Sociedade e cultura na obra Mãe Preta (1912), de Lucílio de
Albuquerque
Sarah
Dume
*
* *
1. Considerando
o crescimento do uso da imagem como documento e evidência para a pesquisa
histórica, analisamos neste trabalho a obra Mãe
Preta (1912) [Figura 1], de Lucílio de
Albuquerque, exibida pela primeira vez no Salão de Belas Artes de 1912 no
Rio de Janeiro. Desenvolvemos, assim, uma pesquisa voltada ao uso da imagem não
somente a partir de seu aspecto estético, mas, também como “evidência
histórica,”[1] demonstrando como o campo imagético
atrela-se e contribui cada vez mais com os estudos históricos. O objetivo desde
estudo é construir uma análise a partir das evidências cedidas pelo objeto que
levam ao cenário de produção da obra e possíveis motivações das representações
ali contidas, tais como foram concebidas e apresentadas pelo autor. Foram
privilegiados os aspectos socioculturais captados no estudo da imagem, através
dos dados iconográficos e iconológicos identificados no quadro.
2. Pautado
nos conceitos de iconografia e iconologia definidos por Erwin Panofsky, foi
possível conjecturar sobre as evidências e indícios manifestados nos temas
secundários e convencionais da obra.[2] A partir dos motivos reconhecidos
na análise iconográfica de Mãe Preta
foi iniciado um estudo iconológico, na busca de um aprofundamento acerca dos
significados sociais e culturais da obra.[3]
3. Foram
efetuadas análises de críticas e percepções da sociedade da época sobre a obra,
resultando em indagações que procuraram ser discutidas através do diálogo entre
os diversos autores que compõem a bibliografia de apoio e referência. Essas
indagações resultaram na observação de diversas marcas da sociedade e da
cultura da época nos traços e características da imagem construída por
Albuquerque, viabilizando um diálogo com outras produções do período, que
trazem como protagonista o negro.
4. Essa
análise permitiu observar a singularidade do quadro Mãe Preta em comparação aos outros trabalhos do autor até 1912, os
quais em sua maioria tinham inspiração impressionista[4]
e simbolista,[5] movimentos com os quais os artistas
estudantes brasileiros interagiam nas academias parisienses - incluindo
Lucílio, que fez parte deste círculo.
5. No que
concerne ao contexto histórico em que o autor e sua obra estavam incorporados,
foi possível entender melhor a visão da sociedade brasileira sobre o negro e a
situação racial no Brasil naquele momento. Destacou-se nesse contexto, o
período de transição do século XIX para o XX - período de produção da obra -,
quando diversas mudanças na sociedade brasileira emergiam em meio às primeiras
décadas após a abolição da escravidão no Brasil, em especial na região Sudeste
do país. É um momento em que o contingente total de negros escravizados se
tornara livre, exigindo para si um novo lugar de representação social e
cultural no Brasil.
6. Portanto,
a partir da pintura, pode-se inferir caminhos
percorridos pela mentalidade da sociedade brasileira no que se refere aos discursos
raciais, demonstrando ser uma preocupação em vários âmbitos da sociedade -
sobretudo entre os chamados homens de ciência -, a fim
de definir qual lugar deveriam ocupar os negros naquele momento. As teorias
raciais lançavam uma perspectiva acerca dessa população marginalizada,
mostrando que a sociedade brasileira não conseguira conciliar a liberdade do
negro com seus ideais de progresso, o qual, segundo estas teorias, só seria
alcançado por meio de uma hegemonia racial pré-definida pelas elites.
7. A cena
visível no quadro de Lucílio de Albuquerque coloca, porém, dúvidas em relação à
ação ali efetuada: representaria uma escrava durante os anos da escravidão ou
uma mulher livre no pós-abolição, vivendo ainda à margem da sociedade e
exercendo a função de ama de leite?
A
imagem artística como evidência histórica
8. Sendo
a imagem a principal ferramenta utilizada nos meios comunicativos do século
XXI, como Martine Joly expressa em seu livro Introdução à análise da imagem, podemos dizer que, num mundo
capitalizado, este é o principal meio de comunicação para o acelerado sistema
de vida atual, o que nos torna “consumidores de imagem.”[6]
A grande ocorrência das imagens no cotidiano leva a uma necessidade de maior
intimidade com estas, de forma que a sociedade e o indivíduo saibam se
relacionar com o objeto imagético que tem à sua frente. Joly destaca as
observações de Ernest Gombrich, historiador e teórico da arte, sobre a imagem:
9.
[a imagem] pode ser também um instrumento
de conhecimento porque serve para ver o próprio mundo e interpretá-lo. Para
Gombrich, uma imagem (seja um mapa geográfico ou um quadro) não é uma
reprodução da realidade, mas sim o resultado de um longo processo, no decurso
do qual foram sucessivamente utilizadas representações esquemáticas e
correções. Quem quer que alguma vez tenha fabricado uma imagem sabe-o bem,
mesmo quando o que está em causa é tirar a mais vulgar das fotografias. Fazer
uma imagem é antes de mais olhar, escolher, aprender. Não se trata da reprodução
de uma experiência visual, mas da reconstrução de uma estrutura modelo, a qual
tomará a forma de representação melhor adaptada aos objetivos que tivermos
fixado (mapa geográfico, diagrama ou pintura realista, impressionista, etc.).[7]
10. Joly
considera a imagem uma “mensagem visual,” cujo processo de análise deve levar
em consideração as diferentes possibilidades de mensagens, expectativas e contextos
presentes. Dessa forma, a análise passa a exercer propriamente sua função de
estabelecer o contexto a qual essa imagem está estabelecida, podendo
diferenciar os diversos componentes desse objeto, expressando e comunicando as
observações analíticas resultantes dessa ação.[8]
11. Se faz
necessário e natural, no meio acadêmico, desenvolver uma perspectiva teórica
que incite à análise das imagens, onde estas corroborem para uma melhor
compreensão da história, ultrapassando a camada de informação considerada
“natural” pelo observador, aprofundando-se no que esta fonte imagética pode
conceder.
12. Artur
Freitas argumenta a favor da análise de uma obra a partir dos vários aspectos
que correspondem ao seu resultado final. O autor assim denomina esses aspectos:
o formal, o semântico e o social. Nessa perspectiva, essas três diferentes
áreas, apesar de enfatizadas diferenciadamente a cada interpretação de uma obra
específica, não podem ser analisadas separadamente, pois, mantém uma relação de
interdependência. A abordagem formal consiste na compreensão material de um
objeto que foi construído no tempo, enquanto a abordagem social prolonga este
teto ao descrever os caminhos que esse objeto percorreu até o presente. Freitas
esclarece a ligação entre tais abordagens, demonstrando que, apesar de
contribuírem de formas diferentes para a análise de uma obra, juntas corroboram
para uma interpretação que vai além dos aspectos semântico e social, os quais
são comumente isolados e utilizados nas interpretações sobre as obras de arte.[9]
13. Cada
processo de análise de uma imagem artística é singular e possui uma situação
determinada: o olhar de um observador pode ser composto de diferentes cargas
socioculturais, que corroboram para diferentes conclusões. Sendo assim, em um
processo de análise, uma dimensão pode ser mais determinante que a outra, como
ocorre no presente estudo da obra Mãe
Preta, onde os aspectos sociais e culturais da produção destacam-se na
representação da ama de leite negra com seu “filho negro” e seu “filho branco,”
em detrimento dos aspectos formais.
14. Artur
Freitas enfatiza a importância do circuito de relações formados na “vida
social” de uma obra: o meio artístico no qual ela estivera inserida, as
instituições às quais pertencera, as avaliações que foram realizadas sobre ela,
quem as efetuou etc., são pontos altos do processo de análise de uma imagem,
principalmente no tocante às questões sociais. Esse aspecto é destacado no
presente estudo, pois ele é imprescindível para uma melhor compreensão do meio
artístico no qual Lucílio de Albuquerque expôs Mãe Preta.
15. A
construção deste processo de análise é carregada de uma complexidade que o historiador
deve encarar como desafio diante de uma determinada fonte imagética. Por seu
turno, tal ação é realizada muitas vezes com o intuito de esclarecer a
perspectiva do autor e delinear o caminho que possa tê-lo levado até o
resultado de seu trabalho. Ao mesmo tempo, essa tentativa reincidente pode
comumente levar o espectador a uma interpretação errônea da imagem, uma vez que
a obra pode ser carregada de intenções, perpassando por vários sentidos -
romântico, satírico, entre outros - da cena representada na obra. Para Michael
Baxandall,[10],
o processo de análise imagética exige cautela pois nos deparamos com a
impossibilidade de realizar a reconstrução do estado de espírito do autor no
momento de sua produção. O autor atribui essa dificuldade aos limites da
linguagem escrita/falada diante do discurso imagético. Por isso, deve-se
atentar para a relação do objeto analisado com a conjuntura na qual este foi
efetuado e não somente se ater às intenções do artista quando o produzia.
Segundo Baxandall, é necessário levar em consideração a existência de uma
distância suscitada por inúmeras situações, entre a obra de arte e o estudioso,
que pode ser insuperável por conta da variedade de perspectivas acerca da
análise de uma produção imagética. O artista, antes de produtor da obra, é um
ser social que possui uma base sociocultural pela qual seus métodos produtivos
podem estar influenciados, corroborando para que cada objeto seu - suas obras -
seja cercado de ideologias, sentimentos e crenças advindos do meio em que
estava inserido. Dessa forma, a pesquisa voltada para o aspecto sociocultural
de uma obra significa que esta será avaliada a partir do contexto no qual esse
objeto foi construído.
