A Contribuição das Escolas Artísticas Européias no Ensino das Artes no Brasil Oitocentista
Reginaldo da Rocha Leite *
LEITE,
Reginaldo da Rocha. A Contribuição das Escolas Artísticas Européias no Ensino
das Artes no Brasil Oitocentista. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/escolas_reginaldo.htm>.
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1. Este artigo tem por objetivo explicitar a relevância das chamadas Escolas Artísticas Européias na formação do artista oitocentista no Brasil. Tendo como estudo de caso cópias confeccionadas por alunos da Academia Imperial das Belas Artes, hoje localizadas no Museu D. João VI/EBA/UFRJ, tornamos visível a assimilação da história das configurações e da história dos tipos por parte dos alunos brasileiros.
2. A antiga historiografia da arte brasileira, apropriando-se da linguagem e dos ideais imputados pelos modernistas do início do novecentos, foi responsável pela construção de uma visão mítica em relação à formação do pintor acadêmico. Na ânsia em construir um novo cenário para as artes nacionais, pintores como Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral eclodiram a busca pela invenção contra a cópia. Seguiam o discurso artístico-pedagógico lançado pelas vanguardas européias e implantado mais severamente pela Bauhaus[1] no âmbito do aprendizado do artista. Defendendo o inteiramente novo e uma produção de caráter nacionalista o grupo modernista e grande parte dos historiadores e críticos da arte brasileira edificaram um pensamento sobre o oitocentos enclausurado em equivocadas constatações.
3. A formação artística na Academia Imperial se dava não por um período de tempo homogêneo, mas de acordo com a absorção do conteúdo programático por parte dos alunos, variando de caso a caso especificamente. O aprendizado estava pautado em rígidas regras metodológicas, um absoluto sacerdócio: primeiramente o aluno devia copiar os desenhos preferencialmente confeccionados pelos professores, as moldagens em gesso e as estampas estrangeiras; conjuntamente a essa fase o estudante se exercitaria na observação do modelo vivo e, então, na cópia das pinturas européias.
4. Durante o oitocentos, no Brasil, a ausência de Museus implicou na busca por uma alternativa palpável para a consulta dos alunos às obras dos grandes mestres europeus. Adquirir pinturas originais ou cópias de telas estrangeiras nem sempre era possível, portanto a saída para o impasse foi recorrer ao âmbito da gravura, também conhecida por estampa [Figura 1].
5. A estampa era uma importante ferramenta na reprodução de obras primas da pintura ocidental. No entanto, ela não deve ser considerada como apenas um recurso para essa reprodução. Ao contrário, o artista que tinha a função de gravar a imagem detinha em suas mãos uma linguagem artística independente da pintura original. As técnicas da gravura tinham caráter distinto do óleo sobre tela, mas a representação figurativa apresentava-se semelhante ao original. É evidente que a estampa distinguia-se da pintura não só pelas proporções reduzidas e pelas diferenciações do suporte e da técnica empregada, mas também, pela ausência da cor. Por isso, a estampa assumia a dignidade de uma técnica artística autônoma. Devido à cópia de telas européias pela gravura de tradução os grandes mestres da pintura eram difundidos e internacionalizados e suas composições alcançavam territórios longínquos, como o Brasil, auxiliando substancialmente a formação do pintor. Assim, fazia-se de extrema importância equipar a Academia brasileira com cópias em estampas, aproximando dessa forma, aluno e mestre, aluno e tradição [Figura 2a e Figura 2b]. Por outro lado, guarnecendo a instituição com cópias de pinturas européias de temáticas diversificadas, estabelecia-se o contato entre o aluno e as técnicas pictóricas que as gravuras não proviam, pois essas abarcavam somente as questões relativas à elaboração do desenho, do assunto e do volume das figuras resultante dos estudos da luz e da sombra. Porém, faltava a noção da pigmentação, da variabilidade de suportes, do equilíbrio e da atmosfera cromáticos que só a pintura poderia suprir. Assim, tornava-se necessária a aquisição dos quadros europeus para o enriquecimento das fontes de estudo do pintor acadêmico, principalmente o pintor histórico.
6. A Academia possuía em sua Pinacoteca, além da coleção de quadros negociada por Lebreton na época da chegada da Missão Artística Francesa, a chamada Coleção Real, que reunia obras pertencentes à Corte portuguesa e que aqui chegaram juntamente com D. João em 1808. Mas o acervo pictórico da instituição foi tomando vulto paulatinamente ao longo do oitocentos a partir das compras subvencionadas pelo Estado e também das doações feitas por admiradores das belas-artes à Academia Imperial brasileira. No entanto, com o passar dos anos e com a verba para a compra de novos quadros cada vez mais escassa, os professores ficavam de frente a um dilema; como lecionar pintura sem o auxílio de um material didático adequado às normas acadêmicas e que educasse os olhos dos principiantes quanto à tradição pictórica européia? Só havia uma solução palpável para o problema, o envio de cópias das pinturas européias pelos pensionistas brasileiros.
7. Com a criação por Félix-Émile Taunay, em 1845, do Prêmio de Viagem à Europa, Roma e Paris tornaram-se modelos de aperfeiçoamento técnico e alvos dos alunos da Academia Imperial das Belas Artes. Como as exigências da instituição para a realização de uma bela composição baseavam-se nos preceitos trabalhados pelos antigos, Roma foi vista como foco referencial para o pensionato dos primeiros alunos brasileiros premiados pela facilidade do diálogo entre o pensionista e a tradição dos grandes mestres. A relação entre o pensionista da Academia e a cópia era primordial e fazia parte das obrigatoriedades do pensionato. Dentre outras exigências, o envio de cópias confeccionadas a partir do original localizado nos principais museus europeus representava importante material de avaliação e acompanhamento do aprendizado técnico e teórico do aluno para os professores da instituição brasileira. O número de envios de cópias variava de pensionato para pensionato. Após o discente ser premiado, ele recebia as instruções do corpo docente que continham os procedimentos teóricos e práticos, assim como as suas obrigações junto à instituição de origem.
A Cópia Como Ferramenta Didática e o Posicionamento das Reformas Pedagógicas Institucionais
8. A Academia Imperial das Belas Artes sofreu três importantes Reformas, de estruturação pedagógica, que provocaram mudanças nos programas disciplinares, criaram novas disciplinas e, consequentemente, posicionaram-se diretamente sobre a metodologia de ensino da instituição. Uma dessas posições foi tomada em relação à prática da cópia, ora dignificando-a, ora desprestigiando-a[2].
1. A Reforma Lino Coutinho aprovada pela Regência em 30 de dezembro de 1831 e assinada pelo Conselheiro José Lino Coutinho, então Ministro de Estado dos Negócios do Império [cf. Statutes 1831], ao ser implantada na Academia mostrou-se favorável à formação artística fundamentada na cópia. Observando planos curriculares que especificam a formatação do curso de Pintura Histórica, podemos observar que a Reforma ainda propunha a obrigatoriedade da imitação no aperfeiçoamento do aluno, para então galgar à confecção de uma tela original. A Reforma era bastante transparente no que dizia respeito a responsabilidade da instituição na contratação dos modelos para as aulas de nu e na escolha das obras que serviriam de material didático para o aprendizado dos alunos. Não deixava escapar nada do seu crivo normativo como é possível verificar no Decreto de 30 de dezembro de 1831[3].
2. O impulso definitivo que a Reforma de 1831 proporcionou à cópia preparou o terreno para a consolidação dessa prática como instrumento didático e de avaliação da qualidade do aluno e do professor da instituição brasileira por várias décadas até os anos noventa. No que diz respeito aos concursos para a contratação do corpo docente da Academia Imperial, durante todo o processo de seleção, a cópia mantinha-se como ferramenta primordial. Na Sessão ocorrida em 09 de junho de 1833 foram estabelecidas as regras do concurso para o preenchimento da vaga de substituto da aula de pintura de paisagem[4]. A cópia a óleo de uma tela estrangeira era a primeira atividade a ser cumprida pelos candidatos e certamente a mais importante, pois naquele momento eram verificados a capacidade de observação das formas, dos volumes instituídos pelas luzes e sombras e as estruturas compositivas, como é o caso do cromatismo da obra. Mediante aprovação nessa fase o candidato estaria apto a continuar no processo seletivo, o que demonstra a relevância atribuída à prática da cópia.
3. Situação semelhante ocorre durante o concurso para professor das aulas de desenho e de pintura histórica registrada na Sessão de 23 de julho de 1835[5]. Copiar o gesso, reproduzir um quadro a óleo, eram processos sintomáticos adotados pela Academia Imperial cotidianamente durante as aulas ou em seus concursos e, que ganharam incentivo com a passagem de Taunay pela direção da instituição.
4. Após a nomeação de Taunay ao cargo de diretor da antiga Academia brasileira (1834) e da reforma dos estatutos de ensino (1831), o modelo vivo, a cópia de moldagens em gesso e o estudo a partir das coleções de estampas e de pinturas se intensificaram. Segundo Taunay. o aprendizado fundamentado na observação e cópia das obras dos mestres europeus conduziria o aluno a familiaridade com as Escolas européias, intensificaria o gosto pelas belas formas e ajudaria na resolução de problemas relativos à composição das obras plásticas. Não bastava apenas copiar os antigos, era primordial entender os processos resolutivos das problemáticas compositivas, ou seja, de que forma os grandes mestres conseguiram solucionar exigências formais e temáticas em seus trabalhos. Segundo Taunay, a única maneira que poderia conduzir os brasileiros a um lugar no mundo civilizado seria a imitação dos europeus[6]. Taunay ainda foi o responsável pela criação do Prêmio de Viagem à Europa, em 1845, atividade que proporcionaria a aproximação in loco do aluno brasileiro à pintura européia localizada nos renomados museus italianos e franceses.
