A Casbah e seus encantos - Continuidades do imaginário das pinturas orientalistas nas propagandas turísticas de Argel

Camila Dazzi [1]

DAZZI, Camila. A Casbah e seus encantos - Continuidades do imaginário das pinturas orientalistas nas propagandas turísticas de Argel. 19&20, Rio de Janeiro, v. XVI, n. 1, jan.-jun. 2021. https://www.doi.org/10.52913/19e20.XVI1.01

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Le vieux Alger n’est pas détruit; à considérer les choses au point de vue pittoresque, ce qu’on avait de mieux à faire, c’était de respecter ce dernier monument de l’architecture et de l’existence arabes, (Eugène Fromentin, 1858) [2]

1.     O grupo de Estudos “Turismo e Humanidades” (CNPq/CEFET), que tem como uma de suas linhas de pesquisa principais o “Turismo e os Estudos Críticos da Imagem e do Discurso,” se debruçou, durante o ano de 2020, sobre as relações entre a produção artística realizada no século XIX sobre o Oriente e o imaginário turístico que ainda existe sobre este vasto, múltiplo e complexo território nos dias atuais. Para o presente paper, apresentamos algumas reflexões do referido estudo, tendo como recorte geográfico o centro histórico de Argel, na Argélia, conhecido como Casbah, bairro registrado no patrimônio mundial da humanidade pela Unesco em 1992.[3] Tal seleção deu-se em função do seu histórico, marcado pelo processo de invasão e colonização francesa,[4] bem como da sua precoce abertura, já na década de 1830, como destinação escolhida por viajantes dos continentes europeu.

2.     A imagem da Argélia como destino turístico não é das melhores na contemporaneidade, sobretudo quando pensamos em destinações turísticas exóticas e, mais especificamente, localizadas no litoral Norte da África. Um viajante mais precavido, desejoso de informações, certamente consultará sites como o Travel.State.GovU.S. Department of State, Bureau of Consular Affairs, um dos mais atualizados e completos sobre a situação de risco dos países, onde lerá a seguinte informação sobre a Argélia:

3.                                   Tenha maior cautela ao viajar na Argélia devido ao terrorismo. Algumas áreas têm risco aumentado. Não viaje para as áreas próximas às fronteiras leste e sul, bem como as áreas no deserto do Saara devido ao terrorismo e sequestro. Grupos terroristas continuam planejando possíveis ataques na Argélia. Os terroristas podem atacar com pouco ou nenhum aviso e atacaram recentemente as forças de segurança da Argélia. A maioria dos ataques ocorre em áreas rurais, mas os ataques são possíveis em áreas urbanas, apesar de uma presença policial pesada e ativa. Evite viajar para áreas rurais a 50 km (31 milhas) da fronteira com a Tunísia e a 250 km (155 milhas) das fronteiras com Líbia, Níger, Mali e Mauritânia devido a atividades terroristas e criminosas, incluindo sequestros.[5]

4.     O Algeria 2020 Crime & Safety Report [6] não é, igualmente, dos mais animadores, pois, além de reforçar as informações acima mencionadas, ainda alerta sobre os perigos da estadia de mulheres desacompanhadas e pessoas pertencentes à sigla LGBTI no país. Nada convidativo.

5.     Partimos do princípio que as agências e receptivos de turismo, devido à imagem negativa que pesa sobre a Argélia na atualidade, têm investido em propagandas que reforçam a associação do país ao imaginário criado pelo orientalismo do século XIX: um lugar exótico, sensual, misterioso, pitoresco, intocado pelo tempo e pelo frenesi da vida moderna, com ambientes que despertam os sentidos e passam uma agradável sensação de intimidade.