16. Enfim,
baseando-se nas perspectivas de Burke (2004), Baxandall (2006) e Joly (2006),
buscou-se investigar os diferentes conteúdos e significados de Mãe Preta. A influência da formação de
Lucílio de Albuquerque sobre a produção do quadro, as ideias e críticas da
época sobre o autor e sua obra e a recepção ao tema retratado pelo pintor são
aspectos que dirigiram nossas análises da imagem, permitindo construir um
caminho interpretativo para construir uma análise a respeito dessa fonte
imagética.
O conceito de representação
17. Como
demonstrando por Dominique Vieira dos Santos em seu estudo Acerca do conceito de representação (2011), o conceito de
representação é comumente referenciado no campo historiográfico. Há um amplo
leque de trabalhos acadêmicos que trazem em seus títulos e capítulos a palavra
“representação,” porém sem uma explanação que realmente defina o uso desse
conceito e o que realmente ele possa significar. Por conta do carácter
polissêmico, segundo Santos, é ainda mais complexo entender o que realmente vem
a significar o conceito de representação.[11]
18. Para
Marina Helena Capelato e Eliana Regina de Freitas Dutra, a historiografia
brasileira sofreu uma mudança a partir da introdução do conceito de
representação no campo dos estudos historiográficos entre os 1980 e 1990.[12]
Inicialmente, o conceito foi alvo de críticas por seu carácter “idealista,” o
qual, segundo uma linha de estudiosos, poderia ignorar muitos outros âmbitos da
história e poderia ser objeto de manipulação e ilusão.
19. Assim,
partindo de uma reflexão sobre o papel desse conceito na história, pode-se
perceber que a representação comumente está relacionada à história cultural e
sua expansão. Segundo Roger Chartier,[13] o conceito de representação é um apoio
para visualizar e articular a noção de mentalidade e as relações do mundo
social que nos são dadas através de evidências históricas. Portanto, o conceito
de representação não se distancia do real e nem do social, como argumentado por
linhas de estudos que não viam uma concepção realista da história nas
representações.[14]
20. Dessa
forma, entender o tempo da história é necessário e só se faz possível através
da análise dos signos que constituem as representações. Essa temporalidade
histórica é constituída de mentalidades e relações sociais de diferentes
significados e, através da escrita da história, transformados em representações
pelo historiador que manuseia o fato histórico. Nesse sentido, esse trabalho
pretende demonstrar, através do estudo da representação de Mãe Preta de Lucilio de Albuquerque, as relações intrínsecas entre
autor, obra e contexto.
Lucílio de Albuquerque e a singularidade da
obra Mãe Preta
21. Lucílio
de Albuquerque [Figura 2] nasceu
em Barras, no Piauí, em 1877. Mudou-se para São Paulo para iniciar seus estudos
em Direito, porém, os deixou no primeiro ano e ingressou na Escola Nacional de
Belas Artes do Rio de Janeiro (ENBA) em 1896. Albuquerque iniciou o curso na
Escola como aluno livre, matriculando-se em 1901. Em seus primeiros anos na
instituição, foi vencedor de medalhas de prata e ouro em 1903 e 1904,
respectivamente.
22. Seu
percurso artístico dentro da Escola seguiu marcado por vitórias nos concursos
da instituição. O artista foi premiado em 1906, por sua obra Anchieta Escrevendo o Poema à Virgem [Figura 3], com o Prêmio de Viagem concedido pela Escola
de Belas Artes. Como forma de aprimoramento de conhecimento, os alunos eram
enviados para a uma temporada de estudos nas principais instituições de arte
europeias.[15]
23. Segundo
Ana Paula Simioni, a busca pelo aprendizado sobre os
padrões europeus de arte mesclava-se com a necessidade de “construir uma nova
arte que atendesse, ao mesmo tempo, às demandas locais e a um desejado
universalismo.”[16] Em uma perspectiva da época sobre o
Prêmio de Viagem, segundo um artigo de Victor Viana publicado na revista Renascença,[17]
os prêmios de viagem eram imprescindíveis para a formação dos artistas do
período:
24.
os premios de viagem
são uma instituição necessaria e salutar. A viagem de instrucção é hoje um
complemento natural de toda educação. E tanto ou mais do que outro qualquer
profissional, o artista precisa ver paizagens novas, viajar para estudar nos
museos, contemplar as obras primordiaes da arte, instruir-se, familiarisando-se
com os primeiros circulos artísticos do mundo.[18]
25. O
período de aprendizado em escolas parisienses, como a École Nationale Supérieure des Beaux-Arts e a Académie
Julian, trouxe o reconhecimento da elite artística brasileira sobre o trabalho
de Lucílio no território europeu, como demonstra Piedade Epstein Grimberg:
26.
O ano de 1911 foi um dos mais frutíferos
para a carreira do artista: expõe no mesmo Salon o quadro Sono [Figura
4] , belo
desenho [sic] de nu, no qual é possível constatar a especial estrutura da
matéria; participa do Salão Internacional de Bruxelas com o quadro Despertar
de Ícaro [Figura
5], uma de suas pinturas mais conhecidas, de forte influência
simbolista, remotamente sugerida pelo vôo pioneiro de Santos Dumont e executa
vitrais para o Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Turim, na
Itália, representando A República Brasileira guiada pela Ordem e
Progresso, desenvolve seu comércio e sua indústria, alegoria do Cruzeiro do Sul
simbolizado por figuras femininas.[19]
27. Com a
volta de Lucílio ao Brasil, em 1911, o pintor trouxe na bagagem inúmeras obras
que dão origem à sua primeira exposição [Figura 6, Figura 7 e Figura 8], junto da esposa Georgina de
Albuquerque, que também apresentou obras no mesmo evento. O período que
marca a volta de Lucílio a seu país de origem e a realização de sua primeira
exposição é também o período no qual foi produzida Mãe Preta, pintura apresentada inicialmente na Exposição Geral de
Belas Artes de 1912, promovida pela Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro.
28. Mãe Preta
representa uma ama de leite negra, sentada ao chão, amamentando uma criança
branca, enquanto ao seu lado é representada uma criança negra, aparentemente
nos primeiros meses de vida. O local no qual tais personagens estão
representados não recebe destaque na cena, dirigindo o foco do espectador para
as figuras que ali se apresentam. Mais especificamente, o foco dirige-se ao
olhar da ama de leite sobre a criança negra, criando no espectador a impressão
de que um forte sentimento liga a mulher ao bebê que se encontra ao chão. A mãe
preta apresenta uma visão de melancolia e apatia, enquanto amamenta o filho do
branco, inserida em um ambiente paupérrimo, que remete a uma situação
socialmente desfavorável.
29. No que
diz respeito à representação da mulher negra na imagem, pode-se pontuar algumas
questões que travam um embate direto com os moldes artísticos esperados pela
ENBA de seus alunos naquele momento. As questões da “desacademicização”[20]
permeavam os corredores da instituição. Porém, tais mudanças no Brasil se
diferenciavam do processo de desvencilhamento das ideias acadêmicas que
acontecia na Europa. Ivan Coelho de Sá
explica tal dificuldade no Brasil através do perfil de ex-colônia do país.[21]
O processo de “desacademicização” no Brasil levava a ENBA ao encontro do
nacional brasileiro, que era omitido e renegado na maioria dos trabalhos ali
concebidos, por conta de sua incompatibilidade com o modelo que, segundo o
pensamento da elite, permitiria o progresso do país. Encontravam-se aqui
negros, pardos e miscigenados, misturas de um passado colonial que se desejava
omitir da história pelos republicanos e solucionar através das discussões
raciais que emergiam nas falas dos homens de ciência daquele momento e em
segmentos da elite que compunham a sociedade brasileira.
30. A
partir da análise da pintura em questão, percebeu-se a sua singularidade em
relação com as outras produções de Lucílio de Albuquerque, suscitando a busca
de possíveis motivações do autor para a produção de Mãe Preta. Essa singularidade consiste na ênfase de Lucílio sobre
um contexto histórico-social específico, diferentemente de suas produções
anteriores a 1912, carregadas de influências e técnicas do “art nouveau” e
outras tendências modernas, apreendidas pelos pintores brasileiros na
Europa.
Arthur Timótheo da Costa: compartilhador do ambiente artístico
de Lucílio de Albuquerque
31. Durante
o processo de estudo sobre o ambiente artístico do qual Lucílio de Albuquerque
fez parte, encontrou-se na atuação de Arthur
Timótheo da Costa (1882-1922) [Figura 9] pontos
de encontro com a carreira com Lucílio, que são evidências importantes para a
construção artística na produção dos dois pintores.[22]
32. Arthur
Timótheo foi um artista brasileiro ativo entre as duas primeiras décadas do
século XX. Ele crescera simultaneamente a Lucílio de Albuquerque no ambiente
artístico da ENBA e também fora dela. Como demonstra Arthur Valle,[23]
33.
[....] em 1907, com a movimentada
tela Antes do
Aleluia, hoje pertencente ao acervo do Museu de Belas Artes do Rio
de Janeiro, Arthur Timótheo ganhou o prêmio de Viagem à Europa na Exposição
Geral de Belas Artes, então o mais importante certame artístico brasileiro. Ele
fixou-se em Paris para estudar e aperfeiçoar-se, não deixando de percorrer
outros países europeus como a Itália e a Espanha. Em 1911, realizou junto com
seu irmão João e outros artistas de sua geração a decoração
do Pavilhão Brasileiro da Feira Internacional de Turim. De volta ao Brasil
e durante toda a década de 1910, Arthur Timótheo desenvolveu intensa atividade
artística, expondo frequentemente nas Exposições Gerais, participando de
entidades artísticas independentes como a Juventas (depois
Sociedade Brasileira de Belas Artes) e estabelecendo-se como renomado pintor e
decorador.
34. Em
meio às produções artísticas de Arthur Timótheo
da Costa,
o quadro No atelier de Lucílio (1910)
[Figura 10]
mostra a relação que se formara no compartilhamento de experiências entre ambos
os pintores. A obra fora realizada durante a convivência entre os artistas na
Europa, viabilizada pela ENBA através do Prêmio de Viagem ganho por ambos.