5. O desenho confeccionado a partir das observações do modelo vivo, das estampas européias e das moldagens em gesso tornava-se imprescindível na formação artística acadêmica, formação essa que se consolidaria, então, no contato entre aluno e as distintas Escolas européias. Assim, a aquisição de moldagens em gesso para a prática do desenho de observação fazia-se prioritária. Duas coleções de gesso são compradas durante a primeira metade do oitocentos (na gestão de Taunay enquanto diretor) a primeira em 1837, proveniente do professor M. Ferrez e a segunda em 1846. Outra aquisição muito importante para o ensino acadêmico foi a coleção doada a Academia Imperial das Belas Artes pela viúva do português Henrique José da Silva, Eufrásia Maria da Silva, em 1834 constando 258 desenhos e litografias e, 20 esculturas que passaram a ser utilizadas como material didático na instituição.
6. Com a chegada dos anos cinqüenta, a Academia Imperial ganhou um novo diretor responsável por inúmeras contribuições ao ensino artístico acadêmico, Manuel de Araújo Porto-alegre. Ao assumir o cargo em 1854, Porto-alegre deixava transparecer as vontades progressista, renovadora, nacionalista e centralizadora que, aos poucos foram sendo adotadas. O caráter atuante do diretor responsável pela implementação da Reforma Pedreira em 1855 deu continuidade ao perfil normativo da Academia que ampliava cada vez mais o controle sobre o ensino e a produção artística nacional. Segundo Porto-alegre, a Academia devia ser responsável por toda e qualquer manifestação artística financiada pelo Estado, instaurando regras, avaliando sua prossecução e, sobretudo, contribuindo para a difusão do bom gosto e das belas formas. Esse controle, que aos olhos de alguns era excessivo e de outros extremamente necessário, motivou o descontentamento principalmente pela exigência de ter na cópia o alicerce para se obter uma exímia formação artística.
7. A Reforma Pedreira, autorizada em 14 de maio de 1855 e assinada pelo Ministro dos Negócios do Império Luis Pedreira do Coutto Ferraz [cf. Estatutos 1855], manteve-se propícia à cópia incentivando-a também nas aulas de Desenho Figurado e de Pintura Histórica. Instituiu, por conseguinte, o controle do número mínimo e cópias pictóricas que o discente da instituição brasileira deveria enviar durante seu pensionato na Europa, que variava de aluno para aluno e de década para década. No entanto, a prática da cópia, incentivada pelo corpo docente da AIBA nas Reformas Lino Coutinho (1831) e Pedreira (1855), encontrou resistência por parte de professores do fim do século XIX, sendo um dos motivos para a elaboração do novo Estatuto da Escola Nacional de Belas Artes (08/11/1890) [cf. Estatutos 1890].
8. Ao examinarmos a documentação escrita existente no arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ verificamos que Lebreton foi o grande impulsionador da cópia como ferramenta pedagógica no ensino artístico visualizando a necessidade da Academia Imperial possuir modelos referenciais vindos da Europa como aporte para docentes e discentes da instituição brasileira. Observamos também que a consolidação da cópia na AIBA teve como ponto nevrálgico as incentivadoras posturas de Félix-Émile Taunay e Manuel de Araújo Porto-alegre que, percebendo a possibilidade educativa da cópia, pregavam acima de tudo o contato e a assimilação das propostas externadas pelas Escolas Artísticas Européias. Ao salientarmos esse apego aos grandes mestres europeus estamos fundamentalmente abordando uma questão bastante citada na historiografia da arte brasileira, isto é, o francófilo alicerce metodológico da Academia Imperial das Belas Artes.
9. Faz-se necessário explicar que a Academia brasileira, fundada por franceses, possui uma diretriz institucional aos moldes franceses, tendo como modelo a École des Beaux-Arts; no entanto, é imprescindível citar que a tradição pictural italiana constituía-se no eixo central do didatismo acadêmico. A AIBA tinha um direcionamento francês em nível organizacional, mas a Itália representava o fio condutor da formação artística oitocentista. Isso é percebido nos discursos de Taunay e Porto-alegre, além das cartas que a instituição enviava aos pensionistas. Na maior parte da documentação examinada verificou-se a necessidade do aluno brasileiro estar em contato com as obras italianas que serviriam de alicerce para o seu aprendizado. Mas, com isso, não podemos esquecer que a aproximação com as obras francesas significava a atualização do olhar brasileiro frente à contemporaneidade européia. Esse ponto é bastante evidente quando alguns pensionistas brasileiros reproduzem telas francesas, que em sua grande maioria são de pintores oitocentistas, ou seja, contemporâneos a eles, como é o caso de Antoine Gros por Victor Meirelles de Lima [Figura 3] e Jean Paul Laurens por Oscar Pereira da Silva [Figura 4].
10. É preciso lembrar que para o aluno ter contato com os diversos assuntos do âmbito religioso, mitológico ou da história européia devia antes dominar os princípios construtivos da figura humana. Sendo assim, fazia-se relevante a produção de cópias do modelo, as chamadas academias de nu. Tornou-se bastante conhecido o quadro do pintor Pagnest “Tronco masculino” passando a ser referência pedagógica para o estudo da anatomia humana. Dois pensionistas reproduziram tal obra durante seus pensionatos, Victor Meirelles e Rodolpho Amoêdo. No entanto, apenas a cópia pintada pelo segundo encontra-se no Museu D. João VI/EBA/UFRJ [Figura 5].
11. Ao estudar a formação de Meirelles em Roma, Jorge Coli analisou o “Tronco masculino” executado por Amoêdo, verificando a importância do quadro para o aprendizado do aluno brasileiro[7]. A tela de Pagnest apresentava tamanhas contribuições à formação artística brasileira que Porto-alegre chega a ser imperativo ao indicar a sua reprodução ao pensionista Victor Meirelles[8].
12. É verdade que durante o período de existência da AIBA a cópia serviu como alavanca para a especialização do pintor acadêmico. Isso é percebido pelos envios dos pensionistas brasileiros que tinham de acatar e atender às exigências imputadas pela instituição brasileira. Como foi possível observar, dos sete alunos agraciados com o Prêmio de Viagem à Europa em pintura, seis eram pintores de história e apenas um, Agostinho José da Motta, pertencia ao âmbito paisagista. Os alunos que se consagravam vencedores do Prêmio de Primeira Ordem com um quadro histórico deviam enviar ao Brasil cópias das telas européias que abordassem como temática as histórias sacra e européia ou da seara mitológica buscando a especialização tipológica do aluno na sua futura área de atuação. O mesmo aconteceu com o pensionista Agostinho José da Motta, que, premiado com uma paisagem mergulhou durante o seu pensionato na reprodução da natureza-morta e da paisagem européia. Portanto, apesar de alguns professores serem contrários à especialização do pintor, como Victor Meirelles de Lima, a prática da cópia para os pensionistas na Europa tinha esse papel.
A Relação Entre a Tipologia e o Ensino Artístico na AIBA
13. A questão da prática da cópia na Academia Imperial das Belas Artes é tema que ainda hoje continua sujeito a controvérsias, permanecendo insuficientemente esclarecido, entre outros aspectos, o das circunstâncias que presidiram à adoção de um grupo de pintores como modelo e sua progressiva assimilação pelos artistas brasileiros oitocentistas.
14. O campo teórico da arte brasileira registra graves lacunas com relação ao estudo tipológico da pintura oitocentista. Se por um lado as tendências românticas de artistas como Pedro Américo e Victor Meirelles ou as investidas impressionistas do final do século XIX receberam destaque, por outro, as assimilações de tipos ideais à representação por alunos da antiga Academia em seus exercícios didáticos ainda permanece numa área de sombras.
15. Responsável por uma atual revisão historiográfica, no tocante ao estudo a partir de tipologias, Sonia Gomes Pereira evidencia a concretude do estudo de tipos, primeiramente, no campo da arquitetura[9] Nesse âmbito, os arquitetos mergulhavam na tradição examinando elementos formais que pudessem caracterizar um padrão tipológico. Na seara da pintura, a tipologia não se reduz a uma análise formal ou a uma catalogação de configurações que possam identificar um estilo ou um padrão, o estudo tipológico aproxima forma e tema, este último alcançando a primazia[10].
16. A definição de tipo apresenta variantes no discurso teórico. Segundo Argan seria uma idéia a ser assimilada e seguida pelos artistas. Todavia, é transparente a direta ligação do tipo a um universo de caracteres formais[11]. Contudo, o método classificativo proposto pela tipologia era condenado por alguns teóricos, como é o caso de Pierre Francastel[12]. Em meio a variantes e até discordâncias metodológicas, a tipologia, como processo analítico no campo da pintura, apresenta um amplo leque de possibilidades a serem verificadas. Assim, o trabalho de Erwin Panofsky (1892-1968) consolida-se como alicerce no tocante às nossas problemáticas no âmbito da cópia pictural especificando dois pontos referenciais: a história das configurações e a história dos tipos[13].
17. O estudo da imagem, segundo Erwin Panofsky, visa a elaborar uma teoria da significação não só de cada elemento inserido na tela como também da obra num todo em relação as outras áreas do conhecimento. Assim, a iconografia passa a ser trabalhada como elemento edificador de conceitos, subsídios para chegarmos ao campo da iconologia. Há, no entanto, alguns pontos a serem equacionados para precisar melhor a metodologia e os objetivos da abordagem crítica de Panofsky, no território da imagem, e sua direta ligação às questões levantadas em nossa pesquisa, no âmbito do ensino acadêmico oitocentista no Brasil.
