A migração da arte pictórica europeia para a imprensa brasileira
no final do século XIX
Luiz Marcelo Resende
RESENDE, Luiz
Marcelo. A migração da arte pictórica europeia para a imprensa brasileira no
final do século XIX. 19&20, Rio de Janeiro, v. XII, n. 2, jul./dez. 2017. https://doi.org/10.52913/19e20.xii2.08
* * *
1.
Partindo-se do pressuposto de Walter Benjamin (1985, p. 166) de que, em sua essência, a obra de arte
sempre foi reprodutível pelas razões mais diversas, e que é de sua natureza a
comunicação entre o autor e o público, podemos afirmar que foi a imprensa a
criadora de uma sistematização formal de réplicas como nenhum outro modelo
anteriormente criado. No século XV, ainda bem antes da invenção de Gutemberg, a
xilografia permitiu a produção de desenhos em simulacro. Cópias idênticas
colocadas diante dos olhos do público já anunciavam o que quatro
séculos mais tarde se aplicaria a todo o universo de objetos criados
pela máquina. Inúmeras implicações sociais então decorreriam desse fenômeno
(BAUDRILLARD, 1993, p. 55), mas, para o presente artigo, será apresentado um
recorte que enfoca o fenômeno no ponto de vista da arte pictórica quando na
segunda metade do século XIX se traduz em cópias incontáveis através da técnica
da xilogravura.
2.
O período oitocentista
significou para o Ocidente a consolidação de uma nova sociedade surgida no fim
do Antigo Regime europeu. Com a decadência das monarquias e o surgimento da
sociedade burguesa, a iconografia pictórica ressurge em funções diversas às do
mecenato aristocrático e religioso. As conotações divinas embutidas na estética
pré-iluminista foram substituídas pela essência humanista da revolução burguesa , fazendo com que esses cânones absolutistas e
católicos, entrelaçados e distanciados dos demais segmentos sociais, cedessem
lugar a simbolismos mais terrenos, representados na pintura sob o academismo
decorrente das técnicas renascentistas (SENNETT, 1988, p. 191). O modelo ideal
de representação artística adotado foi o modelo clássico da Grécia antiga, que
não teria vínculos com a história das monarquias nem ao legado cristão na
concepção tradicional da Igreja Romana (BAEZ, 1986, p. 7).
3. O
Neoclassicismo, surgido na primeira metade do século XVIII de uma reação ao
Barroco e ao Rococó, retomou valores mais simples de representação pictórica,
enfatizando a razão e recuperando elementos da cultura ocidental clássica. Esse
estilo marcou uma ruptura, ainda que lenta, na tradição artística na medida em
que o racionalismo começou a predominar nas sociedades europeias e nos Estados
Unidos. O crescimento do protestantismo e o enfraquecimento do mecenato
aristocrático contribuíram para temáticas mais mundanas, onde a vida cotidiana
das pessoas comuns passou a predominar na temática da pintura. Paralelamente a
isso, o gosto pela cultura da antiga Grécia crescia entre setores mais
intelectualizados reafirmando a estética helênica. A medida em que o século
avançou, esses modelos se solidificaram nas formas de representação a ponto de
serem considerados estilos que melhor traduziam o espírito da racionalidade.
Com a chegada de Napoleão ao poder, o estilo Neoclássico na arquitetura
tornou-se o estilo do Império
(GOMBRICH, 1979, p. 378). Com as Revoluções políticas e sociais que percorreram
na esteira dos anos, as representações seculares cada vez mais caíram no gosto
popular, influenciando a produção gráfica na imprensa cotidiana. A crescente
circulação de imagens permitida pelos avanços tecnológicos e pelas novas formas
de organização da produção industrial contribuíram para uma maior popularidade
de uma imprensa que se diversificava, definindo grupos de consumidores cada vez
mais letrados. As imagens que se difundiram nos lares das classes médias em
muito serviram de modelo, enriquecendo o imaginário coletivo. Indivíduos de
tendências diversas - republicanos, socialistas, todos os tipos de liberais -
perceberam na gravura um meio de instrução e de melhoramento do gosto e da
moral das classes populares (KAENEL, 2005, p.95).