35. Arthur Timótheo dedicava-se
em muitas de suas produções à representação do negro e de sua inserção na
sociedade [Figura 11,
Figura
12, Figura 13 e Figura
14], refletindo a sua própria condição. Negro, foi um dos poucos de
sua etnia que se evidenciaram no espaço da ENBA naquele período, o que pode ser
um fato preponderante para o resultado final de muitas de suas obras
36. Tais fatores possibilitam uma identificação e similaridade entre
as produções artísticas de Arthur Timótheo da Costa e a obra Mãe Preta. Assim como Arthur, Lucílio de
Albuquerque, apesar de sua situação privilegiada como indivíduo branco - num
momento em que a discussão racial acerca dos negros estava emergente - estava
inserido em uma sociedade herdeira das mazelas sociais da escravidão.
Independentemente da posição política e social do pintor, pode-se imaginar que
o olhar de Lucílio possivelmente cruzou com diversas “mães pretas,” atribuindo
a uma delas o protagonismo na obra de 1912.
A representação do negro na transição dos séculos XIX e XX: o
local de se posicionar a mulher negra na arte do período
37. Segundo
Sidney Chalhoub, “em todo o período do tráfico negreiro
para o Brasil, desde meados do século XVI até os anos 1850, chegaram ao país
mais de 4,8 milhões de africanos escravizados.”[24] O
negro estava inserido em diversos âmbitos da sociedade brasileira durante o
final do século XIX e início do XX. Fosse nos grandes centros urbanos ou nas
áreas rurais, principalmente na região Sudeste,[25]
a mão de obra era predominantemente caracterizada por mãos negras, fossem
livres ou escravizadas. Nos serviços braçais, como nas lavouras de café, no
transporte de cargas, na construção civil ou nos serviços domésticos, a
presença dessa mão de obra era maciça. Dessas funções, os serviços domésticos
eram geralmente exercidos por mulheres.[26]
38. No que
diz respeito ao período pós-escravidão, entre o final do século XIX e início do
XX, pode-se observar que o cenário das atividades exercidas pelos negros no
Brasil pouco mudou em comparação às atividades exercidas durante a vigência da
instituição escravista. Com o advento da República e a abolição da escravidão,
agora era necessário pensar-se de que forma inserir esses indivíduos na
sociedade brasileira - ou não.
39. Dada a
abolição da escravidão, os negros, agora libertos em sua totalidade, em sua
maioria não possuíam conhecimento sobre outros serviços diferentes dos que
exerciam quando escravizados. Esse fato os tornava dependentes dessas antigas
funções, porém, em diferentes condições, criando agora um “vínculo
empregatício.” O trabalho era feito em troca de pequenas porções de terras para
cultivo de alimento ou renda financeira. Ou seja, o negro se “dispunha” a
continuar em sua função por conta da necessidade de sobrevivência, pois a vida
de liberto era cercada de estigmas criados pela sociedade acerca de sua etnia e
cor. Segundo as historiadoras Hebe Mattos e Ana Maria Rios,
nas áreas rurais a decisão de “deixar ou não as fazendas era uma decisão
estratégica,”[27] pois os libertos corriam o risco de não
obterem chances de trabalho fora daquelas que lhes eram oferecidas no momento
em que deixavam a fazenda na qual trabalharam como escravos.
40. Restavam
também para os libertos os trabalhos braçais e domésticos das grandes cidades:
“nos anos finais do século XIX e início do XX mais de 70% da população
economicamente ativa ex-escrava, estava inserida no trabalho doméstico.”[28]
Nos centros urbanos, os negros livres possuíam maiores possibilidades de
trabalho, considerando a demanda local por ocupações braçais. No caso do
trabalho para as mulheres, não era diferente. Em meio as atividades domésticas,
as mulheres se encontram em sua maior parte realizando tarefas ligadas ao
ambiente do lar ou se estabelecendo como empregadas por contratos de locação de
serviços nos locais dos quais antes faziam parte da mão de obra escravizada.
41. Estreitando
os caminhos dessa pesquisa, buscou-se focar o olhar em uma das atividades
exercidas pelas mulheres negras: a função como ama de leite. Essa, comumente
observada na sociedade brasileira antes e depois do fim da escravidão, é a ação
principal representada no quadro Mãe
Preta de Lucílio de Albuquerque.
42. No
artigo Perigosas amas
de leite: aleitamento materno, ciência e escravidão em A Mãi de Família,
Karoline Carula aborda os discursos relacionados à atividade das amas de leite
entre os séculos XIX e XX.[29] As teorias raciais estavam
no centro dos debates científicos, sendo aplicadas na sociedade brasileira a
partir do último quartel do século XIX, segundo Lilia Schwarcz.[30]
Mas as primeiras discussões que envolviam as diferenças dos povos avistados no
Novo Mundo em comparação ao modelo eurocêntrico eram datadas do século XVIII.
Tais discursos tinham o propósito de “justificar as diferenças essenciais entre
os homens.”[31]
43. Na
introdução de seu trabalho Estrangeiro em
sua própria terra,[32] Márcia Naxara mostra que o uso do termo “nacional”
nos documentos do século XIX e início do XX era direcionado para a população
pobre brasileira, geralmente mestiços escravizados ou já libertos. A autora
ainda define esse período como de tentativa de entendimento da cultura humana,
pautado num ideal evolucionista que encarava o progresso do país através de uma
visão unilateral: “O povo
brasileiro, visto por suas elites, aproximava-se do atraso e da barbárie,
enquanto que o que se tinha em vista era alcançar o progresso e a civilização.
Tal questionamento acabou levando a uma identificação do brasileiro pela
ausência do que se esperava ele pudesse ser, ou seja, por aquilo que lhe
faltava.”[33]
44. Como
demonstrado por Naxara, a visão da maior parte dos homens de ciência brasileiros
estava pautada pelos moldes socioculturais europeus, julgados primordiais para
o progresso da civilização no entendimento da elite brasileira.[34]
Porém, o que se via no país era a heterogeneidade étnica e social da população,
o que comprometia as expectativas das elites no que dizia respeito ao progresso
que esperavam:
45.
Nos jornais, nos censos, os dados
quantitativos reafirmavam as apreensões teóricas. Enquanto o número de cativos
reduzia-se drasticamente - em 1798, a população escrava representava 48,7% ao
passo que em 1872 passava a 15,2%. Nessa mesma ótica, os dados de 1890
tornavam-se ainda mais aterradores. Ou seja, se na Região Sudeste (devido,
sobretudo, ao movimento imigratório europeu) a população branca predominava -
61% -, já no resto do país a situação se invertia, chegando os mestiços a
totalizar 46% da população local. (SCHWARCZ, 1993, p. 13)
46. A partir destes valores, relativos ao período entre o fim do
Império e início da Primeira República, o antagonismo de classes posto durante
o Império entre senhores e escravos agora era representado entre brancos e
negros, demonstrando que qualquer ideal de igualdade entre raças não
aconteceria tão cedo. As diferenças entre brancos e negros persistiram e a
dificuldade da elite em lidar com a presença de indivíduos livres e
miscigenados era demonstrada nas máximas de que o branqueamento poderia ser uma
das chaves para um futuro de progresso do país.
47. Segundo Túlio Henrique Pereira, a elite via a
emergência de um problema no que dizia respeito a etnia e a miscigenação da
população. Os esforços e estratégias do Estado refletiam-se nas obras
artísticas, profundamente marcadas pelas ideias hegemônicas vigentes. Dessa
forma, segundo Pereira, pode-se dizer que a arte era, em grande medida, uma
reprodutora da impressão que a sociedade possuía do indivíduo negro, geralmente
associado ao trabalho e a condição de pobreza e degenerescência.[35]
48. A
associação entre negro e trabalho não se restringia, naturalmente, à Mãe Preta de Albuquerque. A relação da
mulher negra e sua ligação com o trabalho e a pobreza também estavam presentes
em outras representações apresentadas nos salões de arte nas últimas décadas do
século XIX e início do XX. Existe entre Albuquerque e outros pintores da época
uma semelhança que se tornou um ponto importante para a compreensão do campo
artístico de então e sobre como os artistas representavam o negro em seus
quadros. Como apontado por Maraliz de Castro Vieira Christo,[36]
número significativo dessas obras estiveram no ambiente dos “Salões” de Belas Artes
da ENBA e foram adquiridos pelo governo. A autora também pontua um fato a que
se deve atentar a respeito do significado dessas obras na trajetória de seus
autores: todas as obras que representavam a mulher negra em seu espaço de
trabalho foram momentos episódicos na carreira de pintores como Antonio
Ferrigno [Figura 15], Armando
Vianna [Figura 16], Gustavo
Dall’Ara [Figura 17] e Modesto
Brocos [Figura 18]
49. Portanto,
observar as informações fornecidas pela imagem e atentar para o seu período de
produção são fatores importantes para tentar entender parte da perspectiva de
Lucílio de Albuquerque para a produção de Mãe
Preta. Ao perceber o ambiente artístico no qual o artista estava inserido, também
percebemos a pontualidade de pinturas com essa temática, produzidas em um
momento em que a sociedade brasileira ia no movimento contrário ao dessas
representações, graças à tentativa de omissão do passado escravagista
brasileiro por parte do Estado através, principalmente, da inserção de
imigrantes europeus nos antigos lugares de trabalho ocupados pelos negros.
As
faces do discurso crítico sobre a obra Mãe
Preta
50. A
crítica do jornalista Bueno Amador sobre Mãe
Preta exemplifica um dos pontos de vista da elite artística daquele momento
sobre o quadro. Vê-se neste discurso que as obras em que são aplicadas as
técnicas tradicionais apreendidas por Lucílio na França são aclamadas por
Amador, que vê nelas traços do talento do pintor. Porém, na representação de Mãe Preta, o crítico sugere que o pintor
não atendeu às expectativas:
51.
