Considerações sobre a Exposição Geral de Belas Artes de 1894
Karina Perrú Santos Ferreira Simões
SIMÕES, Karina Perrú
Santos Ferreira. Considerações sobre a Exposição Geral de Belas Artes de 1894. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 2, jul./dez. 2016. https://www.doi.org/10.52913/19e20.XI2.08
* * *
1. Em
1894, quatro anos após a Reforma da Academia que deu origem a Escola Nacional
de Belas Artes (ENBA), ocorreu no
Rio de Janeiro
a 1ª Exposição Geral de Belas Artes (EGBA). Esta exposição contou
com a participação
de um grande
número de visitantes, incluindo
pessoas da elite brasileira e chefes do Estado brasileiro e de outros
países. Além disso, teve uma boa recepção
pelos compradores de
arte, amadores ou não.
A imprensa participou
ativamente deste evento
publicando em diferentes periódicos artigos que descreviam
os artistas e obras presentes na exposição, além de revelarem as expectativas
com relação à mostra. Em nosso texto,
buscamos compreender
qual foi o
impacto e importância
da 1ª EGBA para
Escola e para o meio artístico brasileiro.
2. Às doze horas do dia 30 de setembro de 1894, na galeria
número 2 da Escola Nacional de Belas Artes, ocorreu o vernissage da 1ª
EGBA. O vernissage era, em conjunto com a inauguração, um tipo de
pré-estreia da mostra. Por não haver nenhum documento descrevendo o vernissage
de 1894, não há como saber ao certo o que de fato ocorreu neste evento. Mas é
provável que nele, como o próprio nome adianta, se fez o envernizamento, “a
aplicação de uma pátina final de verniz nos quadros a óleo, protegendo-os e
uniformizando o brilho de suas superfícies.”[1]
Também é muito provável que tenha sido um evento social para um público
selecionado, com um “caráter mais íntimo,”[2]
reservado “aos artistas e aos seus convidados, onde se trocam ideias, se
retocam telas, se corrigem erros de coloração, perspectivas de luz, etc.”[3]
3. No dia seguinte ao vernissage decorreu, no mesmo
local e horário, a inauguração da 1ª EGBA. Esta cerimônia diferenciava-se do vernissage
pela maior formalidade e principalmente pelo maior número de convidados,
claramente significativo. Como informava o periódico O Paiz, em nota do
dia 2 de outubro: “A exposição foi visitada ontem por 1.587 pessoas.”[4]
4. A Exposição Geral de 1894 foi a primeira após a Reforma
da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), ocorrida em 1890. Ela teve o
acréscimo da expressão “1ª” para criar uma descontinuidade deliberada em
relação às edições anteriores ocorridas na instituição. Esta exposição em
especial, como aponta Camila Dazzi foi “um evento de grande importância para
seus articuladores, que pretendiam fazer dela um exemplo de nível
internacional. Nada poderia desviar as atenções a seu respeito.”[5]
5.
Apesar de
não haver uma historiografia numerosa sobre as exposições ocorridas no Rio de
Janeiro desta época, é possível perceber, através dos estudos que já foram
feitos sobre este tema, que este intervalo de tempo - entre a Reforma de 1890 e
a 1ª Exposição Geral de 1894 - foi um período de intenso movimento artístico
nos ambientes cariocas.
6. A começar pela “exposição dos rebeldes,”[6]
realizada de junho de 1890 até o fim do mesmo ano pelos integrantes do Atelier
Livre, formado pelos “novos” da academia - ou modernos como ficaram conhecidos a
posteriori. Alunos e professores que exaustos dos moldes acadêmicos e da
demora da reforma, iniciaram “um curso de pintura moldado na Academia Julien,
de Paris, e no qual recebiam diariamente lições de Rodolpho
Amoedo, de Rodolpho e Henrique
Bernardelli e de Zeferino
da Costa.”[7] Financiados por diferentes mecenas como
Luiz Resende, José do Patrocínio e os próprios professores, o grupo lançou “uma
grande exposição de trabalhos dos filiados ao movimento, um verdadeiro ‘Salon’
de independent que [...] logrou atrair numeroso público e excelentes
expositores, destacando-se Eliseu
Visconti, Fiúza Guimarães, Rafael
Frederico, Bento Barbosa [...] e França
Júnior.”[9]
7. Dentro da Escola, ocorreram exposições individuais,
outras que mostravam os trabalhos dos alunos e, ainda, as que serviam como
provas para o Grande Prêmio de Viagem à Europa. Em 1891, Henrique Bernadelli
pediu permissão para expor algumas obras suas no térreo da Escola, e conseguiu.
Essa autorização foi o início de um processo para a abertura da instituição em
realizar exposições de artistas vinculados à ENBA. No ano seguinte, 1892, Pedro
Weingärtner realizou um pedido para que alguns quadros seus fossem melhor
expostos na sala número 2.[10]
8.
O ano de
1894 também foi marcado por outras exposições, além da Exposição Geral.
Incluindo exposições individuais, como de João
Baptista Castagnetto, entre os dias 1 e 30 de maio, e a de Belmiro de
Almeida, entre os dias 15 e 22 de setembro. Algumas obras deste artista
seriam exibidas novamente na Exposição Geral, como A Tagarela [Figura 1], Bom
tempo [Figura 2], Vaso
com flores [Figura 3] e Efeito
de Sol [Figura 4].
9.
A mostra
contou com mais de quatro centenas de obras, entre pinturas, desenhos, projetos
arquitetónicos, gravuras, esculturas e peças de arte aplicada, e alcançou um
grande sucesso de público e de vendas: somando apenas os números divulgados
pelos periódicos O Paiz e Jornal do Commercio, 5.492
pessoas visitaram a exposição, como mostra a tabela “Público e Preço;” e
das 215 pinturas pelo menos quarenta foram adquiridas por diferentes
compradores, desde a própria Escola até o Barão Sampaio Vianna. Dentre seus
organizadores estavam os diretores da ENBA, Rodopho Bernardelli e Rodolpho
Amoedo. Estiveram presentes, também, outros artistas consagrados, pensionistas
do Estado e artistas estrangeiros que mandaram seus trabalhos, mas não estavam
presentes de fato, como F. Fabbi e José
Júlio de Souza Pinto.
