A pena e o pincel: o Projeto de Lei de Pedro Américo sobre a
propriedade artística e literária e o diálogo entre política, direito, história
e arte
Madalena
Zaccara [1],
Valéria Augusti [2] e Marcílio Toscano Franca
Filho [3]
ZACCARA, Madalena; AUGUSTI,
Valéria; FRANCA FILHO, Marcílio
Toscano. A pena e o pincel: o Projeto de Lei de Pedro
Américo sobre a propriedade artística e literária e o diálogo entre política,
direito, história e arte. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI,
n. 1, jan./jun. 2016. https://doi.org/10.52913/19e20.XI1.01a
[English]
*
* *
Sobre leis e artes - à guisa
de introdução
1. Por
muitas e distintas razões, o Estado sempre esteve bastante próximo das artes e
dos artistas, quer como mecenas, divulgador ou incentivador, quer como agente
regulador, censor ou mesmo colecionador. As relações entre arte e Estado dariam
certamente uma larga enciclopédia, que perpassaria áreas inteiras do Direito
Público e do Direito Privado, para não falar de outros extensos campos do saber
ligados à Sociologia, à Ciência Política, à Antropologia e à Estética.
2. Tomando-se
apenas a específica seara de atuação do Poder Legislativo no Brasil,
constata-se que não é de hoje que o Estado brasileiro preocupa-se
em definir, regular e proteger os interesses de autores de obras estéticas. Já
na Lei de 11 de agosto de 1827, que criou os cursos jurídicos no país, e no
Código Criminal do Império (Lei de 16 de dezembro de 1830) havia referência à
regulação nas esferas cível e penal. Com efeito, ainda se referindo a
“privilégio” e não a “direito”,[4] o art. 7º da lei que instituiu as
primeiras Faculdades de Direito no Brasil (um na cidade de São Paulo e outra em
Olinda) afirmava:
3.
Art. 7.º - Os Lentes farão a escolha dos compendios da sua profissão, ou os arranjarão, não
existindo já feitos, com tanto que as doutrinas estejam de accôrdo
com o systema jurado pela nação. Estes compendios, depois de approvados
pela Congregação, servirão interinamente; submettendo-se
porém á approvação da Assembléa
Geral, e o Governo os fará imprimir e fornecer ás escolas, competindo aos seus
autores o privilegio exclusivo da obra, por dez annos.[5]
4. Três
anos mais tarde, o Código Criminal do Império incluiu entre os seus tipos penais
contra a propriedade o seguinte dispositivo:
5.
Art. 261. Imprimir, gravar, lithographar, ou introduzir quaesquer
escriptos, ou estampas, que tiverem sido feitos,
compostos, ou traduzidos por cidadãos brasileiros, emquanto
estes viverem, e dez annos depois da sua morte, se
deixarem herdeiros.
6.
Penas - de perda de todos os exemplares
para o autor, ou traductor, ou seus herdeiros; ou na
falta delles, do seu valor, e outro tanto, e de multa
igual ao tresdobro do valor dos exemplares.
7.
Se os escriptos,
ou estampas pertencerem a Corporações, a prohibição
de imprimir, gravar, lithographar, ou introduzir,
durará sómente por espaço de dez anos.[6]
8. Conforme
se pode notar, tornado independente em 1822, o Brasil já demonstrava, desde
muito jovem, uma crescente, ainda que ineficaz, preocupação em regulamentar os
direitos de autor. Bem assinala o Prof. Carlos Alberto Bittar que aquela
preocupação mantinha justa fundamentação:
9.
Editados os textos citados, nos dois
planos, sentia-se no seio do Legislativo, a necessidade de regulamentação legal
dos direitos autorais no âmbito civil, por meio de diploma específico, em que
se traçassem suas linhas básicas, a exemplo de outros países, como a Bélgica e
a Itália, que, em meados do século passado [séc. XVIII], já contavam com lei
própria para a matéria. Disso se conscientizou o nosso legislador a partir da
constatação de que o progresso intelectual do país estava na dependência dessa
regulamentação, como estímulo para o surgimento de novas produções nos domínios
da literatura, das artes e das ciências.[7]
10. É
nesse ambiente que surgem não apenas os primeiros projetos de lei a regular a
matéria autoral - tais como os dos deputados Aprígio Guimarães (1856), Gavião
Peixoto (1858), do também romancista José de Alencar (1875), do senador Diogo
Velho (1886), do deputado Augusto Montenegro (7 de agosto de 1893) e de Pedro
Américo de Figueiredo e Mello (12 de julho de 1893) - mas também alguns
acordos internacionais sobre a matéria de que o Brasil toma parte – como o
celebrado com Portugal em 09 de setembro de 1889 (internalizado pelo Decreto nº
10.353, de 14 de setembro de 1889)[8] e a convenção literária celebrada com a
França em 31 de janeiro de 1891 (que não foi recepcionada pelo parlamento
brasileiro).[9]
11. O
presente artigo não tem outro objetivo senão jogar algumas luzes sobre aquele
projeto de lei subscrito pelo pintor e deputado paraibano Pedro Américo,
refletindo sobre a sua atuação, no parlamento, na seara dos direitos de autor.