De Lucilio de Albuquerque temos
a apreciar o Despertar de Ícaro, a que já nos referimos quando o artista
apresentou em público os seus trabalhos, ao voltar da
Europa. “Coquettere” é outro trabalho gracioso e leve, onde o pintor
apresentou a sua técnica reveladamente segura; os demais trabalhos que exibe
casam-se bem como feitura e somente há um pequeno reparo quanto a tela Mãe
Preta.
52.
Aí o assunto prestava-se para uma
composição vigorosa, mas o artista alcançaria o seu fim se não apresentasse um
ambiente fraco.
53.
Os modelos de que se utilizou e a disposição
do trabalho não traduzem a beleza que o assunto poderia inspirar se fosse
tratado com mais vigor. Lucilio de Albuquerque verá nestas linhas a franqueza
aberta de quem deseja sempre o ver na vanguarda a produzir otimamente, pois que
de tanto ele é capaz.[37]
54. Outra
crítica, publicada no jornal A Noite
de 18 de julho de 1912 analisa a obra Mãe
Preta a partir da cena representada pelo artista, e não pela técnica
empregada:
55.
Lucilio de Albuquerque concorrerá com um
seu novo trabalho, que se acha quase terminado. "A mãe preta” é o título
deste quadro. É um hino de gratidão à raça, que tantos serviços nos prestou,
servindo-nos com carinho, criando com verdadeiro amor maternal os filhos
daqueles que por uma desumanidade inaudita a colocaram sempre fora da lei,
contra os próprios princípios da natureza.[38]
56. Essa
crítica é de rico valor histórico no que diz respeito ao pensamento de parte da
crítica no momento de apresentação dessa obra no “Salão” de Belas Artes de
1912. Ela exemplifica uma concepção que destaca o aspecto histórico da obra, e
não somente uma preocupação estética. Constitui uma fala que se diferencia das
falas recorrentes no cenário político e social daquele momento, dado o discurso
de segregação no Brasil e em diversas outras localidades do mundo.[39]
A fala presente no jornal caracteriza uma preocupação que reconhece a ama de
leite negra como indivíduo participante da sociedade, ainda que lhe fosse negado
todo e qualquer tipo de direito - até mesmo o de criar seus próprios filhos.
Dentro desse contexto, chama atenção a fala do crítico anônimo, que acaba por
exaltar as amas de leite do período escravista.
57. Além da obra em si, é possível entender tais críticas como
fontes necessárias para uma aproximação ao ambiente artístico e social no qual
a imagem estava inserida. Para além dos traços formais, compreendemos que o
quadro teria o objetivo de refletir ou traduzir aspectos sociais da época,
quando a imagem do indivíduo negro se colocava como desvalorizada e prejudicial
aos costumes e hábitos dados como necessários para o progresso da sociedade da
“Belle Époque” carioca.
58. A
partir da crítica apresentada no periódico A
Noite identifica-se a exaltação do vínculo entre a ama de leite negra e o
filho do senhor branco, vínculo esse que matizava a face cruel da instituição
escravista e de suas relações sociais. Tais relações eram estabelecidas no
âmbito de um mundo concebido na fórmula “escravo ‘versus’ senhor branco,” não
tecido a partir da vontade e livre arbítrio do negro, mas sim sobre a
identidade deste na condição de escravizado. Percebe-se, assim, no teor da
crítica veiculada no periódico A Noite,
que as chagas deixadas pela herança negativa da escravidão sobre as amas de
leite foram relativizadas em comparação à função exercida por outros
escravizados.
59. Essa
visão pode ser analisada a partir do estudo do ensaísta Gilberto Freyre, o qual
em Casa Grande & Senzala (1933) demonstra a perspectiva “docificada”
sobre o papel das amas de leite no Brasil colonial:
60.
Quanto às mães pretas, referem as
tradições o lugar verdadeiramente de honra que ficavam ocupando no seio das
famílias patriarcais. Alforriadas, arredondavam-se quase sempre em pretalhonas
enormes. Negras a quem se faziam todas as vontades: meninos tomavam-lhe a
benção; os escravos tratavam-nas de senhoras; os boleeiros andavam com elas de
carro. E dia de festa, quem as visse anchas e enganjentas entre os brancos da
casa, havia de supô-las senhoras bem-nascidas; nunca ex-escravas vindas da
senzala. É natural que essa promoção de indivíduos à Casa-Grande, para o
serviço doméstico mais fino, se fizesse atendendo a qualidades físicas e
morais; e não é à toa e desleixadamente. A negra ou mulata para dar de mamar a
nhonhô, para niná-lo, preparar-lhe a comida e o banho morno, cuidar-lhe a
roupa, contar-lhe histórias, às vezes substituir-lhe a própria mãe - é natural
que fosse escolhida dentre as melhores escravas da senzala. Dentre mais limpas,
bonitas, mais fortes.[40]
61. Segundo
Rafaela Deiab,[41] a docilidade enfatizada no jornal A Noite e por Freyre foi questionada somente a partir da década de
1940, quando autores como Florestan Fernandes criticaram muitas das falas de
Gilberto Freyre quanto ao aspecto supostamente benigno da escravidão no Brasil.[42]
Pôde-se, através do estudo de Sonia Maria Giacomini,
perceber que o papel da mulher negra na sociedade escravagista exposto por
Freyre omitia a exploração sofrida por esta na situação de escravizada:
62.
É interessante notar que esta mitologia
não se limita a produzir uma imagem deformada da relação senhor-escravo. Isto
porque na sua lógica a mulher escrava ocupa um papel central: ‘ponte entre duas
raças’, embaixadora da senzala na casa grande e vice-versa, e outras coisas do
gênero. Em outras palavras, as relações senhor-escrava, senhora-escrava, filhos
brancos-escrava jogam um papel estratégico na estruturação de teorias sobre o
patriarcalismo da escravidão brasileira.[43]
63. Foi
também analisado o periódico A Mãi de
Família (1879-1888), o qual foi estudado no já referido
partido de Karoline Carula.[44] Esse periódico apresenta alguns aspectos
da mentalidade da época acerca das amas de leite através do ponto de vista do
higienista e também redator do jornal Carlos Costa. Este argumentava em favor
do fim da amamentação por via da ama de leite escravizada, acreditando na
influência negativa desta sobre o leite oferecido à criança. Costa visualizava
na obrigatoriedade da amamentação do filho do senhor e na retirada do filho da
cativa, em função do trabalho de ama de leite, motivações para um sentimento de
revolta que poderia se refletir no leite da ama.
64. Como
ilustração desta percepção, o periódico apresentava, em sua edição de 15 de
novembro de 1888, o conto literário Mãi Preta,[45]
que relata a vida de uma ama de leite escravizada:
65.
Os nossos
antepassados, - tendo descoberto esta terra, que se denominou Brazil, em
virtude da grande abundancia de madeira, cuja côr é semelhante à da braza, - e
reconhecendo que o territorio era immensamente grande, e assim difficil não só
de povoal-o como tambem de fazer culticer o seu fecundo solo, - tiveram a
triste como imperdoavel idéa de mander á Costa da Africa buscar, a troco de
dinheiro, de bugigangas, uma infinidade de nossos semelhantes, cuja côr
infelizmente era preta; e despejal-os em nossas plagas amarrados e semi-nús, e
reduzindo-os assim á mais abjecta escravidão.
66.
Esses entes, roubados
ás suas patriás e familias, sem bastante desenvolvimento intellectual, eram
reduzidos ainda mais á completa brutalidade, e convertidos em machinas e, por
destituidos de vontade, elles não tinham o direito de pensar nem de amar, não
tinham laços de familia, não tinham crenças, nem lhes era permitido sonhar uma outra
existencia mais comoda e vantajosa; foram por muito tempo objecto de um
commercio nefando, mas que fez muitas fortunas e gravou muitos brazões.
67.
Enumerar os
horrorosos espectaculos da escravidão, fazer lembrar os gemidos e as lagrimas
do escravo cortado pelo vergalho do feitor de fazenda, esa dores pungentes
sentidas no escuro da sanzala, seria para mim nimiamente penoso, pois
compartilho da magoa d'aquelles que reconhecem que a patria só será grande no
dia em que poder remir o ultimo captivo.
68.
Identificadas porém a
vida da escravidão, algumas dessas pobres creaturas chegaram mesmo a idolatrar
seus algozes; algumas d'ellas foram dedicadas em extremo, e, sem poderem erguer
francamente os olhos, bemdiziam aqueles que lhes davam o pão para alimento e o
duro trabalho para amenidade de suas vidas.
69.
Mãi-Preta foi uma
dessas creaturas; sua vida porém não devem ficar no olvido, pois que symbolisa
a existencia de um'alma dotada de sentimentos extraordinariamente nobres.
70.
Isto teve lugar na
época do maior fervor.
71.
O Dr. N... depois de
sua formatura em medicina, casou-se com a filha de um negociante portuguez, e
foi residir no largo do Valongo, hoje da Imperatriz. Mezes depois, estando sua
mulher prestes a dar á luz, foi ter com o sogro e encommendou-lhe uma preta, de
bôa figura, sadia e mãi de pouco tempo, para ama de seu filho ou filha, que
estava para nascer. O dedicado sogro, ébro de contentamento pela boa nova, e
querendo ser agradável á filha, presenteou-a com uma preta de vinte annos, e
mãi a poucos mezes. Antes, porém, de leval-a á casa da filha o tal negociante
chamou a preta, e revistou-a grosseiramente, e como notasse nella medo,
repugnancia, ou timidez, mandou dar-lhe uma grande sóva, que, sem forças a
atirou no leite. Foi esta a paga que de ante mão recebeu a preta com seu leite
ia dar vida ao filho do branco.