10. Para entender alguns critérios de seleção e organização
da exposição é preciso, como aponta Camila Dazzi, “apreender os anseios de
Rodolpho Bernardelli é compreender as aspirações dos artistas, uma vez que
muitos pintavam exclusivamente para as exposições; é entender as obras e a
narrativa que existe por trás delas.”[11]
11. Para Rodolpho Bernardelli, realizar as exposições gerais
significava duas coisas: desenvolver as artes plásticas e uma maneira de
manifestar o patriotismo, ou seja, “o desenvolvimento artístico significava, em
última instância, o desenvolvimento do próprio país.”[12]
Rodolpho Bernardelli e outros professores mantinham o desejo de montar uma
coleção de arte moderna e, desse modo, modernizar o sistema de ensino da
instituição. Isto explica as aquisições feitas pela Escola na mostra de 1894 e
em outros momentos.
12. Para a mostra, foram publicados dois catálogos oficiais,
Um inicial, lançado com a exposição e outro que recebeu atualizações e
modificações quanto à posição, organização e quantidade de obras.[13]
A publicação de um novo catálogo foi necessária porque o primeiro apresentou
uma série de erros, como quantidade de obras equivocada, omissão de obras, como
La musica proebita, de Diana Cid,
e mesmo a colocação de obras na seção errada. Os catálogos eram organizados por
ordem alfabética dos expositores. Neles, a Exposição foi dividida em seis
seções: Pintura, Escultura, Gravura, Litografia, Arquitetura e Artes aplicadas
à Indústria.
13.
Na secção
de Pintura foram expostos pinturas a óleo, aquarelas, pasteis, desenhos à pena
e a crayon. Nela apresentaram-se mais de quarenta expositores com o total de
212 obras, segundo o primeiro catálogo, e de 215, como indica o segundo
catálogo.
14.
Os dois
catálogos indicam que a seção de escultura apresentou apenas três obras,
incluindo uma obra de Rodolpho Bernardelli. A seção de Gravura, por sua vez,
era subdividida no segundo catálogo em duas partes: “Seção de gravura de
medalhas e pedras preciosas” e “Seção de gravura em água-forte;” às 29 gravuras
expostas, foi é acrescentada mais um Retrato de Keller Kehr, artista de origem italiana. Modesto
Brocos e Augusto Girardet também se apresentaram nesta seção, este
último com retratos de figuras conhecidas, como Benjamin Constant e Giuseppe
Verdi.
15.
Na seção
de Litografia, se expôs apenas oito obras, todas de Antonio Alves do Valle de Souza Pinto, de origem
portuguesa, irmão de J. J. de Souza Pinto, a maioria retratos de personalidades
do governo brasileiro. Já na seção de Arquitetura se apresentaram João
Ludovico Maria Berna e Heitor
de Cordoville, que totalizaram juntos dez projetos, de acordo com o segundo
catálogo, um a menos do que consta que no primeiro catálogo. Na sessão de Artes
Aplicadas à Indústria, três Companhias estiveram presentes: Companhia Marcenaria
Brasileira, Argentífera Brasileira e Companhia Industrial de Cristais e Vidros.
A tabela a seguir possibilita uma melhor visualização das obras expostas por
seção:
Tabela 1 - Relação secção de quantidade exposta de vendida [14], [15], [16]
16. Artes Aplicadas à Indústria e Pintura foram as seções que
mais apresentaram obras, como é possível ver na tabela anterior. Porém, a
sessão de Pintura foi a que teve a maior cobertura da imprensa carioca. Os
periódicos publicaram diversos artigos descrevendo as pinturas, os estilos e
perfis de pintores. Como exemplo disso, temos as obras expostas pelos diretores
da Escola, Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo, que despertaram na imprensa
duas reações distintas. Por um lado elogios a fatura destes e por outro certa
insatisfação com a quantidade e qualidade das obras.
17.
Quanto a
organização física do Salão de 1894, é possível ter uma remota percepção das
instalações de alguns quadros através da charge divulgada no Gazeta de
Noticias em 12 de outubro [Figura 5]. Nessa charge, os quadros aparecem de maneira
a preencher toda a parede. Esta era uma forma “tradicional” de disposição dos
quadros oriunda das primeiras pinacotecas e salões de arte europeus. Porém, é
preciso ponderar que, se tratando de uma charge, não é possível afirmar que
esta tenha sido realmente a forma de organização da mostra. Mesmo se, ao invés
da charge tivéssemos uma fotografia, o que veríamos seria o registro de uma ou
duas paredes de um ambiente específico do “Salão,” no máximo. A maneira como a
mostra foi instalada nunca apareceria de forma integral, o que poderia nos
guiar ao erro.
18. Do público que frequentou a 1ª Exposição Geral, é
possível perceber que a elite brasileira esteve presente ao menos na
inauguração, assim como representantes de outros Estados nacionais, como relata
o periódico Gazeta de Notícias:
19.
Entre as pessoas ali presentes notamos os Srs.
Ministro argentino, cônsul da Itália, general Vasques, almirante Gonçalves,
deputado A. de Mattos, marquês de Paranaguá, J. Teixeira Leite, A. Jannuzzi,
barão de Sampaio Vianna, Drs. Moraes Brito, Lima Drummond, André Cavalcanti e
José Verissimo, barão de Quartim e muitos professores do Instituto de Música e
da Escola de Belas Artes. [...]
20.
Às 3 horas da tarde, compareceu o Sr. Dr.
Nascimento, ministro do interior, o qual se demorou cerca de uma hora
apreciando devidamente a exposição, que lhe mereceu elogios. [17]
21. Estas presenças revelam a importância deste evento, tanto
a nível cultural como a nível político e financeiro. Como afirma a Raquel
Aguiar: “Na mola do seu crescimento econômico, a arte ganhava a função de
conferir fineza à nova burguesia.”[18]
22.