6.     O objetivo central da pesquisa, que ainda está em andamento, é demostrar que existem traços de continuidade e ressignificação nas propagandas turísticas sobre o Magrebe. No recorte que aqui apresentamos, foi conduzida uma análise comparativa de imagens presentes em publicidades de mídias sociais que divulgam produtos turísticos da Cabash de Argel e pinturas realizadas por europeus, no século XIX, sobre o mesmo território, pertencentes ao movimento artístico conhecido como Orientalismo.[7]

7.     Para tanto, selecionamos no Viator, plataforma online de turismo, o receptivo mais bem pontuado dentre aqueles que oferecem passeios na Casbah de Argel. A escolha do Viator se deveu ao fato de a plataforma ser reconhecida internacionalmente: trata-se de uma ferramenta bastante utilizada por viajantes na hora de encontrarem o que fazer nos destinos que escolheram.[8] O receptivo melhor pontuado no momento da pesquisa foi o Algeria Tours 16, cuja sede está localizada em Argel. Ele vende o seu passeio pela Casbah com os seguintes dizeres no Viator: “Cover the highlights of Algiers on this full-day private tour of the history-packed Algerian capital. Wander down narrow, centuries-old streets in the atmospheric Casbah.”[9]

8.     Como arcabouço teórico-metodológico, baseamo-nos, sobretudo, nas percepções do teórico francês Georges Didi-Huberman, em seu L’image survivante. Histoire de l’art et temps des fantômes selon Aby Warburg (2000), livro no qual o autor aponta que as pinturas são responsáveis por perpetuar imaginários que, anacronicamente, permanecem até hoje e tornam “visíveis as sobrevivências, os encontros de temporalidades contraditórias.”[10] Nessa perspectiva, a imagens, sejam pinturas ou fotografias, são muito mais que simples registros do mundo real. Elas são sobreposições de tempos distintos, em que o passado está detido no presente e, ao mesmo tempo, o presente é constituído por passados múltiplos. Dessa forma, o presente porta a marca de múltiplos passados, uma vez que “cada período é tecido de seu próprio nó de antiguidades, de anacronismos, de presentes e de propensões sobre o futuro.”[11]

9.     Assim, a análise comparativa entre as pinturas orientalistas e as imagens vinculadas nas propagandas turísticas é capaz de revelar a sobrevivência de fendas nos modelos de temporalidade, logo, nos modelos de historicidade, pois “revela paradoxos, ironias do acaso e mudanças não retilíneas.”[12] Estes surgem não somente na história das obras de arte, como em todas as manifestações da cultura, em todo o mundo das imagens. Em conclusão, “sempre, diante da imagem, estamos diante do tempo.”[13]

A Casbah de Argel nas pinturas Orientalistas e nas propagandas turísticas

10.   O Oriente é, ainda hoje, imaginado por muitos como uma terra exótica e empolgante, um lugar de perigos, indecifrável, com ruas cheias de homens de pele morena usando turbantes, mulheres com corpos envoltos por tecidos coloridos e praças ornadas por coqueiros, onde encantadores de serpentes tocam suas flautas. Essa percepção, no entanto, pouco tem a ver com o mundo real. Trata-se de uma distorção da realidade, moldada de acordo com os benefícios de nossa própria cultura ocidental.

11.   Para Edward Said (1978), Orientalismo é o discurso ficcional por meio do qual a cultura ocidental, ao representar o Oriente como estranho, selvagem, sensual e perigoso, reitera a distinção inalienável entre a superioridade ocidental e a inferioridade oriental. O propósito desse modo de representação é justificar o domínio ocidental dessas culturas na esfera política e econômica, em nome da "civilização."[14]

12.   Ao longo do século XIX, a arte orientalista prosperou na Europa. Devemos recordar que esse século é marcado por tentativas, quase todas bem-sucedidas, de domínio do território que então era compreendido como “Oriente.” Em 1798 teve início a Campanha do Egito, empreendida por Napoleão. Na década de 1830, a Argélia foi invadida pela França. Em 1881 foi a vez da Tunísia, que se tornou um protetorado francês. Já o Marrocos, em 1884, teve suas zonas costeiras dominadas pela Espanha.[15] Cabe ressaltar, aqui, que o Oriente de então era diverso do de hoje em configuração geográfica, compreendendo, sobretudo, os países árabes e muçulmanos localizados ao redor do Mediterrâneo: o Magrebe e os territórios do Império Otomano (Turquia e Ásia Menor, Grécia e os Balcãs, Líbano, Síria-Palestina).

