A ENBA da primeira metade do século XX vista pela obra de alguns dos seus professores - uma gradual transição para o moderno

Ricardo A. B. Pereira [1]

PEREIRA, Ricardo A. B.. A ENBA da primeira metade do século XX vista pela obra de alguns dos seus professores - uma gradual transição para o moderno. 19&20, Rio de Janeiro, v. VIII, n. 1, jan./jun. 2013. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/ensino_enba_rp.htm>.

*     *     *

Em meados da década de 50 do século XX, ainda vigorava na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) o ensino acadêmico, ou seja, um tipo de ensino derivado diretamente daquele praticado na anterior Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), que tivera seu início como Academia Real de Belas Artes, fundada por D. João VI em 1816[2]. Isto significa que na ENBA, ainda que com várias modificações, muito da maneira de entender a arte e suas funções, e também de ensiná-la, tinha como origem a Missão Francesa que trouxera ao Brasil os artistas que se tornaram os primeiros professores desta instituição[3].

Portanto, pode-se dizer que a ENBA era uma espécie de último baluarte do academicismo em relação a toda revolução modernista que vinha ocorrendo no Brasil desde a Semana de 1922. Contudo, dentro da própria Escola este apego rigoroso à tradição clássica já vinha sendo contestado, em graus diversos, já no século XIX[4], e esta contestação ganhou muito mais força no século passado, principalmente depois da rápida passagem de Lúcio Costa[5] pela sua direção, onde, entre outros feitos de caráter modernizador, realizou o Salão de 31, conhecido como Salão Revolucionário[6]. E boa parte das reivindicações por mudanças partiam dos próprios alunos, muitos deles insatisfeitos com o modelo de ensino que ainda era ali aplicado[7]. Novos professores vão substituindo, via concurso, os antigos mestres e gradualmente começam a introduzir uma mudança nos paradigmas da Escola, principalmente em seus modos de ver e aplicar a arte no novo contexto cultural que vai tomando forma no Brasil na primeira metade do século XX.[8]

Falando do campo da pintura, mesmo no trabalho de alguns professores mais antigos, nota-se aqui e ali, no aspecto formal, a introdução de alguns elementos estilísticos mais ousados em relação à fatura e ao cromatismo. Diante disso, desse caminhar em direção a uma arte não mais totalmente pautada pelas rigorosas regras acadêmicas, buscando trabalhar no próprio corpo da obra onde se deram estas modificações, propomo-nos a fazer algumas análises formais das criações de alguns destes professores que atuaram no atelier de pintura ou nas aulas de desenho. Nestas obras, todas pertencentes ao acervo do Museu D. João VI da EBA/UFRJ, apontaremos as características gerais e como surgem estas mudanças, diferenciando-as, algumas vezes de maneira pouco perceptível, outras de forma mais marcada, das obras dos seus antecessores arraigados na tradição.

Tanto no campo da pintura quanto em relação ao desenho, partiremos dos trabalhos mais antigos, ou seja, daqueles realizados por estes professores no início do século, alguns deles sendo trabalhos de seus concursos para início da carreira docente ou agraciados com o prêmio de viagem[9], e caminharemos em direção aos trabalhos em que foi desenvolvida uma linguagem mais moderna, mesmo que este moderno aí signifique, em alguns casos, no máximo, a assimilação do Impressionismo. Este recorte ficará restrito à primeira metade do século XX, por nos parecer que este foi o momento mais crítico desta tensão interna entre conservação do ensino acadêmico e modernização do mesmo, ainda que ele, no fundo, nunca tenha deixado de existir, mostrando-se presente até hoje, embora com características bastante diversas.

O desenho

Antes de analisarmos as obras, será necessário que ressaltemos a importância que, na Academia, o desenho tinha para a formação de seus alunos. Desde o Renascimento, muito valorizado por Vasari[10] e reafirmado pela academia criada pelos Carracci[11], o desenho era visto como o meio fundamental para o artista dar concretude as suas ideias, sem o qual não conseguiria chegar a um bom termo em seus propósitos, seja na pintura, na escultura, na arquitetura ou em qualquer outra criação plástica[12]. É por isto que, seguindo o modelo francês trazido pela Missão, desde os primórdios da nossa Academia o ensino do desenho tinha um papel preponderante entre as demais disciplinas.

Nos tempos da Academia Imperial de Belas Artes começava-se copiando, através do desenho, estampas especialmente preparadas para este fim, a maioria francesas, na qual o aluno ia desenvolvendo aos poucos seu domínio na representação das partes do corpo humano e depois do corpo inteiro, tanto seu contorno, quanto seu modelado, através do sombreamento, o chamado claro-escuro, elementos que já vinham resolvidos nas próprias estampas. Na etapa seguinte, quando considerado apto, o aluno passava da cópia das estampas à cópia de moldagens de gesso, em sua maioria greco-romanas, devendo apurar seu olho e sua habilidade em capturar as proporções e o modelado do corpo humano, sempre tendo a linha como principal elemento ordenador de seu trabalho.

Finda esta parte do aprendizado, era a ocasião de se trabalhar com o modelo vivo, buscando-se aprofundar a qualidade do desenho na realização das chamadas “academias”[13]. Diante do modelo nu, masculino ou feminino, o discípulo, já treinado pelas etapas anteriores, se via agora desafiado a ver, compreender e a traduzir pelo desenho toda a complexidade da forma humana em seus mínimos detalhes, geralmente com um repertório de poses já determinadas. Nos tempos iniciais da AIBA, era buscada a idealização clássica no desenho deste modelo, passando-se, com as modificações introduzidas pelas várias reformas no ensino, a um naturalismo de cunho mais científico. O que os professores procuravam com tal método era capacitar o aluno a desenhar o modelo nas mais diversas situações, o que lhe permitiria, tendo dominado esta arte, não ter dificuldades ao abordar futuramente qualquer tipo de temática, principalmente a histórica. Esta metodologia rigorosa empregada pelo ensino acadêmico visava também imprimir no aluno uma visão pautada pelas fontes clássicas.

Como exemplos, comentaremos desenhos de quatro professores que atuaram na ENBA dentro do período que estamos destacando no século XX: Georgina de Albuquerque[14], Carlos Del Negro[15], Marques Júnior[16] e Quirino Campofiorito[17]. Como veremos, os desenhos destes mestres apresentam as características que devem ser encontradas num trabalho derivado do aprendizado segundo a metodologia de ensino acima apontada e que serão indicadas nos comentários que os acompanham.

No exercício da Figura 1, de autoria de Georgina de Albuquerque, nota-se o perfeito domínio da artista dos preceitos acadêmicos do desenho: contorno rigoroso, clareza absoluta da forma, modulação equilibrada nas passagens da sombra para a luz, respeito às proporções canônicas e perfeito equilíbrio composicional. Através da técnica do carvão, precisamente aplicada, os volumes musculares, as dobras de tecido, as sombras próprias e projetadas e a textura particular de cada elemento da composição são plenamente executados. E, para diferenciar, a cor da figura atlética dos demais objetos, Georgina aplicou a técnica da sanguínea (um tipo de crayon vermelho), dotando o discóbolo de um tom levemente quente. Mas, apesar disso, ficou perfeitamente caracterizado que se trata de um desenho feito a partir de um modelo de gesso e não de carne e osso.

Como no trabalho de Georgina de Albuquerque, percebe-se no desenho da Figura 2, de Carlos Del Negro, também a carvão, a perfeita apreensão da forma do modelo de gesso em todos os seus detalhes. Composição equilibrada, contorno definido, modelagem acertada dos volumes, clareza total em todos os elementos e proporções, nada foi negligenciado para se alcançar um exemplar característico do desenho acadêmico. É a este tipo de rigor plástico que se esperava que o aluno da Academia chegasse, no qual não falta, inclusive, total atenção aos elementos da composição dispostos ao redor da figura central, apreendendo-lhes minuciosamente os detalhes. Portanto, podemos ver nestes dois primeiros trabalhos, claros exemplos do desenho acadêmico, fruto de muito exercício dentro da metodologia acima aludida.

Os três desenhos seguintes de Del Negro [Figura 3, Figura 4 e Figura 5] são croquis da modelo: a fixação rápida de um momento passageiro sem, contudo, se perder a proporção correta entre as partes constituintes da figura. Neles, o artista demonstra esta capacidade de ser espontâneo com desenvoltura e elegância de traço, não faltando uma sugestão de claro-escuro para dar peso às graciosas formas femininas.

Já os croquis da Figura 6, Figura 7 e Figura 8, mostrando detalhes das portas de igrejas barrocas de Minas Gerais, além do esboço da escultura do profeta Jonas [Figura 9], demonstram o interesse de Del Negro pela nossa arte Colonial. Isso indica que este artista não estava preso aos modelos neoclássicos e que era capaz de apreciar e entender a arte de mestres não inseridos no contexto acadêmico como é o caso de Aleijadinho. Portanto, num traço rápido e despojado, capta as formas movimentadas dos anjos e do profeta, indicando seus volumes de maneira bastante sumária. A desproporção percebida na figura do profeta [Figura 9] deve-se ao fato dele ter sido desenhado a partir de um ângulo abaixo do pedestal em que a escultura de pedra sabão está postada.

No desenho do jovem modelo da Figura 10, a musculatura definida emerge do contraste forte entre luz e sombra, perfeitamente apontado por Marques Júnior. A pose é relaxada, com o apoio mais forte na perna recuada, e se presta ao estudo objetivo das linhas de contorno, volumes e proporções, interesses maiores do artista, que não idealiza as formas e o tipo, limitando-se a representar o que vê com a maior veracidade que lhe é possível. A técnica do carvão é aplicada com sucesso, propiciando passagens graduais entre as áreas escuras e claras.

A mesma alta qualidade técnica é aplicada ao desenho de Marques Júnior de uma modelo apoiada na Cabeça de Moisés [Figura 11], só que numa pose “descansada” que lhe valoriza as belas curvas. Seus contornos possuem clareza plena, assim como suas formas arredondadas, todas produzidas por um claro-escuro equilibrado onde a luz forte que incide sobre a sua superfície evidencia-se pelas faixas de brilho ao longo das pernas, braços e no mamilo do seio esquerdo. O rosto virado em direção à direita apresenta um perfil bonachão, contrastando com a severidade da expressão do Moisés, cuja face está virada para o mesmo lado e recebe destaque por uma auréola de sombra - inventada - ao redor de sua testa. Também apresenta bastante interesse o fato de que o artista conseguiu traduzir claramente com o carvão a diferença de tonalidade entre a pele da modelo - quente, viva e trigueira -, com a superfície muito branca e fria da enorme cabeça de gesso que lhe serve de apoio, obtendo com isso um vistoso contraste. Finalmente, merece destaque o hachurado que percorre todo o fundo, animando-o com uma vida de qualidade puramente plástica.

O desenho da Figura 12, também de Marques Junior, é um típico exercício de desenho anatômico, o “esfolado”, com o intuito de expor a disposição muscular do corpo humano, neste caso do ombro e do torso. Sua execução tem a objetividade do desenho científico, mas não deixa de possuir expressão artística no trato seguro das linhas coloridas que marcam o contorno e indicam as artérias e fibras musculares em suas gradações de vermelho de acordo com a incidência da luz.

Em trabalho feito durante o concurso para o magistério [Figura 13], Quirino Campofiorito, um dos professores que mais lutaram pela modernização do ensino da ENBA, demonstra todo seu talento e domínio da técnica ao desenhar a carvão as formas plenas e vivas desta modelo.

Centralizada na composição, a jovem cujas curvas foram tão harmoniosamente definidas, recebe iluminação intensa pelo lado direito, dando oportunidade ao artista de modelá-la de maneira segura e detalhada, dotando-a de palpável tridimensionalidade. Com isso, devido a um olhar apurado e pleno domínio do tratamento esfumado das sombras, cuida com esmero de todos os elementos da composição, desde o pano que serve como fundo, mostrando-lhe as dobras leves, passando pelo tecido de tonalidade mais escura que cobre o banco sobre o qual a jovem senta-se, até sua pele morena que dota de delicada maciez. Mas o auge do trabalho se encontra no desenho da cabeça [Figura 13, detalhe], onde Quirino capta com verdade, destreza e sensibilidade o tipo e a expressão facial da modelo, não se esquecendo de apontar, com capricho, o gracioso cacho de cabelo que lhe cai sobre a testa.

