A modernização do ensino da arte no século XIX - A reforma da Accademia di San Luca e a criação do Istituto di Belle Arti di Roma

Camila Dazzi [1]

DAZZI, Camila. A modernização do ensino da arte no século XIX - A reforma da Accademia di San Luca e a criação do Istituto di Belle Arti di Roma. 19&20, Rio de Janeiro, v. XII,  n. 2, jul./dez. 2017. https://doi.org/10.52913/19e20.xii2.06  

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1.      Os anos que se seguiram ao longo processo de unificação política da Itália, cujo evento final é a proclamação de Roma como capital do reino, em 1871, foram um período conturbado. Entre outras demandas, diante da necessidade de sistematização e atualização do ensino, todo o sistema de educação do país passou por duras críticas e consequentes reformas. Nesse sentido, também o ensino das artes mereceu atenção, originando-se um significativo debate sobre a modernização da instrução artística na Itália.

2.      Em tal contexto, se deu a reforma das academias de belas artes italianas. O caso emblemático que aqui analisamos é o da Regia Accademia di Belle Arti, denominata di San Luca, fortaleza da “tradição acadêmica,” que, apesar de uma tenaz resistência, em 1873, foi privada da sua secular atividade didática, função confiada ao nascente Real Istituto di Belle Arti, dependente do novo Estado Nacional Unitário do Reino da Itália.[2]

3.      É notório que, ao longo de todo o século XIX, em vários países das Américas e da Europa, o sistema de ensino ministrado nas academias foi considerado ultrapassado. O discurso que pregava a modernização da formação ofertada aos jovens artistas se expandiu, firmando-se definitivamente na segunda metade do Oitocentos, quando ocorreram as reformas de instituições importantes, como a École de Beaux-Arts, em Paris, a Academia Russa de Belas Artes, em São Petersburgo, e a mais significativa instituição da América do Sul, a Academia de Belas Artes, no Rio de Janeiro.

4.      O termo “academia” se tornou progressivamente sinônimo de artificialidade, repetitividade e fechamento às propostas do presente, em contraste com a defesa da originalidade e da liberdade de invenção, reivindicada pelas gerações mais jovens. A querela entre os que invocavam uma renovação das academias e os que defendiam essas instituições chegou ao seu ápice na Itália com a tese de Pietro Selvatico, Sulle riforme da portarsi alle accademie di belle arti in Italia (1849), que sustentava a inutilidade e a nocividade das academias, propondo a abolição ou a radical transformação das instituições.[3]

5.      A insatisfação com o ensino ministrado nas academias foi reavivada duas décadas após a emblemática publicação de Selvatico no Congresso Artistico di Parma, realizado em 1870, que reuniu vários artistas e proclamou uma arte livre de “dogmas acadêmicos.” Da discussão originada durante o congresso surgiu o “grito de revolta contra o academismo dominante,” tornando-se o resultado daqueles debates conhecido como il catenaccio delle Accademie.[4]

6.      A partir das fontes pesquisadas, sabe-se que durante o Congresso de Parma foi elaborado um documento endereçado ao rei Vittorio Emanuele II di Savoia que requeria a reforma de todo o ensino artístico na Itália.[5] As solicitações de mudança foram ouvidas por Antonio Scialoja, ministro da Instrução Pública, que, motivado por colocações e exigências como aquelas levantadas durante o Congresso, disciplinou a relação entre a Accademia di San Luca e seu ensino público, com o Real Decreto de 9 de outubro de 1873. O mencionado decreto desvinculou as escolas de arte da Accademia, visando assim desassociar o ensino artístico do academismo, da “tutela de mestres já ultrapassados e de seus dogmas.”[6] De fato, a Academia romana não teve modificada somente sua função didática, mas foi dividida em duas instituições: de um lado, a Accademia di San Luca, “guardiã da tradição histórica,” e de outro, o Istituto di Belle Arti di Roma, destinado exclusivamente à atividade didática.[7]

7.      O primeiro artigo dos Estatutos de 1873 da Real Academia determinava:

8.                                    A R. Accademia di San Luca depende do Ministério da Instrução Pública. Este consta de um corpo acadêmico ou de uma Academia propriamente dita e de um Instituto de Belas Artes. O primeiro possui um presidente e o segundo um diretor.[8]