13.   O Oriente, até então pouco conhecido, passou a receber grande número de artistas e escritores que, graças à segunda ascensão do imperialismo, viajaram para esse território. Imersos em um contexto de violência e deslumbrados pelo exótico, suas produções, a partir desse contato, refletem, na maior parte das vezes, a lógica colonialista do “invasor” e, por mais belas, fascinantes e cheias de méritos que sejam - e são -, ajudaram a moldar o imaginário de um Oriente pitoresco e místico que temos até hoje.  Não é de se estranhar, portanto, que o imaginário[16] criado pela arte orientalista do século XIX[17] ainda esteja presente nos anúncios turísticos atuais,[18] como forma de despertar o desejo de conhecer o Oriente. 

14.   O Magrebe, uma região fecunda em temas de inspiração ao final do Oitocentos, correspondia a um território que englobava a Tunísia, o Marrocos e a Argélia.[19] Muitos artistas europeus consideravam uma estadia no Magrebe tão indispensável quanto uma permanência de estudos na Itália, destino eleito por inúmeros pintores para o desenvolvimento de pesquisas de renovação do uso da luz e da gama cromática.[20] O Magrebe não só permitia novas possibilidades no uso da cor e de luz, mas possuía a vantagem de permitir uma exploração exótica, de ser uma terra oriental cheia de mistério e misticismo.[21] 

15.   No contexto magrebiano, a Argélia sempre teve destaque, não somente pelo fato de ter sido o primeiro território dominado pela França, mas, igualmente, pela fama de pintores que a visitaram. Destacam-se nomes como os de Horace Vernet, que visitou a Argélia em 1833 e 1837, e Théodore Chassériau, que lá esteve em 1845-1846. A Figura 1 é um exemplo de pintura feita por esse último artista, quando da Batalha de Isly, na fronteira da Argélia com o Marrocos. A escolha da Argélia como destino por europeus também se dava pela ilusão de segurança que a presença do exército francês no território proporcionava.

16.   E em Argel, capital da Argélia, o lugar mais procurado pelos artistas orientalistas do século XIX[22] - como pelos turistas atualmente - era o bairro de Casbah [Figura 2]. Como nos explica Lilia Makhloufi, em Les ambiances dans les vieilles villes algériennes (2012),[23] "a cidadela" corresponde à cidade antiga ou médina de Argel, um distrito histórico e exemplar de arquitetura islâmica e do urbanismo nas medinas árabe-berberes. A Casbah, para a autora, é também um símbolo da cultura argelina, a sede de vários ateliês de mestres artesões que dominam um saber artesanal ancestral.

17.   A história do bairro está profundamente entrelaçada com o processo de dominação e ocupação do Norte da África no século XIX. Após a Argélia ser tomada pela França, em 1830, os franceses impuseram a sua presença em Argel por meio do apagamento da memória local, com a destruição da antiga arquitetura otomana da cidade, localizada majoritariamente no bairro da Casbah. Os franceses demoliram, ao longo dos primeiros anos de ocupação, grande parte da cidadela antiga, que foi remodelada pelo traçado das novas ruas que cercam a cidadela e que também penetram em seu espaço.[24]

18.   Essa destruição massiva foi narrada pelos próprios engenheiros do exército francês, em documentos direcionados aos seus superiores. Em carta, datada de 1836, resgatada e reproduzida por Aleth Picard, no artigo Architecture et urbanisme en Algérie. (1994, p. 125),[25] o chefe de engenharia francês em Argel apresenta ao Ministro da Guerra sua crescente preocupação com a continua destruição da Casbah original. 

