As vicissitudes das encomendas no século XIX: A encomenda a Pedro Américo da pintura Batalha do Avahy em 1872
Vladimir Machado de Oliveira *
OLIVEIRA, Vladimir Machado de. As vicissitudes das encomendas no século XIX: A encomenda a Pedro Américo da pintura Batalha do Avahy em 1872. 19&20, Rio de Janeiro, v. VII, n. 2, abr./jun. 2012. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_avahy_encomenda.htm>.
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Pedro Américo (1843-1905) era a favor de grandes mudanças na arte brasileira, não só em atitudes estéticas novas, mas na questão profissional que ele adotara, fora das práticas viciadas do “patronato”. O pintor, em 1868, retornava dos seus estudos de doutorado na Universidade Livre do Partido Liberal na Bélgica e assumia, no Rio de Janeiro, a posição de um artista liberal e independente. Em 1869 Pedro Américo, além de criar um jornal satírico A Comédia Social, ilustrado por ele, seu irmão Aurélio Figueiredo (1856-1916) e Décio Villares (1851-1931) decidiu pintar por iniciativa própria, um painel da história recente chamado Batalha de Campo Grande [Figura 1], baseado em um episódio da Guerra do Paraguai ocorrido em 16 de agosto de 1869. O painel não foi encomendado pelo Governo Imperial, nem pelo Imperador Pedro 2º, nem por nenhuma instituição, mas foi fruto da “livre-iniciativa” de Pedro Américo.
O governo já havia encomendado telas ao pintor italiano Eduardo De Martino (1842-1912) e a Victor Meirelles (1832-1903), em honra somente às vitórias da Marinha Imperial. Pedro Américo tomava partido pelas vitórias dos heróis do Exército brasileiro, se propunha pintar o tema escolhido por ele e continuava, nesse passo, a esboçar três painéis em 1871: a Rendição de Uruguaiana, 24 de Maio e Batalha do Avahy, culminando com a encomenda do governo para pintar o painel da Batalha dos Guararapes em 1872.
O importante a destacar é que, concluída a grande campanha de difusão da obra da Batalha de Campo Grande e da biografia precoce de Pedro Américo escrita por Luis Guimarães Jr. em 1871, três vitórias foram alcançadas. A primeira foi a eficácia da pressão inédita da campanha publicitária pela imprensa, a qual resultou na compra do painel da Batalha de Campo Grande pelo Ministério do Exército. A segunda foi a condecoração de Pedro Américo como Oficial da Ordem da Rosa[1] e a terceira a nomeação de Pedro Américo, por D. Pedro II, como Pintor Histórico da Imperial Câmara, em 4 de Junho de 1872, titulo que ainda pertencia a Manuel Araujo Porto-alegre (1806-1879), seu sogro, desde 1840 até esta data.[2] Com esses títulos, e apenas 29 anos de idade, o artista estava habilitado, ao lado de Victor Meirelles, onze anos mais velho, a ser também escolhido oficialmente pelo governo a realizar quadros históricos.
É preciso notar que Victor Meirelles era “professor proprietário” (catedrático) da cadeira de Pintura Histórica na Academia, o que significava que só ele, na instituição, tinha o respaldo da autoridade para pintar temas sob encomenda do governo e que só com sua morte seria aberta a vaga de professor de Pintura Histórica. Pedro Américo estava lecionando desenho figurado, no que hoje seria a escola de Desenho Industrial, mais pragmática, voltada para os ofícios, não para os grandes desafios da pintura de história. A nomeação como Pintor Histórico da Imperial Câmara colocava Pedro Américo como pintor qualificado para receber encomendas de pintura de histórica. Ao mesmo tempo passava a atuar como professor de Estética, Arqueologia e História da Arte, disciplina criada por Porto-alegre em 1857 e pela primeira vez professada no Brasil, o que correspondia a Pedro Américo o perfil de um artista-filósofo, da nova intelectualidade carioca.
Outra consequência decorrente do sucesso da campanha publicitária que tornou Pedro Américo conhecido nacionalmente, foi a encomenda do governo, agora sim oficial, para a realização dos retratos de D. Pedro I (MNBA-RJ) e D. Pedro II (MIP-RJ), para o Senado, e um painel de assunto histórico. Para uma visão modernista do século XX, o pintor de história dos Oitocentos só conhecia a servidão e a adulação. A pintura histórica colocaria problemas à liberdade criativa do pintor, que precisava representar acontecimentos definidos de antemão, sobre os quais o pintor tinha “um escasso poder”.[3] Esse não era o caso de Pedro Américo. Em 19 de Agosto de 1872, firmou um contrato com o governo imperial com uma forte sugestão do Ministro, o Conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira, que, sendo natural de Pernambuco, almejava comemorar com um painel a vitória dos portugueses contra os holandeses. Tratava-se da Primeira Batalha Dos Guararapes, acontecida em 19 de abril de 1648 no distante século XVII, em Pernambuco. O artista aceitou a encomenda no início, para, logo depois, enviar uma carta, modificando a proposta do Ministro.[4]
O contrato era bem aberto e a composição não era definida, bastando que fosse “...um quadro de assunto da história pátria com as dimensões que o artista julgasse conveniente e o prazo de cinco anos”[5]. Por fim, não foi o Ministro mas o próprio pintor quem, recusando-se a pintar um tema extemporâneo, escolheu um tema ainda recente, a Batalha do Avahy, ocorrida em 11 de dezembro de 1868, na Guerra do Paraguai[6]. Acima de tudo, o artista mantinha-se fiel ao seu projeto de pintar não um, mas uma série de “Quadros Históricos da Guerra do Paraguay”[7]. Não se sabe as razões porque o Ministro não desfez o contrato firmado em 19 de agosto de 1872 com Pedro Américo. Em vez disso, em 20 de setembro de 1972, passou a encomenda do tema da Primeira Batalha dos Guararapes a Victor Meirelles [Figura 2], nos mesmos termos, mas valores diferentes, e aceitou a proposta de Pedro Américo para pintar a Batalha do Avahy [Figura 3].[8]
A encomenda pelo governo de dois grandes painéis de História aos dois pintores conceitualmente e artisticamente rivais e suas obras amplamente divulgadas e discutidas pela imprensa brasileira da época, desperta hoje várias indagações entre elas, qual o motivo que levou o governo fazer esta dupla encomenda? Analisando o texto de um autor com pseudônimo A sombra de Giorgio Vasari[9] sobre a Batalha de Campo Grande e Batalha do Riachuelo expostas simultaneamente na Exposição Geral em 1872, podemos considerar que, diante da polêmica aberta entre as duas telas, já estava sugerida a encomenda dos outros dois painéis. A nosso ver o objetivo era repetir contemporaneamente o antecedente histórico da disputa renascentista das pinturas da Batalha de Cascina, de Miguelângelo, versus a Batalha de Anghiari, de Leonardo da Vinci. Estas pinturas provocaram séria polêmica na época renascentista entre as torcidas de cada artista. Com a encomenda da Batalha do Avahy e da Batalha dos Guararapes, o mesmo se repetiu na polêmica exposição individual da Batalha do Avahy de Pedro Américo, em 1877, e na Exposição Geral na Academia em 1879, no Rio de Janeiro. Nessa exposição as duas telas ficaram confrontadas lado a lado, assim como as torcidas dos dois artistas, em uma inflamada polêmica.