9.      A estratégia posta em prática na histórica instituição romana era dupla. Tornar mais funcionais os ambientes destinados ao ensino no inaugurado Istituto di Belle Arti, com sede na famosa via Ripetta, equipando-os com os mais recentes meios auxiliares de ensino, e, igualmente, apesar das dificuldades, manter a organização dos concursos que caracterizavam a vida da Accademia di San Luca desde o século XVII. Os concursos eram um importante índice de hiato entre a produção acadêmica e aquela mais moderna. Os trabalhos dos alunos premiados na época de 1870, em desenho, escultura ou projetos arquitetônicos, os quais expunham pela primeira vez, sugeriam eloquentemente a grande distância, tanto na forma como nos temas, da profunda renovação que durante anos havia conduzido a pesquisa artística mais avançada na Itália, como as experiências do Verismo e dos Macchiaioli.[9] A reforma surgia, então, como uma via para a incorporação das pesquisas artísticas mais recentes no seio da Academia, tornando-a moderna.

10.    Os membros da Accademia di San Luca, no entanto, não aceitaram as mudanças introduzidas pelo Decreto de 1873 e o novo Estatuto da instituição chegou a ser chamado de “aborto informe.”[10] A reação dos artistas vinculados à Academia acerca do decreto de Scialoja deu origem, ainda em 1873, a um protesto redigido e impresso direcionado ao ministro, no qual reivindicava-se a liberdade da Academia em relação ao Instituto recém-criado.[11]

11.    Assim Camilo Boito relata a questão, em artigo publicado naquele mesmo ano:

12.                                  Os acadêmicos de San Luca se encontraram três dias depois [da publicação do decreto] em reunião geral, estando presentes vinte e oito professores, incluindo um prussiano, Wolff, um bávaro, Riedel, um francês, Hebert, um americano, Rogers. Eles deliberaram responder ao ministro as seguintes questões: que quando a Accademia foi fundada em 1577, pelo pintor Girolamo Muziano, Gregorio XIII a declarou perpetuamente senhora das suas posses e das suas leis; que esse direito foi respeitado por Napoleão, e por todos os Papas; [...] que se o governo desejava fundar novas escolas de belas artes tinha autoridade, mas que não poderia batizá-las com o nome de San Luca; que a biblioteca e a pinacoteca da Accademia são propriedades dessa, que a Accademia, em suma, “não pode, nem deve, diante de qualquer autoridade, reconhecer o direito de alguém de impor um estatuto sem a vontade ou sem ao menos seu preciso consentimento.”[12]

13.    O desejo dos professores da Academia se concretizou com o Real Decreto de 29 de junho de 1874,[13] que estabeleceu a total separação da Academia em relação ao Instituto.[14] Apesar de ter reconhecido o direito do ministro de reformar e reordenar todos os institutos de ensino, o conselho de estado estabeleceu, igualmente, a Accademia di San Luca como “corpo moral,” com a prerrogativa na introdução de modificações que julgasse oportunas na sua constituição. Com tal premissa, o conselho de estado convidou a Academia a remover de seus estatutos tudo o que estava relacionado à administração das escolas de arte e, da mesma forma, solicitou ao ministério que reformulasse o decreto.[15]

14.    Com o decreto de 1874, o então ministro da Instrução Pública, Girolamo Cantelli, legalizou aquilo que já havia sido indicado no Decreto de Scialoja, de 1873, retirando as escolas públicas de arte da Accademia di San Luca e transformando-as em um corpo separado e independente, com o título de Real Istituto di Belle Arti di Roma.

15.    Posteriormente, o Real Decreto de 29 de junho 1874 desvinculou definitivamente a Academia do Instituto.

16.                                  Art. 2 O atual estatuto substituirá inteiramente aquele aprovado com o citado decreto de 9 de outubro de 1873, revogadas todas as disposições contrárias ao presente. [...]

17.                                  Estatuto ou regulamento orgânico do Instituto de Belas Artes em Roma.

18.                                  TITULO I

19.                                  Art. 1 As escolas públicas de arte em Roma, dirigidas outrora pela Academia di San Luca, são removidas dessa dependência e se constituem em corpo separado com o título de Instituto de Belas Artes [...]. [grifo nosso].[16]

20.    Para lançar luz sobre algumas das mudanças que ocorreram na Accademia di San Luca e mais propriamente no sistema de ensino das belas artes em Roma com a criação do Istituto de Belle Arti, julgamos necessário incluir em nossa análise os últimos estatutos da academia romana antes da reforma de 1873, os Statuti della Pontificia Accademia Romana di Belle Arti, detta di San Luca, de 1817, redigidos depois da restauração da estrutura política precedente ao domínio napoleônico na Itália.[17] A apreciação do documento nos ajuda a compreender as melhorias implementadas com a reforma do sistema de ensino artístico em Roma:

21.                                  CAPÍTULO III

22.                                  Das Cátedras

23.                                  Artigo I

24.                                  Em relação às escolas para instrução dos jovens, o Conselho estabeleceu os seguintes professores.