Desta maneira, este professor de fundamental relevância para ENBA, que também foi um importante crítico e historiador de arte, deixa claro que sua inclinação para o novo era baseada em sólido conhecimento e muita disciplina, a partir dos quais pode desenvolver plenamente seus trabalhos de caráter modernista.

Estudos da figura masculina realizados durante a estadia de Quirino em Roma, no início da década de 1930 [Figura 14, Figura 15 e Figura 16], têm um caráter diferente do desenho da modelo comentado acima. Neles não existe preocupação com o detalhe e sim com a apreensão rápida da forma em massas compactas de sombra nos desenhos a sanguínea, e por um hachurado forte no desenho a nanquim. Há também a utilização de uma linha de contorno bastante marcada, que quase chega a ganhar independência, indo em direção a um exagero que já possui característica moderna. No trabalho a nanquim [Figura 16], por outro lado, percebe-se como o modelado foi tratado em massas e planos muito marcados, praticamente geometrizados, especialmente no estudo da face. Isto indica uma clara pesquisa de linguagem, a busca de uma solução mais sintonizada com os avanços que o desenho e a pintura já haviam alcançado àquela altura (década de 1930), com os quais o artista certamente tomou contato em sua estadia europeia, durante o Prêmio de Viagem conquistado na ENBA.

Como nos estudos dos nus masculinos, nus femininos também realizados em Roma por Quirino, na mesma época [Figura 17, Figura 18 e Figura 19], possuem soltura de traço e síntese no estudo do claro-escuro. O artista capta toda a amplitude das formas das modelos, estudando-as em vários ângulos e, ao mesmo tempo, montando composições dinâmicas com estas poses. No trabalho feito a nanquim a linha de contorno transforma-se em um hachurado livre que vai criando as sombras de maneira ágil e vibrante. Nos estudos a sanguínea o artista prefere esfumar o traço, criando sombras mais densas, ora mais trabalhadas na criação dos volumes, ora mais sumárias, para dar noção clara da tridimensionalidade das formas femininas.

Pinturas

Depois de um exaustivo período dedicado ao desenho, dominando passo a passo a linha, a composição, o modelado das formas, aprendendo a ver as proporções corretamente, o aluno, enfim, chegava ao atelier de pintura. No final da década de 1950 este atelier estava sob a orientação de dois professores, Henrique Cavalleiro[18] e Augusto Bracet[19], cada qual com sua sala no antigo prédio da ENBA, localizado na Av. Rio Branco, onde também funcionava, desde 1937, o Museu Nacional de Belas Artes[20]. Cada um destes mestres ensinava segundo suas próprias tendências, e os alunos podiam escolher um ou outro como seu orientador[21]. Mais uma vez, o modelo-vivo era o assunto principal a ser trabalhado, agora não mais com lápis, carvão ou sanguínea, mas sim com pincéis, tintas e telas.

Como no caso dos exercícios anteriores, o desenho continuava sendo o instrumento estruturador da forma, estando a cor subordinada a ele. Buscava-se um naturalismo na representação do modelo, respeitando-se os tons da pele e a realização de um sombreado bem dosado e coerente com a luz ambiente. As poses não eram muito variadas, todavia mais naturais do que as antigas poses das academias neoclássicas. A fatura pictórica também não era, na maioria das vezes, empastada, podendo o aluno trabalhar sua pintura com a sobreposição de camadas de tinta a óleo, sempre partindo das mais finas para as mais espessas[22], além de poder aplicar veladuras[23], quando isso fosse necessário. Trata-se, na verdade, de um “metier” bastante complexo, que tinha de ser assimilado aos poucos e com perseverança.

Esta disciplina era considerada por alguns alunos por demais rigorosa, sendo este um dos motivos de reclamação e insatisfação de parte do corpo discente, que não via mais necessidade em se submeter a tal rigor. Estes alunos estavam influenciados pelas novas possibilidades modernas, tanto em relação à técnica quanto em relação aos aspectos semânticos. Dos dois mestres acima mencionados, Cavalleiro era o que possuía uma técnica e uma linguagem plástica mais afinada com estes novos tempos, como apontaremos mais adiante ao analisarmos dois de seus trabalhos pertencentes ao Museu D. João VI. Contudo, ainda que mais moderno em seu estilo do que seu colega, o professor Bracet, a pintura de Cavalleiro estava firmemente embasada em todo treinamento acadêmico que recebera, não repudiando jamais este aprendizado, apenas acrescentando a ele uma fatura com pinceladas mais agitadas e um colorido mais vivo. Este é o caso também de Georgina de Albuquerque, principalmente quando abordava temas ao ar livre.

Percebemos na pintura da Figura 20 o extremo cuidado com o desenho e com a correção das proporções, contudo os contornos da figura não são marcados por um delineamento rígido em toda sua extensão. Também não há qualquer idealização do tipo feminino, de maneira que a modelo parece representada conforme se postou diante da artista, em toda sua realidade física. Sendo assim, esta academia pintada por Georgina de Albuquerque, importante professora da ENBA, já se distancia da forma como os professores do tempo da AIBA, pelo menos os mais próximos do Neoclassicismo, concebiam estes exercícios. Sobre este aspecto do Idealismo X Realismo, afirma o pesquisador Ivan Coelho de Sá:

De forma análoga ao que ocorreu com o Romantismo, a Academia Imperial absorveu também o Realismo. Naturalmente este processo teve o aval da “Beaux-Arts” e também de outras academias europeias que recebiam nossos pensionistas e que já haviam passado por esta assimilação. Esta aceitação vai se refletir igualmente nos estudos de nu, aparecendo com nitidez em academias das décadas de 80, 90 e até o início do século XX abrangendo um período longo que corresponde, na Academia Imperial, ainda à reforma de 1855, e, na Escola Nacional, às reformulações havidas em 1890, praticamente reeditadas nas de 1901, 1911, e 1915, todas favoráveis a uma visão científica do estudo de modelo vivo. A reforma Pedreira, de certa forma, apesar de conceitualmente ainda defender o Classicismo, já abriu caminho para o enfraquecimento do idealismo na medida em que previa o estudo do natural através de modelos que fossem de “todas as variedades da espécie humana, a fim de que os artistas os possão estudar e fielmente representar suas composições”. Na verdade, desde os primórdios do Academismo com Carracci, havia uma tendência forte, fruto do intelectualismo renascentista, de estudar cientificamente o corpo humano a par do idealismo.[24]

No lugar de uma imagem criada segundo um ideal de beleza baseado no classicismo, vemos nesta mulher um ser bastante real em seu tipo maduro, numa pose simples, sem qualquer afetação. A opção por representar ao fundo, sumariamente, os diversos elementos que compõem o ambiente, como prateleiras e demais objetos, tudo disposto de maneira natural e espontânea, reforça esta intenção de mostrar não uma personagem da História ou da Mitologia, mas sim alguém de carne e osso, possuidora de um tipo comum, posando num atelier para servir de exemplo didático para o exercício da técnica pictórica de apreensão da forma humana.

Por outro lado, a artista aproveitou a oportunidade do tema para não só representar com clareza e realismo a figura feminina, mas também para exercitar a sua pincelada viva e animada. Isto dota de certa vibração tanto os elementos do fundo quanto a carnação da figura, demonstrando que, para além da simples capacidade de copiar as formas com acerto, estava interessada em propor ao nosso olhar as questões plásticas da pintura tais como uma fatura mais rica, que não escondia as pinceladas e sim as expunha em toda sua realidade de tinta. E quanto ao uso da cor, percebem-se toques de tons azulados sutis, enriquecendo as sombras e colorindo os rosados mais sensuais da carne, que junto com uma intensa luminosidade, que contrasta com o tom escuro e mais aquecido do fundo, dota sua pele muito clara de interesse visual.

Quanto à dinâmica compositiva, ela é estática, havendo uma oposição discreta entre a verticalidade da pose (reforçada por duas linhas verticais à sua direita) contra três horizontais às suas costas, a primeira atrás da sua cabeça e as duas outras na altura de seus quadris. A pequena base quadrada sobre a qual a mulher está de pé, em perspectiva direcionada ao canto do aposento, e os vários elementos do fundo dão uma leve impressão de que ela está num espaço exíguo. Nesta pose calma e discreta a sua expressão facial é distante como convém a um exercício acadêmico deste tipo - não idealizado.

Diante destas características plásticas, fica claro que Georgina de Albuquerque ao tratar de um tema especialmente caro à tradição acadêmica - o nu -, se estava longe de reformulá-lo radicalmente como o fariam futuramente outros artistas da Escola[25], já o apresentava de maneira sintonizada com as mudanças que viam ocorrendo desde o século anterior, indicando seu próprio direcionamento rumo a uma linguagem de características impressionistas como veremos na obra seguinte, que trata de um tema completamente diferente.

Em Maternidade [Figura 21], Georgina de Albuquerque conseguiu encontrar o ponto de equilíbrio perfeito entre um tema delicadamente sentimental e a preocupação com os aspectos puramente plásticos da arte da pintura. Estamos num belo dia de verão em um quintal de chácara, das muitas que ainda existiam no Rio de Janeiro no início do século XX, apreciando uma mãe a entreter ternamente sua filha, as duas abrigadas sob a sombra fresca de uma árvore. O vestido vermelho da jovem mulher dá o tom geral das cores da pintura, reverberando em tons cálidos por toda a cena, contrastados e realçados pelo verde vivo do tampo da mesa onde a criança está sentada, e pelos suaves azuis e violáceos distribuídos tanto na vegetação quanto pelo chão de saibro rosado. A luz do sol ilumina intensamente o fundo da pintura, destacando com seu fulgor não só as folhagens mais distantes como, principalmente, pelo efeito de contraluz, as belas cabeças das personagens distraídas em seu idílio materno. O recorte da cena é tão natural e eficiente - como que tomado através de uma câmera fotográfica -, que coloca sobre as duas figuras um ramo pesado de folhas escuras, direcionando nossa atenção ao foco temático - mãe e filha - bem resolvido plasticamente.

O desenho dos contornos se dilui na mancha pictórica, deixando os limites das formas pouco definidos. O tratamento da fatura tem um visível caráter impressionista, com pinceladas aparentes que em sua dispersão livre pelo espaço promovem uma sensação de atmosfera clara e vibrátil, típica das pinturas dos mestres franceses desta linguagem como Monet ou Renoir. Ao olharmos para esta pintura ficamos tocados tanto pelo sentimento de humanidade que nos transmite, plasmado no olhar terno da mãe à sua filha e por seus gestos amorosos, quanto pelo prazer visual e tátil que sentimos no transbordar de suas cores quentes, de suas texturas agradáveis e de sua naturalidade despretensiosa.

Esta obra, portanto, como o nu anteriormente comentado, nos dá uma perfeita ideia do grande talento de sua autora, associado ao profundo conhecimento da técnica da pintura já tocada pelas qualidades típicas do Impressionismo, que pelas mãos de Georgina, como pelas mãos de Visconti e mais alguns poucos pintores, vinha gradualmente penetrando na arte produzida pela Escola no início do século XX, vencendo as resistências dos mais conservadores e cativando o gosto do público. Contudo, estas inovações no âmbito do ensino acadêmico que vinham sendo trazidas da Europa pelos pensionistas que retornavam dos seus Prêmios de Viagem não tinham força suficiente para romper com as normas estabelecidas, sendo, na verdade assimiladas gradualmente ao ensino até se tornarem “academizadas”.

