A pintura de Hugo Adami e o modernismo paulistano
Ivana Soares Paim
PAIM, Ivana Soares. A pintura de Hugo Adami e o modernismo paulistano. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 3, jul./set. 2011. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/isp_adami.htm>.
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Sobre Hugo Adami e sua obra
A fim de esclarecer a relevância da obra de Hugo Adami para o Modernismo em São Paulo, é necessário apresentá-la sob o viés da crítica de um dos idealizadores do movimento no Brasil, Mário de Andrade, como também, pontuar a participação e contribuição do artista na criação de uma consciência moderna na São Paulo de então.
Hugo Adami, filho de ricos imigrantes italianos, começou cedo sua carreira de artista, tendo frequentado a Escola Profissional Masculina do Brás, o Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo, e mais tarde, a Academia de Belas Artes de Florença; tendo vivido na companhia de intelectuais e artistas da década de 20 e 30, tanto na Itália quanto no Brasil. Na Itália, estabeleceu estreito contato com a obra de Giorgio De Chirico e com o ideário do Novecento Italiano, que tanto influenciou sua pintura.
Entre os anos de 1928 e 1945, no Brasil, Adami participou de várias manifestações que envolviam arte moderna, como exposições, salões e até mesmo em um filme e em uma peça de teatro. Teve alguns de seus trabalhos exibidos em duas edições da Bienal de Veneza, em 1924 e 1930, respectivamente, e no “Salon Des Tuileries”, em 1932.
Definitivamente de volta ao Brasil, em 1940, participou do juri de vários Salões de Arte, sempre em prol dos artistas modernos, embora devido à sua formação de cunho realista, dissesse não compreender a arte não figurativa, que começava a aparecer no Brasil, no final daquela década.
O Modernismo em São Paulo
No ano de 1927, quando Hugo Adami volta de sua primeira viagem à Europa, o Brasil estava às vésperas de grandes mudanças políticas, pois passaria de uma orientação econômica oligárquica e agrária para outra, urbana e industrial. São Paulo tornava-se um grande polo econômico no país, tendo sua indústria e população crescido muito rápido durante as primeiras décadas do século XX. Sendo um dos maiores centros econômicos brasileiros, a cidade foi também palco de transformações culturais.
Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral já haviam desenvolvido o movimento Pau Brasil, que apresentou um novo direcionamento para o Modernismo brasileiro: redimensionar o Modernismo local para a criação de uma arte moderna nacional. Não bastava mais romper com a arte realista de cunho burguês, existente na época, e atualizar a inteligência brasileira; ser moderno no Brasil era buscar e caracterizar sua própria identidade em relação ao mundo ocidental.
Mário de Andrade tinha como objetivo criar uma identidade brasileira e assim dar feição ao Modernismo, na literatura e nas artes plásticas. Segundo o historiador Tadeu Chiarelli, Mário de Andrade seria o crítico a tornar clara essa empreitada modernista. Para tanto, do ponto de vista de Andrade, o Modernismo paulistano não poderia aderir simplesmente às correntes mais radicais das vanguardas européias - que negavam a noção vigente de arte como representação da realidade exterior - pois tal adesão impossibilitaria que os modernistas, no campo das artes plásticas, construíssem uma iconografia brasileira.[1]
Assim, impossibilitados de aderir totalmente à linguagem das vanguardas históricas européias, ou de continuar arraigados à uma representação estritamente verossível da natureza, os modernistas tiveram como única opção abraçar as tendências realistas não passadistas do Retorno à Ordem, que passavam a dominar a Europa , a partir do final da Primeira Guerra Mundial.