25.                                  Três professores de pintura. O primeiro explica a teoria da arte e, principalmente, da composição e das cores; os outros dois ensinam alternadamente [grifo nosso] a execução do desenho, começando dos primeiros elementos, e prosseguem até a cópia de estátuas, do nu, de desenhos etc. [...]

26.                                  Os professores de pintura e escultura presidem cada semana, alternadamente [grifo nosso], na Escola de Desenho, Nu e Drapejado.[18]

27.    Um dos pontos que merecem destaque nos Estatutos de 1817 é a divisão do ensino de uma disciplina entre diferentes professores. No caso da pintura e da escultura, o professor que ministrava as aulas teóricas não era o mesmo que lecionava as aulas práticas. Além dessa segmentação, dois professores de pintura se revezavam no ensino.

28.    Nos anos que se seguiram aos Estatutos de 1817, o revezamento de professores veio a ser severamente criticado em toda a Europa e nas Américas e estratégias foram criadas para substituí-lo. Uma delas foi o sistema das Meisterklassen, no qual o meisterklasse era o “mestre de aula.” Segundo estudiosos como Nicolau Pevsner e Anonio Pinelli, durante o século XIX, de modo gradual, o sistema das Meisterklassen foi inserido nas academias com o propósito de modernizar a formação dos artistas.[19] Inaugurado na Academia de Düsseldorf, em 1820, o Meisterklassen se difundiu por todo o Ocidente.[20]

29.    O revezamento dos professores pode ser explicado se considerarmos o objetivo que era atribuído ao ensino nas academias. É notório que até o início do século XIX a função das academias era, em grande medida, ensinar os alunos a atingir a pureza do belo ideal. Acreditava-se que a “objetividade” da beleza ideal poderia ser incorporada em modelos supremos, “imitáveis” e, portanto, transmissíveis. Assim, a função dos professores era a de ensinar preceitos claros e definidos. Essa crença determinou a estrutura do ensino nas academias baseada no sistema de rodízio de professores.

30.    Em seu texto, Antonio Pinelli menciona o caso emblemático de Jacques-Louis David, o qual ainda jovem fez parte da Real Academia de Paris, “com onze professores que se sucediam todos os meses, em uma espécie de ‘corrida de revezamento’ tão cara aos artistas, que assim negligenciavam as obrigações de um compromisso didático considerado demasiado pesado.”[21]

31.    A hostilidade contra esse sistema que permitia uma contínua rotação de professores deu origem à exigência da reforma do ensino artístico, encampada por vários artistas e intelectuais, que de fato ocorreu, especialmente, com a adoção do sistema das Meisterklassen. Surgiram assim academias reformadas, escolas e institutos estruturados em classes que tinham um único mestre, o qual acompanhava seus alunos até que esses conseguissem o diploma final.

32.    A introdução do sistema das Meisterklassen está estreitamente vinculada a uma concepção moderna de arte, que se afirmou na segunda metade do século XIX e que definia a subjetividade, a expressividade e a originalidade dos artistas como pontos fundamentais.[22] Portanto, verdadeiros antídotos à teoria do belo ideal, transmitido através de estudos e de uma perspectiva “objetiva..

33.    A nova função do professor, diferentemente de ensinar preceitos, era constituir um modelo para os alunos, individualizando e cultivando talentos peculiares. Cada aluno deveria se exprimir com a originalidade que lhe era própria. Logo, o professor ou mestre era um exemplo e um maiêutico: deveria saber fazer crescer o potencial artístico dos seus alunos, em uma relação constante e exclusiva. De aprendizado de preceitos, o ensino acadêmico das artes se transformou em uma espécie de iniciação.[23]

34.    Nesse sentido, o que verificamos nos Estatutos de 1817 é, por um lado, a evidente diminuição do número de professores, como no caso da pintura, reduzidos a três, mas, por outro lado, a continuidade do sistema de rotação de docentes e a separação entre ensino teórico e ensino prático, “transmitidos” por diferentes professores.

35.    A ausência de graduação no sistema de ensino é outro ponto manifesto nos Estatutos de 1817, que em nenhum momento apontam a exigência de que os alunos sigam um currículo ordenado. A requisição de maior sistematização do ensino nas academias foi um dos fatores que conduziram as reformas ocorridas na segunda metade do século XIX em toda a Europa e nas Américas.