A estilização esquemática do pós-Cubismo empreendida pelos modernistas, surgida durante a segunda década do século XX, é excessiva e inaceitável para a Academia que tem seu limite na observação de um novo código cromático e num processo de realização pictórico mais desenvolto. Mas até mesmo esta aparente liberdade já havia se tornado um maneirismo.[26]

Dois exemplos de academia [Figura 22 e Figura 23], realizados por Henrique Cavalleiro, primam pela objetividade e realismo na apresentação do tipo masculino. Não há qualquer resquício de idealização em suas formas e poses, ao contrário, as duas figuras, que tem como referência o mesmo modelo, foram criadas sob uma visão quase “científica”. Trata-se do mesmo homem magro, de traços comuns, em poses convencionais, retratado nas duas obras através de um desenho bem realizado e por um modelado equilibradamente dosado nos contrastes entre sombra e luz, sendo que na pintura da esquerda a figura apresenta-se exposta a uma luminosidade mais forte do que na obra da direita. O pouco que diferencia levemente as duas poses é o fato de que numa o modelo, além de segurar um bastão de madeira, dobra levemente o joelho direito, enquanto na outra mantêm as mãos cruzadas abaixo do ventre, flexionando o joelho esquerdo. Nos dois casos os fundos são também parecidos, resumindo-se ao ambiente do atelier, onde num caso o modelo é pintado contra um grande tecido de cor azul da Prússia, enquanto no outro o mesmo tecido encontra-se dobrado sobre um suporte que tem a altura dos quadris da figura. A paleta do artista é bastante contida nas duas pinturas, resumindo-se a reprodução da cor local, ficando dentro da gama dos castanhos da pele morena, havendo apenas uma nota mais vibrante dada pelo vermelho que surge na lateral direita da pintura à esquerda.

Diante do visto, podemos afirmar que são duas pinturas bem realizadas, enquadradas no padrão acadêmico do início do século XX, no qual a principal intenção do autor foi a demonstração da sua capacidade de representar a figura humana com acerto, clareza e objetividade, sem idealizá-la.

Já representação do nu feminino da Figura 24 se distancia das convenções acadêmicas mais tradicionais. Cavalleiro colocou sua modelo languidamente sentada sobre um apoio indefinido, coberto por um tecido que se estende praticamente por todo fundo da obra, dotando-a de um movimento em “s” em que sua cabeça, um pouco escondida pela sombra, vira-se para a direita num direcionamento oposto ao das suas pernas. Por toda a obra perpassa uma “nevoa” colorida que dissolve a figura, a começar por seus contornos que desapareceram por completo, fazendo com que o desenho, em face dos difusos efeitos pictóricos, perca a força, desafiando frontalmente os antigos postulados neoclássicos que pediam definição de contornos com a máxima clareza. Desta forma, percebemos que Cavalleiro afasta-se das experiências convencionais representadas por seus dois modelos masculinos, comentados anteriormente, e segue em direção a uma solução impressionista, marcada pela pincelada que ganha vida e constrói tanto a figura quanto o seu entorno numa miríade de toques matizados que se sobrepõem de maneira dinâmica. Com isso, consegue criar uma atmosfera de sensualidade luminosa dos ombros da mulher para baixo e levemente obscura deste mesmo ponto para cima.

Toda a obra tem um caráter de estudo, a tal ponto que o artista não se preocupou em definir com exatidão o desenho das mãos e dos pés, limitando-se a deixá-los apontados como manchas. O rosto da modelo coerentemente recebeu o mesmo tratamento, havendo apenas uma maior preocupação em marcar a boca com um toque de vermelho. É na área do tronco onde se concentra o maior interesse do artista, que busca um modelado mais definido, porém realizado em tons leves e frios, que sombreiam suavemente o delicado rosado, luminoso e sensual, da pele da mulher. Por outro lado, o azul-esverdeado do fundo, aplicado em pinceladas agitadas, funciona como cor complementar para o tom quente do corpo, criando um contraste agradável que se insinua tanto pelas sombras quanto nas áreas mais luminosas.

Fica visível a sua intenção de experimentar as possibilidades pictóricas que desde o século XIX já vinham sendo colocadas pela a pintura impressionista, pelos pós-impressionistas e pelas vanguardas que lentamente vão se impondo também na arte brasileira, embora contra a resistência colocada contra tais inovações por parte dos mais conservadores. Portanto, se compararmos este estudo com as duas “academias” masculinas anteriores, notaremos o enorme distanciamento que já existe nele em relação àqueles em termos de solução cromática e de fatura, mostrando as modificações sofridas pela arte deste mestre da ENBA da primeira metade do século XX em direção a uma linguagem mais pessoal e moderna.

Mas estas pesquisas em direção ao Modernismo nunca se distanciavam das normas acadêmicas a ponto de perder o contato com elas. O respeito às proporções corretas da figura humana e sua relação lógica com o espaço tridimensional, perspectivado, nunca foi abandonado. O máximo de ousadia a que estes artistas-professores da ENBA chegaram foi a uma fatura mais viva e empastada, e à utilização de cores mais intensas e contrastantes, porém não arbitrárias, sempre a partir da cor local. Isto é uma constatação de que nos anos 1950 havia na arte e no ensino da Escola uma mudança em curso, ainda que gradual e dependente de vários fatores internos e externos.[26]

Um dia ensolarado no Jardim Botânico é o tema da obra apresentada na Figura 25, contudo o verdadeiro tema é outro, de natureza puramente plástica, ou seja, a própria maneira como as cores foram lançadas sobre a tela em pesado empastamento que expõe toda a verdade física da tinta. Neste contexto as árvores, as suas sombras, as nuvens, a montanha ao fundo e as faixas de luz sobre a grama tornam-se manchas em relevo, coloridas e vibrantes. Os caules das palmeiras imperiais e as copas das árvores mais elevadas - livres estilizações, como estilizadas são todas as demais formas naturais desta paisagem -, funcionam como ritmos verticais, contrapostos às horizontais do solo, criando um jogo de elementos dinâmicos sobre os quais nossos olhos podem “passear” como convém a um tema como este. Sob o azul unificador da montanha contra a qual a cena é vista, pulsa sutilmente o tom quente que serviu de base para os variados verdes tanto na luminosidade quanto na sombra, aquecendo todo o relacionamento cromático. Enfim, esta obra demonstra uma intenção explícita de expor a mão do artista, rápida e hábil em sua gestualidade de pintura feita “alla prima”[27].

Na obra intitulada Pescadores [Figura 26], o mesmo tipo de tratamento foi dado ao lançamento das cores, com empastamentos densos sendo aplicados na quase totalidade da superfície da tela. Contudo, existe nela certa dramaticidade, inexistente na outra pintura, que se deve ao tema em si e à articulação muito dinâmica dos personagens que compõem o centro de interesse, intensamente entregues aos seus afazeres acontecendo - “agora” - à beira da praia. As duas grandes figuras ocupadíssimas do primeiro plano à direita encontram-se cobertas por uma forte sombra, que muito as obscurece, contrastando-as fortemente com o fundo banhado pela luz solar tropical que ilumina francamente não só os outros trabalhadores como as velas dos barcos, a areia, o mar e a montanha, acentuando ainda mais a impressão de trabalho sendo energicamente realizado “em tempo real”.

Compositivamente esta obra é bastante movimentada, seja pelos contrastes entre sombra e luz apontados, seja pelo jogo de direcionamentos e massas visuais criados, onde uma forte linha oblíqua que liga as duas cabeças dos pescadores do primeiro plano sofre oposição de outra, mais fraca, criada pela rede puxada pelo pescador ao fundo, à esquerda. Já os mastros dos barcos e os dois personagens verticais, carregando cestos na cabeça, colocados à direita e à esquerda, criam ritmos que cadenciam o nosso olhar através da cena. Enquanto isso, a linha do mar e a massa da montanha, com seu perfil inclinado à esquerda, são referências importantes que dão sustentação lógica ao espaço sobre o qual se dá a lida destes homens do mar.

Quanto às cores, há uma predominância de azuis distribuídos em várias tonalidades valorizadas tanto pela existência do vermelho aplicado no casco do barco ao fundo - e através de diversas manchas quentes presentes nas velas dos barcos -, quanto pelo tom quente geral que foi utilizado como base sobre a qual a relação cromática foi realizada. Ressaltamos também a existência de um desenho vivo, contornando em preto todas as figuras, mas de maneira irregular, agitada, que acentua bastante a impressão de movimento, de trabalho sendo realizado, de força dinamicamente empregada. Mesmo assim, apesar de todo este desenho agitado, do empastamento aplicado, de toda liberdade e soltura da mão na utilização das cores e na busca de fortes sínteses na criação de todos os elementos da cena, o artista conseguiu manter uma firme coerência visual quanto à perspectiva, à distribuição das figuras no espaço e às suas proporções físicas particulares, qualidades típicas de um pleno domínio técnico auferido na Academia. Portanto, fica claro que Cavalleiro baseou toda sua experimentação da linguagem moderna não só no próprio talento como também sobre um sólido conhecimento do desenho da figura humana, da perspectiva, da composição e dos relacionamentos cromáticos, conhecimento esse que se espera ver na obra de um mestre da pintura que ensinou na ENBA.

De acordo com o professor Adir Botelho[29], Bracet foi um professor de “linha mais conservadora”[30] do que Cavalleiro, pois este último tinha “colorido e pinceladas mais vivos”. Contudo, o primeiro foi também um verdadeiro mestre da pintura, e isto fica bem visível em um nu pintado em Paris [Figura 27]. Captado em pose torcida - um “tour de force”[31] -, sentado sobre um banco, o foco da pintura é o torso do modelo cuja perna direita é vista em escorço e a esquerda, estirada, apresenta-se cortada na altura da coxa pelo limite inferior do quadro. A discreta torção do tronco é reforçada visualmente pela disposição oposta dos braços, o esquerdo apoiado sobre o joelho direito e o outro voltado para trás, apoiando-se na parte não visível do acento. Com isso, a luz que vem de um ponto elevado, à esquerda, atinge a figura masculina na testa, nos ombros, em todo braço à frente, na perna parcialmente visível e em parte da perna dobrada, criando-lhe uma grande zona de sombra no tronco e na maior parte do rosto devido à inclinação do modelo. Mas é justamente nesta área sombreada que surge o maior interesse da obra, pois o artista a solucionou como uma sombra iluminada pelos reflexos que incidem de vários pontos ao redor da figura, conseguindo tal efeito pela variação tonal e pela inclusão de sutis tons violáceos. O braço fortemente iluminado, além de criar uma clara sugestão de afastamento em relação ao peito, valoriza esta grande área de sombra ao contrastar fortemente com ela.

A correção do desenho deixa bem evidente a perfeita articulação entre as diversas partes da figura, expondo-lhe claramente o recorte do perfil contra o fundo simplificado do atelier. O modelado da musculatura está realizado de forma natural, em passagens suaves, mas numa pincelada que não se esconde ao olhar. Trata-se de um exercício em que se busca a realidade do modelo enquanto entidade física, concreta, sem qualquer idealização. Isto fica claro ao percebermos a expressão concentrada estampada na face marcante, de olhar e linhas firmes, angulosas e bem definidas, emolduradas por uma cabeleira cheia. Ao fundo, os vários quadros escuros sobrepostos na parede servem para destacar, por forte contraste, os ombros e a cabeça expressivamente realizados.

Quanto à cor, predomina uma tonalidade acinzentada, apenas levemente quebrada em sua frieza pelo rosado claro da pele. Isto deixa patente que o interesse de Bracet estava mais voltado, pelo menos neste trabalho, para o desenho e o modelado da forma do que para um estudo inventivo da cor. O que condiz com sua tendência, conforme expusemos acima, para o lado mais tradicional da ENBA. Mas isto não significa, de forma alguma, um demérito para sua obra, que demonstra grande capacidade técnica e evidente talento para captar nuances tonais, trabalhando com originalidade o tradicional exercício de pintura do modelo.

Tal qual na pose masculina, o modelo da Figura 28, pintado também por Bracet, possui leve torção, com seus membros formando ângulos bastante marcados, o que cria um interessante “eco” com as diversas dobras do tapete sobre a qual está apoiada. A cor azulada deste tecido pesado destaca o tom rosado da pele repleta de discretos toques coloridos e sombras violáceas. As formas bem proporcionadas por um desenho seguro nos apresentam uma mulher fisicamente amadurecida e com olhar distante. Portanto, o artista não idealiza o que vê, proporcionado tanto a esta figura feminina quanto aos elementos que a cercam uma aparência concreta e verdadeira.