72.
Tendo nascido a
almejada criança, foi a filha da preta levada para a Róda, e, como a pobre mãi
chorasse por essa separação brusca, foi de novo barbaramente castigada; mas,
como o seu coração era accessível ao carinho, o vagido da recém-nascida lhe
tocou n'alma, e assim tambem o soffrimento de sua senhora: esquecendo-se do mal
que lhe faziam pelo bem que ia prestar, tomou a criancinha, chegou-a ao seio a
amamentou-a devotamente.
73.
De então, a preta era
toda dedicação e affagos pela innocentinha, que agradecida estendia-lhe os seus
mimosos bracinhos.
74.
Não sendo facil
reter-se em lembrança o nome da preta africana, e como seu mister era servir de
mãi dessa criança, acostumaram-se a todos a chamal-a de Mãi Preta, ficando
assim, ella de então conhecida.
75.
O Dr. N...,
considerando a ama de sua filha como sua legitima propriedade, não trepidava em
castigal-a constantemente por qualquer insignificante motivo, por qualquer
choro da criança, etc. Mãi-Preta era victimada sem razão, pois que, não se póde
imaginar maior desvello, pois nem mãi mais carinhosa trataria melhor sua filha.
76.
De prompto novas qualidades caracterisaram bem o que era a
Mãi-Preta: era muito obediente, prestativa, ligeira, queria sempre ver seus
senhores alegres; se elles tinham alguma contrariedade, ella chorava; beijava
sua filhinha de criação, não queria vel-a achorar, não por medo do castigo, mas
sim porque lhe queria bem; e a medidade que a foi vendo crescer, mais e mais a
estimava. Se por ventura lhe davam alguns cobres, gastava-os todos em
brinquedos para a criança. Enfim, tudo n'ella era bom e por isso todos a
queriam bem.
77.
(Continua) (COSTA,
1888, p.166-167)
78. O discurso de Carlos Costa reforça a
brutalidade dos brancos e a subserviência da mulher negra na sociedade
brasileira do início do século XX - no caso, a retirada do filho biológico em
prol da amamentação do filho do branco. Quando o filho da ama de leite era
retirado de seus braços em detrimento da amamentação do “filho branco”
percebe-se de que forma a escravidão tocava nos direitos desses indivíduos
79. A
atividade de ama de leite era uma das funções possíveis para a negra
escravizada ou livre. Segundo Bárbara C. R. Martins, em sua tese Reconstruindo a memória de um ofício: as
amas de leite no mercado de trabalho urbano do Rio de Janeiro (1820-1880),[46]
essa função era disseminada e naturalizada na sociedade carioca do século XIX.
Para a autora, a imagem de ama de leite pode ser vista como significado da
desapropriação dos direitos da mulher cativa causada pela instituição
escravista. Essa desapropriação pode ser exemplificada através do ato de se
retirar o filho dos braços das mães escravizadas, com o intuito destas servirem
exclusivamente como mães de leite de filhos de senhores brancos. Nesse mesmo
sentido, segundo Deiab, “para ter condições de aleitar
um filho branco, era necessário que a escrava tivesse engravidado tendo,
portanto, também filho natural. Este último muitas vezes morria, era vendido,
dado a criar mediante aluguel, ou levado para a roda.”[47]
80. A
partir do último quartel do século XIX, ao mesmo tempo em que cresciam as
ideias abolicionistas, ganhavam força também as teorias raciais, calcadas nos
discursos científicos em voga na Europa naquele momento. Tais argumentos
alcançaram a função da ama de leite.
81. O
referido periódico A Mãi de Família demonstra
esse fato. Segundo Carula,[48] esse periódico tinha o intuito de educar
as mulheres no que dizia respeito aos costumes tidos como corretos na função
maternal. Carlos Costa, o redator do jornal, considerava-se responsável na sua
posição pelos hábitos de higiene das mulheres. Apoiava-se no argumento de que
as mães brasileiras estavam desprovidas do conhecimento correto de como exercer
a maternidade, e a função dos “homens da ciência” eram reverter essa situação
fazendo-as desempenhar sua posição de acordo com o que era acreditado pelos
higienistas.
82. Uma
das preocupações mais enfáticas de A Mãi
de Família dizia respeito ao aleitamento materno. Para Costa, o leite era
transmissor de características para a criança amamentada. Por isso, disciplinar
as mães e investir na ideia do aleitamento materno era essencial. Costa não via
só o perigo da inferioridade racial no leite da ama negra, mas também em seus
hábitos, que considerava imorais e anti-higiênicos. Para ele, a instituição
escravista influenciaria negativamente nos hábitos familiares da “mãi de
família” brasileira. A ama de leite escravizada estaria propensa à degeneração
e à violência sobre a criança que cuidava, pois, tendo seus filhos retirados
dos braços, a escravizada poderia reverter tal ação em um comportamento
negativo no trato da criança branca a qual amamentava, além isso de poder
comprometer a qualidade do leite produzido pela mesma. Assim, percebe-se que,
para o redator do jornal, a escravidão era um mal para a formação das famílias
brancas brasileiras.
83. A
edição do jornal publicada logo após a abolição da escravidão deixa essa
posição clara:
84.
Bem sabeis, minhas
senhoras, quantas lutas, quantos sofrimentos experimentaram as senhoras
brasileiras, durante o longo e desgraçado período da escravidão no Brasil,
quando eram obrigadas a recorrer às pobres mães escravas para servirem de amas!
Sabeis que estas mulheres iam muitas vezes, como verdadeiras vítimas para o
sacrifício, sendo forçadas por bárbaros senhores a enjeitarem seus filhos… Pois
bem, agora, graças a gloriosa lei de 13 de Maio, não há mais mães escravas;
todas as mulheres são iguais; de sorte que não haverá mais distinção entre as
amas de leite livres e escravas. Elas poderão atualmente servirem como amas,
por sua livre vontade e é natural supor-se que farão a amamentação de bom
coração, podendo levar consigo seus filhos. (COSTA, 30 jul. 1888, p.89)
85. Segundo
Carula, Carlos Costa não deixava passar em branco as críticas referentes às
amas de leite negras, as quais ainda carregavam características e
comportamentos que deveriam ser monitorados pelas famílias das crianças
brancas. Via a necessidade das mães que utilizassem dos serviços das amas de
leite no pós-abolição atentarem para os hábitos e costumes destas, como
supostos vícios e falta de inteligência.[49]
Ainda de acordo com Carula, o comportamento proveniente dos hábitos das amas de
leite, ex-escravizadas, poderia ser transmitido para as crianças amamentadas,
enfatizando a importância da educação dessas mulheres. Carula demonstra que
apartar a função da ama de leite naquele momento era, para Costa, afastar os
resquícios da instituição escravista da sociedade brasileira planejada pelos
higienistas, onde habituar a família ao ato da amamentação materna era se
apartar do modelo de sociedade anterior, construído em meio a convivência com
negros escravizados.[50]
86. A
análise iconográfica da obra Mãe Preta
nos permitiu identificar esses debates, abrindo algumas possibilidades de
interpretação. Considerando o contexto acima explorado, podemos sugerir que a
cena retratada representaria um momento após
1888, quando as ex-cativas que ainda se ocupavam como amas de leite não eram
mais obrigadas a se separarem dos filhos em função do seu trabalho.
Plausível também é supor a possibilidade do contato do artista com essa
prática, que era recorrente na sociedade carioca desde os tempos
coloniais.
O laço familiar entre mãe e filho negros: a
comprovação da formação de famílias escravizadas na região sudeste no Brasil
87. Outros
estudos afirmam, porém, possibilidades distintas de interpretação das realidades
escravistas no Brasil, contrapondo-se ao discurso da corrente historiográfica
em voga até a década de 1970 na historiografia brasileira, que via na senzala
um ambiente degenerado e atrasado.[51]
Calcados no imaginário europeu e aplicados sobre culturas denominadas
como diferentes, esse discurso que enfatizava as diferenças entre brancos e
negros, pode ser observados, por exemplo, nos relatos de viajantes estrangeiros
que desembarcaram no Brasil desde o século XIX.
88. A partir
da utilização de fontes que não privilegiavam a dinâmica sociocultural africana
no Brasil, essa corrente historiográfica destacava o ponto de vista europeu
sobre a diversidade da população brasileira. Essas fontes justificaram a quase
nulidade da temática que dizia respeito a formação familiar no ambiente das
senzalas. Segundo Amanda Rodrigues de Miranda, em seu artigo Família Escrava no Brasil: um debate
historiográfico (2012), essa corrente era embasada principalmente em
relatos de viajantes pautados na visão europeizada da estrutura familiar e na
certeza de que os africanos e afro-brasileiros escravizados eram inferiorizados
culturalmente, observando uma improbabilidade na existência da família cativa.
Essa conclusão, segundo Miranda, pode-se ser explicada através das diferentes
temáticas tratadas nas fontes analisadas por historiadores como Manolo
Florentino[52] e Suely Robles Reis de Queiroz.[53]
As fontes utilizadas por esses autores, como os relatos de viajantes, possuíam
preocupações diversas em seu discurso - como com a paisagem, a sociedade e a
cultura brasileira numa perspectiva mais geral - e não somente sobre questão da
escravidão no Brasil e as estruturas sociais advindas dessa instituição.
