aos salários que aí eram pagos,
na época superiores aos de Portugal e de outras regiões brasileiras.
[9]
SILVA,
Raquel Henriques da. Invocação do Grupo do Leão e do naturalismo português. In:
O Grupo do Leão e o Naturalismo português, op. cit, p. 31.
[10]
DAZZI,
Camila. “Por em prática e Reforma da antiga Academia”: a concepção e a
implementação da reforma que instituiu a Escola Nacional de Belas Artes em
1890. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em História da Arte) - PPGAV/UFRJ.
[11]
PATERNOSTRO,
op. cit., p.24.
[12]
Catalogo
da Exposição Geral de Bellas-Artes. Rio de Janeiro: Typographia de J. Villeneuve
& C., 1890, n/p. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/catalogos/1890_egba.pdf
Acesso em: 1 mar. 2012.
[13]
No
Catálogo da Exposição Geral de 1890, o termo “moderno” se define, sobretudo, em
oposição à “antigo”, e designa os artistas ainda em atividade ou recentemente
falecidos.
[14]
Além de Le
rendez-vous, que figurou no catálogo com o n. 159, Souza Pinto expunha: À
beira mar (costume da Póvoa de Varzim) (n. 160); Animais (Estudo)
(n. 161); Arredores de Paris (n. 162) e Père Mathieu (n. 207).
Cf. CATALOGO da Exposição Geral de Bellas Artes. Inaugurada em 1º. de
Outubro de 1894. Rio de Janeiro: Companhia Industrial de Papelaria, p. 15 e 18.
[16]
Acervo
Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6129 - Correspondências
Recebidas 1894, p. 93.
[17a]
CATALOGUE
illustré de peinture et sculpture - Salon de 1894. Paris: Librairie d’Art, p.
24.
[17b]
La
Famille,
N. 815, 19 mai. 1895. Reproduzido em preto e branco, Le rendez-vous aparece
sob o título alternativo Retour de la messe. Disponível em: http://www.journaux-collection.com/fiche.php?id=636193
Acesso em: 1 mar. 2012.
[18] “A comissão, composta
dos professores Rodolpho Amoedo, Henrique Bernardelli, Pedro Weingartner e
Modesto Brocos y Gomez, nomeada para escolher as obras d’arte que merecessem
ser adquiridas para as coleções da Escola, reuniu-se no salão no dia 7 de novembro
e escolheu as que vão em seguida mencionadas: O rendez-vous, de J. J. de
Souza Pinto [...]”. RELATORIO apresentado ao Presidente da Republica dos
Estados Unidos do Brasil pelo Dr. Antonio Gonçalves Ferreira Ministro de Estado
da Justiça e Negócios Interiores em abril de 1895. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1895, Anexo P, p. 13 (A grafia desta e de todas as outras citações de
época foi atualizada).
[19]
PATERNOSTRO,
op. cit., p. 24.
[20a] Joaquim Duarte
Murtinho foi Ministro da Fazenda do Governo Campos Sales, entre 1889 e 1902.
Com relação ao importante montante de aquisições feitas em 1902, Paternostro
destacou o papel de Rodolpho Bernardelli: “Essa aquisição, sem dúvida, foi o
mérito de Rodolfo Bernardelli a favor do acervo da Escola Nacional de Belas
Artes” (Idem, ibidem). Mais recentemente, Hilda Machado frisou, em contraste, a
iniciativa do próprio Murtinho: “Segundo Filinto de Almeida, republicano e
vizinho de Murtinho, o ministro mecenas fez mais do que o Império, que comprou
apenas o gênero histórico […] Em 1902, o ministro das finanças Joaquim
Murtinho, enquanto levava com a sua política liberal o Banco do Brasil à
falência, institui um novo mecenato público, ao bancar uma política de
aquisições para a ENBA”. MACHADO, Hilda. Laurinda Santos Lobo: mecenas,
artistas e outros marginais em Santa Teresa. Rio de Janeiro: Casa da Palavra,
2002, p. 159.