36.    A cobrança por parte de artistas, intelectuais e mesmo políticos acerca de um currículo estruturado para o ensino das artes teve origem no pensamento positivista, que condenava a forma como a educação era pensada até o início do século XIX: um conjunto de disciplinas independentes e conhecimentos avulsos, decorados e sem conexão entre si. Para os teóricos positivistas, o ensino de qualquer disciplina deveria partir da aquisição,  de forma consecutiva e seriada ,de noções e raciocínios simples para aqueles cada vez mais complexos.[24] De acordo com filósofos como Comte, o ensino deveria ser pensado em função de uma seriação sistemática, partindo sempre daquilo que já era conhecido e observado pelos sentidos, do conhecimento mais geral e menos complicado para alcançar o desconhecido, o abstrato, o mais especializado e o mais complexo.[25] Uma academia de arte moderna em sintonia com seu tempo necessitava, portanto, oferecer aos seus alunos disciplinas como sequências lógicas e não conteúdos avulsos (sem sucessão), pois a verdadeira instrução consistia no desenvolvimento harmônico do entendimento, mediante a ação convergente de disciplinas apropriadas, aprendidas em sua gradação lógica e colaboração natural.

37.    Com base na leitura dos Estatutos do Istituto di Belle Arti di Roma, datados de 29 de junho de 1874, é possível averiguarmos que foram implementadas mudanças visando uma formação que privilegiasse a individualidade e a originalidade dos alunos, bem como maior estruturação do currículo.[26] Como consta nos Estatutos de 1874, o ensino foi dividido em um curso preparatório de um ano e um curso comum de dois anos, obrigatórios para todos os alunos ingressantes no Instituto. Nesses três anos, os alunos deveriam aprender elementos das ciências matemáticas, desenho geométrico, perspectiva, desenho a claro-escuro da figura e do ornato, anatomia do corpo humano, literatura e história da arte.[27]

38.    Tal ensino comum era seguido, de acordo com a escolha do aluno, por um curso especial: pintura, escultura ou arquitetura. Para cada um desses cursos, havia uma classe específica e a duração era de um ano, a não ser para arquitetura, cuja duração era de três anos, sendo dois desses obrigatórios.[28]

39.    O curso especial de pintura compreendia estudo das estátuas nuas, planejamento a chiaroscuro, proporções do corpo humano, desenho do real de cabeças e de extremidades, exercícios de crítica sobre as obras clássicas, perspectiva aplicada, anatomia artística e continuação dos estudos literários e de história da arte. A prática da pintura propriamente dita ocorria nos ateliês dos professores honorários, que eram escolhidos pelos alunos conforme a afinidade que sentiam com os mestres. Os alunos só eram habilitados a frequentar os ateliês dos professores honorários após terem sido aprovados em todos os níveis do ensino obrigatório.[29]

40.    O curso especial de escultura compreendia as matérias indicadas para pintura, sendo substituído o desenho de chiaroscuro pelo desenho modelado e pelo estudo da arquitetura que resguarda os monumentos honorários e fúnebres. A prática da escultura também ocorria no ateliê do professor honorário de escultura.[30]

41.    É perceptível que a estrutura do ensino se tornou mais rigorosa e seriada. Para prosseguir de um nível a outro mais avançado, como do curso comum para o curso especial, o aluno deveria ter dominado todo o conhecimento fornecido. É o que esclarece o Artigo 31 dos Estatutos do Instituto.

42.                                  Art. 31

43.                                  No final de cada ano de ensino, será realizado um exame para permitir que os alunos continuem seus estudos. Aqueles que não forem aprovados no exame podem repetir os estudos do ano. Se eles falharem em uma segunda prova, são dispensados da escola.[31]

44.    Por sua vez, a liberdade de expressão, tão cara aos artistas da segunda metade do século XIX, encontrou representação na escola livre de desenho de modelo-vivo que estava atrelada ao Instituto. Tratava-se da Scuola Libera del Nudo, que contava com modelos variados pelo caráter[32] e pela idade e na qual era dada preferência aos alunos do próprio Instituto. A escola de modelo-vivo, no entanto, poderia ser frequentada por todos que, tendo passado nos exames de admissão ou provindo de outras instituições ou academias, houvessem fornecido provas de possuir a instrução necessária para se exercitar, com proveito, no desenho ou no modelado do estudo do nu. A disciplina e a vigilância, também para a parte artística, eram confiadas a um dos professores determinados pelo diretor.[33]

45.                                  CAPÍTULO VI - Escola Livre do Nu

46.                                  Art. 51 No Instituto haverá uma escola gratuita de desenho de modelo-vivo, com modelos variados por caráter ou por idade. [...]