89. Entretanto,
outros autores embarcaram em busca de fontes diferenciadas que refletiram um
resultado singular sobre a formação de famílias nas senzalas brasileiras, se
comparado aos obtidos até aquele momento. Segundo Miranda, autores como Robert
Slenes e Hebe Mattos dedicaram trabalhos a essa temática e utilizaram-se de
fontes de cunho demográfico de diferentes áreas, comprovando a existência de
núcleos familiares de escravizados em diferentes períodos e em várias regiões
do Brasil. De acordo com Miranda (2012, p.157), sobre a obra de Mattos “é
possível perceber em seu postulado que o levantamento de inventários
‘post-mortem’ em algumas regiões, como Campos, Capivari e Recôncavo da
Guanabara, na Baixada Fluminense, traz evidências da formação familiar cativa,”
enquanto Slenes, em seus estudos sobre família escrava em Campinas, aborda,
entre outros aspectos, a visão do senhor em relação ao casamento escravo:
“os senhores médios e grandes de Campinas não só olhavam com favor, mas
incentivavam o casamento religioso de seus escravos” (SLENES apud MIRANDA,
2012, p. 157).
90. A
partir da década de 1970, portanto, os estudos historiográficos que envolviam
as relações familiares observadas no ambiente das senzalas demonstraram,
através de análises de cunho demográfico e quantitativo, que havia a existência
de laços familiares naqueles espaços e também um grande número de matrimônios
entre os escravizados. Segundo o próprio Slenes (1998, p.2),
91.
Os estudos
subsequentes, contudo, mudaram drasticamente o quadro empírico referente à
família escrava. Os trabalhos demográficos têm focalizado especialmente o Oeste
paulista no século XIX - exatamente a região das plantations o “hinterland” da
cidade de São Paulo) que era o ponto de referência de Florestan Fernandes. Esses
estudos mostram uma altíssima razão de masculinidade entre os escravos ao longo
do século, junto com altas taxas de casamento formal, feito na Igreja, entre
homens e mulheres, em propriedades com 10 ou mais cativos (nas quais estava a
maioria dos escravos). Indicam também, para essas propriedades, uma
estabilidade impressionante (no contexto da historiografia sobre o assunto) nas
famílias conjugais constituídas (isto é, entre cônjuges e na convivência entre
pais e filhos menores de 10 anos). Em suma, nas propriedades maiores, a
experiência de viver numa família conjugal estável era a norma para a grande
maioria de mulheres e crianças escravas. Além disso, em propriedades “maduras”,
com muitos anos de funcionamento, essa estabilidade se traduzia na existência
de muitas famílias extensas, contando com a presença de três gerações e a
convivência entre irmãos adultos e seus respectivos filhos. Se o tráfico
africano e interno despejava sempre mais “estrangeiros” (principalmente homens)
nas fazendas da região, não é verdade que a maioria dos cativos - muito menos a
maioria das mulheres e das crianças - estivessem “perdidos uns para os outros”,
vivendo condições de anomia. Portanto, as conclusões de Fernandes e Bastide a
respeito do processo de aculturação dos escravos, de sua incapacidade
“política”, e das causas de sua falta de mobilidade social após a abolição são
improcedentes.
92. Utilizando-se
dos dados demográficos da região de Campinas - centro de produção de café no
século XIX - pode-se perceber a existência de um grande contingente familiar
entre os escravos, sendo que “67% das mulheres acima de 15 anos eram casadas ou
viúvas e 80% dos filhos menores de 10 anos conviviam com os dois pais ou com um
pai ou mãe viúvo.”[54] Fica clara a existência de uma estrutura
social que desqualifica os vários discursos que buscavam afirmar a falta de
sentimentos e laços entre os escravizados africanos, discursos esses que nos
primeiros anos do século XX eram associados à identidade negra pelas elites.
93. A
mentalidade da elite brasileira desse século e dos historiadores que se
pautaram em fontes oficiais dos Oitocentos influenciaram fortemente a
construção da ideia acerca da não existência de laços familiares dentro das
senzalas brasileiras. Os resultados obtidos nas pesquisas de Slenes[55]
e Mattos[56] são exemplos de uma historiografia que
observa a intimidade de comunidades negras no Brasil escravista e colaboram
para estudos como o nosso. Há nesses dados a comprovação de que mesmo que os
senhores de escravizados possuíssem um controle maior sobre os costumes dos
negros - dada a obrigatoriedade dos cativos servirem a religião oficial do
Império e ao matrimônio em moldes católicos - também havia a necessidade e o
empenho em criar laços, os quais se tornavam uma forma de esperança e tentativa
de um futuro mais estável dentro das casas-grandes através do ato de formar uma
família.
94. Miranda
enfatiza a formação familiar entre escravos não somente como um mecanismo de
dominação dos senhores sobre os escravos, mas também como uma posição de
resistência dos escravizados. A formação de gerações poderia propiciar uma
continuidade capaz de disseminar e perpetuar costumes e hábitos culturais dos
africanos e afro-brasileiros, tão apontados como inferiores aos olhos da
aristocracia branca no Brasil.
Considerações finais
95. Utilizar-se
de uma fonte imagética como evidência histórica permite que o pesquisador passe
a observar o mundo ao seu redor com uma lente que ultrapassa a superfície do
visível. As conexões realizadas pelo espectador ao longo da análise de uma
fonte imagética têm um papel importante para a construção do saber histórico. A
partir de uma obra carregada de interrogações como Mãe Preta, essa análise - seja com foco no aspecto formal,
semiótico ou cultural (FREITAS, 2011) - é o ponto de partida de um longo
trabalho de pesquisa, necessário para construir um pensamento interpretativo e
embasá-lo através das possibilidades dadas ao historiador por uma imagem.
Através de referenciais teóricos, das evidências e conclusões obtidas, pode-se
percorrer um caminho que leva a eventos, situações e contextos que podem
aproximar o “leitor” da imagem do âmbito de sua produção e da mentalidades e
discursos que a permearam.
96. A
imagem, produzida no início do século XX, insere-se em um contexto histórico
rico em mudanças - como a adaptação do Brasil ao sistema republicano, a
abolição da escravidão, a inserção do negro na sociedade brasileira. Tais
fatores permearam o espaço de vivência de Lucilio de Albuquerque, formador de
sua personalidade pessoal e artística. De certa forma, podemos dizer que estes
fatores mobilizaram o pintor na direção do quadro, tal qual ele foi concebido e
composto. Assim, analisar esse contexto histórico é importante para uma
apreensão das intenções e significados da imagem.
97. Com as
afirmativas de Robert Slenes e Hebe Mattos, analisadas no estudo de Miranda
(2012), pôde-se perceber que a formação da família escravizada, principalmente
na região Sudeste do Brasil, opõe-se ao conjunto de ideias que se estruturam
até a década de 1970. Grande parte da população escravizada, a partir da
segunda metade do século XIX, aderiu aos costumes católicos do Estado
brasileiro através da formação familiar a partir do matrimônio, firmando laços
que visavam uma estabilidade e a disseminação de suas heranças culturais, num
embate com a ideia de desestrutura familiar colocada a respeito dos negros
dentro das senzalas. A partir da segunda metade do século XIX e com o fim definitivo
do fluxo de africanos novos advindos do outro lado do Atlântico em 1850, por
conta da lei Eusébio de Queiroz, o sincretismo cultural entre a cultura
africana e brasileira viabilizou aos negros escravizados uma relativa adaptação
às relações familiares habituais no Brasil.
98. Mãe Preta traz
evidências que colaboraram para analisar o ambiente sociocultural no qual as
amas de leite estavam inseridas. Como já afirmado anteriormente, a partir da
exploração da história das amas de leite no Brasil, concluiu-se que a imagem
representada por Lucilio de Albuquerque - com a intenção explícita ou não do
autor - apresenta a ama de leite numa condição que pode ser definida como após
a abolição da escravidão, por conta da mulher negra estar acompanhada de seu
filho na imagem. Os discursos aqui explorados, como aqueles presentes no
periódico A Mãi de Família,
permitiram conhecer melhor as mudanças operadas na condição de vida e no
direito das amas de leite negras após 1888. Não mais escravizadas, estas
passaram a exercer a atividade sem terem de abrir mão de seus filhos
biológicos, o que era exigido para as mulheres negras cativas que se
encontravam nessa posição.
99. Enfim,
Mãe Preta reflete a integração do
ex-escravizado na sociedade do início do século XX. Por outro lado, teorias
raciais pautadas nas ideias de branqueamento e miscigenação, as quais tinham
como objetivo final a omissão da etnia negra no Brasil e a busca de um
determinado progresso, resultaram na marginalização de grande parte da
população brasileira, sem o devido reconhecimento e possibilidades de
crescimento como cidadão, situação que se perpetuaria na história do Brasil.
Referências
bibliográficas
AMANCIO, Kleber Antonio de
Oliveira. Reflexões sobre a pintura de Arthur
Timotheo da Costa. 2016. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2016.
AMADOR, Bueno.
BELAS-ARTES. Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 22 set. 1912, p. 5.
BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção: a explicação
histórica dos quadros. Editora Companhia das Letras, 2006.
BELLAS ARTES, Escola Nacional
de. Catálogo da exposição
- Lucílio e Georgina de Albuquerque, Escola Nacional
de Bellas Artes, p. 1-7. Rio de Janeiro, 1911.
BELLAS ARTES. O “Salon” de Setembro. A Noite, Rio de Janeiro, 18 jul. 1912,
p. 2.
BURKE, Peter. Testemunha
ocular: história e imagem.
Bauru: Edusc, 2004.
CAPELATO, Maria Helena Rolim; DUTRA, Eliana
Regina de Freitas. Representação Política. O reconhecimento de um conceito na
historiografia brasileira. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; MALERBA, Jurandir
(orgs.). Representações - Contribuição a um debate transdisciplinar.
Campinas: Papirus, 2000, p. 227-267.
CARULA, Karoline. Perigosas
amas de leite: aleitamento materno, ciência e escravidão em A Mãi de Família. História,
Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 19, 198-212, 2012.
CHALHOUB,
Sidney. Visões da liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2011,
p.35.
CHARTIER, Roger. Defesa e
ilustração da noção de representação. FRONTEIRAS:
Revista de História, v. 13, n. 24, 2012, p.25.