É notável
o sucesso de público da Exposição Geral de 1894. Durante os dias de exibição,
os números de visitantes se mantiveram basicamente constantes, com uma média
entre 150 a 200 pessoas por dia de visitação – com exceção do dia da
inauguração, que contou com aproximadamente 1500 presentes. É possível
visualizar isso na tabela a seguir:
Tabela
2 - Público e preço dos ingressos
23. Foi a partir do Salão de 1894 que a Exposição Geral, como
aponta Arthur Valle: “[…]
afirmou a sua periodicidade anual e estabeleceu-se como um espaço privilegiado,
onde um público diferenciado, em termos de gênero e de classe social, podia não
só apreciar o espetáculo das artes, mas também - e por vezes de maneira mais
importante - observar a si próprio, tendo plena consciência de seu auto
escrutínio.”[19] O autor explica que, ao longo do século
XIX e início do século XX houve uma “aproximação entre as esferas do público e
do privado,”[20] característica encontrada nos centros
urbanos mundiais da época, onde uma nova “lógica do olhar”[21]
passa a predominar: o corpo como um objeto de atenção, de interesse sexual e,
mesmo, de controle.
24. As Exposições Gerais eram um lugar de “visibilidade
pública,” dentro das quais existiam dois momentos privilegiados para a exibição
do público, já referidos: o vernissage e a inauguração. Em uma de suas
publicações sobre a inauguração de 1894, a Gazeta de Notícias evidencia
esse comportamento: “Formosas
e elegantes senhoras aumentavam o brilho da reunião.”[22]
Além da exposição das obras, as próprias pessoas se expunham. Os adjetivos
“formosas” e “elegantes” apontam para essa consciência de ser observado, pois
quando o olhar alheio está presente e se deseja essa admiração há um cuidado
maior com a própria apresentação. Esse cuidado que refletirá nas vestimentas,
no porte e penteados, ao ponto de serem formosos e elegantes. O “brilho” do
Salão foi, assim, “aumentado” porque a atenção dos visitantes - e dos cronistas
- não estava focado apenas nas obras de arte. Como diz Valle, ocorreu uma
“inversão do olhar, que transfigura o público em espetáculo.”[23]
25.
Mas é
possível questionar, ainda, qual era o público real a participar do evento,
fora destes dias importantes? O valor da entrada, de 500 réis, permitia que
classes sociais diferentes apreciassem o evento? Qual a ligação deste público
com a arte?
26.
Os
críticos-caricaturistas sugerem que parte do público não conhecia a linguagem
da arte e suas convenções. Eram “visitantes que não estavam propriamente
instruídos para decodificar as convenções artísticas e os modos de
sociabilidade vigentes nos ‘Salões’.” [24] Como mostra a charge publicada na Gazeta
de Notícias no dia 3 de outubro [Figura 6]. Três visitantes, aparentemente bem vestidos,
encontram-se diante do quadro que mostra um nu feminino, evocando o quadro A
Escrava [Figura 7], de Oscar
Pereira da Silva. Um dos personagens faz o seguinte comentário: “Pobre
moça! Para pagar o retrato, teve de vender até a camisa do corpo…”. Este tipo
de comentário é o que se esperaria de indivíduos que, desprovidos do conhecimento
artístico, observariam apenas elementos práticos relacionados a sua própria
realidade e não conseguiriam ler plasticamente a obra. Sobre esta mesma imagem,
Valle indica que:
27.
[…] o espectador que comenta (mulher ou homem) trata a figura representada como o retrato de uma pessoa individualizada,
ao invés de apreendê-la com as
convenções que o quadro ou a escultura exigem. Ao ignorar as
categorias que separam arte e vida, ao embaralhar aquela distinção entre nude e
naked, proposta por autores de língua inglesa, o tipo de espectador evocado
nessas caricaturas não poderia circular pelo “Salão” de uma maneira julgada
adequada pelos “entendidos”, como então eram usualmente designados, no Rio de
Janeiro, os conhecedores da arte. O conjunto de convenções subjacente a um
espaço social como o das Exposições Gerais cariocas servia, assim, como um pano
de fundo contra o qual se evidenciava a competência estética do público. Na
pena dos críticos, como lembra Martha Ward, não possuir tal competência
usualmente era uma questão de gênero e/ou de classe social […] (grifos nossos) [25]
28.
Apesar da
sugestão do crítico, é impossível afirmar se a falta de conhecimento artístico
era realmente uma característica do público que visitava a exposição. Ainda que
que existissem visitantes com as características levantadas pela charge, é
preciso ter cuidado ao estabelecer uma fórmula geral para o perfil do público
da exposição. Como diz Arthur Valle: “[…] é necessário, todavia, ir além da
presunção de que o público efetivamente ‘fala’ em tais resenhas e questionar em
que medida a voz que o escritor/caricaturista lhe empresta é, na verdade, uma
voz ficcionalizada, que expressa sobretudo as suas próprias opiniões sobre os
critérios estéticos que se procurava legitimar nos “Salões” de arte.”[26]
Em outro sentido, o crítico de arte também compunha o público: portanto,
recebia e transmitia as informações sobre a exposição moldadas por seu próprio
olhar.
29.
O que
parece ser palpável como característica deste público era a sua diversidade.
Pessoas muito ricas, comerciantes, representantes de Estados nacionais,
políticos, esposas, artistas, jovens, velhos, compradores, interessados em
arte, interessados em serem vistos, cronistas, chargistas, alunos, professores
etc.
30.