19.                                 Cela nécessiterait [l'ouverture d'une nouvelle avenue] la ruine de plusieurs centaines de propriétes, la dévastation des rues [...] représente enfin d'énormes sommes pour les expropriations, alors que les propriétaires fonciers n'ont pas encore reçu leur compensation pour le premier agrandissement [des rues]. Les landes sont réduites à la mendicité. Cela n'a aucun sens de vouloir perpétuer les ruines, les démolitions et la misère dans une ville que nous avons déjà mutilée.[26]

20.   A abertura de novas avenidas determinava a demolição de “várias centenas de propriedades,” e a mutilação de uma cidadela que, graças a percepção romântica que vigorava então sobre o Oriente, significava macular algo puro, autêntico, intocado pelos vícios das sociedades ocidentais.[27]

21.   O período de demolições na Casbah se estendeu até 1860, quando Napoleão III pôs fim a essa política. A arquitetura erguida pelos franceses, que acabou por se misturar com a árabe-berbere, foi a neo-mourisca, já na passagem do Oitocentos para o Novecentos (SEKFALI, 2007).[28] A Casbah, segundo Khedidja Benniche, em The Casbah of Algiers: Urban Acupuncture within a Labyrinthine Citadel (2018), se tornou um subespaço urbano, residual e instável, porque o poder político e econômico passou então a se concentrar nos novos bairros.  Ainda que tenha perdido a sua importância como centro de poder, a Cabash continuou sendo um espaço de sociabilidade, com mesquitas, cafés mouros, praças (rahba) e hammams - um lugar onde coexistem o novo e o velho, o sagrado e o temporal.[29]

22.   A Cabash, em uma Argel modificada pelo domínio francês, ainda guarda as características singulares de um Oriente imaginário. Como coloca Laura Lombardi em La città e il deserto (2011), ainda é possível vivenciar as ruas “strette che lasciano appena intravedere uno spicchio di cielo d'un blu puríssimo.” A Casbha “incuriosisce, disorienta, attascina o sotfoca, con porte che si aprono su chissà quali scenari di vizi e lussurie, dove gli abitanti pregano o commerciano.”[30]

23.   Essa relação, tantas vezes destrutiva, entre a tradição e a modernidade no Oriente conquistado pelo Ocidente, já era foco de críticas de arte redigidas por personagens famosos, como Théophile Gautier (1845, p. 90), provavelmente o crítico de arte mais influente do Segundo Império francês. Sua percepção sobre telas como Rua Bab-el-Gharbi, em Laghouat (1859) de Eugene Fromentin, e Vista da Rua Bab-Azoun em 1833, de William Wyld [Figura 3], refletem o desencantamento com o qual muitos ocidentais viam a “deprimente marcha da civilização” nas cidades do Oriente.

24.   Gautier escreveu as seguintes palavras sobre a tela Rua Bab-Azoun, uma famosa via da Casbah de Argel:

25.                                 Nous qui l'avons vue récemment, nous pouvons dire qu'elle n'a pas gagné à notre présence civilisatrice. La rue Bab-Azoun, si variée, si pittoresque, si curieuse autrefois, ne sera bientôt plus qu'un prolongement de la rue de Rivoli. Chose étrange! cette abominable belle rue qui ne peut dépasser le Louvre, a passé la Méditerranée et renversé les élégantes ogives moresques pour continuer ses affreuses arcades.[31]

26.   A preocupação de Gautier, revelada por meio da análise das obras dos seus contemporâneos, é bastante clara: a presença “civilizatória” do Ocidente estava destruindo a Argel verdadeira, como ocorreu com a rua Bab-Azoun, “tão variada, tão pitoresca, tão curiosa no passado.”

27.   A percepção de Gautier sobre a Casbah é similar a de muitos turistas da atualidade, ainda que nunca tenham lido uma única linha redigida pelo crítico de arte francês: ou seja, um lugar singular, exótico, onde é possível entrar em contato com a arquitetura do tempo do império otomano. O valor que os ocidentais atribuem a Casbah, histórico e estético, teve início no Oitocentos e só aumentou ao longo das décadas que se seguiram.