CHRISTO, Maraliz de Castro
Vieira. Algo além do moderno: a mulher negra na pintura brasileira no início do
século XX. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n. 2, abr. 2009.
COSTA, Carlos. Mãi Preta. A
Mãi de Familia, Rio de Janeiro, ano 10, n. 21, p. 166-167, nov. 1888.
COSTA, Carlos. Palestra do
médico 12. A Mãi de Familia, Rio de Janeiro, ano 10, n. 12, p. 89-90, 30
jul. 1888.
DANTAS, Ana Paula A. Do impressionismo a
expressionismo - a pintura europeia
de encontro a modernidade. Universidade Federal Fluminense, s/d,
p.1.
DEIAB, Rafaela de Andrade. A
mãe-preta na literatura brasileira:
a ambiguidade como construção social (1880-1950). 2006. Dissertação
(Mestrado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006, p.7-32.
DOS SANTOS, Dominique Vieira
Coelho. Acerca do conceito de representação. Revista de Teoria da História, v. 6, n. 2, 2011, p.48.
FERNANDES, F. A integração
do negro na sociedade de classes (1º vol.). São Paulo: Globo, 2008.
FLORENTINO, M.; GÓES, J. R. A
paz das senzalas: famílias escravas
e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, 1790-1850. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1997.
FREITAS, Artur. História e
imagem artística: por uma abordagem tríplice. Revista Estudos Históricos, v. 2, n. 34, 2004, p. 13-18.
GIACOMINI, Sonia Maria. Mulher e escrava: uma introdução
histórica ao estudo da mulher negra no Brasil. Petrópolis:
Vozes, 1988.
GRINBERG, Piedade
Epstein. Lucílio de Albuquerque na arte brasileira. 19&20, Rio de
Janeiro, v. III, n. 3, jul. 2008, n.d.
JOLY,
Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus editora,
2012, p.9.
MARTINS, Bárbara Canedo Ruiz. Amas-de-leite
e mercado de trabalho feminino:
descortinando práticas e sujeitos (Rio de Janeiro, 1830-1890).
2006. Tese de Doutorado. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2006, p.143.
MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
NAXARA, Márcia. Estrangeiro
em sua própria terra: representações
do trabalhador nacional, 1870-1920. Dissertação (mestrado) -
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Campinas, SP, 1991.
NEUNDORF, Alexandro. O estudo
do simbolismo no Brasil: como uma história possível para os lugares de
interações culturais. Anais do IV
Congresso Internacional de História, 2009, p.1.
PANOFSKY, E. Iconografia e Iconologia: Uma introdução ao estudo da arte da Renascença.
In: _____. Significado nas Artes Visuais.
- 2 ed. - São Paulo: Perspectiva, 1986, p.47-65.
PEREIRA, Bergman de Paula. De escravas a
empregadas domésticas - A dimensão social e o “lugar” das mulheres negras no
pós-abolição. XXVI Simpósio
Nacional de História ANPUH, v. 50, 2011, p.1-7.
PEREIRA,
Túlio Henrique. Culturas e hibridismo
na imagem de brasileiros: Valores epidérmicos, identidades e hierarquias nas
artes da Primeira República. 19&20, Rio de Janeiro, v. VIII,
n. 1, jan./jun. 2013, p. 1-5.
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra
em São Paulo. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1977. e ______. Escravidão negra
em debate. In: FREITAS, Marcos Cezar de. (Org). Historiografia Brasileira
em Perspectiva. São Paulo:Contexto, 1998.
RIOS, Ana Maria; MATTOS, Hebe
Maria. O pós-abolição como problema histórico: balanços
e perspectivas. Topoi (Rio de Janeiro), v. 5, n. 8, 2004, p.
170-192.
SÁ, Ivan Coelho de. O Processo de
“Desacademização” através dos Estudos de Modelo Vivo na Academia/Escola de
Belas Artes do Rio de Janeiro. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n.
3, jul. 2009.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O
espetáculo das raças: cientistas,
instituições e questão racial no Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.
SIMIONI, Ana Paula
Cavalcanti. A viagem a Paris de artistas brasileiros no final do século XIX. Tempo
Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1, 2005, p.343-363.
SLENES, Robert W.; FARIA,
Sheila de Castro. Família escrava e trabalho. Revista Tempo, v. 3, n. 6, p. 1-7, 1998, 1-7.
SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e
recordações na formação da família escrava: Brasil Sudeste, século XIX. Editora
Nova Fronteira, 1999, p. 2-150.
SOUZA, Vanderlei Sebastião de;
SANTOS, Ricardo Ventura. O Congresso Universal de Raças, Londres, 1911:
contextos, temas e debates. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências
Humanas, v. 7, n. 3, p. 745-760, set.-dez. 2012, p.745-760.
VALLE, Arthur. Artur Timótheo
da Costa, Jornal Rio Informa, Rio de Janeiro, 01 fev. 2004,
p.8.
VIANNA, VICTOR. Escola de
Bellas Artes - Os Premios de Viagem. Revista Renascença, p. 177-179,
1906.
_________________________________
[1] BURKE,
Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: Edusc,
2004, p. 17. Neste
trabalho o autor define de forma clara o papel da evidência histórica,
expandindo a visão do historiador sobre o uso da imagem como uma parte
importante da pesquisa histórica: “A proposta essencial que esse
livro tenta defender e ilustrar é de que as imagens, assim como textos e
testemunhas orais, constituem-se numa forma importante de evidência histórica.
Elas registram atos de testemunha ocular”.
[2] PANOFSKY, E. Iconografia e Iconologia: Uma introdução ao
estudo da arte da Renascença". In: _____. Significado nas Artes Visuais. - 2 ed. - São Paulo:
Perspectiva, 1986, p. 51. Panofsky define iconografia como o ato de identificar
em uma imagem um “mundo de assuntos específicos ou conceitos manifestados”
nestas, enquanto, os temas secundários e convencionais podem ser definidos como
as motivações de uma obra e a combinação dos motivos artísticos que levaram a
esta. Tais motivos são “reconhecidos como portadores de um significado”.
[3] Ibidem, p.53. O aspecto
iconológico de uma obra pode ser explicado como “um sintoma de algo mais que se
expressa numa variedade incontável de outros sintomas e interpretamos suas
características composicionais iconográficas como evidência mais
particularizada desse ‘algo a mais’ (Ibidem, p. 53). Portanto, conjecturar,
discutir e interpretar esse “algo a mais” pode ser definido como a iconologia,
princípio norteador do estudo aqui apresentado.
[4] DANTAS, Ana Paula A. Do
impressionismo a expressionismo - a
pintura europeia de encontro a modernidade. Universidade Federal
Fluminense, s/d, p. 1. O impressionismo “queria romper com o passado,
expressando o que era eminentemente moderno, através de uma pesquisa artística
moderna. Esse movimento pressupunha o enfrentamento da realidade sem o suporte
do ‘clássico’ e do ‘romântico.’ Tratava-se de libertar a sensação visual do
artista e de suas experiências, posturas e entendimentos da sociedade que
pudessem, por sua vez, prejudicar a imediaticidade do real.”
[5] NEUNDORF, Alexandro. O
estudo do simbolismo no Brasil: como uma história possível para os lugares de
interações culturais. Anais do IV Congresso
Internacional de História, 2009, p.1. Neundorf introduz seu trabalho
buscando esclarecer as origens do movimento simbolista e o objetivo deste
naquele momento: “[O Simbolismo] Surgiu na França como um
movimento de oposição ao Realismo e ao Naturalismo, e como o ponto para onde
confluíram as influências da mística oriental (religião, artes), da crítica às
correntes materialistas e cientificistas de uma sociedade industrial que se
desenvolvia com vigor nos inícios do século XX”.
[6] JOLY,
Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus editora,
2012, p. 9.
[7] Ibidem, p. 68.
[8] Ibidem, p.77.
[9] FREITAS, Artur.
História e imagem artística: por uma abordagem tríplice. Revista Estudos Históricos, v. 2, n.
34, 2004, p. 13-18.
[10] BAXANDALL,
Michael. Padrões de intenção: a
explicação histórica dos quadros. Editora Companhia das Letras, 2006, p. 81.
[11] DOS SANTOS, Dominique
Vieira Coelho. Acerca do conceito de representação. Revista de Teoria da História, v. 6, n. 2, 2011, p.48. Interessante
é seu modo de exemplificar a complexidade que marca o conceito: “É como um
tabuleiro de xadrez, muda-se a posição das peças e temos novos sentidos, novas
ordens, outras cosmologias. Dependendo do contexto, um peão pode se converter
em pedra angular”.
[12] CAPELATO, Maria Helena
Rolim; DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Representação Política. O
reconhecimento de um conceito na historiografia brasileira. In: Representações
- Contribuição a um debate
transdisciplinar. Campinas: Papirus, 2000, p.
251.
[13] CHARTIER, Roger. Defesa
e ilustração da noção de representação. FRONTEIRAS: Revista de História, v. 13, n. 24, 2012, p. 25.
[14] Ibidem, p. 25. Chartier
enfatiza a importância de considerar o discurso histórico como representação e
também “uma explicação adequada da realidade que aconteceu” (2011, p. 25),
dando um caráter emancipador à História em relação a memória, pois, a História
aplica suas técnicas pertinentes para transformar a memória em uma
representação palatável e entendível a quem a lê e a estuda.
[15] GRINBERG, Piedade
Epstein. Lucílio de Albuquerque na arte brasileira. 19&20, Rio de
Janeiro, v. III, n. 3, jul. 2008.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/artistas/la_peg.htm
[16] SIMIONI,
Ana Paula Cavalcanti. A viagem a Paris de artistas brasileiros no final do
século XIX. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v.
17, n. 1, 2005, p. 354.