Apesar da
participação da mulher ter sido relatada pelos cronistas de maneira tímida, uma
nova imagem de mulher moderna, livre e urbana já estava presente nesta
exposição. Esta imagem foi consolidada principalmente no início do século XX,
no Rio de Janeiro, onde a participação feminina no mercado de consumo foi
crescendo e a mulher perdendo o rótulo de “criatura frágil,” a ser cuidada pelo
homem e confinada a casa, lançando-se “nas ruas”. Na Exposição de 1894, a
mulher estava presente ganhando espaço na esfera pública, ainda que o número
entre os expositores fosse muito desproporcional. Ao lado de 39 artistas
homens, apenas 3 mulheres estiveram a expor: Beatriz
Ferro Cardozo de Oliveira, Diana Cid,
Maria
Agnelle Forneiro, Vale destacar também a atuação de uma crítiva de arte,
Adelina A. Lopes Vieira.
31. A referida charge de 12 de outubro no Gazeta de
Noticias [Figura 5] mostra como a mulher visitante da Exposição
estava em contato com as obras e com os artistas, com a mesma oportunidade de
interação com a arte que outros públicos e gêneros tiveram. Na charge, duas
mulheres, bem vestidas, conversam sobre a mostra, muito próximas de três
artistas, Rodolpho Bernardelli, Modesto Brocos e Henrique Bernardelli. O
conteúdo do diálogo das moças é: “- Diz-me cá; de quem gostas tu mais, dos
pintores antigos ou dos modernos? - Eu te digo; os modernos sempre tem uma
vantagem: ainda são de carne e osso.”[27] O que é notável neste diálogo e que, além da
interpretação sexual do desejo ativo das mulheres - expresso no trecho “os
modernos […] ainda são de carne e osso” -, elas presentes no “Salão”
participando, agindo e emitindo suas opiniões.
A internacionalidade
da mostra
32. Um dos objetivos da 1ª EGBA se refletia no desejo de
alcançar a internacionalidade através das “participações efetivas de artistas
estrangeiros de diferentes países.”[28] Ainda em 1893, como aponta Camila Dazzi,
o Ministério da Justiça solicitou “vários exemplares do regimento da exposição
para enviá-los aos principais países da Europa.”[29]
33. As diferentes nacionalidades dos expositores podem
indicar com quais países a Escola mantinha relações e onde ia buscar suas
referências para o desenvolvimento da arte brasileira. Mas é importante lembrar
que estas relações com o exterior já ocorriam na AIBA, principalmente pelo
vínculo criado através dos Prêmios de Viagem e além das paredes da Academia
também ocorreram mostras, como a “Exposição Portuguesa promovida em 1879 pela
Companhia Formentadora das Indústrias e Agricultura de Portugal e suas
Colônias”[30], cujo objetivo principal, era o
intercâmbio comercial e artístico[31].
34.
Com a
Escola estas relações são reforçadas, principalmente depois da nomeação de
Rodolpho Bernardelli como diretor, quando houve um esforço de revitalização da
Pinacoteca da ENBA. Entre 1890 e 1892 foram adquiridas novas obras e dentre
elas estavam as de artistas estrangeiros, como o quadro “Um Louco” do italiano
Antonio Mancini.
35.
A
Exposição de 1894 contou com a participação de artistas de pelo menos quatro
nacionalidades diferentes: a portuguesa, a italiana, a espanhola e a alemã.
Isso sem considerar, os artistas de origem estrangeira naturalizados
brasileiros como Modesto Brocos, natural da Espanha, e Nucolao Fachinetti, de
origem italiana. Pelas informações escassas, falamos a seguir com maior ênfase
das participações dos italianos e dos portugueses na mostra de 1894.
36. Os expositores italianos na mostra de 1894 foram Alberto Vianelli, Felippo Dante, Augusto Girardet e F. Fabbi. Embora a
presença italiana tenha sido importante na formação de muitos professores da
Escola como o próprio Henrique Bernardelli, Zeferino da Costa, Rodolpho
Bernardelli, Pedro Weingärtner e Modesto Brocos, seus expositores receberam
atenção quase nula nos periódicos consultados. A única excessão é a charge
publicada no Gazeta de Noticias [Figura 8] sobre o quadro Algeriana [Figura 9], de F. Fabbi, único quadro exposto que o
artista doou à Escola. A charge segue acompanhada do seguinte comentário: “UM
QUADRO DE F. FABBI. Quem sabe
se é o uso desse cachimbo de dar corda que me está pondo a
boca torta?”[32]
37. Entre os portugueses a expor, estava Rodrigo Soares, nascido no Porto, que ao mesmo tempo em que
expôs na Casa Hollender, em São Paulo, também apresentou duas obras na
mostra do Rio de Janeiro. Expor na Escola Nacional de Belas Artes, uma
instituição de grande prestígio, conferia visibilidade e notoriedade para o
artista presente em seus salões. Os críticos cariocas reconhecem qualidades na
fatura do artista, mas afirmam não encontrar tais qualidades nas obras
apresentadas na Exposição Geral de 1894. O articulista do Gazeta de Notícias
afirmou que “o Sr. Rodrigo Soares possui também boas qualidades de palheta e de
gosto, que podem compensar algumas faltas que se apresentam nos seus
trabalhos.”[33] E o crítico do A Noticia
acrescentou que “sua exposição é inferior ao que sabe, sobretudo porque a
prática da pintura decorativa, mural, muito lhe tem transformado a maneira
pessoal e principalmente o desenho, em que chegou a ter grande segurança.”[34]
38. Ainda de Portugal, o citado José Júlio de Souza Pinto,
irmão do também artista português radicado no Brasil Antonio Alves Valle de
Souza Pinto, enviou algumas obras para a mostra. [35] Sua
participação foi evidenciada por um artigo no Gazeta de Noticias na qual
o articulista anônimo se dispôs a analisar as obras do pintor, vendo uma
“típica maneira afrancesada” no quadro À beira mar e “um certo caráter
de esboço” em Arredores de Paris
e no Père Mathieu. Além disso, fez um elogio às pinceladas “em blocos”
em Animais, quadro que mereceu uma charge nas páginas do jornal [Figura 10].
39.