Esse objetivo é justificado pela posição destacada que Pedro Américo ocupa no
panorama artístico brasileiro. Autor de quadros que compõem a própria
identidade visual da nação (como chamado O
Grito do Ipiranga [Figura 1] e Tiradentes
Esquartejado [Figura 2]), Pedro Américo de Figueiredo e Mello nasceu
na cidade paraibana de Areia, em 29 de abril de 1843, e veio a falecer em
Florença (Itália), em 7 de outubro de 1905.
12. Quando
o naturalista francês Louis Jacques Brunet chegou à sua cidade natal, na região
húmida do Brejo paraibano, capitaneando uma expedição cientifica que fazia
pesquisas para o Museu Nacional, nela encontrou o menino conhecido por fazer
retratos com grande apuro técnico de um frade capuchinho considerado santo
pelos moradores da região. Foi graças a esses retratos que Pedro Américo se
integrou à expedição por aproximadamente 20 meses.[10]
Desse encontro resultou a recomendação do jovem ao presidente da Província da
Paraíba e, por conseguinte, ao Ministro dos Negócios do Império, que, por sua
vez, o recomendou ao Imperador, tornando possível sua matrícula na Academia
Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, nos idos de 1854.
13. Cinco
anos depois, Pedro Américo solicitava ao Imperador uma bolsa de estudos no
valor de 400 réis mensais para estudar na Europa. Tinha, a essa época, 16 anos
de idade e levava na algibeira uma carta de seu antigo professor, o importante
pintor Manoel
de Araújo Porto-Alegre. Após temporada de estudos
na França e na Itália, Pedro Américo retornou ao Brasil, em 1864, a
contragosto, para ministrar aulas na Academia Imperial de Belas Artes. Não
demorou muito para pedir uma licença sem vencimentos e retornar à Europa,
doutorando-se, dali a três anos, na Faculdade de Ciências da Universidade de
Bruxelas, com uma tese sobre “A Ciência e os Sistemas: Questões de História e
Filosofia Natural,”[11] sendo convidado para tornar-se professor
da Universidade de Bruxelas. Em 1869, retornou novamente ao Brasil, mas não sem
deixar de pendular ainda muitas vezes sobre o Atlântico, em direção ao Velho
Continente, até a sua morte.[12]
14. Foi
justamente num desses períodos em que deixou a Europa de que tanto gostava,
logo após a proclamação da República (1889), que Pedro
Américo elegeu-se deputado pelo Partido Republicano da província da Paraíba. É
sobre essa etapa final de sua vida, como parlamentar do regime republicano e
legítimo representante das classes artísticas no parlamento brasileiro, que o
presente trabalho se debruça a partir de agora.
Pedro
Américo, a República e a sua reinvenção como parlamentar
15. A
queda da monarquia brasileira em 1889 não foi uma surpresa. Em suas raízes, o
país não possuía uma verdadeira tradição monarquista e o ideal republicano
sempre esteve presente de um modo ou outro. Além disso, a monarquia brasileira
foi uma exceção no panorama da América do Sul. Por outro lado, a manutenção de
características coloniais, com base no latifúndio monocultor escravista,
representava um sério obstáculo para o progresso urbano-industrial do país. O
crescimento do processo abolicionista e o seu fortalecimento trabalharam em
detrimento do regime monárquico e dos interesses da oligarquia embasada no
trabalho escravo. O antagonismo do novo (urbano-industrial e abolicionista) ao
arcaico (agroexportador e escravista), associado a outras questões estruturais,
como as restrições que a igreja e o exército passaram a fazer ao centralismo
monárquico, determinaram a passagem da Monarquia para República, por meio de um
golpe de Estado executado no dia 15 de novembro de 1889. Naquele momento, a
oligarquia tradicional, escravista, apesar de uma aparente contradição, aderiu
ao golpe uma vez que o império havia abolido a escravidão sem qualquer
indenização aos proprietários desse tipo de mão de obra.