Todavia, Bracet não se dispersa na reprodução de pequenos detalhes, tratando de modo sumário as estampas do tapete, as pernas da escultura onde a modelo encosta sua cabeça de expressão neutra, assim como o brilhante vaso azul às suas costas. Aliás, através da fatura com que trabalha os diversos elementos, fica-nos evidente a diferença “tátil” entre a maciez quente da pele, a rusticidade do tapete gasto e a fria polidez do vaso esmaltado. Tal variedade caracteriza o pleno domínio técnico deste artista como um mestre da ala mais tradicional da ENBA.

Raimundo Cela[32] foi o professor do primeiro atelier de gravura a efetivamente funcionar na ENBA a partir de 1951[33]. Mas antes disso, Cela fora aluno do Curso de Pintura da Escola, tendo sido distinguido com o Prêmio de Viagem em 1917. Seu Nu feminino, realizado em de 1916 [Figura 29], está corretamente proporcionado, embora o ângulo escolhido para o trabalho não seja dos mais elegantes, já que reduz a figura a um perfil estreito. Contudo, isto demonstra sua capacidade de solucionar dificuldades e sua visão objetiva, não idealizando beleza aonde ela não existia, o que viria a ser uma das qualidades de suas futuras gravuras em metal, com temas baseados na dura vida dos trabalhadores do povo, principalmente do nordestino.[34]

Em relação à representação da pele e músculos da modelo, esta academia é bastante segura, passando com verossimilhança a sua tonalidade rosada e, sob ela, a pulsação vital que lhe é inerente. Colabora para este resultado o domínio da composição e do desenho, o qual recorta o perfil da figura feminina num contraste forte contra o retângulo escuro do fundo, este emoldurado por outro maior de cor castanha. Trata-se de um enquadramento dentro de outro que, além de destacar a figura, alonga-lhe a estatura, centralizando-a ainda mais. Em relação às cores há uma tendência discreta para os tons mais quentes, partindo da base vermelha sob os pés da modelo e da fita também vermelha à sua esquerda. Não existem grandes contrastes de iluminação, embora os relevos da omoplata direita, dos glúteos, do seio direito e do ventre sejam bem marcados. O tratamento da pincelada é discreto e distribui equilibradamente por toda a superfície da pintura uma grande quantidade de matizes avermelhados, esverdeados e acinzentados, o que resulta numa harmonia um tanto monótona. As notas mais fortes ficam por conta do tecido branco caído no chão e das já mencionadas fita e base vermelhas. Portanto, esta pintura de modelo vivo se inscreve na tradição acadêmica em constante transformação.

Quirino Campofiorito foi professor da disciplina de Arte Decorativa e tinha uma declarada tendência ao Modernismo. Por isso, trouxemos, para comentá-la, uma academia de sua autoria [Figura 30], que, como os desenhos já comentados, pertence ao Museu D. João VI.

Sentado de maneira bastante relaxada na maciez convidativa de uma vetusta poltrona, este rapaz está numa pose muito distante daquelas vistas nas antigas academias idealizadas. Seu corpo não tem qualquer altivez e a curvatura de suas costas está longe de ser elegante, dando a impressão de alguém que está distraidamente descansando em total alheamento ao que se passa ao redor. Sendo assim, o foco do interesse do artista não está exatamente na representação da força e da juventude deste modelo e, muito menos, em mostrá-lo numa posição desleixada. O modelo nada mais é do que um pretexto para o exercício puro e simples da pintura, do trabalho com a cor, do exercício composicional através do uso do desenho na busca de uma articulação dos elementos formais que resulte plasticamente interessante de ser apreciada.

A cor é o elemento visual[35] mais importante nesta relação, sobrepujando o desenho, embora este não tenha sido descurado. O vermelho da poltrona rege toda a relação cromática, aquecendo a pele do rapaz, principalmente seus rosto, pés e mãos. Ao fundo foi aplicado um esverdeado sobre uma base terrosa, para contrastar, ainda que timidamente, com a força deste vermelho, sendo o pescoço do vaso azul, onde descansa o braço esquerdo do modelo, um importante elemento de cor complementar a vibrar com estes tons quentes. A sombra fechada abaixo da cadeira acentua o peso da composição neste ponto, dando o apoio necessário a todo conjunto.

O resultado, embora não tenha a imponência das antigas academias, tem a naturalidade de uma pintura realista com um viés moderno, mais ao gosto dos pintores que, como Quirino Campofiorito, estavam buscando atualizar o ensino da ENBA.

Conclusão

Acreditamos que a partir destes exemplos encontrados no acervo do Museu D. João VI, que não são os únicos, fica evidenciada esta mudança interna que se operou gradualmente no ensino da antiga Escola Nacional de Belas Artes e continuou se operando quando esta foi incorporada à Universidade Federal do Rio de Janeiro sob o nome de Escola de Belas Artes.[36] Entendemos tais mudanças como um caminho natural e necessário dentro do ensino das artes no sentido de acompanhar a mudança geral ocorrida na sociedade, economia, cultura e sistema educacional da nação brasileira em consonância com as mudanças globais, onde a arte, mesmo quem nem sempre claramente valorizada, seja pelas massas, seja por seus governantes, tem um papel muito importante. Desta forma, o ensino da pintura, assim como da escultura, da gravura[37], e do desenho tinha que, necessariamente se modernizar, modificando-se tanto em seus métodos quanto em seus propósitos.

No entanto, assim como na ciência, embora por caminhos totalmente diversos, também no universo da arte sempre existirá um embate entre as conquistas que se sedimentaram, tornado-se verdadeiros paradigmas, e a busca por novos horizontes. Isto não deixa de ser algo saudável, pois motiva a humanidade a transpor limites e ir ao encontro de mundos novos, sempre no caminho da transformação e da autodescoberta. É isto que percebemos acontecer na EBA da atualidade, inclusive em seu atelier de pintura o qual, sem ter perdido o vínculo com seu passado, absorveu através de seus novos mestres muitas das modificações que se deram na arte do séc. XX e segue, por entre as naturais tensões e contradições internas[38], num caminho que alinha tradição acadêmica à pesquisa de novas possibilidades criativas neste início do século XXI.


[1] Artista Plástico e Mestre em Artes Visuais - PPGAV-EBA/UFRJ.

[2]A Aula Pública de Desenho e Figura, estabelecida por carta régia de 20 de novembro de 1800 foi a primeira ação oficial que se tem conhecimento para que se estabelecesse o ensino da arte no Brasil. Este, porém só teria início com a criação da Escola Real das Ciências Artes e Ofícios, por Decreto-Lei de D. João VI, em 12 de agosto de 1816. Com a chegada ao Brasil da Missão Francesa, chefiada por Joaquim Lebreton, a convite de D. João VI, viabiliza-se o projeto do ensino artístico em nosso país”. (GUIMARÃES, Helenise Monteiro. O curso de História da Arte da Escola de Belas Artes/UFRJ: o desafio de um sonho conquistado. In: TERRA, Carlos (org.) Arquivos da EBA, nº 18, Rio de Janeiro: EBA/ UFRJ, 2010, p. 47).

[3]Esse processo de mudança de gosto [em relação à arte colonial praticada até então] seria radicalizado com a contratação, em 1816, de uma Missão Artística chefiada por Jacques Lebreton, antigo membro do Instituto de França, e integrada pelo arquiteto Grandjean de Montigny, os pintores Nicolas Taunay e Jean-Baptiste Debret, o escultor Auguste Taunay, o gravador Charles Pradier, além de alguns artífices, sendo posteriormente incorporados os escultores Marc e Zépherin Ferrez. Vindos para o Brasil principalmente pelas circunstâncias políticas ligadas à queda de Napoleão, alguns destes artistas posteriormente retornaram à França, como Nicolas Taunay e Pradier, mas outros permaneceram mais tempo, como Debret, ou se radicaram definitivamente, como Montigny e os irmãos Ferrez, conseguindo cumprir em 1826 o objetivo maior da chamada Missão Francesa: a fundação de uma Academia Imperial de Belas Artes na cidade do Rio de Janeiro”. (OLIVEIRA, Myriam A. R. de; PEREIRA, Sonia Gomes; LUZ, Angela Ancora da. História da Arte no Brasil: textos de síntese. Rio de Janeiro:Editora UFRJ, 2008, p. 61).

[4] Desde seus primórdios existiram divergências internas na AIBA a respeito dos métodos de ensino a serem aplicados, o que na prática significou a introdução de reformas de tempos em tempos. Falando a respeito do período que abrange o final do século XIX e início do XX, em especial a década de 1880, pouco antes da Proclamação da República, Carlos Zílio, citando Campofiorito, diz o seguinte: “Esta paz acadêmica vai ser interrompida em torno dos anos 80 por uma série de circunstâncias. Quirino Campofiorito, por exemplo, situa os anos 80 da seguinte forma: 'E, com efeito, nos anos 80, com o retorno dos últimos premiados do Império - José Ferraz de Almeida Júnior, Henrique Bernadelli e Rodolfo Amoedo, que se percebem os primeiros abalos da velha e tradicional disciplina acadêmica. O relativo rigor neoclássico que culminara com a geração de grandes nomes, como Vitor Meireles, Pedro Américo de Figueiredo e Melo e Zeferino da Costa, vai sendo substituído por um academismo eclético que já tinha há muito caracterizado a pintura oficial européia. Mesmo as renovações do Romantismo, do Realismo, do Impressionismo, do Pré-Rafaelismo e do Art Noveau, já haviam sido incorporadas ao receituário escolar, perdendo, ao ganhar o beneplácito acadêmico, sua essência revolucionária. Era, porém, esse subproduto amaneirado que vinha influenciar as novas gerações brasileiras, que recebiam os modelos sem ter suas convicções originais. Por outro lado, entretanto, os estudantes de arte começavam a juntar-se à efervescência geral que prenunciava o fim do regime. Dentro da própria Academia de Belas Artes aflorava um movimento de rebeldia contra o antigo sistema de ensino, apontado pelos modernistas e pelos positivistas como rebarbativo e incapaz de corresponder aos novos anseios' Um momento, portanto, de intensa perplexidade marcada por obras de diversos artistas, abrangendo entre outros: Almeida Júnior, Henrique Bernadelli, Visconti, Artur e João Timóteo da Costa num amplo período e com soluções tão diversas como o 'Descanso do Modelo' [cf. Imagem] de 1882, a inteligente solução pictórica de Almeida júnior, e a feliz relação entre carnaval e transgressão dos cânones formais das telas 'O dia seguinte' [cf. Imagem] de Artur Timóteo da Costa e 'Baile a fantasia' [cf. Imagem] de Rodolfo Chamberlain [sic], ambas de 1913”. (ZÍLIO, Carlos. A modernidade efêmera: anos 80 na Academia. In: Anais do seminário EBA 180. Org. PEREIRA, Sonia Gomes, p.238).

[5]Lucio Costa chegara á Direção da Escola com apenas quatro anos de formado em arquitetura e vinte e oito de idade, substituindo o professor Corrêa Lima, então com cinqüenta e dois anos, escultor que tinha a aceitação de seus pares e, apesar de não ter deixado nenhuma obra marcante em sua direção, fez uma boa administração. Vinha buscando mudanças, apesar de ter em sua formação a orientação de Archimedes Memória, arquiteto de inclinação clássica, e de José Mariano Filho, que na ENBA defendia as poéticas da arquitetura neocolonial. Lucio costa já possuía, como jovem intelectual e arquiteto sensível, a sedução do novo, razão que o fez percorrer caminhos ainda não totalmente abertos na Escola. É importante salientar que ele não era a única voz que defendia a modernidade. Apesar da importância da arquitetura para a construção de nossa identidade, outros artistas estavam também sintonizados com os mesmo desejos”.LUZ, Angela Ancora da. Uma breve história dos salões de arte. Rio de Janeiro: Caligrama, 2005,p. 103,104).