Acreditamos que Pedro Américo estava imbuído daquela fé sagrada de representar um tempo presente, com suas mudanças, o movimento transitório dos acontecimentos em que a pintura estava integrada com a cultura erudita e com o acontecimento histórico recente, apaixonante, popular que ele já havia visto em Paris nas pinturas de Delacroix, Géricault, Ivon, Horace Vernet, Léon Gerôme, e nos gigantescos painéis de história nos populares Panoramas.
O pintor havia escolhido o tema, detinha o poder de criação e iria utilizar todo o seu conhecimento adquirido no universo cultural europeu, do uso prático da fotografia como modelo na pintura de história. Iria, assim, contribuir para a solução do dilema entre realismo fotográfico e idealismo, para projetar uma ideia de uma nova nação atualizada com a arte culta da época, com o objetivo de ser reconhecida tanto no exterior como pelo o público interno.
A encomenda dessa obra, que, aos olhos atuais, aparece de forma idílica, como se o artista tivesse um folgado mecenato e apoio do Imperador, nos documentos da época revela-se de uma avareza estúpida, facilitando muito pouco ao artista. O quadro deveria ser pintado em quatro anos, recebendo o artista um adiantamento de 9.000$000 (nove contos de réis). Não era pouco, principalmente diante da côngrua anual de um cônego ou o salário de um professor da Academia Imperial, de 1.200$000 (um conto e duzentos mil réis anuais ou 100$000 mensais).[10] No entanto, o adiantamento de nove contos de réis, não era integral, mas dividido em três prestações de 3.000$000 (três contos de réis), sendo a primeira na assinatura do contrato e as duas outras até a entrega final da obra, três anos depois. O quadro terminado e exposto ainda dependia de uma problemática avaliação por um júri de profissionais, certamente da Academia Imperial do Rio de Janeiro. Os jurados teriam poder para arbitrar um valor que poderia ser igual, maior ou menor que o já pago. Os termos do contrato deixavam transparecer as mudanças ideológicas conservadoras da Câmara dos Deputados, sensíveis às intrigas contra Pedro Américo, possivelmente pelo apoio, durante a divulgação em 1871 da Batalha de Campo Grande, dado pelos intelectuais progressistas liberais e pelo jornal subversivo A República, empastelado e fechado à força em 1873, ato que acaba com a ideia de um “paraíso da liberdade de imprensa” no Império de Pedro II.
A mítica proteção do mecenato de Pedro II às artes, também mantida e propalada até nossos dias, era, na verdade, ínfima, principalmente diante dos gastos com fotografias, a proteção às suas cavalariças e seus verões em Petrópolis.[11] Após assinar o contrato, Pedro Américo, em 1873, partiu para Lisboa em visita ao seu sogro Porto-alegre, levando na bagagem documentos, uniformes militares e fotografias, e de lá partiria para Florença, na Itália, para realizar o painel. A Municipalidade de Florença havia cedido por três anos a sala da Biblioteca do convento da SS. Annunciata, mas o artista teve que esperar até setembro de 1874 para que a sala ficasse vazia para servir de atelier. Por esta espera da retirada dos livros e montagem do atelier, é provável que o painel tenha sido realizado provavelmente entre 1875 e o final de 1876, princípio de 1877, porque a análise da pintura pela congregação da Academia de Florença encerrou-se em 12 de fevereiro de 1877 e, a partir de 1º de março, o quadro já estava sendo exposto à visitação e divulgado nos jornais, completando assim um tempo recorde de pouco mais de dois anos para terminar a complexa pintura.
Esta avaliação dos professores da Accademia delle Belle Arti de Firenze, da Seção de Pintura do Collegio Accademico, era legítima, porque o contrato citado acima não especificava que a avaliação feita por profissionais se desse exclusivamente no Brasil. Mas, certamente, os membros da Câmara dos Deputados que votariam a liberação da verba para a compra do painel e do júri de avaliação no Rio de Janeiro, sentiram-se pressionados. Eles não esperavam que viesse uma avaliação de professores pertencentes à prestigiosa Academia florentina e muito menos que o artista fizesse duas exposições da pintura, sendo uma na Europa e outra na dispendiosa rotunda de Panorama (entre cinco e sete contos de réis). Além disso, a Rotunda foi mandada construir antes da Exposição Geral da Academia Imperial no Rio de Janeiro, para onde a tela era esperada para ser exposta de forma inédita, ao lado do painel Batalha dos Guararapes de Victor Meirelles, o qual ainda não estava concluído.