28.   Em inúmeras fotos disponibilizadas pela Algeria Tours 16 o que vemos são fotografias de turistas registrando, com seus celulares e câmeras, detalhes arquitetônicos, sobretudo de resquícios da arquitetura otomana [Figura 4]. As fontes, as portadas, os minaretes, as ruas tortuosas, os terraços com vista para o mar, parecem ser os elementos de maior interesse.

29.   A sedução que a arquitetura islâmica desperta nos ocidentais pode ser ainda melhor explicitada com base na comparação entre as imagens disponiblizadas pela Algeria Tours 16 e pinturas oitocentistas que registram detalhes arquitetônicos muito semelhantes [Figura 5].

30.   A grande descontinuidade entre as pinturas do XIX as fotos do século XXI é a ausência, hoje, do registro dos “tipos populares” nessas ambientações arquitetônicas. Esse caráter, quase antropológico, que as pinturas Oitocentistas possuem, parece, em parte, ter se perdido na lacuna temporal que separa esses dois momentos. Uma explicação plausível seria as questões éticas e legais que surgem da interação fotográfica “turista-morador local.” Alguns teóricos têm se debruçado sobre a ética da fotografia no turismo, como John Urry e Jonas Larsen (2011),[32] que abordam, no livro The Tourist Gaze, o desconforto dos autóctones ao se tornarem objetos fotografados pelos turistas. Há, ainda, a questão legal do direito de imagem. Diante dessa complexidade, não é de estranhar que as agências de turismo evitem postar, nas suas redes sociais, turistas tirando fotografias de nativos, ainda que essa seja uma prática recorrente.

31.   Outra via de reflexão é a de que, nas imagens divulgadas da Casbah pela Algeria Tours 16, parece ocorrer um processo inverso ao que Linda Nochlin notou em 1983, ao criticar a produção dos pintores Orientalistas: “The absence [..] of Westerns. There are never any Europeans in picturesque Views of the Orient.”[33] Para Nochlin, o ocidental não é representado na quase totalidade das pinturas Orientalistas, mas a sua presença está sempre implícita: ele atua como o olhar controlador, o olhar que cria o mundo oriental.[34] Nas fotografias de divulgação da Algeria Tours 16, o turista desfruta e se faz presente, ele registra e se faz ser  registrado nos mesmos locais que antes eram ocupado pelo ‘outro’, o nativo exótico e pitoresco das telas orientalistas [Figura 6].    

32.   O turista contemporâneo parece realizar o sonho de escape da realidade rumo a um Oriente misterioso que marcou a segunda metade do século XIX. E, ao divulgar o seu tour pela Casbah por meio de fotos que turistas realizaram durante o seu passeio, a Algeria Tours 16 dá continuidade a processo de “controle e criação” do imaginário sobre o Oriente, com nítidas (des)continuidades em relação àquele produzido no Oitocentos.

Considerações finais

33.   O imaginário, devido ao seu potencial simbólico (MAFFESOLI, 2001), desempenha um papel determinante no momento que o turista opta por uma destinação, sendo, portanto, o principal responsável pelo desejo de aproximação dos viajantes ao lugar turístico. Sem os imaginários turísticos, dificilmente as viagens ocorreriam. O significativo papel exercido pelo imaginário turístico parece ser ainda mais relevante quando o destino é o Magrebe, território marcado pela invasão e domínio de nações imperialistas como França e Espanha, que, com o propósito de reivindicarem superioridade cultural e justificarem seu domínio sobre esse território, construíram um imaginário do Oriente como exótico, sensual, perigoso.

34.   A partir da análise comparativa entre pinturas orientalistas do século XIX que retratam a Casbah de Argel e imagens publicitárias utilizadas pela Algeria Tours 16, observamos que muito do imaginário construído durante o período colonial do Norte da África, a partir da segunda metade do século XIX, permanece até o presente. As pinturas que retratam a Casbah funcionaram, e ainda funcionam, como estímulos turísticos diretos e indiretos, com o potencial de entusiasmar possíveis turistas que, ao visualizá-las, iniciam suas viagens antes mesmo de concretizá-las. O mesmo ocorre com as fotografias divulgadas pelos receptivos turísticos, como a Algeria Tours 16, uma vez que elas perpetuam reminiscências do imaginário orientalista do século XIX, de modo proposital e consciente (ou não).