[6]O Salão de 31, ou Salão dos Tenentes ou ainda Salão Revolucionário, como ficaria conhecido, realizado na Escola de Belas Artes, tornava-se palco para a apresentação de propostas que se inseriam na vertente modernista. Lucio costa, então diretor da Escola Nacional de Belas Artes, havia definido a organização da XXXVIII Exposição Geral de Belas Artes [...], sinalizando a tentativa de acordar a visão modernista numa repercussão nacional”. (LUZ, Angela Ancora da, op. cit., p. 103).

[7] Sandra Sautter, museóloga responsável pela organização e conservação dos acervos documentais e artísticos do professor Quirino Camporiorito e da sua esposa Hilda Campofiorito em Niterói, nos cedeu gentilmente o texto de um entrevista jornalística pertencente a este acervo intitulado OS ALUNOS DA ESCOLA DE BELAS ARTES PEDEM UMA REFORMA, publicada no jornal O Homem Livre, datado de 26-1-1950 ( sobre o qual não possuímos nenhum dado e desconfiamos de que se tratava de uma publicação do Diretório Acadêmico, portanto possivelmente manipulado por seu diretor, o próprio entrevistado)  Nele podemos ler o seguinte:

Já há alguns meses os estudantes da Escola Nacional de Belas Artes iniciaram um movimento visando a completa reforma das bases do ensino artístico oficial a fim de que ele cumpra efetivamente sua missão, de acordo com as possibilidades didáticas e estéticas oferecidas pela nossa época. Essa campanha se ampliou, apaixonando os alunos da Escola e ressoando no ambiente artístico e intelectual do Rio. É com simpatia que o público vê esse esforço vivo da juventude para conseguir uma reestruturação do atual ensino da ENBA [...] Sadi Casemiro dos Santos, [...] numa rápida entrevista nos explicou o ponto de vista dos que propugnam por uma completa reforma da ENBA.

- POR QUE ESTÁ EM CRISE A ENBA?

1) - Para nós, o objetivo do ensino artístico, a razão de existência de uma Escola de Belas Artes, é oferecer campo propício ao desenvolvimento desse tipo humano psicologicamente característico que Spranger denomina “homo estheticus” - o indivíduo munido de uma plasticidade orgânica diferenciada por u’a maior capacidade receptiva que se denomina de sensibilidade... tentando situar cientificamente o ARTISTA. Assim, para que uma Escola de Belas Artes chegue ao objetivo a que se propõe atingir, terá evidentemente que contar:

a) com as condições materiais específicas;

b) com uma estrutura didática para personalidades artísticas, estudada psico-bio-sociologicamente;

c) Com um corpo de professores capaz de orientar os educandos no sentido do maior aproveitamento dos meios materiais, desenvolvendo seus interesses, alargando o caminho para as realizações individuais.

Sabemos que a existência dessas atividades num meio está condicionada a fatores sociológicos: culturais e econômicos.

2) Isto posto, perguntemos antes de mais nada: existe no Brasil ambiente para o problema do ensino das artes plásticas? As atuais condições econômicas do Brasil não só permitem que esse problema seja tratado (a nação destina numerário para este fim), mas, até o exigem, tornando-o imprescindível no nosso meio. E é exatamente a maneira deficiente com que se está cuidando do nosso ensino artístico... e é exatamente por causa do desequilíbrio existente entre ele e os problemas culturais de nossa época, que os alunos da ENBA, pelo seu órgão de classe, o Diretório Acadêmico, deram início a atual campanha (que conta já com o apoio de um número considerável de intelectuais), de crítica aos processos de ensino presentemente utilizados. É nesse “desequilíbrio” que tem raízes a nossa campanha.

- ESTÁ A ENBA CUMPRINDO A FINALIDADE A QUE SE DESTINA UMA ESCOLA DE ARTE, ISTO É, ESTÁ DESENVOLVENDO AS VOCAÇÕES ARTÍSTICAS DE ACORDO COM AS POSSIBILIDADES DO MEIO CULTURAL?

Bastaria que se considerasse o fato de que as turmas matriculadas anualmente, no 1º ano, vão gradativamente abandonando a Escola no decorrer dos seus cursos, a ponto de se tornarem quase inexistentes no final dos mesmos, para que se chegasse á conclusão da sua ineficácia, do não preenchimento das suas finalidades. E nós que diariamente lidamos com seus problemas, sabemos que a razão desse acontecimento é estar o nosso ensino inteiramente fora de sua época... Culturalmente a Escola é retrógrada, negando todas as idéias novas no campo das artes plásticas... A conservação de preconceitos já passados são os fins a que se limitam as suas atividades. As condições materiais, as instalações - “ateliers” e salas de aula são uma tortura para os órgãos visuais dos alunos. As atividades didáticas: um atentado contra a pedagogia moderna e um crime contra a natureza do artista. São essas, de maneira geral as razões da crise atual da ENBA”.

A entrevista segue adiante no mesmo tom denunciatório, mas nos limitaremos, para não nos tornarmos enfadonhos, a reproduzir desta entrevista apenas mais dois curtos trechos. No primeiro, vêm listadas três propostas para mudança no ensino da ENBA que teriam sido feitas pela direção de Lucio Costa, em 1931, e não colocadas oficialmente em prática. O segundo trecho apresenta os “princípios” pelos quais lutava o Diretório Acadêmico nesta ocasião, visando modernizar o ensino da Escola:

TENTATIVA DE REFORMA DE LUCIO COSTA EM 1931.

Nomeado diretor da Escola Nacional de Belas Artes, Lucio Costa não pode renovar o ensino da mesma devido a resistências “acadêmicas” encontradas, pedindo, após alguns meses, sua demissão. Do plano do grande arquiteto constavam:

1-       Criação de ateliers livres, externos ou não, de pintura, escultura e gravura, podendo os alunos optar por um método de ensino de acordo com os mestres que escolhessem. Os exames seriam em todos os casos, válidos para o diploma.

2-       Renovação dos programas e das cadeiras de acordo com as necessidades da época e da vida prática.

3-       Maior liberdade no ensino e mais respeito à personalidade do aluno.

Agora, os “princípios”:

CONSTITUEM problemas morais do Diretório Acadêmico os seguintes princípios, pelos quais passaremos a objetivar os nossos interesses e pautar as nossas atividades:

1-       Um regime didático que tome em conta o estudante de arte como uma personalidade em formação, considerando, em particular, os seus característicos de “Homo-estéticos”;

2-       Um currículo que seja coerente com esse regime, ministrando verdadeiros conhecimentos técnicos e, com perfeita correlação de matérias, abrindo caminho para a realização estética;

3-       Orientação do ensino baseado no interesse individual, com liberdade de criação e de pesquisa;

4-       Clima de incentivo moral e material, com prêmios regulares, bolsas de estudos e “Prêmio de Viagem”, concedidos dentro de normas justas e democráticas;

5-       Instalações condignas e material didático adequado;

6-       Respeito aos direitos estudantis em geral e universitários em particular;

Luta por tudo que constitua meios ou represente possibilidades à realização dessas reivindicações, oferecendo franca ofensiva ao que delas, porventura, nos venha afastar de algum modo. SADY CASEMIRO DOS SANTOS - presidente do D. A.”.

[8] Agradecemos a colega mestranda Marcele Linhares Viana que gentilmente nos cedeu uma cópia do Regimento Interno da Escola Nacional de Belas Artes de 1948, fruto de suas próprias pesquisas. Deste regimento reproduziremos integralmente alguns pontos que caracterizam o Curso de Pintura a ENBA no período que enfocamos neste trabalho, a década de 50. Os pontos que queremos destacar são os seguintes: “TÍTULO I - Art. 1º A Escola Nacional de Belas Artes é um estabelecimento de ensino superior, com sede própria, integrante da constituição da Universidade do Brasil (art. 6º do Decreto nº 21.321 de 18 de junho de 1946). CAPÍTULO I - Dos fins da Escola - Art. 2º Destina-se a Escola Nacional de belas Artes da Universidade do Brasil a ministrar o ensino de grau superior, técnico e estético das artes que têm como fundamento o desenho. Parágrafo único. Cumpre-lhe o preparo conveniente, teórico e prático, de profissionais que se destinam à Pintura, à Escultura, à Gravura, à Decoração e ao Professorado de Desenho. TÍTULO II - Da Constituição da Escola - Capítulo I - Dos Cursos - 3º A Escola Nacional de Belas Artes da Universidade do Brasil será constituída: I Pelo Curso de Pintura, II Pelo Curso de Escultura, III pelo Curso de Gravura, IV Pelo Curso de Arte Decorativa, Pelo curso de Professorado de Desenho. CAPITÚLO II - Duração dos Cursos - Art. 4º Os Cursos de Pintura, de Escultura e Gravura serão lecionados em cinco anos seriados. [...] TÍTULO III - Da organização e função dos Cursos -CAPÍTULO I - Do Curso de pintura - o ensinamento do Curso de Pintura se destina a formar técnicos, nessa especialidade artística, dotando-os de conhecimentos científicos e estéticos, para a realização artística do mais alto grau. As duas cadeiras de Pintura, respeitados os conhecimentos básicos reclamados pela especialidade, se deverão aparelhar pelos seus programas e lecionamento, para melhor consultar  às vocações, nas diversas tendências artísticas.Seção i - Enumeração das Disciplinas - Art. 7º No Curso de Pintura serão lecionados, por professores catedráticos, as seguintes disciplinas: 1- Desenho Artístico (1ª cadeira), 2- Desenho Artístico(2ª cadeira),3-Modelagem, 4 - Geometria Descritiva, 5- Arquitetura Analítica, 6- Perspectiva, Sombras e Estereotomia, 7 - Anatomia e Fisiologia Artísticas, 8- Desenho do Modelo-Vivo, 9- Desenho de Croquis, 10- História da Arte e Estética, 11- Pintura (Iª cadeira), 12- Pintura (2ª cadeira), 13- Composição Decorativa, 14- Teoria, Conservação e Restauração da Pintura” (negritos nossos).

[9]A sistematização do envio de artistas alunos brasileiros à Europa começa com a regulamentação do Prêmio de Viagem, oito anos após a volta de Araújo Porto-alegre ao Brasil. A instituição deste Prêmio ocorreu num período em que a ação da Missão  Francesa começava a dar frutos. [...] Em 17 de setembro de 1845, cinco anos após a primeira Exposição Geral, o imperador Dom Pedro II sancionou a resolução da Assembléia Geral Legislativa que autorizava o Governo a enviar à Itália o aluno da Academia de Belas Artes, Raphael Mendes de Carvalho. Este iria à Roma para aperfeiçoar-se na arte da pintura sob a proteção do Estado. Após essa decisão do Governo, [Félix-Emile] Taunay, diretor da Academia, conseguiu organizar o primeiro concurso para o Prêmio de Viagem em 23 de outubro do mesmo ano (1845). Desde então, o diretor foi autorizado a organizar concursos todos os anos e a duração da estadia dos pensionistas foi fixada em três anos. Os concursos de Prêmio de Viagem foram realizados regularmente todos os anos, de 1845 a 1850. A partir daí, ocorreram em intervalos irregulares. A Academia passou por uma reforma em 1855 e os novos estatutos determinaram a realização do concurso a cada três anos. Esta orientação foi relativamente respeitada até 1878. Em seguida, houve um grande intervalo de nove anos e o concurso seguinte foi realizado em 1887. Este concurso de 1887 foi o último do período monárquico. No total, desde a criação do Prêmio de Viagem em 1845 até a extinção da Academia Imperial em 1890, quinze concursos foram realizados ao longo de um período de quarenta e cinco anos. O concurso seguinte foi realizado em 1892, já sob o regime republicano. A proclamação da República em 1889 e as conseqüentes mudanças políticas interferiram no cotidiano da Academia. Durante o ano de 1890, a instituição passou por agitações envolvendo estudantes e professores insatisfeitos. Este processo concluiu-se com uma nova reforma. A Academia Imperial de Belas Artes mudou de nome e tornou-se Escola Nacional de Belas Artes. Através de ato governamental foi criado o Prêmio de Viagem para o melhor artista da Exposição Geral. Se até então, somente os alunos da Academia podiam apresentar-se ao concurso do Prêmio de Viagem, a partir deste momento dois prêmios vão coexistir, um reservado aos alunos da Escola, herdeira da antiga Academia, e outro acessível a todos os artistas participantes da Exposição Geral anual”. “CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. Os Prêmios de Viagem da Academia em pintura. In: 185 Anos de Escola de Belas Artes. Org. PEREIRA, Sonia Gomes, p. 70-71).