Como referido, rezava no contrato que os jurados teriam poder para arbitrar um valor, que poderia ser igual, maior ou menor que o já pago. Se o valor arbitrado fosse maior do que a soma adiantada, a diferença seria paga pelo governo. Caso fosse menor, esta seria devolvida pelo artista. Ora, o parecer dos professores italianos em relação à parte econômica por unanimidade declaravam que o preço total não podia ser avaliado “...em soma menor que duzentos e oitenta mil liras (L.280.000)”. Nesta avaliação, no câmbio do Real no Império, a pintura custaria ao governo135:000$000 (cento e trinta e cinco contos de réis).[12]
Mas na segunda avaliação do painel no Brasil, a alta soma dos professores da academia italiana foi absolutamente desprezada. A tela foi adquirida pelo governo por 40:000$000 (quarenta contos de réis), menos de um terço da avaliação dos acadêmicos italianos. Pela defesa do contrato feita por Fernando Osório na Câmara, pode-se notar que o artista estava entregue mais à mercê dos humores flutuantes das circunstâncias políticas partidárias do que da fraca proteção do chamado “bolsinho do Imperador”.[13] A atenção platônica de Pedro II, segundo Cardoso Oliveira[14], fazia crer em uma proteção folgada a Pedro Américo que, entretanto, só se manifestou efetivamente durante um curto período da adolescência do artista e, mesmo assim, com limitações.[15] O escritor Luis Guimarães Jr. descrevia, à maneira romântica, as agruras por que passou Pedro Américo em Paris e na Bélgica, e contava que um escritor ou um artista-pintor no Brasil, na ausência de um mercado de arte, atraía contra si todos os raios e infortúnios.[16] Foi o deputado Fernando Osório, filho do então Senador pelo Partido Liberal, o General Osório, quem nos deu em poucas pinceladas as vicissitudes por que passou o artista:
Para pintar o quadro em Florença, o governo concedeu-lhe (por motivo de moléstia) seis meses de licença com ordenado de professor da Academia (isto é, 100$000 mensais) e seis meses com a metade desse ordenado. Antes de partir do Rio de Janeiro em 1873, o artista requereu à Câmara dos Deputados dois anos de licença com ordenado. A Câmara concedeu-lhe somente um com ordenado, sendo outro sem ele; mas a lei não passou no Senado e o artista teve de lutar durante três anos com imensas dificuldades, fazendo face às despesas necessárias à manutenção de sua família, etc., etc., sem desfrutar ordenado nem pensão alguma, não obstante estar em comissão do governo e glorificando a sua pátria. Voltou e pagou o transporte do seu quadro colossal, a asseguração [seguro] da tela a bordo etc. etc. tudo à sua custa. É pois digno da proteção da Câmara e do Governo Imperial.[17]
O que se pode concluir é que não havia nenhuma proteção especial de Pedro II, que às vezes podia ser até perverso: “Em viagem não sou Imperador”, teria dito a Pedro Américo, quando o artista lhe pediu ajuda, durante a exposição da tela em Florençam em 1877, bastante divulgada... e em homenagem ao Imperador.[18] Uma pintura de grandes proporções, como Avahy, pressupunha um investimento de tempo e em materiais caros. A tela de linho, de 10 m x 5 m, não tinha emendas e foi feita segundo uma técnica especial de cerzido invisível, importada de Paris. Além disso, tinha a sofisticada e cara moldura, encomendada em 1874 por 6.000 francos, os chassis de cedro, as tintas estáveis à luz, as fotografias para aides-memoire na pintura, o pagamento aos dois ajudantes, seu irmão Aurélio Figueiredo e Décio Villares; o seguro e o transporte de navio. Tudo era um gasto considerável que necessitava da certeza do retorno desse investimento. O artista contava, certamente, com o apoio dos intelectuais, da imprensa, do general Osório, agora Senador pelo Partido Liberal e, principalmente do seu filho, Fernando Osório, quem de fato fez a defesa em favor do artista na câmara dos deputados, como vimos acima.
Após quatro anos da assinatura do contrato e com o painel terminado antes do prazo, o deputado Fernando Osório, estava advogando para que a Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro entendesse que a quantia a pagar a um trabalho profissional não era “um esbanjamento”, nem “um favor”. Nesse passo o deputado requeria a cópia do contrato entre o governo e Pedro Américo, para que a Câmara analisasse e votasse com urgência a matéria, devido aos gastos feitos pelo pintor no transporte, seguro etc.[19]
Fernando Osório pretendia mostrar aos deputados que não havia mais patronato, mas uma nova prática no trato com uma arte liberal, devendo-se aprovar a verba para que o governo cumprisse a sua parte, pagando o preço combinado por um trabalho profissional, como qualquer outro. Nessa época, o governo pregava uma economia nos gastos públicos, tendo inclusive recusado o convite para a Exposição Universal de Paris, em 1878, devido à “situação financeira”. A imprensa fazia uma condenação aos altos gastos com a arte, tanto à nova forma de exibição da Batalha do Avahy em um Pavilhão rotunda de Panorama em 1877 (entre cinco e sete contos de Réis), quanto ao pagamento da encomenda.[20]
Pedro Américo havia se preparado para essas resistências retomando a estratégia vitoriosa da campanha na imprensa quando da pintura da Batalha de Campo Grande, em 1871. O artista muniu-se, na Europa, de todos os recursos de sua profissão, exibindo todo seu conhecimento técnico do uso das fotografias e dos métodos não oficiais dos Panoramas assim como a solução para o dilema realismo-idealismo. Criou fatos artísticos com a exposição em Florença e procurou dar ampla publicidade na imprensa, pensando, certamente, nesse momento crucial por convencimento das opiniões contrárias à encomenda, quando retornasse ao Brasil.