35.   Por fim, julgamos que as reflexões que apresentamos no presente artigo, por conta da análise interdisciplinar utilizada, abrem caminhos para o surgimento de novos debates sobre as possíveis relações entre a História da Arte e o Turismo, bem como sobre a relação entre imagens, imaginários e as práticas turísticas no território abordado.

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[1] Camila Dazzi realizou estágio pós-doutoral, com bolsa da CAPES, junto ao Dipartimento di Discipline Storiche da Università degli Studi di Napoli Federico II/Italia; é Doutora em História e Crítica da Arte pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ. É Professora Adjunta do Departamento de Turismo do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ, Brasil).

[2] FROMENTIN, Eugène. Une Année dans le Sahel, Journal d’un absent, première partie. Revue des Deux Mondes, 2e période, tome 18, p. 55, 1858.

[3] Adotamos a grafia francesa da palavra árabe قصبة الجزائر, tal como utilizada pela UNESCO. Disponível em: https://whc.unesco.org/fr/list/565/ Acesso: 20/02/2021.

[4] HARTMAN, Elwood. Three Nineteenth Century French Writer/Artists And The Maghreb: The Literary And Artistic Depictions Of North Africa By Théophile Gautier, Eugène  Fromentin, And Pierre Loti. Tübingen: Narr, 1994, p. 1-10. 

[5] Algeria Travel Advisory. Travel.State.Gov. U.S. Department of State - Bureau of Consular Affairs. Disponível em: https://travel.state.gov/content/travel/en/traveladvisories/traveladvisories/algeria-travel-advisory.html  Acesso em: 20 fev. 2021.

[6] Algeria 2020 Crime & Safety Report. OSAC. Disponível em: https://www.osac.gov/Country/Algeria/Content/Detail/Report/aceef5ea-f045-453b-8fc9-18e3d2222273  Acesso em: 20 fev. 2021.

[7] Sugerimos uma consulta às imagens nos tours divulgados no Viator: https://www.viator.com/pt-BR/Algiers-tours/Cultural-and-Theme-Tours/d25745-g4

[8] Ibidem, n.p.

[9] Cfr.: https://www.viator.com/tours/Algiers/Best-of-Algiers-Tour/d25745-101480P1?localeSwitch=1

[10] DIDI-HUBERMAN, George. L’image survivante. Histoire de l’art et temps des fantômes selon Aby Warburg. Paris: Minuit, 2002, p. 84.

[11] Ibid.

[12] Idem, p. 87.

[13] Idem, p. 31.

[14] SAID, Edward. Orientalism: Western Representations of the Orient. New York: Pantheon Books, 1978.

[15] WESSELING, Henk. The European Colonial Empires, 1815-1919. Londres: Routledge, 2004.

[16] Para uma discussão do conceito de imaginário, sugerimos ao leitor o texto Publicidades turísticas do Magrebe: (des)continuidades do imaginário da pintura orientalista do Oitocentos, de nossa autoria, a ser publicado na revista CulTur. URL: http://periodicos.uesc.br/index.php/cultur/index

[17] Para uma discussão do conceito de arte Orientalista, sugerimos ao leitor o texto Pelas Ruas do Magrebe: Orientalismo no Brasil ao final do século XIX, de nossa autoria, publicado na revista Arte & Ensaios, v. 26, n. 40 (2020). Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/3246-354X/0

[18] Para uma discussão dos conceitos ligados à área do Turismo no presente artigo, sugerimos ao leitor o texto “Do imaginário das pinturas orientalistas às propagandas turísticas do Magrebe contemporâneo”, de nossa autoria, a ser publicado nos Anais do 40º Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. URL: http://www.cbha.art.br/publicacoes.html

[19] STORA, Benjamin. Le Maghreb Colonial (18301956). Notes de Cours. PMO013 / Année universitaire 2004.