Mário de Andrade e a exposição de Adami, em 1928
Mário de Andrade escolheu para a idealização do Modernismo no Brasil, os elementos das correntes de Retorno à Ordem condensados sobretudo nas teorias puristas de Jeanneret e Ozenfant, veiculadas na revista “L’Esprit Nouveau”.[2]
Os puristas acreditavam que a pintura era boa quando as qualidades de seus elementos plásticos superavam suas possibilidades de representação ou narrativa. Para eles a pintura deveria expressar o invariável, não ser acidental ou experimental. O Purismo temia o bizarro e o original, acreditando que retornar à natureza não era meramente copiá-la, mas sim concebê-la sob os elementos estritamente plásticos da pintura. Isso tornava possível àqueles artistas franceses resgatar a produção artística figurativa nacional, como ocorreu também na Itália, com o movimento Novecento Italiano, com o qual Hugo Adami estabeleceria estreito contato durante sua primeira estadia na Europa. Em contato com os artistas do Novecento, Adami aprendeu a cuidar de seu métier, do bem fazer, aliando o primor da técnica à valorização de elementos próprios da pintura como o tratamento da cor, composição e luz e sombra. Buscava observar a natureza tendo já estudado a obra de Cézanne e Morandi e o simbolismo de De Chirico, privilegiando também o estudo das obras de artistas pertencentes à tradição da pintura italiana como Giotto e Masaccio.
Assim, ao deparar-se com as pinturas de Adami, em setembro de 1928 [Figura 1], em São Paulo, Mário de Andrade reconheceria nelas toda a prática das teorias de Retorno à Ordem que estudara e escolhera para fundamentar sua proposta de uma arte moderna brasileira. Até então, o crítico apenas pudera ter contato com esta vertente por meio de reproduções fotográficas, principalmente da obra de Léger dos anos finais da década de 20.[3]
De acordo com Chiarelli, esse tipo de pintura, tida por Andrade como moderna, - pois não era nem anedótica ou descritiva, mas tampouco experimental - serviria para fixar as peculiaridades físicas e humanas do país e ao mesmo tempo, atualizar a linguagem plástica brasileira perante o mundo ocidental.
O crítico tentou compreender a objetividade de Adami como uma tendência eterna dentro da história da arte, uma tendência que se manifestava na cena contemporânea da época. Em um de seus artigos Andrade afirmou que não se importava que um pêssego se parecesse com um pêssego na pintura de Adami, pois naquela pintura vivia um valor plástico essencial. O que ‘vivia’, segundo o crítico, era o quadro como objeto plástico e nada mais.[4]
Tempos depois, Andrade abandonaria as pinturas de Adami para eleger a obra de Cândido Portinari como aquela que englobava todos os caracteres que definiam sua concepção de Modernismo ideal para o Brasil. Mas como afirma Chiarelli, o interesse de Mário de Andrade pela obra de Portinari deveu-se pelo menos em parte, à compreensão da arte de fundo realista de Hugo Adami.[5]
Assim, as pinturas de Hugo Adami, recém chegadas da Europa, auxiliaram Mário de Andrade compreender como realmente as teorias de Retorno à Ordem se davam na prática pictórica e como contribuiriam para seu projeto de criação de uma arte nacional no Brasil.
Adami e as associações de artistas, entre as décadas de 30 e 40
Com o fim da República Velha, em 1930, terminava também a primeira fase do Modernismo do Brasil, que caminhava agora para a Modernidade, que se caracterizava por uma busca generalizada de interação da arte com a imediata realidade física, humana e social do país.[6] O próprio Mário de Andrade criticaria o individualismo elitista da primeira fase modernista, reivindicando uma arte que se comprometesse mais com o ritmo social e com a realidade brasileira.[7] Essa nova situação coincide com a emergência de artistas vindos de estratos sociais de menor renda, como os artistas do grupo Santa Helena e a Família Artística Paulista; que por sinal, não tiveram a mesma formação dos primeiros artistas modernistas.[8]
Esse fato evidencia a importância de artistas com forte embasamento teórico e prático como Paulo Rossi Osir, Vittorio Gobbis e Hugo Adami para auxiliar o preparo daqueles novos artistas que surgiam na década de 30. Adami filiou-se às várias organizações de artistas que apareciam na época, como a SPAM (Sociedade Pró Arte Moderna), onde participou de exposições e eventos; e ao CAM (Clube de Arte Moderna), com a peça de teatro “O bailado do deus morto”. Tais associações foram importantes para a consolidação de um espaço para a arte moderna em São Paulo, culminando com o aparecimento de salões de arte moderna, dos quais Adami participou como juri.