[10]Ainda muito jovem, [Vasari] tornou-se discípulo de Guglielmo da Marsiglia, um pintor de grande talento especializado em vitrais. Fora recomendado a Marsiglia por um parente, Luca Signorelli. Aos 16 anos, o cardeal Silvio Passerini o enviou para estudar em Florença, no círculo de Andrea del Sarto e seus pupilos, Rosso e Jacopo Pontormo. Sua educação humanista foi-lhe de grande serventia, e durante seus estudos, conheceu Michelangelo, cuja arte influenciou bastante o estilo de Vasari. Em 1529, visitou Roma e estudou os trabalhos de Rafael e outros artistas do Alto Renascimento romano e que pertenciam à geração anterior à de Vasari. Produziu pinturas maneiristas que foram mais admiradas durante sua vida do que postumamente. Seus serviços eram regularmente utilizados pela família dos Médici tanto em Florença como em Roma, mas trabalhou também em locais como Nápoles e Arezzo. Dentre seus trabalhos mais importantes, podem-se citar: a parede e o teto da sala principal do Palazzo Vecchio, em Florença, e os afrescos incompletos, no Domo de Santa Maria del Fiore, a catedral de Florença.Teve maior êxito como arquiteto, podendo-se citar a loggia do Palazzo degli Uffizi, ao lado do Arno: o planejamento urbanístico do longo e estreito jardim que funciona como praça pública (piazza) e a longa passagem que o conecta ao Palácio Pitti através da Ponte Vecchio.Trabalhou com Giacomo Vignola e Bartolomeo Ammanati na mansão do Papa Júlio II (a Villa Giulia), em Roma. Por outro lado, sua atividade prejudicou bastante as igrejas medievais de Santa Maria Novella e da Basilica di Santa Croce, em Florença, pois delas ele retirou várias partes que viriam a integrar seus trabalhos, além de ter-lhes modificado a estética conforme o estilo maneirista de seu próprio tempo. Em vida, Vasari contou com alta reputação e fez fortuna. Em 1547, construiu para si uma mansão em Arezzo (que hoje é museu em sua homenagem) e passou incontáveis dias dedicando-se a decorá-la com obras-de-arte. Foi eleito para o Conselho Municipal (priori) de sua cidade natal, tendo alcançado, mais tarde, o cargo supremo de Gonfaloneiro. Em 1563, fundou a Accademia del Disegno em Florença. O grão-duque local e Michelangelo tornaram-se líderes da instituição e trinta e seis artistas foram escolhidos para tornarem-se membros. Vasari ficou conhecido como o primeiro historiador da arte, através de seu livro Vite ou Le vite de' più eccellenti pittori, scultori e architettori, onde registrou a biografia dos principais artistas do Renascimento. O termo Gótico foi pela primeira vez impresso em seu livro. Publicado pela primeira vez em 1550, incluía, além das biografias, um valioso tratado das técnicas empregadas. Teve uma revisão em 1568, acrescida de retratos dos biografados. Por bairrismos e jogo político, o livro favorecia os florentinos, em detrimento de outros artistas, como os venezianos. Tiziano, por exemplo, só foi incluido na segunda edição, após Vasari visitar Veneza. Apesar dessas falhas, e mesmo não utilizando uma pesquisa rigorosa, é uma das únicas fontes coevas para a história da arte da época”. Texto disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Giorgio_Vasari> Acesso em: 05/06/2012.

[11]A Família Carraci - Os três Carracci e seus discípulos (Guercino, Guido Reni, Domenichino) foram vistos nos séculos XVII e XVIII como os maiores pintores italianos depois de Michelangelo e Rafael. A partir de 1850 caíram em descrédito, mas foram reabilitados pela exposição coletiva de suas obras em Bolonha (1956). Lodovico Carracci foi batizado em 21 de abril de 1555. Com seus primos Agostino e Annibale fundou em Bolonha a Accademia di Belle Arti, que opôs ao maneirismo da segunda metade do século XVI um ecletismo classicista, disposto a reunir o desenho de Rafael ao colorido de Correggio. Durante todo o século XVII a influência da escola de Bolonha se fez presente na Europa. No grupo de seus fundadores, Lodovico Carracci, que morreu em Bolonha em 3 de novembro de 1619, foi principalmente o grande teórico. Mas sua 'Madona' (Academia de Belas-Artes, Bolonha) demonstra que também foi bom pintor. Agostino Carracci foi batizado em 16 de agosto de 1557. Estudou em Veneza, principalmente desenho e gravura, tornando-se o maior gravador italiano da época. Depois estudou pintura com seu primo Lodovico, em Bolonha, onde dirigiu a academia junto com seu irmão Annibale. Suas viagens a Parma foram responsáveis pelo culto da escola a Correggio. Em Roma, colaborou com Annibale em seus grandes trabalhos. Dos poucos quadros conservados de Agostino Carracci, que morreu em Parma em 23 de fevereiro de 1602, o mais famoso é a 'Última comunhão de São Jerônimo' (Academia de Belas-Artes, Bolonha). Annibale Carracci, irmão de Agostino e primo de Lodovico, nasceu em Bolonha em 3 de novembro de 1560. É o maior dos três artistas da família e um dos melhores pintores italianos da época. Inicialmente foi maneirista, como demonstra seu 'São Roque entre os doentes' (Gemäldegalerie, Dresden). A academia converteu-o ao ecletismo, ao qual conseguiu inspirar dramaticidade e vigor como nenhum outro adepto da escola. Suas obras-primas são os grandes afrescos mitológicos (1595-1604) no Palazzo Farnese em Roma, sobretudo o famoso 'Triunfo de Baco'. Exemplo do forte talento realista de Annibale Carracci, que morreu em Roma em 15 de julho de 1609, é a 'Refeição de camponeses' (Galleria Colonna, Roma)”. Texto disponível em: <http://www.emdiv.com.br/pt/arte/enciclopediadaarte/1294-a-familia> Acesso em: 05/06/2012.

[12]Uma das noções fundadoras da tradição clássica é a prioridade do desenho. Daí decorre a formulação da doutrina acadêmica em torno da importância do desenho na constituição da obra de arte, motivando sua prioridade na formação do artista. Mas é preciso destacar que o desenho é tomado aqui não apenas como técnica, mas, sobretudo, como projeto inicial da obra. Mantinha-se intacto, portanto, o conceito, originado na Antiguidade e retomado no Renascimento, de que as artes visuais eram precedidas por uma idéia e era exatamente esse a priori mental que justificava a reivindicação de reclassificá-las como liberais, e não mais como mecânicas, como se fazia até então”. (PEREIRA, Sonia Gomes. História, arte e estilo no século XIX. CONCINNITAS, UERJ, Rio de Janeiro, v. 1, n. 8, p.131, jul. 2005).

[13]Assim, segundo nossa própria opinião, o termo academia, nesse sentido, designaria: desenho, pintura ou escultura realizado como exigência em disciplinas ou em provas de concursos, representando o corpo humano, masculino ou feminino, em geral inteiro, completamente nu ou muito sumariamente vestido, a partir de modelo vivo, estátua ou moldagem de gesso, ou ainda de desenhos e estampas reproduzindo obras clássicas, sempre com a intenção primordial de estudar ou demonstrar conhecimento de formas anatômicas por meio de torções, atitudes e gestuais, bem como escorços e proporções, na grande maioria das vezes de modo autônomo, isto é, sem a finalidade de integrar uma composição”. (SÁ, Ivan Coelho. Academias de modelo vivo: terminologia e tipologia. In: ANUÁRIO DO MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, volume I, 2009, p. 91, negritos nossos).

[14]GEORGINA DE ALBUQUERQUE (Taubaté, SP, 1885 - Rio de janeiro, RJ, 1962) ingressa na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1904. Segue em 1906 para Paris, em companhia do seu marido o pintor Lucílio de Albuquerque, que obtivera o Prêmio de Viagem deste ano na Escola. Na capital francesa, Georgina alcança o quarto lugar no concurso para ingresso na École Nationale dês Beaux Arts, freqüentando simultaneamente as aulas livres da Academia Julien. Sua estada em Paris não pode representar igual produtividade à de Lucílio, pois eram irremovíveis os encargos domésticos com os filhos nascidos. O tempo que restava permitiu-lhe realizar telas que vieram alcançar grande sucesso quando mostradas na primeira exposição do casal de artistas, tão logo retornou ao Rio. De Georgina foram exibidas vinte e seis telas, na exposição realizada na Escola nacional de Belas Artes, em 1911, além de estudos, desenhos e aquarelas, num total de sessenta e oito peças. Figuras e paisagens já faziam prova de sua marcada personalidade, que não deixaria de sempre mais se afirmar na intensa atividade que desenvolveu até seus derradeiros anos de vida. Já se definia a pintora impressionista, toda voltada para o espetáculo do ar livre. As figuras vestidas e os retratos, sempre ao ar livre, registram a riqueza de sua paleta, que chega ao modelado do volume sem tonalizações apagadas, precisamente com as gamas iluminadas e exaltadas pelo acervo das complementares, em que amarelos e violetas, azuis e alaranjados, verdes e vermelhos promovem o espetáculo irrisante, a instabilidade da luz envolvente, o objetivo essencial da pintura impressionista. Até mesmo as cenas posadas no interior são caprichosamente coloridas por efeitos de raios solares, como o exemplo de Vaso de Cristal. Em Dia de Sol, uma jovem afasta a tênue cortina na varanda ensolarada, proporcionando um admirável espetáculo de luminosidade magistralmente pintado, numa soberba delicadeza de tons claros. Com a tela Festa de Natal, de grande dimensão, interior de iluminação noturna e muitas figuras, a pintora obteve a grande medalha de prata no Salão Nacional. Por ocasião das comemorações do Centenário da Independência, o Governo encomendou quadros alusivos ao acontecimento de 1822, e a Georgina coube desenvolver composição intitulada Sessão do conselho de Estado que decidiu a Independência, expressivo quadro hoje no Museu Histórico Nacional. A partir de 1930, sua visão começa a se modificar e conseqüentemente surgem novos cuidados em sua técnica. Seu colorido vai se desfazendo das soluções límpidas, das fragrantes transparências luminosas, para se tornar mais sóbria sua paleta. Suas tintas se fazem mais opacas: uma visão mais correlacionada de certa forma com o pós-impressionismo. Em seu ateliê de Niterói manteve sempre o ensino da pintura, e na residência em laranjeiras iniciou os primeiros cursos infantis além de ter organizado, logo após a morte do marido, o Museu Lucílio de Albuquerque, cujo acervo foi adquirido pelo governo do antigo Estado da Guanabara, figurando atualmente em museus do Estado do Rio de janeiro. Em 1939, Georgina assume a cadeira de desenho da Escola nacional de Belas Artes, que fora ocupada por Lucílio, vindo a exercer o cargo de diretora desta instituição entre os anos 1952 e 1954”. (CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983, vol. 5, p. 33-34).

[15] Encontramos as seguintes informações sobre o professor Carlos Del negro: Catedrático de Desenho Artísitco - 2ª cadeira - Nascimento: 10-12-1901; Docente-livre de Desenho Artístico - 2ª cadeira - 9-7-1948; Concurso para cadedrático de Desenho artístico - 1ª cadeira 4-11-1949; Posse: 7-3-1950. Fonte: Arquivos da Escola Nacional de Belas Artes, RJ, ENBA/UB,1960, nº VI.