4. Após a
derrota de Napoleão Bonaparte, a Corte portuguesa recebeu muitos artistas
franceses que por esse motivo agora estavam sem trabalho. Esse conjunto de
artistas e técnicos, contratado em 1816, conhecido
como ‘Missão Artística Francesa,” recebeu a função de atualizar o gosto e a
técnica do novo “império” português, que desde 1808 ocupou seu território
além-mar em condições geográficas bastante adversas. Entretanto, esse grupo
trazia uma concepção de arte e de organização espacial que “correspondia à Europa da razão burguesa,
contemporânea da Revolução Industrial e da liberação do trabalho” (SANTOS, 2007, p.36). A forte ligação
aos modelos estéticos franceses como determinantes do que se entendia como bom
gosto se explica pelo modo como a monarquia francesa deu proteção às artes
fazendo com que o gosto estético se tornasse um componente essencial para a
representação do Estado. A proteção dada às artes desde o século XVII, e que
fundou academias sob a direção de Colbert, ministro de Luís XIV, acabou
firmando as arets francesas como modelo para Europa
(NEEDELL, 1993, p.175).
5.
São muitas as razões que
poderiam explicar o fascínio dos brasileiros pela tradição francesa. A Corte
portuguesa viu-se em condição privilegiada nesse acolhimento artístico que deu
nova forma a cidade do Rio de Janeiro, construindo parques, chafarizes,
monumentos, retratando a aristocracia em pinturas e impondo um gosto refinado à
ex-colônia. Além disso, esse capital cultural foi responsável pela criação da
Academia Imperial de Belas Artes, que transmitiu o conhecimento da técnica e o
bom gosto para os brasileiros.
6.
Na Europa, com o passar dos
anos, o Neoclassicismo passou pelas transformações estéticas necessárias a uma
pintura oficial de Estado. Essas representações pictóricas oficiais abrangeram
temas seculares através do realismo figurativo. Os temas variados refletiram a necessidade da imposição do discurso
onde a verdade material era confirmada com as recentes descobertas em todos os
campos do saber. A pintura conhecida como pompier, trouxe aos olhos do
público imagens não apenas dos interiores burgueses, das famílias abastadas e
das conquistas materiais do capitalismo, mas retratou o exotismo resultante do
contato do europeu com o Oriente, o ambiente camponês, o cotidiano das classes
oprimidas e da religiosidade dentro de enfoques que davam uma maior
materialidade ao textos sagrados, à mitologia grega e
aos discursos lendários. O espírito científico contaminou a representação
conduzindo a leituras mais humanistas permitidas pela disseminação da
fotografia e de muitos recursos óticos que se popularizaram no período
reconstruindo o olhar do cidadão durante os Oitocentos.
7. Essas
formas de representação encontraram uma grande receptividade no gosto médio da
sociedade massificada. Entretanto, os pintores que mais se destacaram nesse
estilo são nomes que hoje não figuram entre os mais notáveis no século XIX
(BAEZ, 1986, p. 9). Nas últimas décadas desse século, o Impressionismo ainda
não tinha sido bem recebido pelas massas e a pintura realista foi aceita como a
expressão mais oficial dos centros urbanos, por estabelecer esse contato visual
que ainda funcionava como propagador das recentes mudanças no mundo material.
William Bouguereau, Alexandre Cabanel, J. L. Gérôme, E. J. H. Vernet, L.
Cogniet, J. L. E. Meissonier, Alfred-Philippe Roll estavam entre os que
receberam reconhecimento oficial, mas muitos outros artistas fora da França
também se destacaram com suas obras como os alemães Adolf von Menzel, Fritz
Karl Hermann von Uhde, o inglês Alfred-Philippe Roll, George Adolphus Storey,
além de italianos, portugueses, espanhóis, russos, poloneses etc. No Brasil, a
Academia Imperial de Belas Artes ofereceu residências artísticas através de
bolsas aos estudantes mais destacados no período do Segundo Reinado. Vítor
Meireles, Pedro Américo, Almeida
Júnior, Rodolfo Amoedo, Belmiro de
Almeida e Eliseu Visconti completaram a formação na Europa nos ateliês
de reconhecidos mestres.