47.                                  Os professores são obrigados a formular apontamentos ou a fazer correções que sentirem mais apropriadas sobre os desenhos dos jovens alunos do Instituto sempre que forem solicitados e, se eles excederem o tempo, também nos desenhos de outros alunos que formularem perguntas.[34]

48.    A Reforma da Academia de 1873 conseguiu renovar o quadro docente, ainda que não fosse esse seu propósito inicial. Com o Real Decreto de 1873, foi estabelecido o Regulamento Orgânico dos Professores e Empregados da Academia e do Instituto. No entanto, como a Academia se recusou a aderir às novas diretrizes e acabou por ser desvinculada das escolas, o ministro abriu concursos de seleção de professores para o Instituto recém-criado, com o propósito de ocupar as novas cátedras.

49.    O ensino passou a ser ministrado por professores titulares assistidos por adjuntos e encarregados segundo a necessidade. Os titulares e os adjuntos eram nomeados por decreto real, após concurso, e raramente por mérito. Os encarregados eram nomeados anualmente pelo ministro tendo como base uma proposta do conselho dos professores. Os adjuntos e os encarregados eram colocados sob a dependência do titular e a esse estava conferida toda a responsabilidade do ensino.[35] Os professores titulares do novo Instituto foram o pintor Filippo Prosperi, para o ensino da figura desenhada; o escultor Girolamo Masini, para a plástica da figura [Figura 1]; o pintor Domenico Bruschi, para o ornato; e Basílio Magni, para a história da arte e literatura.[36]

Figura 1 - Documento do Instituto de Belas Artes, assinado pelo professor de escultura Girolamo Masini, datado de Roma, 1 de julho de 1879.  “O abaixo-assinado professor de Escultura deste R. Instituto de Belas Artes certifica que o Sr. Domenico Lucertoni, escultor que vive em Spoleto, completou o curso de Escultura, obtendo com louvor os primeiros prêmios nas aulas.”

 

50.    Compreende-se que a nomeação dos professores honorários no Istituto de Belle Arti respeitava o direito dos alunos na escolha do próprio mestre, aquele que iria aconselhá-los e guiá-los nas vias da arte.

51.    Sob o parecer de uma junta de belas artes, o ministro poderia nomear professores honorários, não mais que dois por arte, entre aqueles que por obras universalmente prestigiadas houvessem conquistado fama de excelentes artistas.[37] A esses honorários de pintura e escultura poderia ser ofertado um atelier no edifício do Instituto ou em outro lugar vinculado ao Ministério, desde que o professor assumisse a responsabilidade de acolher aqueles jovens que voluntariamente solicitassem, a fim de completarem suas formações práticas depois de terminar os cursos obrigatórios e concluir as provas dos relativos exames.[38] Os primeiros professores honorários do Instituto foram Cesare Maccari (pintura) e Giulio Monteverde (escultura).[39]

52.    Como forma de provar os avanços obtidos com as modificações implementadas no sistema de ensino das artes, o Instituto de Belas Artes realizou, em 1874, uma mostra dos trabalhos dos anos escolásticos de 1873 e 1874. Tratou-se de uma exposição comparativa, reunindo sobretudo desenhos de figura humana e desenhos de ornato de antigos alunos da Accademia di San Luca e de alunos do Instituto que seguiam a nova orientação adotada pela instituição.[40] Ficou claro aos críticos da mostra que o novo rumo tomado era mais moderno ou mais próximo do que se esperava naqueles anos de uma instituição que formava artistas. Sobre a questão, Fausto Vagnetti assevera: “o Instituto prevaleceu e pela autoridade ministerial e pelo próprio ministro da Instrução Pública o diretor Prosperi foi chamado ‘O triunfador’.”[41]

53.    A título de considerações finais, podemos afirmar que o sucesso do Real Istituto di Belle Arti di Roma foi determinante para o ensino artístico na Itália, levando o então ministro da Instrução Pública, Michele Coppino, a empreender a reforma de outras academias sob as diretivas do instituto romano. O sistema de ensino adotado no Instituto exerceu, por exemplo, influência na reforma da Academia de Belas Artes de Nápoles.