16. Os
conflitos entre os dois partidos que alternavam o poder durante o império, o
Liberal e o Conservador, também contribuíram para a queda do regime. Alguns
liberais descontentes fizeram aliança com os republicanos, ainda pouco
organizados, e criaram o Partido Republicano em 1870. A imprensa, em geral,
aproveitava-se da tolerância do imperador e de uma constituição liberal para
fazer publicidade do sistema republicano.
17. A
vitória do Brasil na Guerra do Paraguai também foi decisiva para a ascensão da
República, os militares, orgulhosos de seus feitos, queriam uma maior
participação política. Somando-se essas múltiplas circunstâncias, tornou-se,
portanto, inevitável uma ruptura com o sistema governamental imperial. A
população, entretanto, não participou do nascimento da República. O povo não se
interessava por essas mudanças. Pedro II era bem visto
por grande parte da sociedade, excetuando-se certas classes médias (urbanas,
abolicionistas, industriais e comerciais), e as transformações chegaram, como
sempre, de cima para baixo. O imperador e sua família foram banidos.
Exilaram-se na Europa, morrendo a Imperatriz Tereza Cristina em dezembro
de1889, na cidade do Porto, e o imperador em Paris, dois anos depois. Foi
somente em 3 de setembro de 1920 que o decreto de banimento foi revogado pelo
então presidente Epitácio Pessoa, outro paraibano como Pedro Américo.
18. A proclamação da República no Brasil foi, portanto, um produto
das elites. Era necessária, entretanto, uma espécie de legitimação do novo
poder por meio da popularização de seu ideário e a formação de uma imagem
republicana para consumo interno, o que se tornou a meta da Primeira República.
Três correntes disputavam a definição da natureza ideológica no novo regime: o
liberalismo americano, o jacobinismo francês e o positivismo.[13]
Essas três ideologias se opuseram intensivamente desde o início da República.
Tudo terminou, porém, com a consolidação posterior da primeira alternativa: o
liberalismo.
19. Os
positivistas formaram o grupo mais ativo e mais belicoso na tentativa de tornar
o regime republicano não somente aceito pela população como também amado pelo
povo que, de início, não o desejava. Suas armas foram a literatura e os
símbolos cívicos. A falta de identidade republicana provocou a necessidade da
criação de uma iconografia de persuasão da população brasileira que tinha como
objetivo principal educar a “alma” do povo propagando valores políticos e
morais que concorreriam para a afirmação do regime em processo de
solidificação. À semelhança do que se viu na Itália e na Alemanha da primeira
metade do século XIX, essa necessidade se refletiu em uma predileção por uma
temática relacionada à história do nacional com amplo uso de uma linguagem
alegórica. Entre os símbolos utilizados na educação da retina para a aceitação
da República, um dos mais importantes foi a figura de
Tiradentes[14]
que representava o Cristo, o herói cívico, o mártir e o libertador, civil e
militar, um símbolo da pátria e, ao mesmo tempo, da subversão republicana. Essa
iconografia projetada fez parte da batalha para a conquista de uma imagem pelo
novo sistema político.[15]
20. Pedro
Américo participou ativamente deste processo. Ele trabalhou para a república
como havia trabalhado para a monarquia. Suas concepções artísticas vão refletir
também essa mudança política brasileira. Em 1889, o golpe militar que instituiu
a república surpreendeu Pedro Américo em Florença em vias de iniciar um quadro
comemorativo da abolição da escravatura encomendado pelo governo imperial de D.
Pedro II. Os trabalhos foram, naturalmente, interrompidos. Américo necessitava,
porém, urgentemente, de se libertar de sua imagem de protegido do imperador
exilado e tomar lugar junto ao novo poder: era uma questão de sobrevivência.
Sua habilidade política se manifestou mais uma vez nessas circunstâncias e ele,
que apesar de ter-se beneficiado enormemente sob o império sempre manteve suas
ligações com os republicanos, contava com muitos amigos estabelecidos junto ao
novo governo do Marechal Deodoro da Fonseca. Para assegurar uma posição nesse
quadro de poder, era necessário agir rapidamente e, afinal, Américo nunca fora
de hesitar.
21. Um de
seus primeiros passos foi executar o quadro que havia prometido fazer
gratuitamente alguns anos antes para o antigo regime. Ele o pintou com grande
rapidez. Em abril de 1890 a secretaria do novo governo acusa a recepção da tela
Voltaire abençoa em nome de Deus e da liberdade o neto de Franklin [Figura 3].[16] 16 Um trabalho concebido com uma
temática politicamente correta para os novos tempos.