18. Segundo o teórico da história da arte, o primeiro objetivo de uma análise iconográfica deve ser expor de forma clara a relação do documento visual com a tradição. Designa-se, então, com a expressão “história da tradição”, a consolidação de uma herança artística pautada em elementos do passado que direcionam a criação dos pintores nas distintas invenções da seara pictural. Para entendermos tal processo, é preciso afastar-nos do presente e olharmos o passado com os olhos da tradição, apartando-nos do hoje, dos vícios e conceitos estabelecidos pela visão crítica atual.
19. Apoiando-nos no pensamento de Panofsky no tocante às nossas problemáticas, a história da tradição proposta pelo teórico, explicita-se no apego da Academia Imperial aos mestres do passado, à cópia do antigo, para a partir dessa produção extrair-se o conhecimento, o aprendizado técnico e tipológico. E, assim, saber de que maneira os pintores europeus resolveram as especificidades exigidas por cada tema durante a criação artística. Mergulhando na tradição, o pintor brasileiro teria contato com dois universos evidenciados por Panofsky: o da história das configurações e o da história dos tipos[14].
“História das Configurações”: A Contribuição das Escolas Artísticas Européias ao Ensino Acadêmico Brasileiro
20. Ao empreender uma pesquisa sobre a cópia com fins didáticos no Brasil oitocentista, o entendimento do historiador da arte contemporâneo leva-o a perseguir a elucidação dos diversos ângulos de um enigmático prisma. O conhecimento de cada um desses ângulos deve atuar em favor da edificação de uma narrativa que revele a urdidura do fazer artístico, incluindo aí o sistema de significações para a formação do pintor.
21. Com o intuito de investigar as problemáticas que envolvem a relação entre a cópia e o aluno brasileiro mergulhamos no acervo didático de reproduções das pinturas européias oriundas da Pinacoteca da AIBA e pertencentes atualmente ao Museu D. João VI/EBA/UFRJ constituindo-se num manancial para a compreensão dos procedimentos metodológicos instituídos pelo ensino acadêmico no Brasil.
22. Diante do vasto e significativo acervo didático, poderíamos equacionar inúmeros recortes no sentido de delimitar nosso objeto, desde o estudo das peças em particular à verificação de uma visão de conjunto. No entanto, após engendrarmos aproximações e distanciamentos, paulatinamente, alguns aspectos começaram a emergir, ainda de maneira nebulosa. Não nos comprometemos, nem é nosso objetivo, desvendar a autoria das cópias não identificadas aqui estudadas, mas no correr da pesquisa foi sendo possível chegar a algumas conclusões a esse respeito, ponto que trataremos mais adiante.
23. A análise do acervo pictórico do referido Museu, selecionado para o aprofundamento, revela de imediato a importância primordial dada pela Academia Imperial ao que chamamos interação com a geografia artística da cópia, que transfigura elementos distintos de assimilação das ditas Escolas Européias. Algumas dessas Escolas, como a Italiana e a Francesa, alcançaram destaque e nutriram acentuadamente a formação dos pintores acadêmicos no Brasil resultando na adaptação e incorporação de modelos à produção pictural de nossos alunos.
24. Em seus “Planos” (1816) Lebreton já defendia o aprendizado do artista acadêmico tendo como alicerce artístico-pedagógico as ditas Escolas Artísticas Européias[15]. Seguindo esse princípio metodológico, Taunay incentivava o estudo dos alunos da AIBA tendo como escopo a “coleção nacional” formada por exemplares trazidos por D. João (Coleção Real) e ainda pelas telas negociadas por Lebreton para a constituição da Pinacoteca da instituição. Essas obras eram organizadas por Escolas Artísticas, levando-se em conta a região geográfica das cidades européias[16]. Essa não é uma inferência original de Taunay, pois o diretor da Academia brasileira seguia religiosamente os escritos do italiano Luigi Lanzi[17]. Em 1792, era publicada Storia Pittorica della Itália, de Lanzi em Florença, na qual agrupava os artistas e respectivamente suas obras em Escolas Artísticas Italianas apontando particularidades de cada mestre e, consequentemente, de cada Escola. Baseado nessa classificação, o ensino da AIBA era estruturado e assim a consulta às obras da Pinacoteca por professores e alunos efetuada.
25. Luiz Marques dedicou-se ao estudo aprofundado dos catálogos das exposições estruturadas pela Academia e desde 1840 todo o material expositivo apresenta essa singularidade, a divisão por regiões européias[18]. Dessa forma as telas da instituição, adquiridas oficialmente pelo Estado, produzidas por alunos em seus exercícios de composição (cópias de títulos europeus) ou a partir de doações de particulares, eram expostas ao público consolidando o didatismo da imagem não só entre os alunos, mas para grande público, tendo como ponto nevrálgico a difusão da geografia artística da cópia.
26. Segundo Sonia Gomes Pereira “Taunay compartilhava com Winckelmann a crença na superioridade da arte grega e na atribuição ao clima dessa superioridade”[19]. Para Félix-Émile Taunay, a civilização grega era a eterna referência no estudo das artes tendo em seu clima a dádiva e superioridade divinas sendo mais tarde o alicerce cultural para as chamadas Escolas Artísticas Européias[20]. Pereira, em seu referido artigo, aponta o direcionamento comparativo do diretor da AIBA em relação ao clima e ao povo brasileiros[21] focando ainda a gênese cultural grega das nações italiana e francesa.
27. A pesquisadora levanta um outro ponto em seu estudo, o papel das Escolas Européias na formação do artista brasileiro oitocentista. De acordo com Taunay, fazia-se imprescindível ao aluno estudar as contribuições artísticas difundidas pelas distintas Escolas: Francesa, Italiana e Espanhola[22].
28. As palavras do então diretor explicitam um alicerçamento da produção artística italiana por três mestres que ulteriormente têm suas bases criativas assimiladas e externadas por outras regiões ou Escolas. A expressão de Michelangelo, o desenho harmonioso de Rafael e a sábia mistura das cores por Tiziano são, ainda, considerados por Taunay reflexos do temperamento de cada artista distintamente, caracterizando dessa forma, como princípio básico para a classificação das Escolas Florentina, Romana e Veneziana, os elementos não só plásticos como também afetivos. A Escola Florentina assumiria a austeridade e a altivez de Michelangelo; a Romana teria como escopo a docilidade e a primazia do belo de Rafael; já a Veneziana seria identificada pela alegria de Tiziano. É curioso observar que no levantamento realizado junto ao acervo plástico do Museu D. João VI/EBA/UFRJ constatamos o apego às metodologias propagadas por Rafael e Tiziano, referenciais da formação do alunato acadêmico no Brasil oitocentista. Os procedimentos metodológicos efetuados pelos dois pintores constituíram não somente uma querela no campo pictórico, mas também a fundamentação visual para o ensino da Academia Imperial das Belas Artes: o aprimoramento do desenho e o exímio uso das cores. Durante os séculos consolidou-se o embate entre desenhistas e coloristas aguçando cada vez mais o repertório de críticos e de pintores europeus.
29. Segundo Vasari ,o resultado de todo um processo mental, a idéia, no qual forma-se um juízo, um conceito proveniente do intelecto e que posteriormente é revelado pelas mãos, pode ser definido por desenho, que por sua vez concretiza o arcabouço das três mais nobres vertentes artísticas; a arquitetura, a escultura e a pintura[23]. Para o teórico a ilusão edificada pelo desenho e percebida pelo olho humano se daria no bem efetuado estudo da anatomia dos seres vivos e na perfeita combinação entre as partes e o todo, reconhecendo o desenho como fonte essencial das linguagens artísticas de representação. Visão contestada por Roger de Piles. Obstinado defensor da cor, legitima o caráter persuasivo da pintura condicionado ao uso do colorido, elemento esse dirigente da produção plástica veneziana[24].
30. Particularmente, a gênese do embate entre o papel do exímio desenhista e do harmonioso colorista deu-se ainda no século XVI italiano, no qual dois nomes são dignamente reverenciados, Rafael e Tiziano[25], pragmáticos em seus processos criativos e foco de extrema estima de Félix-Émile Taunay durante seus discursos na AIBA.
31. Todavia, a primazia das cores externada pela Escola Veneziana guardava seus mistérios como explicita Lodovico Dolce[26]. Segundo ele os contornos deveriam ser diluídos, pois a natureza não os concebia; as luzes e sombras teriam de agir sobre a figura de maneira ponderada e sensível para que se configurasse o relevo desejável. Saber manejar as cores, controlar adequadamente a força do colorido, imitar refinadamente as carnes, tecidos e objetos em sua máxima semelhança, eram os pontos focais da produção veneziana e que em cujos, para Dolce, consistia a arte. No entanto, em contraposição à opinião de Lodovico, segue Dominique Ingres estabelecendo para o desenho o degrau mais elevadodas linguagens artísticas, o probo patamar a ser alcançado pelo pintor[27]. Contudo, a principal função do artista, seja ele pintor ou escultor é a de imitar competentemente a natureza. No caso do primeiro é exigido, ainda, não só representar, mas convencer em sua retórica, iludir, persuadir os olhos do observador, emocionar, tudo isso pela refinada aptidão demonstrada pelo pintor no uso adequado das cores. Portanto, na visão de muitos, como Roger de Piles, o colorido pautava-se, consolidava-se como elemento prioritário da pintura em detrimento do desenho que se subjulgava à essência das cores[28].
32. A querela entre os teóricos é encorpada com a publicação da oratória de Gabriel Blanchard em sua “Conferência sobre o mérito da cor” exaltando os atrativos e a ilusão difundidos pelo colorido no território eloqüente da pintura [29]. No entanto, essas palavras projetaram o incômodo de vários defensores do desenho, como o pintor Charles Lebrun que de maneira protestante translada para o papel um inflamado discurso fazendo o desenho emergir da depreciativa explanação de Blanchard[30]. Explicando, primeiramente, os tipos distintos de desenho, independentes da cor, Lebrun finaliza sua exposição alimentando ainda mais a efervescente lamúria, atribuindo ao desenho a essência da arte pictural.