54.    Os pintores Domenico Morelli e Filippo Palizzi, figuras decisivas nos novos rumos do ensino das belas artes em Nápoles, visitaram Roma com o propósito de defender algumas ideias sobre o assunto perante o ministro Coppino e foram convidados por ele a conhecer o complexo histórico na Via Ripetta, tradicionalmente chamado “Il ferro di cavalo,” a fim de verem in loco os resultados obtidos com as novas orientações didáticas adotadas.[42] Posteriormente nomeado diretor da academia reformada em Nápoles, Filippo Palizzi se convenceu das melhorias e aceitou o convite do ministro para elaborar um projeto de reforma da instituição napolitana. Nos arquivos do Instituto em Roma, são localizadas correspondências de Palizzi solicitando informações sobre programas, instruções e horários dos cursos e trabalhos realizados pelos alunos. Domenico Morelli, por sua vez, em muitas ocasiões, se dirigiu a Francesco Prosperi - pintor, professor e diretor do Istituto di Belle Arti di Roma – requerendo conselhos.[43] A reforma da Accademia di Belle Arti di Napoli se trata, no entanto, de tema a ser detalhado em um artigo futuro.

Referências bibliográficas

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Documentos e livros de época

BOITO, Camilo. I nuovi decreti sulle Accademie di Belle Arti. Nuova Antologia, v. XXV, febbraio 1874.

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STATUTI DELLA PONTIFICIA ACCADEMIA ROMANA DI BELLE ARTI DETTA DI S. LUCA, con il rescritto pontifício del 15 febbraio 1818 e l’elenco degli Accademici del 1817. 15 dicembre 1817. Roma - F. Bourlié, 1818.

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[1] Professora do CEFET/RJ, tendo realizado estágio pós-doutoral, como bolsista da CAPES, na Università degli Studi di Napoli Federico II/Itália e doutorado em Teoria da Arte no PPGAV/EBA/UFRJ.

[2] BOITO, Camilo. I nuovi decreti sulle Accademie di Belle Arti. Nuova Antologia, v. XXV, febbraio 1874, p. 880-896.

[3] CALCIOLARI, Maria Carla Ramazzini. L'accademia di Belle Arti di Parma durante Il Governo di Maria Luigia D'Austria e la Direzione di Paolo Toschi (1814-1854). Università Degli Studi di Parma, Dottorato di ricerca in Storia dell'Arte e dello Spettacolo, 2013. p. 27-30.

[4] VAGNETTI, Fausto. La Regia Accademia di Belle Arti di Roma. Firenze: Le Monnier, 1943. p. 30-37. Pode ser traduzido como “o cadeado das academias” ou “a tranca das academias”, ou seja, o fechamento das academias.

[5]  STRUKELJ, Vanja.  Città in mostra. Parma 1870, immagine debole di un potere in crisiRicerche di S/Confine, v. I, n. 1, 2010.

[6] VAGNETTI, Fausto. La Regia Accademia di Belle Arti di Roma. Firenze: Le Monnier, 1943, p. 47.

[7] BERTA, Barbara. La Formazione della Figura Professionale Dell’architetto. Roma 1890-1925. Roma, 2008. Dottorato in Storia e conservazione dell’oggetto d’arte e di architettura. Università degli Studi di Roma Tre, p. 27.

[8] R. D. DEL 9 OTTOBRE 1873, N. 1634. Col quale si approva il Statuto o Rigolamento orgânico della R. Accademia ed Istituto di Belle Arti di San Luca in Roma. Gazzetta Ufficiale. Anno 1873. Roma - Martedi, 11 Novembre, Num 312. No original: “TITOLO I. Art. 1. La R. Accademia detta di San Luca dipende dal Ministero della Pubblica Istruzine. Essa consta di un Corpo accademico, o Accademia propriamente detta, e di un Istituto di Belle Arti. Il primo ha un presidento, ed il secondo un direttore” (Cfr. Link).

[9] BERTA, op. cit., p. 27-28.

[10] BOITO, op. cit., p. 880-896.

[11] PROTESTA DELL’INSIGNE ACCADEMIA ROMANA DELLE BELLE ARTI DENOMINATA DI S. LUCA CONTRO UN NUOVO STATUTO IMPOSTOLE DAL MINISTRO DELLA PUBBLICA ISTRUZIONE DEL REGNO D’ITALIA. Roma, Tipografia delle Belle Arti, 1873. O documento foi publicado em: Sessantacinque anni delle scuole di belle arti della insigne e Pontificia Accademia Romana denominata di S. Luca: Memorie di un cattedratico. Roma: G. Civelli, 1895, p. 39-43 (Cfr. Link).