8.
Durante o século XIX, na
Europa, a imprensa ilustrada também se organizou ao perceber que a imagem
tornava o produto impresso mais receptivo, inclusive para os contingentes menos
letrados. A imagem combinada ao texto contribuiu para novas formas de leitura.
O encontro de texto e imagem na narrativa passa a ser visto como uma linguagem
fomentadora da indústria cultural. Esses encontros tecnológicos aproximaram
métiers, criaram novas profissões e remodelaram a
indústria gráfica. Com a melhoria nos sistemas de transportes e nos sistemas de
entrega como um todo, a imagem circulou através da imprensa num período ainda
antes da fotografia ser inserida nas composições gráficas. A fotografia serviu
de apoio para muitas representações a partir dessa época, mas o que permitiu a
divulgação da arte pictórica na imprensa periódica durante a segunda metade dos
oitocentos foi a xilogravura industrial.
9.
Essa técnica de impressão em
relevo, mais antiga que a impressão de tipos móveis, se organizou na sua
produção para poder alcançar os pontos geográficos mais remotos em períodos
curtos e regulares. A imprensa periódica, através de uma profunda organização
nos moldes industriais - isso é, na produção segmentada -, revolucionou a
difusão imagética renovando com maior frequência a informação visual que agora
era consumida de forma tão descartável quanto o seu próprio suporte. As artes
visuais impressas em papel representaram uma forte contribuição para a cultura
visual massificada dos povos, com conteúdos variados e dentro de uma estética
voltada para a informação visual, mesmo entendendo que essa receptividade se
daria nos contextos mais diversos de cada público. De qualquer forma, a
simultaneidade da recepção de imagens idênticas já apresenta o embrião da
massificação que se consolidaria no século seguinte numa cultura da imagem.
A revolução da xilogravura industrial
10.
Em 1860, o inglês Charles
Wells, inventou um método de produção de matrizes xilográficas que as
segmentava em tacos. A imagem passou a ser produzida em partes, por grupos de
entalhadores, pois a divisão em tacos diminuía o tempo de preparação da matriz
em relevo [Figura 1]. A segmentação do trabalho seguia a lógica da eficiência
industrial. Segundo Orlando da Costa Ferreira (1994, p.44), na face posterior
de cada bloco faziam-se cavidades oblongas que permitiam comunicação com peças
vizinhas. Por meio dessas cavidades as peças eram ajustadas com parafusos que
uniam vários blocos de madeira. Esse método tinha a vantagem de permitir que
esses tacos fossem distribuídos entre os diversos gravadores para que gravações
fossem concluídas mais rapidamente. Segundo uma edição comemorativa do
centenário do jornal francês L’Illustration (L'ILLUSTRATION, 1987), a produção de uma imagem dessas poderia
ser concluída em até 48 horas, com turnos revezados de trabalho; de dia, os
gravadores trabalhavam próximos a grandes janelas sob uma luz natural difusa e,
à noite, outros grupos se reuniam em torno de mesas circulares, onde lamparinas
envoltas em globos cheios de água garantiam uma perfeita iluminação para esse
trabalho.
11.
Mas o que garantiu a
possibilidade de grandes tiragens não foi apenas essa segmentação em tacos,
pois apenas uma matriz feita em madeira não seria capaz de reproduzir milhares
de cópias simultâneas dentro dos prazos curtos da imprensa periódica. Para que
essas matrizes aguentassem altas tiragens elas não poderiam ser conduzidas para
o papel a partir de uma única matriz de madeira, mas sim de suas réplicas
feitas em finas chapas de cobre. Desde o início da imprensa europeia já eram
conhecidas impressões em relevo feitas a partir de metal. Foram elas que
permitiram a multiplicação dos tipos metálicos utilizados na composição dos
textos por Gutemberg. Na segunda metade do século XIX, essas matrizes foram
multiplicadas a partir de moldes em gesso que em seguida formavam chapas
metálicas idênticas às superfícies dos blocos de madeira.