33. Vimos com efeito, que dois pontos podem ser tomados como exemplos das diretrizes de cada uma das duas Escolas Italianas, a Romana e a Veneziana, o desenho e o colorido, que sedimentaram, por sua vez, os ensinamentos acadêmicos na Europa e no Brasil.
34. Assim como Taunay, Manuel de Araújo Porto-alegre, durante o período em que esteve à frente da direção da AIBA, propagou o aprendizado acadêmico a partir das Escolas Artísticas Européias. É flagrante a dileção de Porto-alegre em relação aos coloristas, aos pintores que constituíam a Escola Veneziana, como é verificado em seu discurso ocorrido em 6 de dezembro de 1855[31]. Tudo nos leva a crer que a extremosa afeição pelos coloristas italianos, evidenciada em suas palavras, pode ser explicada pelo período em que esteve em Paris para equacionar seus estudos no território da pintura, ainda como aluno da Academia brasileira. Levado em 1831 por Debret, Porto-alegre encanta-se pelo trabalho dos artistas franceses que buscavam no campo da cor não só o alicerce, mas a essência da obra. Aprofundando o estudo na tradição a partir da observação dos pintores Veronese, Tintoretto e Tiziano, consolida o amadurecimento de sua formação estruturada muito mais no recurso cromático atribuindo, então, função secundária ao desenho. Após seu retorno ao Brasil (1837) recebe uma encomenda de José Clemente Pereira, que encarrega o artista brasileiro, em 1840, com a tarefa de pintar uma Última Ceia, para a Santa Casa da Misericórdia no Rio de Janeiro [Figura 6]. Com essa tela, Porto-alegre vai de encontro à primazia do desenho estabelecida pelos fundadores da Academia Imperial tendo na cor e seus efeitos, o ponto nevrálgico do seu trabalho. Dessa forma, ao tornar-se professor e posteriormente diretor da instituição, direciona o seu posicionamento normativo ao primado da cor.
35. Apesar da Academia Imperial possuir em sua Pinacoteca obras didáticas (cópias de vários pintores provenientes das Escolas Européias) o destaque dado às Escolas Italianas é inegável. Em Sessão Pública de 7 de julho de 1861 verifica-se a primazia italiana como herdeira da Antiguidade e detentora dos tesouros artísticos produzidos pelos grandes mestres da pintura[32].
36. Examinando o acervo de cópias do Museu D. João VI/EBA/UFRJ observamos a predileção por duas Escolas, a Romana e a Veneziana em dados quantitativos, mais precisamente pelos representantes Rafael o mestre do desenho e Tiziano juntamente a Veronese no campo dos coloristas. Além das duas, também verifica-se em menor número as outras Escolas, oriundas do arcabouço italiano, a Flamenga, a Espanhola e a Francesa.
37. Um ponto que nos chama atenção é a visível tendência apresentada pelo acervo de cópias em estabelecer um agrupamento por séculos em cada Escola particularmente. As reproduções de obras italianas transparecem uma síntese da produção pictórica dos séculos XVI e XVII. O grupo francês abrange um período ulterior, séculos XVII e XIX. As outras duas Escolas fixam-se no século XVII. Essa preferência por variados períodos ocasiona o ecletismo do acervo e a formação de um farto material de consulta para os alunos da Academia Imperial, pois as cópias proporcionam a realização de uma viagem desde o século XVI ao XIX, sem que seja preciso sair do Rio de Janeiro, formatando com isso, um panorama da produção artística internacional.
38. De acordo com a organização do acervo de cópias pictóricas do Museu D. João VI/EBA/UFRJ, utilizadas como material didático na AIBA, a coleção Italiana é identificada a partir de quatro Escolas. A Romana é representada por obras de autoria desconhecida produzidas com base nos originais de Rafael e pelo envio do pensionista Jean Leon Grandjean Pallière Ferreira A Virgem de Foligno. A Escola de Parma é apreendida pela cópia não identificada Danae de Correggio. Da Escola Veneziana, a mais significativa quantitativamente, aparecem reproduções de Tintoretto, Tiziano e Veronese confeccionadas por Zeferino da Costa, Francisco Antonio Nery e Victor Meirelles durante seus estudos na Europa. E, finalmente, da Escola Bolonheza são copiadas telas de Domenico Zampieri (Domenichino) e de Guido Cagnacci, do primeiro com autoria ainda ignorada e do segundo executada por Victor Meirelles [Figura 7].
39. Da Escola Espanhola há apenas um exemplar, uma cópia não identificada da cena pintada por Murillo A Sagrada Família. A Escola Flamenga apresenta possibilidades do estudo das composições de Van Dick e de Rubens, ambas pintadas por Victor Meirelles. No caso do segundo, vale abrir um parêntese. Rubens, apesar de Flamengo, tem sua formação estabelecida na Itália exercitando-se pelo processo da cópia em igrejas e edifícios públicos. A título de exemplo, em seu período de aprendizado, o artista produziu várias cópias de cunho religioso do pintor Caravaggio, como o Sepultamento de Cristo, 1614 localizada na Igreja Nova, onde então estava o quadro original. No entanto, a tela que encontra-se no Museu D. João VI/EBA/UFRJ, pintada por Meirelles tendo com escopo o original de Rubens, tem como recurso semântico a mitologia clássica. A Escola Francesa, que é a mais tardia, pois possui obras de artistas do século XIX , tem em seu conjunto cópias de Phillipe de Champaigne [Figura 8], de Jean Paul Laurens, de Amable-Louis Pagnest e de Antoine Gros confeccionadas pelos pensionistas Oscar Pereira da Silva, Rodolpho Amoedo e Victor Meirelles de Lima respectivamente. Ainda conta com a reprodução não identificada da tela do pintor Charles Lebrun Caçada de Meleagro.
40. É importante salientar que cada Escola contribuía de forma particular durante a formação acadêmica do aluno brasileiro, no entanto, essas contribuições partiam de dois pontos básicos para a estruturação de uma composição: o desenho e o colorido. Embora esses dois elementos citados pareçam redundantes em nosso texto, é inegável que a apologética ao aprendizado das configurações compositivas européias mostra-se inerente na AIBA pela prática da cópia. Segundo Erwin Panofsky, as configurações estão intimamente ligadas ao universo das formas puras. Todavia, é importante que digamos que, a observação das configurações pelo aluno não se limitava apenas ao acesso as formas puras nos planos da linha e da cor, mas estava aliada também ao sentido fenomênico em suas variantes; os caracteres objetivo e expressivo. Portanto, a conclusão que se impõe é que a base do ensino acadêmico no Brasil estava pautada na assimilação das configurações propaladas pela história da tradição. Contudo, se a cópia das pinturas na AIBA organizadas por Escolas Européias, difundia as devidas configurações externadas por cada mestre, também propagava o conhecimento e a apropriação quase devocionais da história dos tipos, responsável em suas duas vertentes (a semântica e a tipológica) pelo enriquecimento do repertório temático do aluno brasileiro, nosso próximo assunto.
“História dos Tipos”: o aprendizado a partir das tipologias pictóricas
41. A partir da criação do Prêmio de Viagem à Europa (Prêmio de Primeira Ordem) em 1845, o então diretor Félix-Émile Taunay oficializou e possibilitou a ida de alunos brasileiros a Roma e Paris objetivando o aperfeiçoamento da formação do seu corpo discente. O contato com os museus constituía-se numa experiência indescritível para os alunos que enfrentavam a ausência deles no Brasil. Podiam exercitar-se na imitação dos antigos e na reprodução de relevantes telas européias (elemento condicionador do amadurecimento do aluno frente às regras acadêmicas).
42. A vida de um pensionista na Europa não era fácil, o aluno devia superar inúmeros obstáculos em sua trajetória não só com o idioma local como também nas exigências quanto ao desenho e a pintura. Os pensionistas em meio às suas obrigatoriedades estavam submetidos ao envio de cópias das pinturas européias ao Brasil como instrumento de avaliação do aprendizado, constituindo assim, importante fonte alimentadora do acervo da Pinacoteca da instituição. As cópias enviadas pelos pensionistas agiam, também, como material didático na formação de outros alunos no Brasil que não tinham a oportunidade de estudar in loco as obras dos grandes mestres. A partir dos modelos plenamente fornecidos pelos museus visitados durante o pensionato, o aluno aproximava-se dos pilares de sustentação da sua formação artística: as contribuições de cada Escola Européia de pintura, os tipos eternizados pela tradição e as Retóricas Visuais.
43. Não queremos com este trabalho limitar a função do Prêmio de Primeira Ordem a um manancial copista, não temos uma visão reducionista do assunto. Mas acreditamos nas evidências que apontam duas possíveis causas para a conseqüente criação do Prêmio: a necessidade do aperfeiçoamento do aluno brasileiro frente à tradição pictórica européia e o enriquecimento da Pinacoteca da AIBA com reproduções de importantes obras da pintura ocidental enviadas ao Brasil.
44. Um detalhe a ser verificado é a aquisição das cópias das pinturas européias. Na segunda metade do século XIX o acervo de cópias da Academia Imperial cresceu significativamente em relação à primeira metade do oitocentos. Nos anos cinqüenta a aquisição de reproduções de obras européias atingiu seu clímax, pois foi o período dos pensionatos de Francisco Antônio Nery, Jean Leon Pallière Ferreira, Agostinho José da Motta e Victor Meirelles de Lima na Europa e, conseqüentemente, a década de seus envios ao Brasil. Nos anos sessenta e setenta a produção de envios sofreu uma significativa queda, constando apenas os de João Zeferino da Costa e de Rodolpho Amoedo; no entanto, durante os anos oitenta a Academia voltou a adquirir uma boa quantidade de cópias por meio de doação ou compra. Vale ressaltar que os envios de Oscar Pereira da Silva, último pensionista da antiga Academia, ao Brasil tomam vulto durante os anos noventa, já na existência da Escola Nacional de Belas Artes[33].