No dia 30
de outubro foi realizada a reunião do júri da Exposição para serem conferidos
os prêmios aos expositores. O júri era formado pelo diretor da Escola, que o
presidia e escolhia dois outros professores. Além desses, outros dois artistas,
“estranhos à Escola,” eram escolhidos pelos expositores. Ao final, o júri da
Exposição de 1894 foi constituído por Rodolpho Bernardelli, como presidente,
Rodolpho Amoedo e Modesto Brocos, professores escolhidos pelo presidente, e, os
Srs. Delphim de Carvalho e Souza
Lobo, escolhidos pelos expositores.
40. Segundo as regras da Exposição, professores da Escola e
membros do júri não podiam ser premiados e, embora, houvesse trabalhos de
qualidade na Exposição, segundo nota da Gazeta de Notícias,[36] o júri considerou que nenhum deles era merecedor da
medalha de ouro, o “mais alto prêmio, para obras que reúnam todas as
qualidades, notadamente aquelas em que haja composição digna de apreço.”[37]
41. Portanto, foram conferidos os seguintes prêmios:
Tabela 3 - Lista de prêmios por seção
42. A medalha de honra não foi conferida a ninguém, porque
somente quatro artistas nas condições exigidas para votação compareceram. Os
únicos que estiveram presentes foram: Henrique Bernardelli, João
Baptista da Costa, Castagnetto e Belmiro de Almeida. Esta medalha dependia de
uma eleição, na qual somente artistas premiados em exposições anteriores na
Escola poderiam votar. Para que houvesse um vencedor era necessário que este
obtivesse dois terços dos votos apurados. Segundo a Gazeta de Noticias
os resultados de duas apurações com os votantes presentes, foram “sempre este:
Henrique Bernardelli, dois votos, Belmiro de Almeida, um voto, e um voto em
branco. Não se pode, portanto, conferir a medalha de honra.”[38]
43. O prêmio de viagem foi conferido a João Baptista da
Costa. Após a Reforma de 1890, a ENBA também concedia usualmente, após um
concurso composto por três fases, um prêmio de viagem para alunos regulares da
ENBA. Portanto, algo que diferencia significativamente a mostra de 1894 das
versões anteriores de Exposições Gerais é a implantação de um segundo Prêmio de
Viagem ao artista que mais se destacava na Exposição,[39]
de acordo com o Regimento das Exposições Gerais, redigido em 1893. O novo
prêmio foi comumente concedido a artistas que “tinham uma relação mais ou menos
estreita com a ENBA, na condição de alunos livres.”[40]
Uma distinção significativa, entre o prêmio tradicional e o instituído em 1894
está relacionada ao tempo de duração do benefício: Enquanto a bolsa dos
pensionistas regulares da ENBA era de cinco anos, a dos ganhadores das
Exposições Gerais era de apenas dois, “embora muitos prorrogassem, por conta
própria, as suas estadias.”[41]
44. A respeito das vendas da Exposição de 1894 a Gazeta de
Noticias faz uma ligação entre o sucesso da Exposição com o número de
vendas feitas já no primeiro dia, onde cerca de 26 quadros foram adquiridos por
diferentes interessados: “Grande foi o número de pessoas que acudiram durante
algumas horas a visita da exposição e excepcional foi também o número de
amadores que ontem mesmo fizeram aquisição de algumas das telas expostas.”[42]
45. Dentre os artistas que mais tiveram obras compradas neste
primeiro dia esteve Modesto Brocos, com seis quadros, todos adquiridos pelo Sr.
Conde S. de Pinho. A Gazeta de Noticias de 5 de outubro fez uma nota
dizendo que suas obras foram muito disputadas pelos amadores, principalmente
suas paisagens de Minas Gerias, e acrescentou que “Nesse terreno [da pintura],
Brocos não precisa de mais dois dedos de altura; tem estatura dos artistas de
verdadeiro merecimento.”[43]
46.
Pedro
Weingärtner, professor da Escola, foi um dos que mais expôs em quantidade e
também um dos que mais vendeu, principalmente no primeiro dia da Exposição.
Teve seis das treze obras vendidas para diferentes compradores, incluindo o
barão de Sampaio Vianna e o Conde S. de Pinho.
47. O sucesso de vendas continuou durante o terceiro dia da
Exposição. É o que mostra o Gazeta de Noticias: “O sucesso aumenta, os
visitantes enchem as suas salas durante todo o dia e os quadros vendem-se,
vendem-se que é um gosto. Não podemos deixar de registrar este fato muito
significativo, que mostra quanta estima começa a ter entre nós a aristocracia
da inteligência, e da arte.”[44]
48. Duas semanas depois após a inauguração as vendas
continuaram a ser noticiadas, especialmente pela Gazeta de Noticias, que
informou: “Continuam as compras na exposição. Um felizardo, o Sr. Carlos G.
Rheingantz adquiriu ontem O Aqueducto, de Brocos. A concorrência de
visitantes, ontem, foi extraordinária.”[45]
49. No décimo quinto dia após a abertura da Exposição,
chegaram dois quadros de Beniamino Parlagreco. Um deles foi comprado pelo barão de
Quartin, que foi um dos maiores compradores dessa Exposição, juntamente com o
Conde S. de Pinho. A tabela a seguir mostra com mais clareza essa relação entre
compras e comprador:
Tabela 4 – Quantidade de obras adquiridas por comprador
50.
Outra
compradora ativa nesta exposição foi a própria ENBA, Como evidenciou Camila
Dazzi em artigo específico sobre eese tópico. A ENBA comprou três obras de
Belmiro de Almeida - as já citadas Tagarela, Bom Tempo e Vaso
com flores -, entre outras, com a intenção de reformular a sua Pinacoteca.
As novas obras adquiridas serviriam como material pedagógico para os alunos,
como forma de conduzir o olhar do público comprador, mas também poderiam
indicar quais as concepções de arte moderna a instituição desejava promover.
51.
A
Exposição foi encerrada no dia 15 de novembro de 1894, mas a sua repercussão
nos periódicos continuou, pelo menos, até finais de novembro.