[16] “Augusto José Marques Júnior (Rio de Janeiro, 1887 - Rio de Janeiro, 1960) foi um pintor, desenhista e professor brasileiro. Vida e obra: Ingressou na Escola Nacional de Belas Artes em 1905, onde foi orientado por Daniel Bérard, Zeferino da Costa, Eliseu Visconti e Batista da Costa. Em 1917, conquistou o Prêmio de Viagem à Europa, em concurso que disputou com seu contemporâneo Henrique Cavalleiro. Viajou para a França, se estabelecendo em Paris, cidade onde permaneceu até 1922 e onde freqüentou a Académie de la Grande Chaumière. Quase ao fim de sua estadia na Europa, o ateliê particular que mantinha incendiou-se e boa parte de sua produção se perdeu; ainda assim, de volta ao Brasil, conseguiu reunir trabalhos suficientes para expor com sucesso no Rio de Janeiro e em São Paulo. Logo depois de sua volta, foi nomeado docente livre da Escola Nacional de Belas Artes, e mais tarde regeu interinamente as cadeiras de Desenho artístico, entre 1934 e 1937, e Pintura, de 1938 a 1949. Exerceu ainda o cargo de professor contratado de Desenho de croquis e professor catedrático de Desenho de modelo vivo, aposentando-se em 1957. Foi vice-diretor da Escola Nacional de Belas Artes, presidiu a Sociedade Brasileira de Belas Artes e foi membro do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”. Texto disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Marques_J%C3%BAnior> Acesso em: 14/05/2012.

[17]Quirino Campofiorito (Belém PA 1902 - Niterói RJ 1993). Pintor, desenhista, gravador, crítico e historiador da arte, ilustrador, caricaturista, professor. Em 1917, no Rio de Janeiro, trabalha como ilustrador nas revistas Tico-Tico e Revista Infantil, e como caricaturista nos periódicos A Maçã, O Malho, D. Quixote e A Máscara. Inicia um curso de pintura na Escola Nacional de Belas Artes - Enba, em 1920, e tem como professores Modesto Brocos, Baptista da Costa, Augusto Bracet e Rodolfo Chambelland. Recebe o prêmio viagem ao exterior em 1929, vai para Paris e lá permanece até 1932, estudando no Ateliê de Pongheon da Académie Julien e na Académie de la Grande Chaumière. Entre 1932 e 1934, reside em Roma e frequenta o curso de pintura da Scuola di Belle Arti di Roma [Escola de Belas Artes de Roma]  e o curso de desenho do Círculo Artístico e da Academia Inglesa de Roma. Retorna ao Brasil em 1935, vai morar no Rio de Janeiro, onde publica e dirige, entre outros, o mensário Belas Artes, primeiro jornal brasileiro a tratar exclusivamente de arte, fechado em 1940 por pressão do Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP. Após um curto tempo no Rio, passa a viver no interior do Estado de São Paulo, período em que organiza e dirige a Escola de Belas Artes de Araraquara, na qual leciona pintura até 1937. Volta para o Rio de Janeiro em 1938, dá aulas de desenho e artes decorativas até 1949 na Enba. Torna-se vice-diretor da Enba e, em 1950, é efetivado na cátedra de artes decorativas. Em 1940, integra a comissão organizadora da Divisão Moderna do Salão Nacional de Belas Artes - SNBA, no Rio de Janeiro. Também participa do Núcleo Bernardelli, e é eleito seu presidente em 1942. Visando à reforma do regulamento dessa instituição, em 1957, viaja pela Europa em missão cultural da Universidade do Brasil para observar os programas de ensino de artes decorativas, e aproveita a ocasião para estudar a técnica de mosaico em Ravena, Itália. Entre 1961 e 1963, integra a Comissão Nacional de Belas Artes. Ganha o título de professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, em 1981. É autor, entre outros, do livro História da Pintura Brasileira no Século XIX, lançado pelas Edições Pinakotheke em 1983, e com ele recebe o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro. Comentário Crítico - As obras iniciais de Quirino Campofiorito revelam preocupação com questões sociais, como o cotidiano dos trabalhadores. Também pinta cenas urbanas, figuras e naturezas-mortas, que se destacam pelas composições despojadas e líricas. Durante a década de 1940, integra o Núcleo Bernardelli, apresentando obras figurativas que, em alguns casos, revelam afinidades com a pintura metafísica de Giorgio de Chirico (1888-1978). Como nota o historiador da arte Tadeu Chiarelli, sua produção, como a de outros artistas ligados ao Núcleo Bernardelli, pode ser compreendida dentro dos propósitos do retorno à ordem. No tríptico Café (1940), pode ser percebida a afinidade com a pintura do Renascimento Italiano, com obras de Mario Sironi (1885-1961) e ainda com Candido Portinari. Paralelamente à sua carreira artística, Quirino Campofiorito tem relevante atuação como historiador da arte e publica, em 1983, o livro História da Pintura Brasileira no Século XIX. Texto disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=3083&cd_idioma=28555> Acesso em: 04/12/2011.

[18] Henrique Campos Cavalleiro (Rio de Janeiro RJ 1892 - Idem 1975). Pintor, desenhista, caricaturista, ilustrador e professor. Começa estudando desenho e, cedo, faz ilustrações para a revista O Malho. A partir de 1910, na Escola Nacional de Belas Artes (Enba), é aluno de Zeferino da Costa (1840-1915) e Eliseu Visconti (1866-1944), que posteriormente se torna seu sogro. Ganha o prêmio de viagem ao exterior em 1918, ano em que matricula-se na Académie Julian, em Paris. Fica na escola apenas seis meses, montando em seguida seu próprio ateliê, onde trabalha até o final de sua estada. Em 1923 e 1924, expõe na Société Nationale des Beaux-Arts [Sociedade Nacional de Belas Artes] e no Salon des Artistes Français [Salão dos Artistas Franceses]. Volta em 1925 e faz uma individual no Rio de Janeiro e outra em São Paulo.  Sua atividade de ilustrador e caricaturista continua e ele colabora com os periódicos Fon-Fon, A Manhã, O Teatro, O Jornal, Ilustração Brasileira e O Cruzeiro. Em 1930, retorna a Paris para estudar artes decorativas. A partir de 1938, ocupa interinamente a cadeira de arte decorativa na Enba e, mais tarde, torna-se professor de pintura por concurso. Participa da 1ª Bienal de São Paulo, em 1951, e, no ano seguinte, da mostra Um século de Pintura Brasileira, no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), Rio de Janeiro. Em 1965, recebe o título de professor emérito da Enba. Abre uma retrospectiva no MNBA em 1975, pouco antes de sua morte. Texto disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=2039&cd_item=1&cd_idioma=28555 > Acesso em: 16/12/2011.

[19]Tendo exercido por longo tempo a cátedra de pintura da Escola Nacional de Belas Artes (a partir de 1926), AUGUSTO BRACET (Rio, 1881 - idem, 1960) formou muitos alunos e teve sua obra em destaque embora não seja numerosa. Preferência por composições com nus femininos e sobre temas marcadamente literários. Tem no M.N.B.A. o nu Lindóia e Direito de Asilo e no Museu Histórico Primeiros Sons do Hino da Independência, de grandes dimensões”. (CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit. p. 72)

[20]O acervo do Museu Nacional de Belas Artes teve origem no conjunto de obras de arte trazido por D. João VI de Portugal, em 1808, ampliado alguns anos mais tarde com a coleção reunida por Joachin Lebreton, que chefiou a chamada Missão Artística Francesa, formando a mais importante pinacoteca do país. Este núcleo original foi enriquecido com importantes incorporações ao longo do século XIX e início do século XX.  Com a construção da nova sede da Escola Nacional de Belas Artes, em 1908, projeto do arquiteto Moralles de los Rios, este acervo passou a ocupar parte do novo prédio, sendo o Museu criado oficialmente em 13 de janeiro de 1937”. Texto disponível em: <http://www.mnba.gov.br/>Acesso em: 14/05/2012.

[21] Esta informação nos foi dada pelo professor Adir Botelho, que se formou no Curso de Pintura em meados da década de 50, tendo sido aluno de Bracet.

[22] No processo mais tradicional de pintura a óleo, começa-se a partir de uma camada fina de tinta (que pode ser de têmpera, guache ou óleo bem dissolvido). Sobre esta camada, outras cada vez mais espessas vão sendo aplicadas até o resultado final que pode ser o empastamento pleno. Este procedimento recebe o nome “gordo sobre magro”.

[23] Veladura é o nome dado a técnica de pintar a óleo (ou com acrílica) com camadas de tinta bem diluídas e transparentes sobre uma cor inicial aplicada. O objetivo deste procedimento é a alteração da cor da camada inferior através das cores transparentes das camadas de veladura. A luz ao atravessar estas camadas transparentes, reflete-se na cor inicial e ao retornar, atravessando as camadas transparentes sobrepostas, absorve suas cores e altera a primeira cor lançada.

[24] SÁ, Ivan Coelho de. O Processo de “Desacademização” através dos Estudos de Modelo Vivo na Academia/Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n. 3, jul. 2009. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/ea_ivan.htm>. Acesso em: 16/12/2011.

[25] Basta que se observe no acervo do Museu D. João VI as provas de modelo vivo feitas durante os concursos mais recentes para o magistério no Curso de Pintura na EBA, ocorridos desde os anos 90 do século XX, para que notemos a distância presente em termos de abordagem da figura humana existentes entre os concursos da AIBA e da ENBA, seja quanto à técnica empregada, seja quanto ao estilo pessoal dos candidatos. Os atuais possuem, em sua maioria, uma linguagem inteiramente diferente das tradicionais academias, guardando pouca relação com o estilo muito mais comedido daquelas. Trata-se, aliás, de um interessante tema a ser estudado.

[26] ZILIO, op. cit., p. 242.

[27]A possibilidade de mudanças faz parte das estruturas das instituições duradouras, seja através de mutações radicais, responsáveis por grandes e efetivas transformações dirigidas por um plano individual (expressão de época) ou geracional de alta capacidade modificadora, ou seja, por intermédio de lentas assimilações de novas cargas de ação fecundadora, em gradual modificação das situações de trabalho e de realização da instituição. Para maior resultado (ou ao contrário uma saída insuficiente) em face das necessidades da sociedade em que a instituição atua, ou dos encargos internos inerentes aos trabalhos da própria entidade, podem convergir apoios ou obstáculos externos. A grandeza, a eficiência e a modernidade de uma instituição não são somente um êxito interno restrito, mas trata-se sobretudo da colocação em movimento das realidades da sociedade em que ela se formou e na qual procura agir e produzir valores úteis e vetores de conhecimento. Não à base de uma ruptura, mas de crescente consenso, dentro da coletividade, realizou-se em 1954 o que se configurou como ano-chave da segunda implantação modernizante na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, efetuado não como explícita ruptura interna, mas se exprimindo, como acentuei, pelo consenso da instituição, ante as pressões da nova realidade, que se formara e se instalara em pontos básicos do país, incluindo  de modo evidente a própria capital. Isso levou a que nesse ano fosse contratado pela escola, em maio, o pintor Tomás Santa Rosa para lecionar Cenografia; em outubro eu fui nomeado catedrático interino de História da Arte, por indicação ao Governo Federal feita pela Congregação da Escola (em sua maioria), e em dezembro foi contratado o prof. Oswaldo Goeldi para o ensino de Gravura de Talho Doce, Água-forte e Xilografia, por votação da mesma Congregação em dezembro, da qual eu participei. Na Congregação atuavam bastante por essa modernização, mestres como Quirino Campofiorito, Carlos del Negro, Henrique Cavalleiro e Georgina de Albuquerque”. (BARATA, Mario. 1954: ano-Chave da segunda implantação modernizante na ENBA”. In: Anais do seminário EBA 180. Org. PEREIRA, Sonia Gomes, op. cit., p. 389)

[27]  O termo italiano alla prima designa o tipo de pintura em que o pintor executa a obra rapidamente, numa só seção de trabalho, sem deixar as camadas de tinta secarem e sem aplicar veladuras ou retoques. Esta é a preferida pelos pintores de paisagem que trabalham ao ar livre: Van Gogh comumente pintava alla prima, assim como os impressionistas.