Como já destacamos, esse material serviu de suporte para o discurso de Fernando Osório na Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro. Pedro Américo esperava mostrar aos deputados do governo e à crítica no Brasil, a excelência e o alto valor incontestável de sua obra, em uma avaliação europeia, para desmontar as intrigas de que as opiniões sobre o painel eram adversas na Europa e sensibilizar os deputados para que liberassem as verbas para a compra da pintura, já que alguns deputados ultraconservadores alegavam não haver dinheiro para remunerar o pintor devidamente.[21]
Pedro Américo diante destas resistências dos deputados certamente contava com que Pedro II fizesse uso de seu “Poder Moderador”, o que permitia o Imperador legislar acima dos poderes da Câmara, como um sábio mediador neutro, capaz de resolver os conflitos entre as facções políticas dos deputados conservadores e os liberais a favor do artista. Mas a resposta, de uma crueldade infantil para quem posava de “protetor das artes” como Pedro II, é que, embora o quadro valesse muito, agora o país precisava “mais de melhoramentos materiais do que de obras-de-arte”.[22] Concordamos com o biógrafo ao concluir que se existisse realmente o efetivo mecenato do Imperador, este seria o momento de fazer a independência do pintor, quando atingia a maturidade artística. No entanto, o que Pedro Américo encontrou foi a ausência do apoio do Imperador e uma torturante hesitação do governo em aceitar a obra encomendada.[23]
Fernando Osório chamava a atenção dos deputados para o admirável fato de que Pedro Américo era um estrangeiro na Itália, representando um país que não gozava “do menor crédito em matéria de belas-artes”.[24] Isto pode explicar o empenho do artista em difundir sua obra para modificar esta opinião, estando certo de que sua arte correspondia a uma contribuição técnica e artística no uso das fotografias para participar do debate conceitual entre realismo e idealismo que movimentava a época. Por isso, tentou reunir o máximo de atenção na imprensa para a inauguração da exposição em Florença, em 1877, com a presença do Imperador Pedro II. Promovia, ao mesmo tempo, uma ampla divulgação do painel nos jornais artísticos e políticos da Itália, Espanha, Alemanha e mesmo no jornal Golo, na Rússia Imperial, contribuindo no debate europeu entre idealistas e realistas, alguns deles traduzidos e transcritos nos jornais do Rio de Janeiro.[25]
Depois de listar e comentar uma longa e significativa relação de jornais, Osório afirmava que em mais de 300 periódicos de todos os países apareceram artigos sobre Pedro Américo. O que se pode perceber é que, além do debate conceitual, havia preocupações mais prosaicas, sinalizando que toda esta campanha publicitária tinha o objetivo de conseguir sensibilizar o governo para uma boa verba para a encomenda da pintura. O jornal Frankfurter Museum, na Alemanha, por exemplo, acabava por revelar que “[...] além do título de Barão, deverá o governo brasileiro remunerar generosamente o autor do quadro [...]”.
A quantidade de periódicos nessa ampla divulgação deve-se ao provável apoio dos intelectuais do movimento maçônico europeu. Pedro Américo era irmão maçom desde 1870 e amigo de Carolina Invernizio, jornalista italiana também participante desse movimento secreto, a qual escreveu dois artigos sobre a pintura da Batalha do Avahy no Monitore dei Teatri, de Milão.[26]
Para a inauguração da exposição do painel em Florença, foi editado um livreto em que o debate entre idealistas e materialistas estava claramente expresso[27], tudo para exibir uma aceitação pública e documentada sobre o artista na Europa, com o objetivo de influir nas decisões do júri no Brasil sobre o pagamento da encomenda. Exibindo como triunfo simbólico do artista brasileiro no estrangeiro, Pedro Américo trazia ao Brasil um ofício do diretor das Reais Galerias e Museus de Florença (datado de 27 de junho de 1877), onde agradecia o retrato autógrafo enviado pelo pintor e que seria colocado “na insigne coleção dos retratos dos antigos mestres da pintura que se admiram na Real Galeria dos Ofícios (Ufizzi)”.
Nesta recepção entusiástica do painel da Batalha do Avahy, pode-se observar que a linguagem mais usada nos jornais europeus exibidos por Osório, mostrava o que a época esperava encontrar em uma obra-de-arte de Pintura de História: valorizar a visão de um artista-filósofo que conseguisse agregar em uma mesma obra, tanto a precisão magistral da verdade - que identificamos como sendo o uso de fotografias para pintar, com realismo, as formas na representação do movimento -, quanto temperar com a unidade da composição, o espírito sublime e a expressão da vida, que os articulistas julgavam estarem contempladas na pintura da Batalha do Avahy.
O sucesso da exposição individual da Batalha do Avahy em uma rotunda-Pavilhão de Panorama, em 1877[28], e da intensa polêmica artística, em 1879, durante a Exposição Geral na Academia no Rio de Janeiro, acabou por granjear muitos discípulos a Américo, mas igualmente muitos inimigos, que passaram a se opor à realização, no Rio de Janeiro, do projeto de um outro painel oferecido ao governo sobre a Batalha de 24 de Maio, em homenagem ao general Osório, também idealizada em 1872, e com as mesmas dimensões da Batalha do Avahy (5m x 10 m), cujo prazo de execução seria de cinco anos.[29] Pedro Américo queria aproveitar a ampla difusão da exposição para oferecer o novo projeto e para conseguir a aprovação ainda em 1877, da verba de 40.000$00 destinada para a compra da Batalha do Avahy pelo governo imperial do Rio de Janeiro. Porém, convencido de que o governo da capital não iria patrocinar outro painel de pintura histórica, desanimado e adoentado, Pedro Américo desistiu momentaneamente do projeto e embarcou para a Europa, pedindo a demissão de professor da Academia Imperial, negada pelo Imperador Pedro II.