52. Além de descrever os aspectos mais concretos da mostra de
1894, a imprensa também revelou algumas expectativas em relação a ela. O que de
novo a ENBA traria para o público? Que arte surgiria após a “Reforma de 1890”?
Artistas antes prestigiados manteriam a qualidade de suas obras? Os estudantes
escolhidos como pensionistas trariam alguma contribuição relevante para a arte
brasileira? Todas essas questões permeavam as críticas de arte de 1894,
desenvolvendo expectivativas no sentido de curiosidade e cobrança com relação
às produções exibidas na mostra.
53.
A
expectativa criada, por exemplo, sobre Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo
como respectivamente diretor e vice-diretor da ENBA é compreensível. Antes de
tudo porque eram os diretores da Escola e isto os colocava em uma posição de
exemplo para alunos, professores e para a sociedade no geral. Depois, porque
eram artistas de prestígio no ambiente cultural carioca: ambos participaram na
fundação do Ateliê Livre e eram considerados líderes do movimento moderno.
54. Sobre Rodolpho Bernardelli, o periódico A Noticia
publicou uma nota de autoria do crítico identificado apenas pelas iniciais J.
B., dizendo: “O distinto escultor expos apenas um trabalho em bronze. É um
retrato. Bem feito, largueza de fatura, vigor de traços e, sobretudo, vida
natural. Pena é que este artista estivesse arredado dos seus labores habituais
e não pudesse concorrer com mais trabalhos para o primeiro Salon a
que a sua iniciativa tão ligada está.”[46]
55.
O autor
da nota reconhece um caráter distinto em Rodolpho Bernardelli e tece muitos
elogios a obra exposta, mas também percebe que para uma exposição considerada
tão importante e aguardada pelo meio intelectual brasileiro, a quantidade de
obras exibidas pelo artista era ínfima. O crítico tenta, ainda, de alguma forma
justificar o desempenho do artista, lembrando das responsabilidades impostas
pelo novo cargo de diretor da ENBA.
56. Descrevendo Rodolpho Bernardelli a Gazeta de Notícias
publicou uma charge representando o artista [Figura 10], de autoria de seu próprio irmão Henrique
Bernardelli, sob o título “Phidias et mon doigt.” Na imagem, o escultor é
representado como um homem calvo, bem vestido e com ênfase na sua mão esquerda,
enquanto a direita leva elegantemente à boca o que parece ser um charuto. Como
a própria notícia explica: “[…] a divisa Phidias
et mon doigt é uma adaptação à escultura Dieu et mon droit, de que servem ainda alguns representantes da
realeza que vai cedendo o passo aos reis dos tempos modernos: homens de
talento.”[47]
57.
Além de
uma escultura, Dieu et mon droit é uma expressão francesa, lema da
realeza inglesa, que refere-se ao direito divino do rei de governar. O nome do
escultor grego Fídias (480 a.C - 430 a.C) toma o lugar da palavra “Deus” dentro
da expressão: portanto, é ele o agente que concede o poder ou o direito. Neste
caso, possivelmente, o redator refere-se ao poder do “saber esculpir,” que foi
transmitido ao “nosso grande escultor,” como é definido Rodolpho Bernardelli
mais a frente, na mesma nota do periódico. Já a palavra “direito” é substituída
pela palavra “dedo,” querendo significar, provavelmente, a “ferramenta” que o
artista usa para modelar o barro.
58. A escolha do Fídias parece derivar de pelo menos dois
motivos. O primeiro e mais evidente diz respeito a importância que Fídias tem
na história da arte ocidental. Como referido na caricatura, Fídias é posto em
relação com Deus, ele é entendido nesse contexto como uma espécie de “pai” da
escultura ocidental, um “pai” da escultura de tempos passados que concede a
bênção aos homens de talento “dos tempos modernos” - no caso, Rodolpho
Bernardelli. O segundo motivo estaria nos paralelos que podem ser feitos entre
a história dos dois artistas. Ambos viveram em períodos de transformações
políticas e sociais, contribuindo, cada um a sua maneira, com alterações
(modernizações) na arte de seu tempo, de maneira que esta pudesse se tornar
mais “livre” dos cânones do passado. Fídias, sendo um dos motores de mudança da
arte grega dita arcaica para a dita clássica; e Bernardelli de uma arte
considerada acadêmica para uma arte com tons mais modernos. E. H. Gombrich
resume em poucas palavras a importância de Fídias quando diz: “As pessoas por
certo compreenderam, na época, que a arte de Fídias outorgara ao povo da Grécia
uma nova concepção do divino.”[48] Ambos, ainda, ocuparam o papel na direção
de empreendimentos artísticos, Fídias como supervisor Fídias das edificações da
Acrópole e Rodolpho Bernardelli como diretor da ENBA.
59.
Cosme Peixoto, crítico convidado pelo Jornal do Brasil,
também parece reconhecer este papel de agente da mudança na figura do diretor
da Escola Nacional de Belas Artes quando diz: “Bernardelli (Rodolpho) foi o
Benjamin Constant das artes. Despedaçou velhos ídolos; expulsou do seu templo
os sectários das antigas ideias, e em torno de si congregou outros sacerdotes a
quem incumbiu de purificar os altares e de encetar por novo rito a adoração de novos deuses”.[49]
60. Porém, Cosme Peixoto põe em causa a genialidade do
escultor ao questionar o busto que Rodolpho Bernardelli expôs dizendo: “Ora, o
sr. Bernardelli (R.) nada mais fez do que copiar as feições do sr. [Leopoldo]
Miguez, sem as iluminar com um reflexo sequer do gênio, que, qual fogo
escondido em lâmpada alabastrina, sempre transparece no semblante do verdadeiro
artista.”[50].
61.
A
insatisfação com a suposta qualidade da obra exposta por R. Bernardelli aponta
para a grande expectativa que se criou, principalmente por agentes como Cosme
Peixoto, com relação ao artista, mas essencialmente com a Exposição de 1894.