[29] Adir Botelho se formou no curso de Pintura da ENBA ao fim da década de 50 e foi discípulo de Raimundo Cela e Oswaldo Goeledi no aprendizado da gravura nesta mesma Escola, tornando-se um dos mais importantes e atuantes professores desta instituição, na qual lecionou no atelier de gravura entre 1961 e 2002. Além de professor, foi profícuo xilogravador, sendo a série Canudos, editada em livro pela EBA/UFRJ, a sua obra mais conhecida. Também é reconhecido como um importante criador e executor de projetos de decoração para carnaval de rua, tendo ganhado praticamente todos os concursos municipais da cidade do Rio de Janeiro entre a década de 60 e 80. Outra de suas atividades é a de designer da área editorial, tendo atuado em importantes jornais e revistas desde os anos 50 diagramando textos e criando capas e ilustrações. Alcídio Mafra de Souza assim comenta a obra gráfica deste professor e artista da EBA: “Falar de Adir Botelho é, de certa forma, remeter-se á brilhante história da gravura em nosso país, e falar, também, de lição como tudo que é projeto e especulação do intelecto, pois sua obra não é tão somente um pensamento em ação, mas sobretudo, criação da mais completa e admirável. Expressionista como seu mestre, embora trilhando caminho próprio, inconfundível, muito bem ajustado à exteriorização de seu temperamento, ao mesmo tempo irrequieto e apaixonado, através de árduo e perseverante trabalho, Adir Botelho soube atingir nível de mestria comparável aos dos grandes artistas nos quais os problemas a resolver não são plásticos em sua essência, mas humanos, não lhes interessando a captação de uma situação momentânea, mas sim o que de eterno ela pode significar. Para Adir, como revela sua obra, a aparência do ser humano é menos importante que sua humanidade. Na mesma linguagem de Urs Graf, o velho, Munch, Kirchner, Nolde e tantos outros, relembra em sua obra plástica o drama humano, em oposição ao racionalismo das formas ou o equilíbrio das sensações cromáticas, muitas vezes de maneira mordaz, satírica”. (MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, Rio de janeiro. Adir Botelho, xilogravuras. Apres. Alcidio Mafra de Souza, 1988, 24 p., Il. Catálogo de Exposição).

[30] O conservadorismo de Bracet, para além do que fica exposto em sua obra, pode ser dimensionado pelo fato seguinte: “Em 1942, na exposição anual dos alunos, o então diretor da ENBA, Augusto Bracet, vetou a exibição de obras modernas naquela mostra. Alunos acadêmicos, sentindo-se apoiados pela atitude do diretor, executaram outras avaliações e, num julgamento sumário, depredaram obras. Muitos expositores retiraram suas telas. A animosidade criava campos opostos e acirrava os ânimos dos contendores”. (LUZ, Angela Ancora da. O Salão Nacional de Arte Moderna e a Escola Nacional de Belas Artes. In: 185 Anos de Escola de Belas Artes. PEREIRA, Sonia Gomes (org.), 2001-2002, p. 200).

[31]As academias sempre reproduzem uma única figura e, na grande maioria dos casos, sobretudo quando se trata de academias do natural, os modelos apresentam-se de pé ou sentados, de frente, de perfil ou de costas, ás vezes 'forçando' torções com o pescoço, o tronco, os braços e as pernas, ou seja, executando os chamados tours de force. SÁ, Ivan Coelho de. Academias modelo vivo: terminologia e tipologia. In: Anuário do Museu Nacional de Belas Artes, volume I, 2009, p.91.

[32] Raimundo Cela (Sobral CE 1890 - Niterói RJ 1954). Pintor, gravador, professor. Forma-se em ciências e letras no Liceu do Ceará. Em 1910, muda-se para o Rio de Janeiro e matricula-se como aluno livre da Escola Nacional de Belas Artes - Enba. É aluno de Zeferino da Costa (1840 - 1915), Eliseu Visconti (1866 - 1944) e Baptista da Costa (1865 - 1926). Nessa época, titula-se em engenharia, pela Escola Politécnica. Entre 1917 e 1922, viaja a Paris para aperfeiçoar-se. Quando volta ao Brasil, por problemas de saúde, reside em Camocim, no interior do Ceará, e trabalha como engenheiro. Em 1938, cria um painel sobre a abolição da escravatura para o Palácio do Governo do Estado, em Fortaleza. Volta a dedicar-se à carreira de artista plástico de forma mais enfática após 1940, quando se muda para Niterói, no Rio de Janeiro. A partir dessa data leciona gravura em metal na Enba. Realiza a primeira mostra individual em 1945, no Museu Nacional de Belas Artes - MNBA, no Rio de Janeiro. São temas constantes em sua produção as paisagens, os tipos populares e o trabalho de vaqueiros e pescadores de sua terra natal. Destaca-se também sua obra gráfica, na qual retoma a mesma temática. Após sua morte, é criada a Casa Raimundo Cela, Centro de Artes Visuais, em Fortaleza, onde ocorre, em 1970, uma mostra de artistas cearenses com o lançamento de uma monografia sobre o artista. Em 2004, é lançado o livro Raimundo Cela: 1890-1954, de autoria de Estrigas, pela editora Pinakotheke”. Texto disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_item=1&cd_idioma=28555&cd_verbete=3091> Acesso em: 04/12/2011.

[33]Branco - Mas... e o decreto Imperial que criou a cadeira de Xilografia na antiga Academia?

Azul - Ah, sim... o Decreto Imperial de dezembro de 1882. A cadeira de Xilografia não chegou a ser ativada, ficou vaga por muitos anos, até que em março de 1889 foi restabelecida a cadeira de Gravura de medalhas e pedras preciosas.

Branco (interessado) - O que aconteceu?

Azul - é uma longa história... Em 1885 realizaram o concurso para provimento da cadeira de Xilogravura. Inscreveram-se José Villas-Boas, Carlos Idoux e Quintino José de Faria, sendo que apenas os dois primeiros fizeram o concurso.

Verde (prestando atenção) - O candidato Quintino José de Faria foi premiado na classe de gravura de medalhas da Academia em 1837 e 1838. Com Carlos Custódio de Azevedo, Quintino gravou em 1843 os primeiros selos postais do Brasil. Em 1850, foi mencionado como professor de desenho elementar a lápis e pena, e também de gravura em cobre e aço, o primeiro a assim anunciar-se no Brasil. O outro candidato, o francês Carlos Idoux, trabalhou no Rio de Janeiro, de outubro de 1884 a abril de 1887.

Branco - (para azul) - Como ficou o concurso?

Azul - Em sessão realizada em 18 de junho de 1885, a comissão julgadora, constituída pelos professores João Mafra, Vitor Meireles e Pedro Américo, reconheceu que os dois candidatos mostraram conhecer os preceitos práticos inerentes à sua arte, que o trabalho de Villas-Boas  era superior pela harmonia dos traços que produzem as sombras, mas, pelo lado artístico, considerou que o trabalho de ambos era deficiente e não atingia o fim principal do concurso pelas incorreções do desenho, da expressão, e do claro-escuro.

Branco - Não foi esse concurso que o governo imperial quis anular?

Azul - Esse mesmo, a Secretaria de estado de negócios do Império, em aviso de 8 de outubro de 1885, solicitou à direção da Academia que procedesse a novo julgamento, aquilatando-se somente as habilitações dos candidatos na prova de gravura em madeira.

Branco - fizeram novo julgamento?

Azul - Não, a Congregação da Academia, após analisar o aviso do governo mandando proceder a novo julgamento de um concurso já com toda regularidade julgada, e considerando que o governo tinha o direito de anular o concurso quando neles se dão motivo de nulidade, concluiu por unanimidade ser a ordem inexeqüível e que não havia motivo algum para anular o concurso nem o julgamento.

Branco - E aí, acabou tudo?

Azul - Não, ainda não. (pausa) - Em maio de 1887, a Secretaria de Estado de negócios do Império mandou abrir inscrição para concurso de provimento da cadeira de Xilografia.

Branco - Quantos se inscreveram?

Azul - Apenas um candidato, o gravador José Villas-Boas, as provas, no entanto, não foram realizadas. Em março de 1889 foi restabelecida a cadeira de Gravura de medalhas e pedras preciosas e, em 1891, foi contratado o gravador de medalhas Auguste Girardet para exercê-la”. (BOTELHO, Adir. Teatro da Gravura no Brasil, no prelo, p. 64,65)

[34][...] Cela, embora arredio às especulações plásticas que se acentuaram no pós-guerra, sem ser moderno no sentido das rupturas que esta condição configurava, renovou a gravura em metal, tornando-a, na temática, contemporânea da realidade que o cercava. Este artista buscou certos aspectos da vida nacional como motivação para seus trabalhos. A presença do mar - pescadores e jangadas - e de assuntos da cultura popular - como o bumba-meu- boi - povoam suas composições ainda subordinadas a uma inteligência ilustrativa de certos valores”. (TAVORA, Maria Luisa Luz. Desdobramentos do Expressionismo Figurativo entre nós: artistas do ateliê de gravura da ENBA e a tradição popular. In: In: 185 Anos de Escola de Belas Artes. PEREIRA, Sonia Gomes (org.), 2001-2002, p. 207).

[35]Há um dado deveras surpreendente! Se fôssemos perguntar de quantos vocábulos se constitui a linguagem visual, de quantos elementos expressivos, a resposta seria: de cinco. São cinco apenas: a linha, a superfície, o volume, a luz e a cor. Com tão poucos elementos, e nem sempre reunidos, formulam-se todas as obras de arte, na imensa variedade de técnicas e estilos”. (OSTROWER, Fayga. Universos da arte. Rio de Janeiro: Campus, 1991, p. 65).

[36]A Aula Pública de Desenho e Figura, estabelecida por carta régia de 20 de novembro de 1800 foi a primeira ação oficial que se tem conhecimento para que se estabelecesse o ensino da arte no Brasil. Este, porém só teria início com a criação da Escola Real das Ciências Artes e Ofícios, por Decreto-Lei de D. João VI, em 12 de agosto de 1816. Com a chegada ao Brasil da Missão Artística Francesa, chefiada por Joaquim Lebreton, a convite de D. João VI, viabiliza-se o projeto do ensino artístico em nosso país. Durante os primeiros dez anos o que temos são apenas algumas aulas ministradas por Debret e Grandjean de Montigny numa casa do centro da cidade que os dois artistas alugaram para esta finalidade. Em 1826, já com o prédio próprio projetado por Grandjean de Montigny tem início o ensino oficial das artes no Brasil, de acordo com o modelo da Academia Francesa, sendo que a Escola passa a chamar-se Academia Imperial das Belas Artes.  Com o advento da República, a Academia passará a chamar-se Escola Nacional de Belas Artes e, a partir de 1971, será denominada Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, nome que mantém ainda hoje”. Texto disponível em: <http://www.eba.ufrj.br/index.php/a-eba/institucional> Acesso em: 01/02/2013.

[37] A gravura é um caso diferente dentro da história da EBA, pois só efetivamente foi implantada no século XX, em 1951, portanto surgindo em pleno desenvolvimento das linguagens modernas. Mais do que Cela, Goeldi foi o grande impulsionador da linguagem moderna, de cunho expressionista, dentro da ENBA, tanto pelo modo como ensinava quanto pelo exemplo de sua própria obra. Adir Botelho, seu discípulo, continuou nesta linha, aberta à experimentação e às novas ideias.

[38]P: O que diferencia a formação da Escola de Belas Artes da formação oferecida por cursos livres de Pintura? R: É justamente essa estruturação do saber, a qual é acadêmica - no sentido de ser uma resposta completa e complexa entre arte individual e a técnica universal, visando o ensino de um conhecimento aprofundado de nível superior, em Pintura. [...] É o domínio da técnica, acessível a todos, que permite a um artista-pintor se sobressair, investigando novas técnicas como meio de expressão própria, desenvolvendo novos conceitos para a arte da pintura e contribuindo assim para o crescimento cultural do nosso povo”. (SILVA, Lícius B.;VASCONCELLOS, Marta W. O ensino da pintura na contemporaneidade: o papel e a trajetória do professor como artista pesquisador - entrevista com o Prof. Dr. Vladimir Machado. In: TERRA, Carlos (org.) Arquivos da EBA, nº 19, Rio de Janeiro: EBA/ UFRJ, 2011, p. 21, negritos nossos).