Em Florença, Pedro Américo já imaginava uma nova estratégia para provocar uma encomenda para a realização do painel. A sua filosofia liberal, da “livre-iniciativa”, lhe havia granjeado a fama de interesseiro, pelo simples fato de recusar o sistema de patronato, criando projetos de arte e buscando patrocínio para sua realização, prática comum hoje em todas as áreas artísticas. Pois foi em busca desse patrocínio para sua obra que, em maio de 1878, o pintor enviou, de Florença, uma circular aos presidentes das províncias propondo então uma subscrição pública para a feitura do painel. Um jornal de São Paulo, o Correio Paulistano, noticiava que a nova proposta teria um custo mínimo de 60.000$000 (sessenta contos de réis) e que, para a realização do painel, seria necessária a aquisição de inúmeros objetos que caracterizassem o fato histórico, como fardas, apetrechos bélicos da época e mais: entre os inúmeros utensílios, estava a necessidade de fotografias.[30]
A estratégia não deu certo: somente três ou quatro responderam à proposta de Pedro Américo e apenas o presidente do Amazonas enviou a quantia de setecentos mil réis, devolvidos pelo artista. Pedro Américo chegou mesmo a oferecer gratuitamente, ao governo, a pintura do painel, desde que lhe fossem dados os materiais. Nem mesmo esse oferecimento foi aceito, tendo o governo alegado falta de verba.[31]
O fato é que as encomendas escasseavam no Rio de Janeiro, única cidade onde Pedro Américo poderia facilmente encontrar trabalho. Voltara-se com esperança para as províncias, oferecendo a pintura de duas telas comemorativas sobre a abolição da escravatura, tema bastante caro ao artista e à sociedade do Ceará e do Amazonas, primeiros a libertarem seus escravos; mas as negociações aí também naufragaram.
Os temas bélicos, heroicos, comemorativos de grandes acontecimentos sociais, davam lugar, nos anos oitenta, à corrente oposta à arte que praticava Pedro Américo, desde 1870. Essa corrente era a favor da “arte moderna nacional” das paisagens, e os dramas eram as cenas burguesas dos Arrufos [Figura 4], de Belmiro de Almeida (1858-1935), ou os nus sensuais de Rodolfo Amoedo (1857-1941). Desgostoso, Pedro Américo teve de abandonar momentaneamente os projetos de painéis de pintura histórica e voltou-se para a pintura de cavalete, pintando mais de onze telas, entre elas as alegorias da Noite [Figura 5], o orientalismo provocante, sensual e audacioso de David e Abisag [Figura 6], e a segunda versão de A Carioca [Figura 7], expostos na Exposição Geral da Academia de 1884, a última do Império.[32]
Ainda com dificuldades em relação aos indecifráveis arcanos dos bastidores do poder no tocante às encomendas, Pedro Américo, em Florença, foi informado por amigos da construção em São Paulo do palácio “Monumento do Ipiranga”. Segundo a pesquisadora e professora Cecília Helena de Salles Oliveira, o artista, voltava em dezembro de 1885 ao Brasil para propor a criação de uma pintura histórica para celebrar a Independência do Brasil, no episódio de 7 de Setembro de 1822. Pedro Américo, com sua “livre iniciativa” de artista liberal em busca de trabalho, procurou em São Paulo o Barão de Ramalho, Presidente da Comissão das Obras do Monumento, para se comprometer a pintar “um quadro histórico comemorativo da Proclamação da Independência”. Salles Oliveira desvenda todo o encaminhamento do contrato entre o artista e a Comissão, mas também não esquece de expor os bastidores que dificultaram mais uma vez a encomenda aparentemente fácil a Pedro Américo. Um ponto importante a destacar da sua pesquisa, é que a Comissão das Obras do Monumento depois de receber a proposta do pintor e ouvir as ponderações do presidente da província, o Conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira - o mesmo que fez a encomenda da Batalha do Avahy a Pedro Américo, em 1872 - decidiu que não deveriam ser destinados recursos para uma “obra de luxo” e que diante da “falta de fundos” o mais acertado naquele momento era esperar “o correr das obras”: “[…] Pedro Américo não se deu por vencido e buscou em relações pessoais e de favor o respaldo para garantir a encomenda”.[33].
Depois de muitos contratempos e em busca de apoios políticos e da imprensa como o periódico republicano A Província de São Paulo, o artista conseguiu, em 14 de janeiro de 1886, assinar o contrato com o Conselheiro Joaquim Inácio de Ramalho Presidente da Comissão do Monumento do Ipiranga, para pintar o painel Independência ou Morte. A pintura deveria ser concluída em três anos, entre 1886 e 1888 com dimensões de 8 metros e quarenta cm de largura e 4 metros e 90 cm de altura. Segundo as fontes que Salles Oliveira consultou, o artista era obrigado “...a fornecer todo o material necessário para a execução incluindo a moldura e a entregá-lo colocado no prazo máximo de três anos. O valor a ser pago foi calculado em 30 contos de réis e o artista no ato da assinatura do contrato, recebeu 6 contos de réis para iniciar estudos e atividades preparatórias”, entregando o painel em 14 de julho de 1888 em São Paulo.[34]
Considerações finais
Pedro Américo, com a encomenda da Batalha do Avahy e seus desdobramentos, representava a nova pintura brasileira, assumia seu papel de artista-filósofo, pintor “genial”, moderno, atualizado com os problemas artísticos da época. O artista catalizava as atenções para as inovações possíveis em uma pintura histórica de então. Elas apareciam com o uso da fotografia que substituiu em parte o modelo vivo, inovava na composição como um friso extenso em um arabesco variado, sem a convencional rede linear geométrica acadêmica. A deslumbrante representação delirante do movimento real, em cenas sucessivas, como a fotografia de uma narrativa cinematográfica nos dias de hoje. Pedro Américo impunha uma atmosfera mais colorida do que os esperados e convencionais claros e escuros; a manutenção de um pathos romântico da epopeia militar, como queriam Baudelaire e Delacroix, diferençando a Batalha do Avahy tanto das pinturas de história dos Salons acadêmicos franceses, mais realistas e fotográficas, quanto das pinturas narrativas idealizadas, anteriores à fotografia.