45. No Museu D. João VI/EBA/UFRJ encontramos parte das cópias enviadas à Academia Imperial pelos pensionistas, a outra parte encontra-se no Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro. No que cabe aos envios de pensionistas, mais especificamente as cópias das pinturas européias, estão localizados atualmente no Museu D. João VI/EBA/UFRJ os exercícios dos pintores históricos: Francisco Antônio Nery, Jean Leon Pallière Ferreira, Victor Meirelles de Lima, João Zeferino da Costa, Rodolpho Amoêdo e Oscar Pereira da Silva. Os envios de Agostinho José da Motta, único pensionista do âmbito paisagista, encontram-se no Museu Nacional de Belas Artes.
46. Uma visão de conjunto do acervo de cópias localizadas no Museu D. João VI/EBA/UFRJ revela a inclinação que a antiga Academia alimentava em sua metodologia de ensino artístico por gêneros específicos de pintura que variavam de acordo com as Escolas Européias. Cada Escola se destaca por uma determinada temática, por exemplo: a Italiana e a Espanhola, pela religiosa; a Francesa, pela história européia; a Flamenga, explicitando duas vertentes: a mitológica e a retratística. Todavia, durante a confecção da cópia, eram estudados os elementos que a Academia detinha o extremo controle, exigindo então do aluno exímia dedicação. São eles: a figura humana, a estruturação da composição em seus aspectos formais (as configurações) e a assimilação, também compositiva, das tipologias européias em sua adequação ao tema proposto (os tipos). É importante salientar que além dos envios dos pensionistas, os alunos na Academia Imperial também recorriam às cópias de autoria desconhecida como material didático, obras essas adquiridas por meio da compra pelo Estado ou da doação à instituição por particulares e que tinham a função de apresentar ao corpo discente a produção dos grandes mestres europeus. Assim, tanto as cópias confeccionadas por pensionistas na Europa quanto as de autoria não identificada introduzem o aluno brasileiro no campo do que Panofsky chama “história da tradição” consolidando, então, o aprendizado artístico a partir das tipologias européias concatenando diferentes semânticas. Semânticas essas que podem ser classificadas como: religiosa, mitológica, alegórica ou da história européia. Além das quatro temáticas, que para serem executadas pelos pintores exigiam a relação direta entre pintura e um texto escrito, a Academia Imperial também incitava os alunos a copiarem retratos e academias de nu.
47. No caso das cópias produzidas por pensionistas na Europa verificamos a supremacia quantitativa da semântica religiosa e dos artistas ditos ‘exímios coloristas’, como é o caso de Veronese[34] [Figura 9]. Também constatamos que Victor Meirelles de Lima é o único aluno da Academia brasileira a produzir cópias, na Europa, de todos os seis gêneros classificados acima, contribuindo, dessa forma, para o seu amadurecimento frente às regras tipológicas sem se enclausurar num único assunto. É necessário, ainda, citar que, a partir do variado envio de cópias proporcionado por Meirelles, a Academia brasileira conseguiu diversificar o seu acervo de pinturas, ocasionando uma preparação mais bem fundamentada para os alunos principiantes, fazendo com que eles pudessem conhecer uma gama maior de Escolas Européias e de semânticas pictóricas.
48. De maneira geral, grande parte dos mestres copiados era italiana e os temas, provenientes da pintura histórica: os acontecimentos do passado europeu, episódios da história sacra e as cenas mitológicas.
49. Por mais que os artistas italianos ocupassem lugar privilegiado no patamar hierárquico da cópia, os pintores franceses também representavam uma fonte propiciadora do conhecimento pictórico em seus caracteres plásticos e retóricos.
50.
Com base nesse estudo podemos concluir que, a
noção estilística não representava na Academia Imperial das Belas Artes um
referencial, ao contrário da tipologia que se manteve durante todo o oitocentos
como pilar da construção e da formação artísticas[35].
Portanto, o aperfeiçoamento do
pensionista na Europa não estava restrito ao aprendizado em ateliês
particulares ou nas Academias de ensino. A educação do olhar do aluno brasileiro se fazia fundamentalmente pela
observação das obras dos grandes mestres europeus localizadas em museus e
igrejas e, na prática da cópia
delas, que funcionava como ferramenta para a assimilação da história das
configurações e da história dos tipos convencionados pela tradição.
__________________________
* Reginaldo da Rocha Leite é Doutor em
Artes Visuais pela EBA/UFRJ, professor do Centro Universitário Metodista
Bennett e professor substituto do Instituto de Artes da UERJ.
[1] Bauhaus -
escola alemã de ensino artístico fundada por Walter Gropius, em Weimar, em
1919. A intenção de Gropius era criar a fusão de três vertentes: a arte, o
artesanato e a indústria incentivando a criatividade do aluno e não mais pelo
talento como nas academias de arte européias. Foram professores na instituição:
Itten, Feininger, Schlemmer, Kandinsky, Klee, Moholy-Nagy e J. Albers. Ao ser
transferida para Berlim em 1933 foi definitivamente fechada. Contudo, a ‘casa
de construção’ como ficou popularmente conhecida, primou pela difusão da arte
do mobiliário e do cartaz consolidando o desenho industrial.
[2] As três
Reformas citadas foram: Reforma Lino Coutinho (1831), Reforma Pedreira (1855) e
a Aprovação dos Estatutos da Escola Nacional de Belas Artes (1890).
[3] Decreto de 30
de dezembro de 1831. Capítulo II/Do Regime/Art. 2. A Congregação compete: 6.
Escolher os modelos vivos ou de imitação tanto de desenho e pintura, como de
paisagem, escultura e arquitetura, que se houverem de dar aos alunos para
copiarem; são excetuados porém deste exame os trabalhos originais dos
professores. - Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ.
[4] “Aberta a
Sessão ao meio dia, foi lida e aprovada a acta da anterior. Logo o secretário
leu o officio mencionado na acta anteriormente e foi approvado. Apresentou-se a
cópia do programma, e determinou-se que seria applicada no dia 8, para
conhecimento de todos. Diz assim: Programma - O concurso para o lugar do
substituto da aula de paysagem terá lugar, conforme o que foi determinado pela
Congregação dos Lentes sobre a proposição do Lente da dita aula, na forma
seguinte: 1? os oppositores copiarão a óleo hum painel de Paul Bril; e para
este efecto dão se dez dias úteis a cada hum delles A entrada do local em que
trabalharão, fica exactamente vedada a todos sem excepção os quadros de papel
preparado, em que se farão as cópias, serão iguaes no tamanho, e primeiro de
que serviram, receberão a assignatura do respectivo Professor cada concorrente
distinguirá a sua produção por hum número, o qual virá junto com o nome huma
carta fechada que não se abrirá senão depois do julgamento feito, e na presença
da Congregação”. - Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ.
[5] “O concurso
para a substituição das aulas de desenho e pintura histórica, terá lugar, em
conformidade do que foi determinado na sessão de 23 do corrente da Congregação
dos Lentes, pela forma seguinte: 1? os oppositores copiarão a lápis e todos na
mesma proporção o gesso do Apollo Lucio dito Apollino, e a este effecto dão-se
oito dias úteis, trabalharão juntos, escolhendo amigavelmente elles entre si,
na presença do Director e do Lente respectivo, a posição que mais lhe agradar.
As folhas de papel em que executarão suas cópias, serão de igual tamanho, e
receberão antes de servirem, a assignatura do Lente. 2? copiarão a óleo o busto
de S. Sebastião, com as mãos atadas acima da cabeça do quadro de I. C.
Procaccini dá-se-lhes para este trabalho quinze dias úteis. As disposições são
as mesmas acima marcadas”. - Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ.
[6] “Temos pois
estes três povos, o grego, o italiano e o francês entre os quais nasce, se
desenvolve e se conserva o bom gosto artístico. Senhores, estudando
profundamente as feições salientes das suas nacionalidades e conferindo-as com
o caracter brasileiro, ninguém se recusara a admitir, por uma analogia consentâneo
com os fatos já adquiridos, que este povo tem toda a aptidão para a
manifestação imitativa, que por ellas, ele deve se sobresair e fazer se notável
no mundo civilizado.”. - Sessão Pública da AIBA, 19 de dezembro de 1844,
Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ.
[7] “Esta pintura
tornou-se, na escola de Belas-Artes do século XIX, referência pedagógica,
exemplo acabado de verdade anatômica, e, por assim dizer, humana, no sentido da
expressão conseguida na tela. O partido não é o da idealização: há um evidente
cuidado na singularidade do rosto, dos cabelos; há observação do umbigo, da
região pubiana; há mesmo acentuação cromática onde a pele é habitualmente
exposta ao sol: na cabeça, no pescoço e no alto do peito, ali onde a camisa
fica aberta a epiderme torna-se vermelha. Pagnest possui indiscutível domínio
da organização muscular e aquilo que se chamava então o ‘sentimento’ da
anatomia. Basta comparar-mos a cópia de Amoedo - por sinal de muito boa
qualidade - com o original: pequenas diferenças surgirão, em benefício do
segundo. O pronunciado esternocleideomastóideo é o momento mais infeliz da
versão feita pelo brasileiro: rígido, sem vida, ele se afinca no peito como um
bastão e cria uma espécie de inchaço no alto, por trás da orelha. No de
Pagnest, ele se mostra como um elemento vivo da estrutura que sustenta a
cabeça. Ou ainda, o sentido da proporção surge perturbado na região superior da
cópia: o rosto do modelo é mais alongado, introduzindo um indizível
desequilíbrio na forte relação concebida por Pagnest entre os braços, as mãos e
a cabeça.” COLI, Jorge. A Batalha de Guararapes de Victor Meirelles e suas
relações com a pintura internacional. Campinas: UNICAMP, 1997, pp.131-132.