12.
Essa técnica de “politipagem”
em grandes imagens foi inventada na França em fins do século XVIII e
espalhou-se durante o século seguinte, o que permitiu uma verdadeira
proliferação de imagens por todo o mundo, somente superada pela impressão
fotográfica em máquinas rotativas, que se consolidariam no final do século XIX.
Essas estereotipias eram negociadas para as diversas tipografias, reproduzindo
imagens idênticas às provenientes das matrizes de madeira. Segundo Ferreira
(1994, p. 208), no Brasil as primeiras estereotipias importadas chegaram ao
porto do Rio de Janeiro em 1836, mas a circulação de periódicos ilustrados se
intensificou na segunda metade desse século dando uma maior rotatividade a esse
consumo de imagens impressas.
13. É bem
verdade que com o aparecimento da fotografia as artes visuais sofreram um
impacto que provocou mudanças na forma de se produzir imagens e também na técnica e na divisão do trabalho das gravuras.
Uma série de inovações se utilizaram da fotografia, antes mesmo que ela fosse
factível de ser impressa em papel. De acordo com Kaenel (2005, p. 103), a
partir da década de 1870, os grandes jornais passaram a fazer o que o inglês Illustrated London News já vinha fazendo
desde a década anterior: a fotoxilografia, que consistia em ampliar a
fotografia num bloco de madeira coberto com uma camada de nitrato de prata
(composição química sensível a luz e responsável pela gravação das imagens
fotográficas) e que serviria de guia para os entalhadores. Essa técnica revolucionou
a produção de xilogravura, pois a atrelou ao fac-símile fotográfico, permitindo
assim que inúmeras pinturas fossem convertidas para essa técnica. A partir
dessa década, a fotografia serviu de guia para as diversas artes visuais, mais de forma alguma as substituía. Porém, diversos artistas
não deixaram de protestar sobre o papel da técnica que, segundo se dizia, era
uma ameaça a criação de uma forma geral com a sua representação objetiva. Por
outro lado, ela foi uma ferramenta para a produção das imagens comum nas
últimas décadas do século XIX como podemos observar na produção da pintura
realista e na aplicação da litografia que ficou conhecida como fotolitografia,
descoberta por Louis-Alphonse Poitevin em 1855. A fotografia normatizou o
sentido da visão de certa forma, suprimindo todas as especificidades das obras
que se utilizavam dela, fazendo com que perdessem um pouco suas identidades
intrínsecas (KAENEL, p.103).
14. O
Brasil, distante geograficamente dos centros industriais, recebeu as imagens
estrangeiras da revista de modas alemã Die Modenwelt durante as três
últimas décadas do Oitocentos. Nenhuma outra revista percorreu um período tão
extenso no Brasil até essa época quanto Die Modenwelt, que a partir de
outubro de 1865 logo se desdobraria em 20 adaptações diferentes sendo vendida
em Berlim, Paris, Londres, Nova York, Roma, Porto, Rio de Janeiro, Praga,
Copenhagen, Estocolmo, Oslo, Amsterdam, Varsóvia, S. Petersburgo, Madri, Buenos
Aires, Montevideu, Assunção, Santiago e Bogotá. Ela era traduzida para treze
idiomas: alemão, francês, inglês, italiano, português, tcheco, dinamarquês,
sueco, norueguês, holandês, polonês, russo e espanhol. A revista chegou ao Rio
de Janeiro em 1872, ainda com o nome de La Saison, journal illustrée des
dames, redigida em francês; mas sete anos depois, com reconhecido sucesso
de vendas entre as elites brasileiras, tem sua numeração continuada, agora em
português, sob o nome de A Estação, Jornal ilustrado para a família. Die
Modenwelt, chegou ao Brasil disfarçada de revista francesa, tendo em vista
o mercado local. No entanto, por esse aspecto misto de sua nacionalidade, ela
não é uma revista tão mencionada na historiografia brasileira, onde a imprensa
teve maior relevância pelo seu conteúdo político e formador de uma identidade
nacional. Hoje, com um distanciamento histórico podemos perceber a importância
dessa circulação de imagens nas três últimas décadas do século XIX. A
aproximação cultural com a estética francesa se intensificou na imprensa
periódica não apenas no segmento da moda, mas em todo contexto de apresentação
visual da cultura europeia.