Estas inovações só não foram percebidas como avançadas porque se deram dentro do sistema prático da Pintura de História, mantendo uma suave continuidade, sem recusá-lo totalmente. Elias Saliba, em seu estudo sobre as utopias românticas dos anos 1820-1830, observou que a produção, nessa época, ao tentar romper com a tradição artística, sem deixar de falar a sua própria língua, “[...] era como fazer um esforço enorme para apenas balbuciar seu tempo sem exprimi-lo”.[35] Herdeiro da expressão do romantismo, próximo à Eugéne Delacroix, e em oposição à Ingres, Pedro Américo mantinha os valores da imaginação, aliados a uma descrição fotográfica do movimento. Dessa forma, continuava com os mesmos códigos da pintura histórica mimética e analógica, e enredava-se, como os românticos, nos meandros do “já visto”, sem que seu colossal esforço por “emancipar a arte brasileira”, significasse um anúncio para o futuro da nova e moderna “escola brasileira de pintura” do séc. XX. No entanto, pode-se dizer, que Pedro Américo encerrava, com evidente sucesso, a primeira tentativa de modernização da arte da pintura de história no Brasil no século XIX.
A obra de Pedro Américo foi, durante toda a década de 1870, de maneira conflitante e combativa, o que havia de mais moderno, vital e atualizado no universo cultural da grande arte da pintura de história. Durante mais de trinta anos de intensos conflitos profissionais e artísticos, essas mudanças internas na pintura de Pedro Américo foram suficientes para causar um espetáculo visual e muita polêmica. Dentro da “familiaridade do já visto”, sem romper totalmente com os cânones da pintura de história, foi acrescida a novidade desejada da extrema habilidade na representação descritiva do movimento, a partir da fotografia.
Esse realismo fotográfico descritivo, interagindo com a representação de ações significativas e somado à forma espetacular de exibição de uma obra-de-arte fizeram uma grande diferença. Instalando a tela em um Pavilhão de Panorama, construído especialmente para a exposição do painel da Batalha do Avahy, o pintor seguiu os novos métodos técnicos de exibição em busca de um público mais vasto, que dificilmente iria às exposições da Academia.
Desta forma, apesar dos infortúnios das encomendas, Pedro Américo provava ser um pintor da vida moderna, como defendia Baudelaire, praticando uma pintura contrária a um academismo seiscentista e neoclássico. As escolhas dos temas eram atuais, recentes, pintados como instantâneos fotográficos e sem nenhuma alegoria encontrada na pintura neoclássica. A forte presença da história não permitiu ao pintor esquecer a lição das formas herdadas dos artistas seus contemporâneos ou os que o precederam: Géricault, Delacroix, Horace Vernet, Yvon, Gérome, mas também dos pintores dos Panoramas de batalhas, Langlois e Philippoteaux, que faziam, à sua maneira, a História contemporânea.
No final do século XIX até meados do século XX, diante das provocadoras propostas idealistas, anti-miméticas e anti-pintura de história, da pintura de cavalete, os pintores de história podiam competir com respeitoso profissionalismo, exibindo a “perfeita ilusão” da técnica mimética e poética, sendo premiada nos Salons, recebendo encomendas oficiais e suas obras celebradas e disputadas por uma clientela do poder político, prelados, acadêmicos; aristocratas e a alta burguesia, que pagavam caríssimo por uma pintura do mestre de Van Gogh e Toulouse-Lautrec, Fernand Cormon (1845-1924), de Meissonier (1815-1891) ou de Léon Bonnat (1833-1922), os “picassos” e “matisses” da época.
* VLADIMIR MACHADO DE OLIVEIRA é pintor, com várias exposições nacionais e internacionais, e Professor Dr. Adjunto no Curso de Pintura da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. É autor da tese de Doutorado Do esboço pictórico à rotunda dos Dioramas: a fotografia na pintura de batalhas de Pedro Américo. Orientação do Professor Dr. Elias Thomé Saliba, FFLCH-USP, 2002.
[1] O jornal A Reforma, órgão oficial do Partido Liberal em 14/11/1871, na Crônica Geral, publicava a condecoração de Pedro Américo como Oficial da Ordem da Rosa. Em nota manuscrita, Pedro Américo escrevia: “Este artigo foi transcrito do Jornal do Commercio, que o tinha tirado do Diário Oficial. Foi publicado em todos os jornais”.