[8] “Não venha
para o Brasil, sem o tronco de Pagnest que lhe há de servir de diapasão ou de
meta miliária na sua carreira”. Carta de Porto-alegre enviada a Meirelles em 07
de julho de 1858. - GALVÃO,
Alfredo. Manuel de Araújo Porto-alegre - sua influência na Academia
Imperial das Belas Artes e no meio artístico do Rio de Janeiro. Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.14, Rio de Janeiro,
p.115.
[9] “A partir do
século XVIII, tornaram-se bastante comuns os levantamentos de monumentos
históricos, agrupando-os por tipologias, que tanto podiam ser ditadas pela
função comum, quanto pela recorrência a um mesmo padrão formal. Certamente,
esse procedimento foi sugerido pelos novos métodos científicos da época, em que
a exposição conjunta das espécies era fundamental para a identificação de
semelhanças e diferenças, levando à sua classificação. Mas, apesar de
decorrentes inicialmente de um conhecimento histórico, acabavam gerando uma
tipologia acima da história e da geografia, exatamente o contrário da noção de
estilo. Pois, se o estilo era determinado temporal e espacialmente, tal não
acontecia com o tipo, que se ancorava em características comuns, em termos de
função ou partido. Diante dessas pranchas, é como se o arquiteto tivesse
exposto diante de si toda uma tradição arquitetônica à sua disposição para ser
reutilizada nos prédios contemporâneos. A sua exemplaridade avalizava as
escolhas do arquiteto e garantia a legitimidade de sua arquitetura. Assim, a
composição passava a ser entendida como a escolha do artista entre várias
soluções possíveis, tomadas dos modelos nobres da tradição européia, que
constituíam uma verdadeira tipologia. Nesse processo de retomada da tradição, é
importante fazer aqui a distinção entre tipo e modelo, estabelecida por
Quatremère de Quincy em meados do século XIX e retomada por Argan nos anos
1960: o modelo é uma coisa e o tipo é uma idéia; somente o tipo e não o modelo
deveria ser tomado pelo artista como referência - conceito que aparece também
nos escritos de Ingres”. PEREIRA, Sonia Gomes. As tipologias da tradição
clássica e a pintura brasileira do século XIX. Anais do XXVI Colóquio do
Comitê Brasileiro de História da Arte. Belo Horizonte: C/Arte, 2007,
pp.535-536.
[10] “É provável que o mesmo processo de escolha
tipológica ocorresse na pintura e na escultura, só que nesse caso o
conhecimento da tradição não chegou a ser codificado como no caso da
arquitetura. Ele continuava a ser feito pela observação direta das obras, no
caso das viagens, ou através das cópias. Assim, a tipologia tinha de ser uma
construção mental do artista, aproximando e colocando juntas obras de mesma
temática ou com recursos plásticos próximos. Mas aqui também a tipologia
servia para disponibilizar ao artista obras exemplares, que lhe serviriam
para a escolha de um partido compositivo. Por composição entendia-se muito mais
do que a solução formal da obra. Logicamente, o resultado formal do conjunto era
muito importante, pois o artista deveria demonstrar a habilidade em reunir os
diversos elementos constitutivos da obra, atendendo às regras de proporção e
harmonia. Mas a composição envolvia também a adequação da solução formal
ao tema, respeitando as exigências de natureza iconográfica para os diversos
gêneros: religioso, mitológico, alegórico, histórico, retrato, natureza-morta,
paisagem entre outros.”. PEREIRA, Sonia Gomes. As tipologias da tradição
clássica e a pintura brasileira do século XIX. Anais do XXVI Colóquio do
Comitê Brasileiro de História da Arte. Belo Horizonte: C/Arte, 2007, p.536.
[11] “O termo tipo provém do grego tipos, que significa
‘cunho, molde’, designando na língua portuguesa um conjunto de caracteres
essenciais que distinguem uma classe ou indivíduo ou coisa que reúne em si
esses caracteres, e ainda ‘modelo, exemplar’”. - Dicionário Profissional da
Língua Portuguesa. Lisboa: Texto Editora, 1999. (versão digital), verbete
tipo. Na mesma obra, encontramos a definição de modelo: “[...] forma típica
para reproduzir e imitar”. Em outra obra pesquisada, o mesmo direcionamento é
percebido: “[tipologia] Técnica que tem por objetivo classificar as
representações segundo sua forma”. MARCONDES, Luiz Fernando. Dicionário de
termos artísticos. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1998, p.277.
[12] “Há cento e cinqüenta anos a História da Arte
propôs-se como escopo fazer balanço das obras do passado, inventariá-las,
conserva-las, e constituir, ao mesmo tempo, séries de tipos baseadas numa
classificação calcada na Botânica ou na Biologia, inteiramente descritiva e
indiferente às funções sociais ou às significações diferenciais da obra em
relação a seus criadores, usuários e à posteridade”. FRANCASTEL, Pierre. A
realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1993, p.01.
[13] O teórico citado tem sua formação consolidada a
partir dos estudos de Ernst Cassirer (1874-1945), mais precisamente apoiada em A
Filosofia das Formas Simbólicas que alicerçou a produção de A
Perspectiva como Forma Simbólica, de Panofsky em 1924/25. Em nosso
estudo, nos apegamos a um trabalho de Panofsky escrito para uma conferência em
Kiel, em 1931, no Kantgesellschaft. É uma obra ainda muito marcada pelo
pensamento de Cassirer, mas o teórico já apresenta a formulação de um método
particular dividido em três níveis de análise imagética. Entretanto,
nosso interesse parte do enfoque particular de Panofsky em relação à tipologia
no campo da pintura, atrelado ainda na história das configurações e no campo
semântico das obras. Comparamos o texto original de Panofsky com a tradução
feita recentemente para a coleção A Pintura/textos essenciais, da
Editora 34 e percebemos que os tradutores mantiveram-se fieis ao original.
Portanto, recorreremos aqui, à tradução recente, mas é relevante citar que nos
preocupamos em verificar possíveis alterações do conteúdo e interpretações que
viessem a fugir da concepção conceitual de Panofsky. PANOFSKY, Erwin. Sobre o
problema da descrição e interpretação do conteúdo de obras das artes plásticas.
LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A Pintura/textos essenciais,
vol.8, São Paulo: Editora 34, 2005.
[14] “Queria acreditar que o que se opõe a essas
fontes cognitivas subjetivas como corretivo objetivo - e com isso ‘assegura’ o
seu resultado - não é nada mais senão o que podemos denominar ‘história da
tradição’, que, no caso do sentido fenomênico, aparece como ‘história das
configurações’ e, e no caso do sentido semântico, como ‘história dos tipos’.
Essa história da tradição nos mostra, na realidade, o limite até onde pode ir o
nosso uso da força; pois se temos o direito, se é inclusive necessário tirar de
nós mesmos o que não está efetivamente dito nas coisas e trazê-lo à luz, a
história da tradição nos mostra também o que não poderia ter sido dito, porque
a sua representação ou a sua idéia não teria sido possível do ponto de vista do
tempo e do lugar”. PANOFSKY, Erwin. Sobre o problema da descrição e
interpretação do conteúdo de obras das artes plásticas. In: LICHTENSTEIN,
Jacqueline (org.). A Pintura/textos essenciais, vol.8, São Paulo:
Editora 34, 2005, pp.102-103.
[15] “É portanto necessário reunir quadros de
diversas escolas, telas que possam servir às lições práticas, como
demonstração, ao mesmo tempo em que guiem e mesmo inspirem os professores”.
Plano de Lebreton em carta a Barca, tradução extraída do artigo de Mário
Barata. BARATA, Mário. “Manuscrito inédito de Lebreton sobre o estabelecimento
de uma dupla escola de artes no Rio de Janeiro em 1816”. Revista do SPHAN,
n.14, 1959, p.298. Uma versão pode ser consultada no seguinte link.
[16] As duas coleções citadas encontram-se no Museu
Nacional de Belas Artes.
[17] LANZI, Luigi. Storia Pittorica della Itália.
Dal
Risorgimento delle Belle Arti fin presso al fine del XVIII secolo. Firenze: Sansoni Editore.
[18] MARQUES, Luiz. Museu Nacional de Belas
Artes. Arte Italiana em coleções brasileiras 1250-1950. Corpus da arte
italiana em coleções brasileiras, São Paulo: Berlendis e Vertecchia Editores,
1996. Em seu estudo Marques elaborou um levantamento dos catálogos das
Exposições organizadas pela Academia Imperial, as quais eram estruturadas de
acordo com a geografia artística das peças. O texto do pesquisador
concentrou-se apenas nas obras localizadas atualmente no MNBA, não abordando,
portanto, as telas do Museu D. João VI/EBA/UFRJ que analisamos nesta tese.
Marques mergulha na problemática da autoria das obras expostas explicitando,
também, um olhar historiográfico. Contudo, não aborda as questões tratadas em
nosso estudo, entre elas: a Retórica Visual, a história das configurações e a
história dos tipos.
[19] PEREIRA, Sonia Gomes. As tipologias da tradição
clássica e a pintura brasileira do século XIX. Anais do XXVI Colóquio do
Comitê Brasileiro de História da Arte, Belo Horizonte: C/Arte, 2007, p.532.
[20] “Huma nação houve, a grega, que excedeu e
excede a todas na cultura das Belas Artes. Não foi esta superioridade filha de
um desígnio formado; foi resultado da organização especial de uma raça
privilegiada, e não menos do momento em que se constitui como nação do que do
clima do solo, enfim de todas as influencias de tempo e de lugar [...].”.