22. Os
primeiros tempos republicanos não foram favoráveis às artes de uma maneira
geral. As elites políticas brasileiras estavam ocupadas em consolidar o regime
e não existia mais o mecenato de Pedro II. Por outro lado, as classes médias
brasileiras não eram suficientemente esclarecidas ou endinheiradas para se
interessar por artes visuais no sentido de patrociná-las. Pedro Américo
enfrentou essa nova realidade: ele havia pintado, em Florença, uma série de
trabalhos envolvendo uma temática voltada para a execução de animais exóticos,
frutos prováveis de anotações feitas em seus tempos de juventude na Argélia. A
partir desses trabalhos ele montou, talvez, uma das primeiras mostras voltadas
para a classe média brasileira, expondo numa loja, La Glace Elegante, que fez
às vezes de galeria de arte no Rio de Janeiro. Ninguém comprou nenhuma peça.
Somente um ladrão, digno de nota, se fosse conhecida sua identidade, fez caso
da pintura no Brasil republicano: roubou uma pequena tela.[17]
Já era alguma coisa em termos de “saída”. É com esse pano de fundo de
“resfriamento” do mercado nacional de artes que Pedro Américo ingressa na
Câmara dos Deputados.
23. Na
verdade, a veia político-partidária de Pedro Américo começa a ganhar maior
expressão ainda no império, no final do século XIX, justamente depois que a
reforma eleitoral de 1881 democratizara (levemente) o voto.[18]
Em abril daquele mesmo ano, ele escreveu para seus amigos e familiares e pediu
ajuda para uma possível candidatura.[19] Mais tarde, enviou um manifesto de
Florença, datado de 20 de junho de 1881, endereçado aos chefes políticos de sua
província natal. Neste documento, pedia ajuda dos representantes do Partido Conservador
para obter uma cadeira no parlamento:
24.
[...] Conhecendo assim os grandes serviços que
tem ahi prestado o partido conservador a causa
pública, como a justiça e equidade com que há procedido na applicação
do seu programma, é sob o glorioso lábaro de seus
representantes que desde já me colloco [...].[20]
25. Em 16
de julho de 1881, fez outro apelo, dessa vez destinado aos moradores da sua
cidade de Areia. Nele, apresenta sua plataforma política, discorrendo sobre o
seu amor pela cidade natal e afirmando que, enfim, poderia colaborar para o
desenvolvimento da região, pois a legislação havia mudado e permitia o acesso
ao voto popular de operários como ele:
26.
Filho estremecido da Parahyba
do Norte, d´onde poderosas circunstâncias me teem
afastado, [...] eu não interromperia por certo o fio das minhas occupações estheticas e das
minhas pesquisas scientificas, a obra a um tempo
civilizadora e deleitável que empreendi, não acudiria à voz que me convoca à
arena dos combates políticos, se em mim o sentimento patriótico não
sobrelevasse as considerações pessoais. [...] A legislação porem
desse paiz em que eu tinha fixada a minha mente como
um astro de alento era um obstáculo invencível para que a mim, simples operário
do verdadeiro e do bello fosse permitido collaborar diretamente com o estadista e o soldado no
aperfeiçoamento e exortação da Pátria.[21]
27. Alguns
meses após haver escrito aos conservadores, ele se comunicou novamente com seus
familiares afirmando que também aceitaria a oferta dos liberais para
representá-los, se isso acontecesse “ou apresente-me como candidato pelo
círculo que melhor convier.”[22] Suas ações nesse sentido
demonstram, assim, enorme “pragmatismo” e pouco apego a qualquer ideologia
política.
28. Criado
em 1870, o Partido Republicano, no qual ele tinha numerosos amigos e pelo qual
seria eleito deputado durante a I República, já existia naquela época. Não se
conhece, porém, qualquer manifestação pública de Pedro Américo em relação aos
republicanos, durante o segundo reinado. Essa dubiedade comportamental resultou
em vários desentendimentos com os seus amigos. Em resposta a uma carta de
Daniel Ferro Pedro Cardoso, republicano convicto, Américo se defende das
acusações em que este lhe reprova o servilismo em relação à família imperial. O
pintor refuta as acusações e diz que no palácio real lhe acusam exatamente do
contrário: ser republicano e ingrato em relação aos favores recebidos do
imperador:
29.