[2] Alvará de D.Pedro II de nomear Pedro Américo Pintor Histórico de sua Imperial Câmara, em 4-06-1872. Documento. manuscrito com carimbo em relevo da Mordomia-Mór da Casa Imperial, com o seguinte teor, escrito a bico-de-pena: “Eu, o Imperador Constitucional e defensor perpétuo do Brasil, Faço saber a Nicolas Antonio Nogueira Valle da Gama, do meu Conselho, Gentil Homem de minha Imperial Câmara e que servis de meu Mordomo-Mór, que atendendo ao que me representou o Dr. Pedro Américo de Figueiredo e Mello, Hei de por bem Nomeá-lo Pintor Histórico da minha Imperial Câmara. Dado no Palácio do Rio de Janeiro em 4 de Junho de 1872, quinquagésimo primeiro da Independência e do Império. No verso estão o registro do Alvará: “Na Secretaria da Mordomia-Mor e Fichamento da Casa Imperial, fica registrado este Alvará à folha 116 do livro 9 ..Ass. o Oficial da Secretaria, Luis Martins Pinheiro”, e o pagamento de 28$800 (vinte e oito mil e oitocentos réis) de Emolumentos. Arquivo do IHGB.
[3] VANLIER, Henri. Las Artes del Espacio: Pintura, Escultura, Arquitetura, Artes Decorativas. Buenos Aires, Argentina, 1963, p.121 (Tit. Original: Les Arts de L’Espace).
[4] GUIMARÃES, Argeu. Auréola de Vitor Meireles. IHGB e Conselho Federal de Cultura, RJ, 1977, p.94.
[5] Cf. MELLO JUNIOR, Donato. Temas Históricos. In: Victor Meirelles de Lima, 1832-1903. vv. autores. Rio de Janeiro: Editora Pinakotheke, 1982, p.88.
[6] É bem provável que Pedro Américo tenha se recusado a pintar o tema de uma guerra colonial - aceito por Vitor Meirelles -, preferindo uma guerra moderna, ocorrida quatro anos antes da encomenda, já com a intenção de utilizar as inovações do uso da fotografia e dos Panoramas para pintar.
[7] A Vida Fluminense, em 24/02/1872, resenhava a biografia de Pedro Américo, de L. Guimarães Jr., e informava que o pintor já esboçava “três grandes composições, das quais uma já está delineada - A Rendição de Uruguaiana. As outras duas são a Batalha do Avahy e a de 24 de Maio. Os esboços dessas grandiosas telas são destinados aos ‘Quadros históricos da Guerra do Paraguay’”.
[8] MELLO JUNIOR, Donato. Op.cit., 1982, p.88. Conforme documento no Arquivo Nacional, o pesquisador afirma que Vitor Meirelles recebeu dez contos de réis adiantados e o restante seria pago quando terminada a encomenda no prazo de cinco anos.
[9] VASARI, Giorgio. Analise crítica da Batalha de Campo Grande e do Combate do Riachuelo, dos distintos mestres Dr. Pedro Américo e Commendador Victor Meirelles, pela sombra de Giorgio Vasari. Rio de Janeiro: Typografia Laemmert, 1872.
[10] Cf. SQUEFF, Letícia. O Brasil nas letras de um pintor: Manuel de Araújo Porto-alegre (1806-1879). Dissertação de Mestrado, FFLCH, USP.Orientação Prof. Dr. Elias Saliba,USP, 2000, p.69.
[11] “[...] os gastos com pensionistas representaram sempre rubrica muito pouca onerosa no conjunto dos dispêndios da casa imperial. Segundo dados do balancete relativo a 1857, publicado por Auler, as pensões e as aposentadorias somavam cinquenta contos de réis, exatamente o mesmo valor gasto com o verão da família real em Petrópolis e menos da metade dos cento e vinte contos despendidos com suas cavalariças”. DURAND, J. Carlos: Arte Privilégio, Distinção. São Paulo: Ed. Perspectiva-USP, 1989, p.19.
[12] ROSEMBERG, Liana Ruth Bergstein. Pedro Américo e o olhar oitocentista. Rio de Janeiro: Barroso Edições, 2002, p.38
[13] Liana Rosemberg dá uma grande contribuição com sua pesquisa, já editada em livro aqui citado, tendo consultado os raros arquivos da família do pintor em Florença, mas insiste em manter o mito do “bolsinho do imperador”, mesmo quando cita um artigo em que um articulista-professor em Dresden escrevia que Pedro Américo sabia que o imperador era “...muito liberal em condecorações,etc.,mas não em dinheiro” (Arquivo Adelina di Montesi i Figueiredo. Florença apud ROSEMBERG, Liana. Op. cit., p.41.
[14] OLIVEIRA, J. M. Cardoso. Pedro Américo sua vida, suas obras. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943, p.144.
[15] Pedro Américo, em uma carta manuscrita enviada ao Imperador Pedro II, em 6 de janeiro de 1862, reclamava de que o mordomo Paulo Barbosa tinha reduzido sua estadia em Paris de cinco anos para três, e que devia voltar ao Brasil (Arquivo do MIP-RJ). Conseguindo prorrogar sua estadia, Pedro Américo dizia, com humor, que preparava-se para pintar “um S. Paulo - imenso - se chegar o dinheiro - microscópico - se a bolsa não tiver aumento” (Carta enviada de Paris a Victor Meirelles, em 6 de maio de 1864, CARLOS RUBENS. Pequena história das artes plásticas no Brasil. São Paulo: Ed. Cia. Editora Nacional, 1941, p.173. Segundo Lincoln Martins, por iniciativa da Assembleia Legislativa Provincial da Paraíba, em 3 de novembro de 1863, somada à pensão microscópica de Pedro II, era oferecida ao artista uma pensão de um conto de réis, “para concluir seus estudos de Belas-Artes na Europa”. MARTINS, Lincoln. Pedro Américo: Pintor Universal. Edição Gov.do Estado da Paraíba/Fundação Banco do Brasil,1994, p.35.
[16] Cf. Cf. GUIMARÃES JR., Luis. Pedro Américo. Rio de Janeiro: Editores Henrique Brown e João de Almeida, Gráfica do jornal A República, 1871, p .67.