[20b]
RELATORIO
apresentado ao Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J.
J. Seabra Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores em abril de 1903. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1903, p. 225.
[21]
Idem, p.
226.
[22]
Idem, p.
225. Esses 11 quadros figuraram n'Exposição de Arte Portuguesa,
organizada por Rosa no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. A mostra foi
inaugurada a 17 de julho e, além de “103 telas” de diversos e renomados
pintores, contava com “as faianças de Raphael Bordallo Pinheiro, sempre belas e
originais, os trabalhos em prata rebaixada, oxidada ou dourada, alguns projetos
arquitetônicos e alguns espécimes de arte aplicada aos trabalhos domésticos”
(Arte Portuguesa. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 18 jul. 1902,
p.1).
[23]
SOCIETÉ
des Artistes Français. Catalogue illustré du Salon de 1905. Paris: Bibliothèque
des Annales, n/p.
[24]
Por
ocasião dessa mostra, o escritor Ramalho Ortigão destacou as já referidas
possibilidades oferecidas pelo mercado brasileiro como um fator positivo para
aumentar a presença cultural portuguesa no Brasil e as relações comerciais
entre os dois países: “Determinar fazer uma exposição de arte no
Rio-de-Janeiro, levando os seus quadros ao mercado brasileiro”, afirmou
Ortigão, era, por parte de Malhoa, um “auspicioso indício de sábia orientação”.
ORTIGÃO, Ramalho. A Pintura de Malhoa (1906). In: ____. Arte Portuguesa.
Tomo II. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1943, p. 238.
[25]
NOTAS DE
ARTE. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1 set. 1906, p. 3. [cf. link] Além de Cócegas (n. 109),
figuravam na Exposição Geral de 1906 mais cinco obras de Malhoa: Cebolas
(n. 108), Compra do voto (n. 110), 7º. Não furtar... as uvas do
Senhor cura (n. 111), Sardinhas (n. 112) e Soalheiro (n. 113)
(cf. LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições Gerais da Academia Imperial e
da Escola Nacional de Belas Artes. Período Republicano Catálogo de artistas
e obras entre 1890 e 1933. Rio de Janeiro: Publicação ArteData, 2003, p. 235).
[26]
Cf., por
exemplo, A EXPOSIÇÃO. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 2 set. 1906, p.5
[cf. link]; AMADOR, Bueno. BELAS-ARTES. O
SALÃO DE 1906. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 set. 1906, p.3 [cf. link].
[27] “Em Janeiro de 1907, a
venda estava ainda em negociações. O seu amigo Rodolfo Bernardelli dizia que a
proposta fora apresentada na Câmara e no Senado, mas que não tinha sido
aprovada, tendo a verba da aquisição sido destinada à construção de uma escola de
Arte. No entanto, relatando ainda que o novo ministro, Tavares Lyra, se
interessara pelo caso, dava assim algumas esperanças ao pintor, que de fato se
viriam a concretizar em Maio”. SALDANHA, op. cit., p. 327.
[28]
O Grupo
do Leão e o Naturalismo português, op. cit, p. 38.
[29]
Acervo
Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 5107, p. 2.
[30]
Idem, p.