Sessão Pública da AIBA de 19/12/1845, palavras de Félix-Émile Taunay. Arquivo
do Museu D. João VI/EBA/UFRJ.
[21] “A natureza do nosso clima, a índole poética
dos seus habitantes, a riqueza do Império, prometem a esta arte um desenvolvimento
notável [...]”. Ata de 02/04/1849. Palavras de Félix- Émile Taunay. Arquivo do
Museu D. João VI/EBA/UFRJ.
[22] “[...] seja-nos suficiente mencionar Leonardo
da Vinci, Peruggino, Giorgione, precursores das escolas de pintura Florentina,
Romana e Veneziana, como dellas forão fundadores verdadeiros os Michel ?ngelo
Buonarroti, Raphael Sanzi e Tiziano Vecelli. Todos trez influirão umas sobre as
outras. A escola romana pedio emprestada muita força do desenho à florentina e
alguma sciencia do colorido a Veneziana: nem esta deixou de se aperfeiçoar à
vista das produções rivais: entretanto, as trez conservam um caráter bem
distinto, análogo ao das individualidades que presidião aos seus destinos. Quem
representasse fielmente as feições moraes de Michel ?ngelo, de Raphael, de
Tiziano, daria a conhecer as qualidades notáveis das suas escolas: o primeiro,
triste, solitário, de gênio altivo, austero e independente, apaixonado pelo
grande; o segundo, tenro, dócil, amável, apaixonado pelo belo; o terceiro,
alegre, social, brilhante, apaixonado pela harmonia exterior e relativa. Temos
a indicação dos trez merecimentos especiais, força de desenho e de claro escuro
na escola florentina, pureza das formas e de tons na escola romana, brilho
suavidade e bela fusão de cores na escola veneziana [...] Da escola romana
nasce a alemã contemporânea; da florentina, a qual se liga principalmente a
estatuária moderna, nasce a escola francesa com mestre Rosso e João Cousin; a
veneziana modifica felizmente a flamenga e se infunde na hespanhola. Todas trez
ellas renascem com novo esplendor na escola bolonheza. Annibal Carraci, chefe
desta, recebeu da natureza antes disposições enérgicas que brandas, e
provavelmente teria imprimido outro sello que não a eclética maneira geral dos
seus adeptos, se não tivesse por collaboradores os seus irmãos e até por mestre
o seu primo Luiz Carracci, de gênio mais flexível e suave; entretanto,
addicionou aos meios da arte o da magia dos effeitos geraes da luz, exagerado logo
depois pelo Caravaggio. A mais bela expressão da escola de que tratamos
reside nas obras de Domenico Zampieri, dito o Domenichino, victima durante a
sua vida da inveja e da calunnia: ao resto ella certamente offerece a coleção
mais numerosa de nomes ilustres da história das bellas artes: o Albano, o
Guido, o Guercino, o Pesarese, os Procaccini, e tantos outros; alguns delles
fundarão novas escolas mais ou menos chegadas nos trez tipos primitivos: e não
devemos esquecer a genovesa, nem tampouco a napolitana, em certo sentido
companheiro da hespanhola.”. Sessão Pública da Academia, em 1842 palavras de
Taunay. Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ.
[23] “Oriundo do intelecto, o desenho, pai de nossas três
artes - arquitetura, escultura, pintura -, extrai de múltiplos elementos um
juízo universal. Esse juízo assemelha-se a uma forma ou idéia de todas as
coisas da natureza, que é por sua vez sempre singular em suas medidas. Quer se
trate do corpo humano, dos animais, das plantas, dos edifícios, da escultura ou
da pintura, percebe-se a relação que o todo mantém com as partes, que as partes
mantém entre si e com o conjunto. Dessa percepção nasce um conceito, um juízo
que se forma na mente, e cuja expressão manual denomina-se desenho”. VASARI,
Giorgio. As vidas dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos.
LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A Pintura/textos essenciais, vol.9, São
Paulo: Editora 34, p.20.
[24] “A cor é o que torna os objetos sensíveis à visão. E
o colorido é uma das partes essenciais da pintura, por meio do qual o pintor
imita a aparência das cores de todos os objetos naturais e aplica aos objetos
artificiais a cor mais adequada para iludir os olhos”. PILES, Roger de. Curso
de pintura por princípios. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A Pintura/textos
essenciais, vol.9, São Paulo: Editora 34, p.48.
[25] “Mesmo se alguns pintores pendiam mais para a cor e
outros para o desenho, nenhum deles ignorava que um quadro, segundo a fórmula
de Maurice Denis, é um conjunto de linhas e de cores dispostas numa certa
ordem, antes de ser a representação de uma batalha ou de uma natureza-morta. O
debate surgiu na Itália, durante o Renascimento. No século XVI, desenvolveu-se
uma querela acerca do respectivo papel desempenhado pelo desenho e pela cor, il
disegno e il colore, na definição da pintura. Contra a escola de Florença e a
de Roma, que defendia o primado do disegno, escritores como Dolce e Lomazzo,
representando respectivamente a escola Veneziana e a Lombarda, defendiam que a
arte da cor era mais importante do que a exatidão do desenho. é a cor, diziam
eles, que tornam os objetos como que dotados de alma e de vida, é ela que
permite pintar a carne, representar o movimento, criar a ilusão do vivo; é ela,
enfim, que está na origem do prazer que o espectador sente diante de um quadro.
Ao desenho sublime de Rafael, eles preferiam o admirável colorido de Ticiano”.
LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A Pintura/textos essenciais, vol.9,
pp.10-11.
[26] “É necessário que a mistura de cores seja tênue
e harmoniosa de modo que represente o natural e que em nada ofenda os olhos,
tal como acontece com as linhas dos contornos, que se devem evitar (pois a
natureza não as faz), e também com o negro, no caso das sombras fortes e
desarmônicas. Essas luzes e sombras, aplicadas com juízo e arte, arredondam as
figuras e dão a elas o relevo que se procura; e as figuras que de tal relevo
são privadas parecem, como bem dissestes, pintadas, porque tem a superfície
plana. Quem, portanto, possui esta qualidade, possui uma das mais importantes.
Assim, a principal dificuldade do colorido está na imitação das carnes e
consiste na variedade das tintas e na suavidade. é necessário também saber
imitar a cor dos tecidos, a seda, o ouro e tudo mais tão bem que se tenha a
impressão de ver mesmo a maior ou menor dureza ou maciez conforme o tipo de
tecido; saber simular o brilho das armas, a cerração da noite, a claridade do
dia: raios, incêndios, luzes, água, terra, pedras, ervas, árvores, ramos,
flores, edifícios, casarios, animais e coisas semelhantes com tal plenitude,
que em tudo pareçam reais e jamais fatiguem os olhos de quem as vê. Que não se
creia, porém, que a força do colorido consiste na escolha de belas cores, como
belas lacas, belos azuis, belos verdes e outras, porque essas cores são belas
mesmo que não se introduzam nas obras: é no saber maneja-las adequadamente [que
consiste a arte]”. DOLCE, Lodovico. Diálogo sobre a pintura, intitulado O
Aretino. LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura/textos essenciais, vol.9,
pp.24-25.
[27] “O desenho é a probidade da arte. Desenhar não
quer dizer simplesmente reproduzir contornos; o desenho não consiste
simplesmente no traço: o desenho é também a expressão, a forma interior, o
plano, o modelo. Vejam o que sobra depois disso! O desenho compreende três
quartos e meio daquilo que constitui a pintura. Se eu tivesse que por um
letreiro sobre minha porta, escreveria: Escola de desenho, e tenho certeza de
que formaria pintores. O desenho abrange tudo, com exceção do matiz. é preciso
desenhar com os olhos quando não se pode usar o lápis. Enquanto vocês não
aliarem a observação à prática, não farão nada de realmente bom.”.
INGRES, Jean Auguste Dominique. Escritos sobre arte. LICHTENSTEIN, Jacqueline
(org.). A Pintura/textos essenciais, vol.9, pp.84-85.
[28] “O objetivo tanto do pintor como do escultor é a imitação,
mas eles a atingem por vias diferentes: o escultor, pela matéria sólida,
imitando a quantidade real dos objetos, e o pintor, imitando com cores a
quantidade e a qualidade aparente de tudo o que é visível: de maneira que ele é
obrigado não somente a agradar os olhos, mas iludi-los em tudo o que
representa. Normalmente se objeta a isto que o desenho é o fundamento do
colorido, que ele o sustenta, que o colorido depende dele e que ele, por sua
vez, em nada depende do colorido, pois o desenho pode subsistir sem o colorido
mas o colorido não pode subsistir sem o desenho; e que por isso o desenho é
mais necessário, mais nobre e, enfim, mais considerável que o colorido. Mas é
fácil demonstrar que essa objeção nada conclui de vantajoso para o desenho em detrimento
do colorido. Pelo contrário: demonstra-se que o desenho sozinho, tal como é
pressuposto, só é o fundamento do colorido e só preexiste a ele na medida em
que dele recebe sua perfeição em relação à pintura. E não é nada surpreendente
que aquilo que deve receber exista e subsista antes daquilo que deve ser
recebido.”. PILES, Roger de. Curso de pintura por princípios. LICHTENSTEIN,
Jacqueline. A Pintura/textos essenciais, vol.9, São Paulo: Editora 34,
p.53.