16. Esse sucesso sinalizou para que o empreendimento da editora
Lipperheide fizesse acordos com tipografias em diversos países, entre eles o
Brasil para expandir o empreendimento no mercado editorial. No Rio de Janeiro,
a tipografia de Henrique Lombaerts que importava revistas e jornais europeus,
se interessou em adaptá-la ao mercado local. Essa adaptação, que receberia o nome
de A Estação, jornal illustrado para a familia, consistia não apenas na
tradução do seu primeiro caderno que era direcionado à moda, mas também na
inclusão de uma parte literária produzida pelos maiores nomes da literatura
brasileira de então. Machado de Assis, Lúcio Mendonça, J. de Moraes Silva, Luis
Murat, Raymundo Correa, Luiz Delfino, Guimarães Passos, Luiz Guimarães Júnior,
Artur Azevedo, Julia Lopes de Almeida, Olavo Bilac e muitos outros participaram
dessa parte literária ao longo das três últimas décadas dos oitocentos. O
caderno era composto também de publicidade que remetia a produtos encontrados
no Rio de Janeiro e em Paris e de imagens xilogravadas dos quadros da pintura
do chamado “realismo burguês” contemporâneo.[1]
17. As
imagens na parte literária não veiculavam a moda e tinham sua origem em
pinturas [Figura 2 e Figura 3], que eram redimensionadas e convertidas para uma versão
monocromática [Figura 4 e Figura 5]. No caso de Die Modenwelt, as gravuras
eram impressas muitas vezes no país destino, como era o caso do Brasil. Uma
edição comemorativa dos seus 25 anos, Zum fünfundzwanzigjährigen Bestehen
der Modenwelt, encontrada na biblioteca de Machado de Assis, esclarece como
funcionava a empresa em 1890. Para esse empreendimento, Lipperheide contava com
um total de 398 profissionais que incluíam escritores, editores, designers,
coloristas, gravadores em madeira, arquivistas, tradutores, revisores,
tipógrafos, operadores de máquinas, encadernadores, carregadores e
distribuidores, dos quais 225 eram homens e 173 eram mulheres. Todos esses
profissionais que no ano dessa edição comemorativa tinham uma idade média de 37
anos, trabalhavam na produção de Die Modenwelt e Illustrirte Frauen-Zeitung
e nas edições estrangeiras (MELFORD, 1890, p. 48.
Tradução de Carla Schmid). A produção das imagens era concentrada em Leipzig e
dividida em ateliês de gravação e de impressão. Dois estabelecimentos de
impressão constam nessa edição comemorativa dos 25 anos de Die Modenwelt:
A impressão de Carl Marquart, que empregava 7 funcionários e a de Otto Dürr,
que chegou a empregar 102. Esta última se utilizou de uma mão-de-obra bastante
diversificada, que incluía entre seus trabalhadores, montadores, tradutores,
operadores de máquinas e de prensa manual. Para o trabalho de encadernação Die
Modenwelt contou com a equipe de C. M. Böhnisch que continha 4
encadernadores e outros 21 funcionários ajudantes (MELFORD, 1890, p. 48-49).
18. As
imagens dessa publicação ainda contavam com diversos ateliês. Para o trabalho
de xilogravura os ateliês de Julius Adé e de Emil Singer [Figura 4], em Leipzig, contavam ao todo com 6 pessoas.