3. Sobre a obra de Vaz não encontrei, até o momento, qualquer outra referência.
[31]
As
exceções são os dois estudos de Rafael Bordallo, Madona de Columbano
Bordallo, e Entardecer de João Vaz. [Post Scriptum, dezembro
2012: Em entrevista publicada na imprensa portuguesa, após seu retorno do
Brasil, o Sr. Guilherme da Rosa declarou que ele próprio teria comprado a Madona
de Columbano – fato que, se confirmado, indicaria que a referência à obra é
outro erro da lista que consta no relatório de 1902. Trechos da entrevista de
Rosa foram transcritos por Luis Borges da Gama e se encontram disponíveis em: http://provocando-umateima.blogspot.com.br/2012/08/1902-o-senhor-rosa-chegou-do-brasil.html
Acesso 1 dez. 2012]
[32] É possível que essas
obras de Alfredo e Helena Roque Gameiro tenham sido incorporadas por ocasião da
exposição que pai e filha fizeram, em 1920, no Gabinete Português de Leitura do
Rio de Janeiro. Cf. por exemplo, VIDA ARTISTICA. Inaugura-se amanhã a Exposição
Roque Gameiro no Gabinete Português de Leitura. Gazeta de Noticias, Rio
de Janeiro, 22 ago. 1920, p. 3; MATTOS, Adalberto. Mostra de Arte. Illustração
Brasileira, Rio de Janeiro, n. 2. out. 1920, n/p.
[33]
Sob a
verdura
pode ser o quadro de Souza Pinto referido no documento citado na nota 30. A
tela possui parentesco com obras de referência bretã, produzidas por Souza
Pinto, a partir de meados dos anos 1890, como La Baignade (1896), Chloé
Fillette (1898) ou Baigneuse (1903). Cf. SANTOS, Aida Alves de
Oliveira. José Júlio de Souza Pinto na Bretanha. Porto, 2011.
Dissertação (Mestre em História da Arte Portuguesa) Faculdade de Letras da
Universidade do Porto. Volume II Anexos.
[34] “Coleccionador de
objectos de arte, e presidente do Grupo dos Amigos do Museu de Arte Antiga, n.
na Baía (Brasil) em 30-XI-1859 e m. em Paris a 6-II-1922. Vindo para Portugal,
como seu pai, que era natural do Minho, foi educado no Colégio Britânico do padre
Davidson e prosseguiu depois a sua instrução no extinto Instituto Industrial e
Comercial de Lisboa. Por morte do pai, herdou uma importante fortuna, que lhe
deu possibilidades de fazer uma longa viagem pela Europa, demorando-se mas
velhas cidades, nos centros de arte, visitando museus e exposições,
aperfeiçoando a sua educação. De regresso a Lisboa, casou, em 1885, como uma
senhora portuguesa, mandando construir, na então Travessa de S. Marçal que hoje
tem o sue nome, um magnífico palacete, que destinava ao seu lar. Um ano depois,
a esposa faleceu de parto e Luís Fernandes, desgostoso, encerrou o palacete,
cujo gradeamento exterior mandou pintar de negro, e confiou a sua guarda a uma
casal de negros dedicados, retirando-se para Paris, onde se consagrou inteiramente
aos seus gostos de coleccionador, principalmente de porcelanas raras, que,
pouco a pouco, trazia para o seu palacete. [...] Como coleccionador a sua
especial predilecção foi pelas xícaras, de que recolheu uma rara e preciosa
colecção, desde as mais antigas às modemas, dos rituais de alguns sacrifícios
chineses às da mundanidade contemporânea, tendo legado as suas colecções ao
Museu de Arte Antiga, de Lisboa, que as tem agrupada numa sala com o sue nome;
à Academia [sic] de Belas Artes do Rio-de-Janeiro e ao Instituto Geográfico e
Histórico da Baía”. Verbete FERNANDES (Luís). Grande Enciclopédia Portuguesa
e Brasileira. Lisboa, Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, Limitada,
volume XI, p. 108.
[35]
Dados
disponíveis no Sistema de Informação do Acervo do Museu Nacional de Belas Artes
- SIMBA.
[36]
Segundo Alfredo
Galvão, “A 31 de dezembro de 1914, [Baptista da Costa] foi eleito pela
Congregação para substituir o diretor Rodolfo Bernardelli, numa sessão
presidida pelo vice-diretor, Cincinato Américo Lopes. Foi nomeado interinamente
a 21 de maio de 1915 e efetivamente a 22 de outubro de 1915”. GALVÃO, Alfredo. Subsídios
para a história da Academia Imperial e a da Escola Nacional de Belas Artes.