[20] Sobre a eleição da Itália como destino pelos artistas, consultar: DAZZI, Camila. Os Professores da Escola Nacional de Belas Artes e a arte italiana oitocentista: concepção e implementação da Reforma de 1890. Arte & Ensaios, n. 24, ago. 2012. Disponível em: https://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2014/05/artigos-camila.pdf Acesso: 01 mar. 2020.

[21] BENJAMIN, Roger. Orientalist Aesthetics: Art, Colonialism, and French North Africa, 1880-1930. Univ of California Press, 2003.

[22] PERKINS, K. J. So Near and Yet So Far: British Tourism in Algiers, 1860–1914. In: Farr M., Guégan X. (eds) The British Abroad Since the Eighteenth Century, Volume 1. London: Palgrave Macmillan, 2013.

[23] MAKHLOUFI, Lilia. Les ambiances dans les vieilles villes algériennes: entre eultures, identités et héritages sensoriels. Proceedings  of International Congress on Amnbiances Montreal 2012, Sep 2012, Montreal, Canada. Ambiances Network, p. 487-492, 2012.

[24] PICARD, Aleth. Architecture et urbanisme en Algérie. D'une rive à l'autre (1830-1962). Revue du monde musulman et de la Méditerranée, n. 73-74, 1994. Numéro thématique: Figures de l'orientalisme en architecture, sous la direction de C. Bruant, S. Leprun et M. Volait . pp. 121-136. Disponivel em: www.persee.fr/doc/remmm_0997-1327_1994_num_73_1_1671

[25] Idem.

[26] Idem, p.125.

[27] VINSON, David. L'orient rêvé et l'orient réel au XIXe siècle. L'univers perse et ottoman à travers les récits de voyageurs français, Revue d'histoire littéraire de la France, v. 104, n. 1, p. 71-91, 2004.

[28] ZINEDDINE, Sekfali, Histoire et architecture à Alger - Que peut-on encore sauver ? Revue Tourisme Magazine,‎ 2007

[29] Para maiores informações sobre as transformações arquitetônicas da Casbah, ver: BENNICHE, Khedidja. The Casbah of Algiers: Urban Acupuncture within a Labyrinthine Citadel. Denmark: Aarhus school of Architecture, 2018. (Master thesis). Disponível em: https://issuu.com/khedidjabenniche/docs/report_final_ Acesso: 01 mar. 2021; QUENZA, Bougherira-Hadji. Typologies modernes versus typologies traditionnelles dans les médinas algériennes. Architecture Traditionnelle Méditerranéenne. Barcelone: Collegi d’Aparelladors i Arquitectes Tècnics de Barcelona, p. 110-118, 2007. Disponível em: https://issuu.com/asociacionrehabimed/docs/metodo_i-villesfr/ Acesso em 01 mar. 2021

[30] LOMBARDI, Laura. La città e il deserto. In: ANGIULI, Emanuele; VILARI, Anna (org). Incanti e Scoperte. L`Oriente nella Pittura dell`Ottocento Italiano. Milano: Silvana Editoriale, 2011, p. 37

[31] Livre tradução: “Nós que a vimos recentemente, podemos dizer que não nos conquistou sua presença civilizadora. A rua Bab-Azoun, tão variada, tão pitoresca, tão curiosa no passado, logo não passará de uma extensão da Rue de Rivoli. Coisa estranha! Esta rua abominável e bonita que não pode ir além do Louvre, atravessou o Mediterrâneo e derrubou as elegantes ogivas mouriscas para continuar suas arcadas assustadoras.”

[32] URRY, J. & LARSEN, J. The Tourist Gaze 3.0 - 3 ed. - London: Sage Publishing, 2011.

[33] NOCHLIN, Linda.  The Imaginary Orient. Art in America, v. IXXI, v. 5, 1983, p. 122.