[17] A Revista Renascença - revista mensal de letra, sciencias e artes foi
publicada entre os anos de 1904 e 1908 no Rio de Janeiro, com a direção de
Rodrigo Octavio e Henrique Bernardelli.
[18] VIANNA, VICTOR. Escola
de Bellas Artes - Os Premios de Viagem. Revista Renascença, p. 177-179,
1906.
[19] GRINBERG, op. cit..
[20] SÁ, Ivan Coelho de. O Processo de
“Desacademização” através dos Estudos de Modelo Vivo na Academia/Escola de
Belas Artes do Rio de Janeiro. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n. 3,
jul. 2009. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/ea_ivan.htm O autor diferencia o
caso do Brasil se comparado a Europa no que diz respeito a predominância da
estética clássico acadêmica, onde, para o mesmo, o processo de
“desademicização” da arte brasileira passaria pela necessidade de um
desvencilhamento dos modelos europeus intrínsecos que perpassa por questões de
um reconhecimento da existência de uma identidade brasileira. O ideal de
academicismo brasileiro reproduzido pelos artistas estava ligado aos moldes
artísticos europeus, relacionava-se a admiração sobre o Velho Mundo e aos
padrões presentes no Classicismo, além dos ideais eurocêntricos de
perfectibilidade. Dessa forma, essa negação da história sociocultural
brasileira convergia em um reflexo do classicismo grego sobre as obras da
história da ENBA, não levando em conta a sociedade e cultura presentes no
Brasil. Portanto, como visto por Sá, a academização no campo das Artes no
Brasil se dera calcada na ideia de perfeccionismo europeu, excluindo, na
maioria dos casos, a verdadeira face do Brasil miscigenado que emergia naquele
momento. O autor ainda destaca que a efetivação das ideias ligadas a
“desacademicização” - trazendo em suas produções a identidade brasileira, sua
sociedade e cultura - foram propriamente estabelecidas na arte brasileira a
partir da década de 1920, com os movimentos modernistas.
[21] Idem.
[22] AMANCIO, Kleber Antonio
de Oliveira. Reflexões sobre a pintura
de Arthur Timotheo da Costa. 2016. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2016, p. 33-38.
[23] VALLE, Arthur. Artur
Timótheo da Costa, Jornal Rio Informa, Rio de Janeiro, 1
fev. 2004, p. 8
[24] CHALHOUB,
Sidney. Visões da liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2011,
p. 35.
[25] JOLY, op. cit., p. 35. “É relevante observar
que a maioria esmagadora das entradas de escravizados no último período,
1826-50, mais o número residual da década de 1850, destinou-se à região do
atual Sudeste e ocorreu quando tratados internacionais e legislação nacional
haviam tornado ilegal o tráfico negreiro”.
[26] PEREIRA, Bergman de Paula.
De escravas a empregadas domésticas - A dimensão social e o “lugar” das
mulheres negras no pós-abolição. XXVI
Simpósio Nacional de História ANPUH, v. 50, 2011, p. 2. No que concerne ao
papel das mulheres no ambiente doméstico, segundo Pereira, “os afazeres
domésticos e o cuidar dos filhos das sinhás, foi um forte condicionante privado
de estruturação patriarcal e hierárquica, durante o período de escravidão, a
regulação das relações entre senhoras e escravas, pautava-se no modelo de
dominação de classes, definido por padrões de superioridade e inferioridade, a
negra escrava mesmo sendo considerada inferior, foi quem amamentou os filhos de
suas senhoras” (Ibidem, p.2).
[27] RIOS, Ana Maria;
MATTOS, Hebe Maria. O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas.
Topoi (Rio de Janeiro), v. 5, n. 8, 2004, p. 179.
[28] PEREIRA, op. cit., p.
3.
[29] CARULA, Karoline. Perigosas amas de leite: aleitamento materno,
ciência e escravidão em A Mãi de Família.
História, Ciências, Saúde-Manguinhos,
v. 19, 2012.
[30] SCHWARCZ, Lilia Moritz.
O espetáculo das raças: cientistas, instituições
e questão racial no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 43.
[31] Idem.
[32] NAXARA,
Márcia. Estrangeiro em sua própria terra: representações do trabalhador
nacional, 1870-1920. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 1991, p.
2-15.
[33] Ibidem, p. 8.
[34] Ibidem, p. 45.
[35] PEREIRA, Túlio
Henrique. Culturas e hibridismo na imagem de brasileiros: Valores epidérmicos,
identidades e hierarquias nas artes da Primeira República. 19&20, Rio de Janeiro, v. VIII, n. 1, jan./jun.
2013. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/criticas/thp.htm
[36] CHRISTO, Maraliz de
Castro Vieira. Algo além do moderno: a mulher negra na pintura brasileira no
início do século XX. 19&20,
Rio de Janeiro, v. IV, n. 2, abr. 2009. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_maraliz.htm
[37] AMADOR, Bueno.
BELAS-ARTES. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 set. 1912, p. 5.
[38] BELLAS ARTES. O "Salon" de Setembro. A Noite, Rio de Janeiro, 18 jul. 1912,
p. 2.
[39] SOUZA, Vanderlei
Sebastião de; SANTOS, Ricardo Ventura. O Congresso Universal de Raças, Londres,
1911: contextos, temas e debates. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 7, n. 3, p.
745-760, set.-dez. 2012. Exemplo da dimensão e importância desses discursos no
mundo podem ser analisados através deste artigo de Souza e Santos, que
traz um estudo rico em informações a visão mundial acerca da miscigenação
e suas consequências na concepção da época. Essas preocupações deram origem ao
Congresso Universal de Raças que aconteceu em Londres, em 1911. O Congresso
apresentava os interesses em voga dos países imperialistas no que dizia
respeito a miscigenação, os aspectos físicos diferenciados entre as etnias e de
que forma tais características influenciavam no comportamento dos indivíduos.
Dentre os homens da ciência que participaram do evento, encontravam-se
dois brasileiros: Roquette Pinto (1884-1954) e João Baptista de Lacerda
(1846-1915) que trouxeram às discussões a miscigenação acentuada no Brasil,
advinda desde a chegada dos portugueses e seu contato com os indígenas até
aquele momento.
[40] FREYRE, Gilberto. Casa-grande
& senzala: formação da família
brasileira sob o regime da economia patriarcal / apresentação de
Fernando Henrique Cardoso - 46º ed. rev. - São Paulo: Global, 2003 -
(Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil; 1), p. 435-436.
[41] DEIAB, Rafaela de
Andrade. A mãe-preta na literatura brasileira: a ambigüidade como construção social (1880-1950). 2006.
Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
[42] FERNANDES,
Florestan. A integração do negro na sociedade de classes (1º vol.). São
Paulo: Globo, 2008.
[43] GIACOMINI, Sonia Maria.
Mulher e escrava: uma introdução
histórica ao estudo da mulher negra no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1988, p.
19.
[44] CARULA, op. cit.
[45] COSTA, Carlos. Mãi
Preta. A Mãi de Familia, Rio de Janeiro, ano 10, n. 21, nov. 1888, p.
166-167
[46] MARTINS, Bárbara Canedo
Ruiz. Amas-de-leite e mercado de trabalho feminino: descortinando práticas e
sujeitos (Rio de Janeiro, 1830-1890). 2006. Tese de Doutorado. Dissertação
(Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006, p.143.
[47] DEIAB, op. cit., p.7.
[48] CARULA, op. cit., p.198.
[49] Ibidem, p. 201.
[50] Ibidem, p. 212.
[51] SLENES, Robert W.;
FARIA, Sheila de Castro. Família escrava e trabalho. Revista Tempo, v. 3, n. 6, p. 1-7, 1998. No artigo, Slenes e Faria
fazem um panorama da historiografia anterior a década de 1970 no que diz
respeito à fala dos historiadores sobre a formação da família escravizada no
Brasil. “Nas décadas de 1950 e 1960, tanto a historiografia brasileira quanto a
norte-americana formulavam em primeiro plano, nas discussões, a questão
relativa ao caráter e às consequências da escravidão. No Brasil, Florestan
Fernandes e Roger Bastide expressaram o consenso sobre o assunto de forma mais
clara. Por razões demográficas (o excesso de homens sobre mulheres no tráfico
africano) e como resultado de uma política senhorial de (nas palavras de
Fernandes) ‘tolher e solapar’ todas as formas de solidariedade entre os
cativos, a ‘família’ escrava - não apenas a ‘linhagem’, mas também a família
conjugal/nuclear, com o pai ‘presente’ na vida dos filhos - praticamente
inexistiu. ‘Perdidos uns para os outros’, sem laços sociais para recriar sua
cultura e identidade, os escravos eram reduzidos a ‘condições anômicas de
existência’. Como resultado (segundo Bastide), eles internalizavam as normas
brancas, chegando subconscientemente a identificar seu senhor como ‘pai’; mais
sério ainda (Fernandes), eles não tinham condições de participar do processo da
‘Revolução Burguesa’ no Brasil como agentes sociais de relevo, como fizeram os
imigrantes e uma fração dos fazendeiros do oeste paulista. Finalmente
(Fernandes), eles não puderam enfrentar com sucesso a concorrência dos
imigrantes, depois da abolição, por não desfrutarem das instituições de ajuda
mútua e dos valores favoráveis à mobilidade que a família propiciava” (SLENES,
FARIA, 1998, p. 1).
[52] FLORENTINO, M. e GÓES,
J.R. A Paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de
Janeiro, 1790-1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
[53] QUEIROZ, Suely Robles
Reis de. Escravidão Negra em São Paulo. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1977. e
______. Escravidão negra em debate. In: FREITAS, Marcos Cezar de. (org). Historiografia
Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p.114.
[54] SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e
recordações na formação da família escrava: Brasil Sudeste, século XIX.
Editora Nova Fronteira, 1999, p.41.
[55] Idem.
[56] MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998.