Rio de Janeiro: s. ed., 1954, p. 20.
[37] MIGLIACCIO, op. cit.
[38] SILVEIRA, Carlos.
Liberto da Academia e perseguindo a luz: o percurso fulgurante de Henrique
Pousão. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 1, jan./mar. 2011.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/artistas/pousao_cs.htm
Acesso em: 1 mar. 2012.
[39]
A respeito
da atuação de Rafael Bordallo na imprensa carioca, cf.: LIMA, Herman. História
da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963, v. 3, p.
881-899; Rafael Bordalo Pinheiro - o português tal e qual: da caricatura
à cerâmica. O caricaturista São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1996 (Catálogo de
exposição); CARDOSO, Rafael. Revistas ilustradas do Segundo Reinado:
Considerações sobre projeto gráfico e meio editorial. In: KNAUSS, Paulo et
alli. Revistas ilustradas: modos de ler e ver no Segundo Reinado. Rio de
Janeiro: Mauad X, 2011, p. 38-40.
[40]
MALTA,
Marize. Jarra Beethoven e a incrível história de uma imagem-problema. ArtCultura,
Uberlândia, v. 12, p. 133-148, 2010.
[41]
JUSTO, F.;
SILVA, C. D. da; VALLE, A.. (org.) “Artistas portugueses no Rio de Janeiro”, de
Adalberto Mattos. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 2, abr./jun.
2011. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/apb_am.htm
Acesso em: 1 mar. 2012. Junto com Camila Dazzi, discuti essa série de resenhas
em: Comentários sobre artistas portugueses na revista Illustração Brasileira
em 1925. Comunicação apresentada no XXXI Colóquio do Comitê Brasileiro de
História da Arte. [Com/Con] tradições na História da Arte, Campinas, 18-21
out. 2011; Comentarios sobre artistas portugueses en la revista Illustração
Brasileira en 1925. Comunicação apresentada no XI Congreso «Cultura Europea»,
Barcelona, 27-29 out. 2011.
[42] “Para
o surgimento do naturalismo e do Grupo do Leão na arte portuguesa cf. FRANÇA,
José-Augusto. A Arte em Portugal no século XIX. 3ª edição. Vol. 2.
Lisboa: Bertrand Editora, 1990, p. 23 s.s. [...] Para um enquadramento
internacional do naturalismo português, e sobretudo na análise da 'ideologia
pictórica' do grupo de Silva Porto, cf. o ensaio recente de SILVA, Raquel
Henriques da. Silva Porto e a pintura naturalista. LAPA, Pedro; SILVEIRA, Maria
de Aires (Org.) Arte Portuguesa do Século XIX: 1850-1910. Vol. 1.
Lisboa: Museu Nacional de Arte Contemporânea-Museu do Chiado/ Leya, 2010, pp. LI-LXIII”. SILVEIRA, op. cit., nota 1.
[43] Cf. WEISBERG, Gabriel.
P. Beyond impressionism: the naturalist impulse. New York: H.N. Abrams, 1992; WEISBERG, Gabriel. P. [et alli]. Illusions
of Reality: Naturalist Painting, Photography, Theatre and Cinema,
1875-1918. Van Gogh Museum; Ateneum Art Museum; Mercatorfonds, Brussels, 2010.
[44] COLI, Jorge. Pintura naturalista.
In: COLI, Jorge. O corpo da liberdade: reflexões sobre a
pintura do século XIX. São Paulo: Cosac Naify, 2010, p. 285-294, texto que se
originou de uma resenha ao livro Work and struggle: the painter as
witness, de Edward Lucie-Smith e Celestine Dars (Paddington Press, 1977).