[12] BOITO, op. cit.. No original: “Gli Accademici di San Luca si riunirono tre giorni dopo in generale adunanza, presenti ventotto professori, tra i quali un prussiano, il Wolff, un bavarese, il Riedel, un francese, 1’Hebert, un Americano, il Rogers. Deliberarono di rispondere al Ministro le cose seguenti: che, quando 1’Accademia fu fondata nel ISV? dal pittore Girolamo Muziano, Gregorio XIII la dichiarò perpeiuamente padroyia in tutto delle sue possidenze e delle sue leggi; che questo diritto fu rispettato da Napoleone I e da tutti i Papi; che, tranquilla per tre secoli sotto un Governo detto assoluto, invocavano ora l’articolo 29 e l’articolo 32 dello Statuto del Regno d’Italia, cioè la inviolabilità della proprietà e il diritto di riunirsi pacificamente senz' armi; che se il Governo voleva fondare delle nuove scuole di belle arti era padrone di farlo, ma non le poteva battezzare col nome di San Luca; che la biblioteca e la pinacoteca dellAccademia sono proprietà di essa; che l’Accademia, insomma, ‘non può deve, avanti a qualsiasi Autorità, riconoscere il diritto in alcuno d’imporle uno Statuto senza la sua volontà o senza almeno il suo preciso consenso’.”

[13] VAGNETTI, op. cit., p. 47.

[14] PROTESTA DELL’INSIGNE..., op. cit., p. 39-43.

[15] BOITO, op. cit.

[16] R. D. DEL 29 GIUGNO 1874, N. 2007. Col quale si approva il Statuto o regolamento organico dell Istituto di Belle Arti in Roma. Gazzetta Ufficiale. Anno 1874. Roma - Sabato, 25 Luglio Num. 176. No original: “Art. 2. Il detto statuto sostituirà interamente quello approvato col citato decreto del 9 ottobre 1873, restando abrogate tutte le disposizioni contrarie alle presenti.  [...] Statuto o regolamento organico dell'Istituto di Belle Arti in Roma. TITOLO I. Art. 1. Le scuole pubbliche di belle arti in Roma, già rette dall'Accademia di S. Luca, sono tolte da quella dipendenza e costituite in corpo separato col titolo di Istituto di belle arti” (Cfr. Link).

[17] PICARDI, Paola. Spazi e strumenti didattici dell'Accademia di San Luca negli anni della Restaurazione. Le ‘Scuole mute’ e leScuole parlanti – Studi e documenti sull'Accademia di San Luca nell'Ottocento. Roma: De Luca, 2002. p. 169-172.

[18] Statuti della Pontificia Accademia Romana di Belle Arti detta di S. Luca, con il rescritto pontifício del 15 febbraio 1818 e l’elenco degli Accademici del 1817. 15 dicembre 1817. Roma F. Bourlié, 1818. No original: “CAPITOLO III. Delle Cattedre. Articolo I. Rapporto alle scuole per istruzione de`giovani, il Consiglio ha stabilito i Professori seguenti. Tre Professori in Pittura. Il primo spiega le teorie dell’Arte sotto tntti i rapporti, e principalmente della composizione, e del colorito; gli altri due insegnano alternativamente la esecuzione del Disegno, incominciando da’ primi elementi,e proseguendo fino alla copia delle Statue, del Nudo, de’ Disegni ec. [...] I Professori di Pittura e di Scultura presiederano ogni settimana alternativamente alla scuola del Disegno, del Nudo, e delle Pieghe” (Cfr. Link).

[19] Em seu estudo clássico, “Academias de arte: passado e presente”, Nikolaus Pevsner cita o estabelecimento da Meisterklassen como “a mais importante inovação na história das academias durante o século XIX”. PEVSNER, Nikolaus. Academias de arte: passado e presente São Paulo: Companhia das Letras, 2005 p. 213.

[20] VAUGHAN, William. Cultivation and control: the ‘Masterclass’ and the Dusseldorf Academy in the Nineteenth century. CARDOSO, R; TRODD, C. Art and academy in the nineteenth century. New Jersey: Rutgers University Press, New Brunswick, 2000. p. 150-163.

[21] PINELLI, Antonio. Passato e futuro delle accademie: una valutazione. In: L’accademia oltre l’accademia: atti del convegno Formazione, conservazione e comunicazione dell’arte. Firenze: Accademia di Belle Arti, 2007.

[22] Para compreender a noção de moderno no século XIX, ver: DAZZI, Camila. O moderno no Brasil ao final do século 19. Revista de História da Arte e Arqueologia (RHAA), Campinas (SP), v. 17, jan-jun, p. 87-124, 2012.