Já o ateliê de Heuer & Kirmse [Figura 5], em
Berlim, contava com 15. As imagens coloridas eram feitas por três ateliês,
todos em Leipzig, e funcionavam sob o comando de Juluius Eule, A. Müller e
Alexander Schauer e ao todo empregavam 86 coloristas. Para a preparação de
matrizes de gravação o Instituto Artístico do Sr. Gaebler, também em Leipzig,
empregou além de outros profissionais, um litógrafo e dois gráficos que lidavam
com química. Havia ainda um ateliê de galvanoplastia de C. Kloberg, que
trabalhavam as chapas de cobre na produção das estereotipias, e que contava
ainda com gravadores, marceneiros, fundidores e outros artesãos que executavam
as reproduções das matrizes gráficas (MELFORD, 1890, p. 48-49). Essas
interpretações das imagens que originalmente eram feitas pelos pintores a óleo
e copiadas pelo processo de gravação em madeira com auxílio da fotografia, da
segmentação em tacos e da estereotipia, permitiam que muitas imagens fossem
publicadas em periódicos quinzenais. A conversão de imagens originalmente
coloridas para o monocromatismo da xilogravura permitiu a proliferação da arte
pictórica no Ocidente. De acordo com Silva (2010, p. 82),
as estereotipias alemãs chegavam ao Brasil com pelo menos seis semanas de
atraso, se comparadas às mesmas edições dos jornais impressos na Alemanha.
19. A
pintura realista sempre teve uma grande receptividade popular, cumprindo uma
função informativa mesmo após a inserção de imagens fotográficas nas
publicações. Inicialmente, não se acreditou que a fotografia ocuparia esse
espaço na imprensa devido a qualidade da imagem sem muitos contrastes e sem
definição precisa dos meios-tons. A tradição da xilogravura na imprensa
europeia já vinha desde o século XV e isso consolidou um métier de
grande valor para a imprensa. A produção de imagens gráficas que cumpriu
funções em suportes estáticos como as telas e afrescos, ao ser traduzida para a
imprensa, ganhou maior popularidade ultrapassando fronteiras nacionais. A
imprensa periódica veiculou o “realismo burguês” servindo a sociedade com
dinamismo e constante renovação. A pintura figurativa contribuiu com a
industrialização, ampliando os mercados consumidores e inserindo as sociedades
num contexto da cultura de massas.
20. Durante
o século XX, a circulação de imagens tornou-se algo corriqueiro devido a
facilidade tecnológica de produção e veiculação. O instantâneo fotográfico deu
outros significados para o cotidiano, contribuindo para novas originalidades
conceituais da arte. O consumo cada vez maior de imagens diárias implicou em
outras formas de viver, que não caberiam ser descritas nesse trabalho. A
pintura realista, inclusive em sua variante mais atual como Hiper-realista,
que viraria objeto constante de crítica ao longo do período, ainda hoje suscita
profundos questionamentos sobre as implicações políticas do ato de ver, como
aponta Annateresa Fabris (2013, p. 238). A produção e a recepção da arte no
século XX tomaram rumos profundamente intrínsecos à sociedade que se formou no
século em que se decorreram duas Grandes Guerras.
21. Dentro
do que foi exposto podemos concluir que a migração da imagem se deu dentro dos
moldes de uma imprensa que criou o seu público leitor se inventando num
contínuo diálogo. O mercado editorial que no Brasil era bastante restrito às
classes mais altas, tinha ainda o agravante desse público estar bem mais
concentrado no sexo masculino. A adaptação de La Saison, Journal Illustré
des Dames, para A Estação, jornal illustrado para a familia, já
levava em conta esse público, onde a mulher representava uma parcela bastante
restrita. A configuração doméstica brasileira, bastante diferente da europeia,
se caracterizava principalmente pelo regime escravista, que permeava todo o
tipo de atividade braçal que fosse sujeita ao esforço físico, permitindo
inclusive a coabitação nos lares burgueses, uma configuração sui generis,
que na contracorrente do liberalismo econômico apregoado pelo regime
capitalista dos grandes centros europeus, dava contornos específicos a
sociedade brasileira.
22. A
flutuação da informação visual que se deu a partir do século XIX em todo o
Ocidente foi o motor do capitalismo na escala varejista. A temática burguesa na
sua intensa circulação periódica renovou continuamente o imaginário de uma
sociedade periférica disposta ao consumo das novidades decorrentes do mundo
material.
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[1] “Realismo burguês” ficou sendo o
nome genérico da pintura Pompier praticada na França pré-modernista, no
entanto esse estilo abrangeu trabalhos de diversos países incluindo o Brasil.