[17] OSÓRIO, Fernando. Discurso sobre a Batalha do Avahy. Rio de Janeiro: Editora Villeneuve, 1877, p.28-29. Pedro Américo, em carta datada de 27 de abril de 1877, enviada da Itália, comunicava ao Ministro do Império que estava enviando pelo navio Esther que partiria de Gênova em 10 de Maio, “[...] cinco caixas com a tela e a moldura da Batalha do Avahy”, e solicitava o ressarcimento da quantia de 2.810$000 réis (dois mil e oitocentos e dez réis), gastos com o transporte. Cf. ROSEMBERG, Liana. Op. cit., p.42,
[18] MARTINS, Luis. Op. cit., p.72.
[19] OSÓRIO, Fernando. Op. Cit., p.29. Cf. o Diário Oficial de 31/08/1877, RJ, ano III, nº241, p.1.
[20] Cf. Diário Oficial, S.F. 05/08/1877, p.2. Ver também Gazeta de Notícias, 1877, p.2.
[21] OSÓRIO, Fernando.1877, p.3-25.
[22] Depoimento de Pedro Américo a Cardoso de Oliveira, em 1888. Cf. OLIVEIRA, Cardoso. Op. cit., p.146. Digo cruel, porque nesta data o imperador, sábio e culto, mantinha quase 80% dos seus súditos analfabetos (segundo o censo de 1876 a taxa geral de analfabetos era de 78,11%. Fonte: Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Disponível em: <www.ethos.org.br>)
[23] OLIVEIRA, Cardoso. Op.cit., p.146.
[24] OSÓRIO, Fernando. Op. cit., p.11.
[25] Seguem-se artigos nos jornais Arte di Roma (16 mar. 1877); Itália Artística; Firenze Artística (7 mar. 1877), Revista Italiana (18 set. 1877), Nazione, O Corriere, Paese (31 mar. 1877), Gazeta di Italia, Perseveranza (11 mar. 1877), O Direito de Roma e o Renascimento. (Veneza, 10 a 13 mar. 1877). No seu discurso, Osório destacava que os jornais políticos como Gazeta di Italia, “...o periódico mais conceituado da península”, dedicava a Pedro Américo “um grande e eloquente folhetim - Vida de um Grande Artista - de duas páginas, a primeira à biografia e a segunda às obras do nosso compatriota...” (OSÓRIO, Fernando. Op. cit., p.12-14). No Rio de Janeiro, A Gazeta de Notícias de 4/10/1877, p.2, publicava, a pedidos, o artigo “A Batalha do Avahy, Grandioso quadro do Dr. Pedro Américo, transcrito do Opinione Nazionale, de 8 março de 1877”.
[26] ROSEMBERG, Liana. Op. cit., p.42. No jornal Monitore dei Teatri di Milano, de 5 jan. e 12 jan. 1877, Invernizio escreveu que Pedro Américo, pela grandeza do seu gênio, estava atraindo a atenção de toda a Europa apresentando-se “[...] na arena dos combates terríveis, para derrubar com seu indomável engenho os ídolos da convenção e os preconceitos do realismo”.
[27] As ideias científicas positivistas de que as obras-de-arte eram produtos da secreção do cérebro, ou resultados da vida vegetativa, estavam sendo vencidas, diante da visão da Batalha do Avahy, considerada “um grandioso quadro, produto extraordinário do espírito humano”. BECHERUCCI, Francesco. Itália e Brasile - Ilustrazione del Quadro La Battaglia di Avahy, dell’insigne pittore - Pedro Américo. Firenze, 12/02/1877. Tipografia Editrice dell’Associazione, p.13. Opúsculo dedicado ao Imperador Pedro II, editado para a exposição da Batalha do Avahy, em Março de 1877, em Florença, Italia. Arquivo MNBA.
[28] Ver MACHADO,Vladimir. Projeções Luminosas e os métodos fotográficos dos Panoramas na pintura da Batalha do Avahy (1875-1876): O “espetáculo das artes”. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 1, jan. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_pa_avahy.htm>
[29] OLIVEIRA, Cardoso. Op. cit., p.128.
[30] Citado por GRANGEIRO, Cândido Domingues. As artes de um negócio: a febre photographica - S.Paulo: 1862-1886. Campinas, SP. Mercado das Letras, São Paulo, Fapesp. Coleção Fotografia: Texto e Imagem. Coord. Anna Teresa Fabris e Yvoty Macambira, 2000, p.32. Para os pesquisadores que ainda hoje insistem que Pedro Américo não se apropriava de fotografias para pintar, podemos constatar neste anúncio, em um jornal de ampla divulgação, a franqueza com que o pintor tornava público o uso de fotografias para servir de modelos.
[31] OLIVEIRA, Cardoso. Op.cit., p.130.
[32] Mesmo assim, surgiram obstáculos intransponíveis e complicados para que o governo adquirisse as telas, as quais acabaram ficando dois anos na Academia, sem nenhuma solução. Só em 1886, o governo comprou os onze quadros, por 28.000$00, pagando-as em cinco prestações anuais. Cf. OLIVEIRA, Cardoso. Op. cit., 1943, p.142-47. Apesar desses obstáculos, é de se admirar o governo imperial que investia em obras de arte, prática que está ausente de nossos museus de arte que os governos contemporâneos administram, com raras aquisições, preferindo receber no seu acervo obras de arte por doações.
[33] Para mais detalhes, sobre as vicissitudes desta encomenda remeto ao brilhante e exaustivo trabalho da Professora. Dra Cecília Helena de Salles Oliveira: Nos Bastidores da Cena: O Brado do Ipiranga: Apontamentos sobre a Obra de Pedro Américo e a Configuração da Memória da Independência. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles; MATTOS, Claudia Valladão (orgs.). O Brado do Ipiranga. São Paulo: Editora da USP, 1999, p. 63-76.