Contudo, o artista preocupava-se com pintores cuja linguagem era muito ‘diferente’, pois temia não compreender aqueles novos artistas, que se inspiravam no Cubismo e outros que caminhavam para uma figuração ainda menos representativa ou verossimilhante, e assim, cometer uma injustiça ao julgá-los em salões. A preocupação de Adami em não parecer injusto mostrava que o artista já começava a questionar seus pressupostos realistas e o caminho que a pintura seguia no mundo e no Brasil. Sua formação realista e novecentista nunca permitiu que Adami aceitasse plenamente um tratamento mais arrojado da imagem, causando nele um impasse tão grande, que o levou a parar de pintar por volta de 1945 e a se afastar cada vez mais do grupo de artistas em São Paulo. Até que em meados da década de 70, retomou sua pintura, decidido a buscar nela os valores de então, que se traduziriam em seu caso, na busca de uma concepção da forma menos realista, o que não conseguiu realizar, embora tenha alcançado uso menos realista da cor em muitas de suas obras entre o final da década de 70 e 80.
Talvez por ter se afastado durante tantos anos da pintura e por ter possuído um caráter individualista, Adami tenha tido sua contribuição para o Modernismo paulistano esquecida ou negligenciada durante muito tempo.
Conforme visto, o artista se envolveu em várias manifestações artísticas tanto na Itália quanto no Brasil, estando sempre a favor da arte moderna dentro do contexto de Retorno à Ordem. Sua obra auxiliou o crítico Mário de Andrade a compreender na prática que as teorias dos puristas realmente ofereceriam a base para seus ideais de uma arte brasileira nacionalista e ao mesmo tempo atualizada perante o mundo ocidental.
Adami também travava vários debates com artistas da época, como Portinari, Teruz, e o Grupo Santa Helena, contribuindo assim para a consolidação de um ambiente propício à arte moderna, especialmente em São Paulo.
Referências bibliográficas
AMARAL, Aracy. Da Feijoada ao xburguer. São Paulo: Nobel,1987.
ANDRADE, Mário de. Hugo Adami. Diário Nacional. São Paulo, 11 de Set., 1928.
CHIARELLI, Tadeu. De Almeida Jr. a Almeida Jr. Tese. São Paulo: ECA/USP, 1996.
FABRIS, A. Modernidade e Modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras 1994.
LOURENÇO, Maria C. Operários da Modernidade. São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1995.
ZANINI, Walter. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walter M. Salles, 1983.
[1] CHIARELLI, Tadeu. In: FABRIS, Annateresa. Modernidade e Modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras 1994, p. 62
[2] ____. De Almeida Jr. a Almeida Jr. Tese. São Paulo: ECA/USP, 1996, P.30.
[3] ____. De Almeida Jr. a Almeida Jr. Tese. São Paulo: ECA/USP, 1996, P.42.
[4] ANDRADE, Mário de. Hugo Adami. Diário Nacional. São Paulo, 11 de Set., 1928, p.9.
[5] CHIARELLI, Tadeu. De Almeida Jr. a Almeida Jr. Tese. São Paulo: ECA/USP, 1996, P.44.
[6] ZANINI, Walter. História Geral da Arte no Brasil, v. II. São Paulo: Instituto Walter M. Salles, 1983, p.568.
[7] AMARAL, Aracy. Da Feijoada ao xburguer. São Paulo: Nobel,1987, p.91.
[8] LOURENÇO, Maria C. Operários da Modernidade. São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1995, p.17.