[45]
FRANÇA,
José-Augusto. A Arte Portuguesa de Oitocentos. ICALP - Coleção
Biblioteca Breve - Volume 28, 1992, p. 69.
[46]
Cf.
OLIVEIRA, A. d’. Catálogos Ilustrados. Exposições de Quadros/Arte
Moderna, Lisboa, 1881 a 1888 e FRANÇA, A Arte em Portugal no Século XIX.
[47]
SALDANHA,
op. cit., p. 158. Essa “ambivalência classificativa” podia ser encontrada, já
nos anos 1870, na pena de, por exemplo, Ramalho Ortigão, que filiava a obra de
Silva Porto “no Realismo, Naturalismo e Impressionismo (As Farpas, 1876,
X: 111)”. Idem, p. 169.
[48]
WEISBERG, Illusions
of Reality..., p.24. Em seus escritos sobre artes visuais, Zola emprega com
frequência os termos naturalisme e naturaliste, que figuram,
inclusive, em alguns títulos como Les naturalistes (em Mon Salon, 1868)
ou Le naturalisme au Salon (1880).
[49] ZOLA, Emile. O
Naturalismo no Salão. In: ____. A Batalha do Impressionismo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 288 (grifos meus). O texto foi originalmente
publicado em Le Voltaire, 18-22 jun. 1880. Uma versão em francês se
encontra disponível em: http://www.cahiers-naturalistes.com/Salons/18-06-80.html
Acesso em: 1 mar. 2012.
[50] Cf., por exemplo,
SALDANHA, 9. Da Verdade na Pintura. Malhoa e a Crítica, op. cit., p. 157 sg.
[51]
DAZZI, 1.
O MODERNO AO FINAL DO SÉCULO XIX, op. cit., p. 29 sg.
[52] “Une œuvre d'art
est un coin de la création vu à travers un tempérament”. Les Réalistes du
Salon. In: ZOLA, Émile. Mon salon: Augmenté d'une dédicace et d'un
appendice. Paris:
Librairie Centrale, 1866, p. 56 (em itálico no original). O artigo foi
originalmente publicado em L'Evénement, 11 mai. 1866.
[53] ANEXO H. RELATÓRIO DO
DIRETOR DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES. In: RELATÓRIO APRESENTADO AO
PRESIDENTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL PELO DR. JOÃO BARBALHO
UCHÔA CAVALCANTI MINISTRO DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, CORREIO
E TELÉGRAFOS EM MAIO DE 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, p.13
(grifos em itálico no original). Esse documento se encontra disponível em: http://www.dezenovevinte.net/documentos/rm%201891.htm
Acesso em: 1 mar. 2012.
[54] Idem, p. 14 (grifos
meus). As palavras de Bernardelli evocam o parecer do diretor da Academia
Ernesto Gomes Moreira Maia sobre os envios de Rodolpho Amoêdo, em 1884: “Os
últimos trabalhos quo enviou e que foram recebidos durante a Exposição Geral
das Belas Artes, justificam o juízo que em princípio emiti sobre este
pensionista. Todavia me parece que um desses trabalhos (estudo de mulher de grandeza natural), conquanto bem
observado e cuidadosamente feito, não lhe teria valido a recompensa que obteve
na prorogação da pensão; porque nele, arrastado pelo furor da moda e pela onda
do realismo exagerado, afastou-se muito dos bons princípios da escola clássica,
que não cessamos de recomendar aos nossos alunos”. ANEXO D. RELATÓRIO DO
VICE-DIRECTOR DA ACADEMIA IMPERIAL DAS BELAS ARTES. In: RELATÓRIO DO ANO DE
1884 APRESENTADO À ASSEMBLÉIA GERAL LEGISLATIVA NA 1a SESSÃO DA 19a LEGISLATURA
EM MAIO DE 1885. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/documentos/relatorios_ministeriais/rltr_mntr_1884anexo.htm
Acesso em: 1 mar. 2012.