Cosme Peixoto já havia feito críticas em 1890 se opondo à reforma da Academia
e, como fica demonstrado em alguns trechos das críticas que fez em 1894,
continuava a se mostrar contrário a Reforma. Talvez por isso exigisse algo
extraordinariamente bom e novo da mostra de 1894. Mais adiante, na mesma
crítica publicada em 17 de novembro, Cosme Peixoto cobra pertinentemente as
mudanças prometidas:
62.
Por outro lado o sr. Bernadelli é um nome
feito. Não se pode escudar com alegações que apenas defenderiam mediocridades. Revolucionário, cumpre-lhe demonstrar que a
sua cruzada não foi (e creio que não poderia ser sem deslustre) uma caça de posições e ordenados.
Destruidor do academicisme [sic], é
preciso mostrar o que pôs em lugar dele. Inaugurador de escola, tem
obrigação de não usar de velhos moldes, de exibir novos processos e de realizar, por si ou por seus
discípulos, os levantados intuitos trombeteados por seus arautos.
63.
Ora, novidade de processos de fecundas criações no ensino antiacadémico
nenhum melhor campo tem para ostentar-se do que as exposições como a última; e
eis por que fui estudá-la.[51]
64. Rodolpho Amoedo, vice-diretor da ENBA, apresentou duas
obras: um pastel, retrato da Exma. A. A. e uma pintura, Cabeça de
Oriental. Esta última mereceu uma nota favorável do crítico J. B.,
publicada no A Noticia, que ressaltou as qualidades de Amoedo enquanto
artista: “A Cabeça de oriental é uma delicada obra em que há fatura e há alma.
Desde a languidez até a beleza morna da oriental, tudo se exprime nesta tela. O
colorido é justo, os valores são bons e a doçura das linhas só tem igual na
macieza da pele aveludada da oriental.”[52] Por outro lado, o mesmo crítico põe em
questão a qualidade plástica do pastel, retrato da Exma. A. A., e faz
isto quando estabelece uma comparação com as obras anteriores do artista: “Do
pastel do Sr. Amoedo não diremos outro tanto: frio, sem expressão e sem
audácia, no próprio acabamento rebuxado [sic] de chinesice tem a sua
condenação. Não é trabalho que possa ir fazer número ao lado dos que deram nome ao
Sr. Amoedo. É
incaracterístico como obra de arte e pobre como decoração”
(grifos nossos).[53]
65. Amoedo foi aluno de Vítor
Meirelles, Cabanel e Puvis de Chavannes, Amoedo conheceu as técnicas dos
ateliês renascentistas, as pesquisas e a poética impressionista, “as ideias de
Ruskin sobre pintura contemporânea: a análise mais aprimorada do dado visual
objetivo aliada à máxima intensidade do sentimento individual.”[54]
E como explica Luciano Migliaccio: “O começo da carreira de Amoedo, nos últimos
anos do Império, foi marcado pela tradução em um registro realista de ícones do
imaginário oficial, bem como pela ruptura, levada quase à paródia, dos limites
convencionais dos gêneros. O alvo do pintor foi a poesia indianista de
Gonçalves Magalhães e Gonçalves Dias, e seu paralelo figurativo criado por
Meirelles.”[55]
66.
A
Exposição Geral de 1894 carregava, portanto, um certa “obrigação” de trazer o
novo, o moderno, a arte pós-Reforma. Além disso, as opiniões dos críticos
também sugerem existir, naquele momento, uma discussão sobre o que era moderno
e se o que a ENBA trouxe para expor na mostra de 1894 era mesmo o moderno
esperado. Cosme Peixoto deixa transparecer essa espera ao descrever uma de suas
visitas ao Salão:
67.
É um busto do sr. Leopoldo Miguez, diretor
do instituto de Música. Nenhuma outra coisa há do sr. professor de escultura,
e, portanto, cumpria-me ver, mirar, remirar cuidadosamente o preciosos bronze, tentando
apanhar na correção das linhas, no bem modelado, na expressão fisionômica, os segredos da recente escola desbaratadora do academicismo. Pois isso, fiz com a maior atenção,
pertinazmente, teimosamente, infatigavelmente, durante cerca de meia hora e, por fim, desanimado, retirei-me convicto de
que a nova escola recata suas inovações com tanta ou maior cautela do
que a empregada pelos sacerdotes egípcios para ocultarem do vulgo os mistérios
da ciência hierática. (grifos nossos)[56]
68.
Os
periódicos também demonstram outras espectativas, desta vez com o futuro dos
pensionistas, alunos da Escola que ganharam bolsas financiadas pelo Estado para
completarem seus estudos na Europa. Eram eles, naquele momento, Eliseu D’Angelo
Visconti, Manoel Lopes Rodrigues, Oscar Pereira da Silva, que
expuseram um número considerável de obras, totalizando juntos vinte e sete
quadros. Observe nas notas a seguir como a Gazeta de Noticias e o A
Noticia demonstraram essas expectativas com relação a estes pensionistas:
69.
Enfim, o senhor Visconti já começou bem em
Chicago continua a andar e irá longe
muito longe no campo da arte. Que a modéstia excessiva ou as lutas que
não deixarão de aparecer aos primeiros triunfos não o afastem da vida luminosa
em que entrou.[57]
70.
É para esperar que essa tela [Sans souci] represente o presente idealismo artístico
de Lopes Rodrigues, e que nesse novo caminho
possa colher louros para si e para a pátria.[58]
71.
Cada tela de Oscar P. da Silva é um progresso que se nota, marcado
distintamente, uma conquista de novos
meios e processos, definitiva e segura conquista selada pelo estudo e
pela pertinácia.[59]
72. A expectativa sobre os pensionistas passava pela
esperança de um futuro artístico promissor, mas também pelo que poderiam trazer
de novo para a arte brasileira ao ter contato diretamente com as fontes
europeias, especialmente francesas: “com o contato de novos meios de novas
ideias e com o conhecimento de novos elementos artísticos, que o governo
francês, desde há muito procura concentrar na cidade mais animada e mais
ruidosa do mundo moderno.”[60]
________________________
[1] VALLE, Arthur. Ver e ser visto nas Exposições Gerais de Belas Artes.