[29] “Antes, porém, de entrar na matéria, peço-lhes,
senhores, que tenham a plena convicção de que o espírito que me anima neste
discurso não é de modo algum o da contradição, tampouco o do desprezo pelo
desenho. Pelo contrário, eu o estimo e reconheço como uma parte da pintura tão
bela quanto difícil de aprender. E, como não vejo necessidade de me alongar
mais do que isto, diria que os resquícios das esculturas da Antiguidade
constituem um elogio suficientemente digno do desenho. [...] Creio que é
possível definir a pintura da seguinte maneira: uma arte que, por meio da forma
e das cores, imita sobre uma superfície plana todos os objetos abarcados pelo
sentido da visão. Essa definição me parece bastante apropriada, pois
corresponde perfeitamente à pintura e a distingue das outras artes. [...]
Portanto, senhores, parece-me possível estabelecer racionalmente três pontos em
defesa da cor: Primeiro, que a cor é tão necessária na arte da pintura quanto o
desenho. Segundo, que ao diminuir o mérito da cor, diminui-se o mérito dos
pintores. E, terceiro, que a cor mereceu os elogios da Antiguidade e que merece
também os de nosso século. [...] Na arte da eloqüência, por exemplo, cujo
objetivo é persuadir, se há alguma parte mais importante do que as outras, sem
dúvida é aquela que mais contribui para persuadir. [...] Qual é, pois, a
finalidade do pintor? é realmente iludir os olhos e imitar a natureza, mas
deve-se acrescentar que isso se faz por meio das cores, e é essa a única
diferença que torna a pintura específica e a distingue das outras artes. Um
pintor só é pintor porque emprega cores capazes de seduzir os olhos e imitar a
natureza. é isso que ele deve buscar e é essa, afinal, a finalidade que ele
deve se propor com sua obra. [...] No que diz respeito à capacidade de impressionar
os olhos, é certo que um quadro de desenho medíocre, mas onde as cores se
mostram em todo seu brilho e em toda harmonia possível, produzirá um efeito
mais forte e atrairá mais os olhos do que um outro em que o desenho, de uma
exatidão absoluta, apresente cores medíocres. [...] Acusaríamos também
Giorgione, Tintoretto, Veronese, todos os lombardos, Rubens e toda sua escola.
E o único crime desses grandes homens foi terem sido sensíveis ao encanto da
cor. Se este for o caso, senhores, duvido que haja alguém nesta Academia que
não se sinta culpado do mesmo crime quando vê e considera com atenção esses
milagres da arte, essas obras admiráveis nas quais eles nada pouparam para
ressaltar a cor em todos seus encantos. Assim, senhores, porque nos deixamos
levar imperceptivelmente pelos atrativos da cor, e porque os senhores seriam
culpados se acusassem esses grandes homens cujas obras os encantam e os fazem
esquecer seus outros defeitos, conservem essa bela feiticeira, trabalhem para
conquistar esse belo elemento que os torna pintores, e que lhes confere uma
qualidade pela qual todo homem de espírito possui apreço e veneração”.
BLANCHARD, Gabriel. Conferência sobre o mérito da cor. LICHTENSTEIN, Jacqueline
(org.). A Pintura/textos essenciais, vol.9, São Paulo: Editora 34, pp.
34-40.
[30] “Ora, o verdadeiro mérito é aquele que se sustenta
sozinho e que não depende em nada de qualquer outra coisa. Portanto, para
conhecer o mérito do desenho e o da cor, e para estabelecer a diferença entre
eles, é preciso avaliar qual dos dois se sustenta melhor sozinho, e qual é mais
independente de todas as outras coisas. Em primeiro lugar: Deve-se saber que há
dois tipos de desenho: um intelectual ou teórico, e outro prático; O primeiro
depende puramente da imaginação, exprime-se por palavras e propaga-se a todas
as produções do espírito; O desenho prático é produto do intelectual e,
consequentemente, depende da imaginação e da mão, e também ele pode ser
expresso por palavras. É este último que, com um lápis, dá a forma e a
proporção, e que imita todas as coisas visíveis, até a expressão das paixões da
alma, sem que para isso necessite da cor, a não ser para representar o rubor e
a palidez. Pode-se acrescentar a isto que o desenho imita todas as coisas
reais, enquanto a cor representa apenas o que é acidental. Pois todos concordam
que a cor é só um acidente produzido pela luz, porque ela muda conforme a
iluminação [...] é preciso considerar também que a cor aplicada nos quadros não
produz tonalidades nem coloridos além dos da própria matéria da tinta: pois é
impossível obter o verde a partir do vermelho ou o azul do amarelo. é por isso
que se diz que a cor depende totalmente da matéria e, consequentemente, que ela
é menos nobre que o desenho, o qual provém do espírito. Pode-se ainda
acrescentar a isto que a cor depende do desenho, porque lhe é impossível
representar ou figurar o que quer que seja sem a ordenação do desenho. A cor
não consegue sequer exprimir uma prega de tecido sem que a forma lhe seja dada
pelo desenho, tamanha sua dependência dele; do contrário, não haveria ordem
alguma na distribuição da cor e, se o desenho não fizesse a diferença, os
moedores de tinta estariam no mesmo nível dos pintores, pois lidam com as cores
assim como eles e sabem desenvolvê-las quase tão bem quanto eles. Vemos,
portanto, que o mérito da pintura está no desenho, e não na cor.”. LEBRUN,
Charles. Opinião sobre o discurso do mérito da cor pelo Sr. Blanchard.
LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A Pintura/textos essenciais, vol.9,
pp.41-42.
[31] “Lá estão esses Alpes, com seus prismas de neve,
toucados de nevoeiros, sublimes, variados, pittorescos, d’onde ouvireis gritar:
Itália! Itália! E lá bem longe, nas raízes da montanha, azulada com um ceo
aberto, fulgurante, como Vênus ao surgir das ondas, toda cheia de luz, de
melodia, e de encantos, a bella e fecunda Itália, aquela que nutrio em seu seio
fecundíssimo tantos enfenhos, que abrirão os séculos brilhantes da renascença,
e do explendo das artes. - Que torrente de emoções, de delícias inefáveis, se
vos offerece d’estes bancos da Academia?! - Veneza, a antiga rainha do
Adriático, sentada sobre as agoas no seu throno de mármore, trabalhado por
Sansovino e outros engenhos admiráveis. O seu leão alado, depois de haver
quebrado a espada, voou para o reino da esperança; o seu bucentauro naufragou,
e o anel do Doge foi arrebatado pela águia do Danúbio; porém ainda lhe restão
os seus palácios, as suas torres, os seus templos, e essas páginas de luz do
Tiziano, Tintoretto, Paolo Veronez, e toda essa família de brilhantes
coloristas.”. Ata da 3a Sessão Pública da Academia Imperial das Belas Artes, em
6 de dezembro de 1855. Presidência do Exmo. Snr. Conselheiro Luiz Pedreira do
Coutto Ferraz, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império.
[32] “[...] Perdida a independência, e a liberdade, morreo
na Grécia o Gênio das Artes que só depois de longos séculos renasceo na Itália.
Que orações, que glórias não forão prodigalisadas à Arte n’essa terra
afortunada, que herdou os mais ricos thesouros da Antiguidade!!!” - Ata da
Sessão Pública da AIBA em 07/07/1861. Presidência do Sr. Conselheiro Dr. Thomas
Gomes dos Santos, Diretor da Academia.
[33] “Contudo, assim que o resultado foi divulgado
[resultado do concurso para o Prêmio de Viagem à Europa de 1887], uma polêmica
se instalou entre os professores e os dois laureados [Oscar Pereira da Silva
(pintor histórico) e Ludovico Maria Berna (arquiteto)] tiveram que aguardar
quase três anos, sendo enviados à Europa apenas em 1890, já sob regime
republicano. CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. Belmiro de Almeida (1858-1935),
Oscar Pereira da Silva (1867-1939) e o polêmico concurso para Prêmio de Viagem
de 1887. RIBEIRO, Maria Izabel Branco e RIBEIRO, Marília Andrés (org.). Anais
do XXVI Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. Belo
Horizonte: C/ARTE, 2007, p.267. Para aprofundar a questão dos trâmites da
premiação, conferir: CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. Les Artistes Brésiliens et
les Prix de Voyage em Europe à la fin du XIXe. Siècle: vision d’ensemble et
etude approfondie sur le peintre Eliseu d’Angelo Visconti (1866-1944), Paris:
Université Paris I, Panthéon-Sorbonne, 1999. (Tese de Doutorado). Ou
ainda, consultar as atas localizadas no Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ
(Ata da Sessão de 8 de novembro de 1887 e Ata da Sessão de 6 de outubro de
1890).
[34] Essa afirmação pode ser constatada a partir do exame
tanto do acervo de cópias do Museu D. João VI/EBA/UFRJ quanto do localizado no
Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.
[35] “Tanto na Europa quanto no Brasil, a versatilidade
estilística dos artistas desse período tem origem num fato, que parece estar
sendo desprezado pelos estudiosos: a importância das tipologias, isto é, as
soluções de compromisso entre tema e forma, que eram sugeridas pelos grandes
mestres e que passaram a constituir a tradição artística ocidental. Sabemos que
o grande objetivo da pintura desde o Renascimento era ‘contar história’, ou
seja, a sua função narrativa. Dessa forma, cada tema apresentava um caráter
específico, com suas exigências iconográficas e a necessidade de construção de
um clima emocional adequado à história narrada. Assim, do ponto de vista da
prática artística - e o ensino acadêmico estava particularmente atento a esse
fato -, as escolhas dos artistas eram muito mais tipológicas do que
estilísticas. Isto explicaria porque os artistas dessa geração apresentam esse
comportamento eclético: o estilo seria escolhido em função da sua adequação ao
tema e à função, apoiando-se num repertório de tipologias compositivas
sugeridas pela tradição pictórica européia.”. PEREIRA, Sonia Gomes. Arte
Brasileira no Século XIX. Belo Horizonte: C/Arte, 2008, p.70.