[23] VAUGHAN, loc. cit.

[24] NUNES, Antonieta de Aguiar. Política educacional no início da república na Bahia: duas versões do projeto liberal. Salvador, 2003. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. p. 13.

[25] COMTE, August. Cours de Philosophie Positive. Tome I, Primier Volume. Paris: Anthropos, 1830. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k76267p> Acesso em: 30 out. 2017.

[26] R. D. DEL 29 GIUGNO 1874..., op. cit. Na sequência, transcrevemos um breve trecho dos Estatutos de 1874 que trata do ensino. “CAPITOLO IV - Dell’insegnamento. Art. 18. L’insegnamento è ripartito in preparatorio, comune e speciale. Art. 19. L'insegnamento preparatório dura un anno e versa sugli elementi della scienza matematica uniti allo studio dela prospettiva, sulla língua italiana e sulle prime notizie dela storia applicata alle belle arti. Art. 20. L’insegnamento comune, il quale avrà due classi, dura due anni, e comprende lo studio del disegno lineare, geometrico e prospettivo, dell'ornato e dela figura; la continuazione dello studio di lettere italiane, della storia dell'arte, e l'osteologia.”

Terminato questo insegnamento l’alunno dovrà dichiarare a quale classe del’'insegnamento speciale intende ascriversi. Art. 21. L’insegnamento speciale è distinto secondo le arti e per ciascun arte vi sarà uma classe. Dura un anno per ciascuna classe o arte, eccetto che a riguardo dell'architettura per la quale dura ter anni; ma di questi anni di corso debbono essere frequentati obbligatoriamente soltanto i due primi. Art. 22. L’insegnamento per la classe di pittura compreende lo studio delle statue nude e vestite, e dela proporzioni del corpa umano, il disegno a chiaroscuro (con matita, acquarello ed ol o di un solo colore), il disegno dal vero di teste e di altre parti estreme del corpo umano [...]”

[27] R. D. DEL 9 OTTOBRE 1873..., op. cit.

[28] Idem.

[29] Idem.

[30] Idem.

[31] Idem. No original: “Art. 31. Alla fine di egni anno d’insegnamento sarà fatto un esame per bilitare gli alunni a proseguire negli studi. Quelli che non vincono la prova potranno ripetere gli studi dell’anno. Se vengono meno ad una seconda prova, sono congedati dalla scuola”.

[32] O “caráter” pode ser compreendido como “os traços distintivos de determinado objeto e particularmente a qualidade intelectual e moral de um indivíduo, ou o conjunto de qualidades que o distinguem como personalidade”. DEONNA, Waldemar. Carattere. In: ENCICLOPEDIA UNIVERSALE DELL’ARTE. v. III. Venezia-Roma: Instituto per la Collaborazione Culturale, 1964, p. 111. Original: “I tratti distintivi di ogni oggetto e particolarmente la qualità intellttuali e morale di un indiviuo, o l'insieme delle qualità che lo distinguono come personalità.”

[33]  R. D. DEL 9 OTTOBRE 1873..., op. cit.

[34] Idem. No original: “CAPITOLO VI - Scuola libera del nudo. Art. 51. Nell’Istituto vi sarà una scuola libera di disegno del nudo con modelli variati per carattere o per età. [...] I professori sono obbligati a dare il loro avviso o fare la correzione che reputano più opportuna sui disegni de'giovani alunni dell’Istituto, quando ne sono richiesti: e se loro sopravanzi il tempo anche su' disegni degli altri studiosi che ne facessero loro domanda”.

[35] Idem. TITOLO III. Istituto di Belle Arti. CAPITOLO I - Degli insegnanti.

[36] VAGNETTI, op. cit., p. 38.

[37] R. D. DEL 9 OTTOBRE 1873..., op. cit. TITOLO III. Istituto di Belle Arti. CAPITOLO I - Degli insegnanti.

[38] R. D. DEL 29 GIUGNO 1874..., op. cit.

[39] VAGNETTI, loc. cit.

[40] DAMIGELLA, Anna Maria et allRomaccademia: un secolo d'arte da Sartorio a Scialoja. Roma: Gangemi, 2010. p. 27.

[41] VAGNETTI, op. cit., p. 46. Original: L’Istituto stravinse e della autorità ministerial e dello stesso ministro dela pubblica istruzione il Direttore Prosperi fu appellatoil triunfatore’.”

[42] Ibidem, p. 37.

[43] Ibidem, p. 83.