19&20, Rio de Janeiro, v. VIII, n. 1, jan./jun. 2013. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/criticas/av_veregba.htm Acesso em 8 jul. 2016.
[2] Idem.
[3] Idem.
[4] ARTES
E ARTISTAS. O Paiz, Rio de Janeiro, 2 out. 1894, p.1.
[5] DAZZI,
Camila. As obras adquiridas pela Escola Nacional de Belas Artes nos anos após a
reforma de 1890, hoje pertencentes ao Museu Nacional de Belas Artes. In:
ANGELA; Ana Maria Pimenta; BRANDÃO, Angela; SCHAPPACASSE, Fernando Guzmán e
SOLAR, Macarena. História da Arte: coleções, arquivos e narrativas.
Bragança Paulista - SP : Editora Urutau, 2015. p. 286.
[6] CAVALCANTI,
Ana Maria Tavares. Os embates no meio artístico carioca em 1890 - antecedentes
da Reforma da Academia das Belas Artes. 19&20,
Rio de Janeiro, v.II, n. 2, abr. 2007. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/criticas/embate_1890.htm
Acesso em: 20 jul. 2016.
[7] Idem.
[9] CAVALCANTI,
loc. cit.
[10] DAZZI,
op.cit., p. 283-284.
[11] Ibidem,
p. 287.
[12] Ibidem,
p. 288.
[13] Uma transcrição do 1ª Catálogo pode ser encontrada em: http://www.dezenovevinte.net/egba/index.php?title=1894_-_Cat%C3%A1logo
[14] Quantidades
baseadas em divulgações de periódicos consultados, como O Paiz e Jornal
do Commercio.
[15] S.I.:
sem informação.
[16] As
obras da Companhia Marceneira Brasileira não foram incluídas nos totais, pois
nos dois catálogos não são citados os números exatos. Há apenas a seguinte
menção: “Móveis artísticos”.
[18] AGUIAR,
Raquel. Pintores portugueses no Brasil
durante a Primeira República: exposições e diálogos. Tese de doutorado (em
fase de elaboração).
[19] VALLE,
loc. cit.
[20] Idem.
[21] Idem.
[23] VALLE, loc cit.
[24] Idem.
[25] Idem.
[26] Idem.
[28] DAZZI, op.cit., p. 287.
[29] Idem. p. 287.
[30] VALLE, Arthur. A “Exposição de Arte Portuguesa” no
Rio de Janeiro em 1902 e sua recepção. Fênix - Revista de História e Estudo
Culturais. Jan-jun 2015. Vol 12. p. 2. Ano XII. Nº 1.
[31] VALLE,
Arthur; DAZZI, Camila; PORTELLA, Isabel (organizadores). Oitocentos - Tomo III: Intercâmbios culturais entre Brasil e Portugal.
2ª. Edição. Rio de Janeiro: CEFET/RJ, 2014. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/800/tomo3/
Acesso em 8 jul. 2016.
[35] VALLE,
Arthur. Considerações sobre o Acervo de Pintura Portuguesa da Pinacoteca da
Escola Nacional de Belas Artes. 19&20,
Rio de Janeiro, v. VII, n. 1, jan./mar. 2012 Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/obras/portugueses_enba.htm Acesso em 8 jul. 2016.
[36] EXPOSIÇÃO
GERAL DE BELAS ARTES. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 1 nov. 1894,
p.1.
[37] Idem.
[38] Idem.
[39] REGIMENTO
DAS EXPOSIÇÕES GERAES DE BELLAS ARTES. Rio de Janeiro, 1895. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/documentos/reg.htm
Acesso em 13 jul. 2016.
[40] DAZZI,
Camila. “A Reforma
de 1890” - Continuidades e mudanças na Escola Nacional de Belas Artes
(1890-1900). In: III ENCONTRO DE
HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP (Anais), 2007, p. 202.
[42] EXPOSIÇÃO
DE BELAS ARTES. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 2 out. 1894, p.2.
[43] Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 5 out.
1894, p. 1.
[44] EXPOSIÇÃO
GERAL DE BELAS-ARTES. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 4 out. 1894,
p.1.
[45] EXPOSIÇÃO
GERAL DE BELAS ARTES. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 13 out. 1894,
p.2.
[46] J.
B. EXPOSIÇÃO GERAL DE BELAS ARTES. A Noticia, Rio de Janeiro, 2-3 out.
1894, p. 1.
[47] Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 12 out.
1894, p.1.
[48] GOMBRICH,
Ernst Hans. A história da arte.
Tradução Álvaro Cabral, Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 87.
[49] COSME,
Peixoto. O SALÃO DE 1894 I. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17
nov.1894, p. 1.
[50] Idem.
[51] Idem.
[53] Idem.
[54] MIGLIACCIO, Luciano. Rodolfo Amoedo. O
mestre, deveríamos acrescentar. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, abr. 2007. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/artistas/ra_migliaccio.htm Acesso em 8 jul. 2016.
[55] Idem.
[56] COSME,
Peixoto. O SALÃO DE 1894 I. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 nov.1894,
p. 1.
[57] EXPOSIÇÃO
GERAL DE BELAS ARTES. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 28 out. 1894,
p. 2.
[58] EXPOSIÇÃO
GERAL DE BELAS-ARTES. LOPES RODRIGUES. Gazeta de Noticias, Rio de
Janeiro, 2 nov. 1894, p. 1.
[59] J.
B. EXPOSIÇÃO GERAL DE BELAS ARTES. A Noticia, Rio de Janeiro, 5-6 out.
1894, p. 2.
[60] EXPOSIÇÃO
GERAL DE BELAS ARTES. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 28 out. 1894,
p. 2