Você me acusava de bajulação para com a
família imperial, de parecer muito diverso do seu e dos nossos amigos de idéias adiantadíssimas [...], pintaram-me no paço com as
cores do peor republicano e ingrato. Ingrato era eu,
pois para muitos dos meus melhores conhecidos porque não amaldiçoava a monarchia, ingrato me chamavam os monarchistas
porque não rompia com meus antigos afectos.[23]
30. De
fato, Américo era uma pessoa pública que ora se declara disponível aos
conservadores, ora aos liberais, aceitava apoio dos monarquistas e republicanos
e não tomava partido público por nenhuma das facções. Não havia, assim,
qualquer coerência ideológica em seu comportamento político.
31. De
Florença, Pedro Américo redigiu um manifesto datado de 15 de fevereiro de 1890
no qual, entre críticas ao antigo regime e exaltação ao novo, propunha
representar na nova assembleia constituinte os artesãos e operários em geral:
32.
Não conheço entre os antigos directores da política da nossa pátria nenhum homem que comprehenda a importância do artista brasileiro.
Acostumados às luctas exclusivamente partidárias, e
aos sophismas da demagogia imperial progenitora da
descrença e do desanimo nacionaes, quase todos se
distinguiram pelo desdém voltado aos representantes da actividade
artística, e premiaram com o mais absoluto desprezo a maior parte daquelles de quem, muitas vezes, dependeram os seus triumphos. [...] A proclamação do regimem
democrático no Brasil deve banir do nosso solo até os últimos vestígios desse
espírito dissolutor e immoral,
a que deve o brasileiro o desânimo que o imobilizava, e esse Estado o seu atrazo, a sua pobreza e a sua absoluta decadência [...] Acostumado
às luctas do pensamento, aos combates e a
adversidade, à independência das palavras e das ações, forte pela segurança de
poder viver honestamente em qualquer parte do mundo sem jamais ser pesado aos
cofres do meu paiz, nem carecer embair a opinião
pública para obter a glória que só esperei do meu trabalho, eu tenho pois razão
para esperar de Voz a alta distinção de vos representar no seio da próxima Assembléia Constituinte. [...][24]
33. Suas
palavras, apesar de escritas em um momento de luta pela sobrevivência, não
passam uma imagem de lealdade. Ele não apenas se posiciona de maneira positiva
em relação ao novo regime como também nega seus vínculos anteriores com o
império e o tenta denegrir, maximizando uma independência pessoal que realmente
nunca existiu, uma vez que, desde a sua infância, dependeu das benesses do
regime imperial. Após essas medidas de emergência, Américo parte para o Brasil.
34. Neste
mesmo ano ele é eleito deputado constituinte pela sua província natal, a Parahyba do Norte, pelo Partido Republicano, tendo o futuro
presidente da república Epitácio Pessoa como colega de bancada. Faz as malas,
deixa Florença com a família e se instala no Rio de Janeiro na Rua do Lavradio
n. 69[25]
para exercer suas novas funções. Durante seu mandato apresenta alguns
projetos ligados às artes e à cultura. Entre eles, a proposta da fundação de
uma Galeria Nacional de Belas Artes (independente, artística e financeiramente,
da proposta da Escola Nacional de Belas Artes), a proposta de criação de um
teatro nacional, um projeto sobre a criação de universidades no Brasil e o tal
projeto de lei sobre os direitos autorais.
35. Mas,
na verdade, Pedro Américo foi muito mais espectador que ator no cenário
político brasileiro da Primeira República. O país não o atraíra nem durante a
monarquia nem durante o novo regime, pois a cada recesso da Assembleia e,
algumas vezes, em plena atividade desta, ele fugia do Brasil e retornava a
Florença. Após o casamento de sua única filha, Carlota, com seu futuro biógrafo
Cardoso de Oliveira, Pedro Américo deixou o país, retornando somente em 1892
para ocupar temporariamente seu posto. Em 1893, findo seu mandato de deputado,
nada o motivou mais a permanecer no Brasil. Não queria viver em um lugar que
ele não amava e que não lhe proporcionava maiores possibilidades, no sentido de
um mercado farto para o seu trabalho. Voltou para a Itália definitivamente.
O
deputado Pedro Américo e o Projeto de Lei sobre Direitos Autorais
36. Numa
edição de setembro de 1892, lê-se no jornal “Le Droit
d'Auteur”, órgão oficial da então Union
Internationale pour la Protection des Oeuvres Littéraires et Artistiques, que, em 31 de janeiro de 1891, na cidade o Rio
de Janeiro, os governos de Brasil e França assinaram uma Convenção Literária
que rendeu vívidos debates:[26]
37.
[...] Le 31 janvier 1891 un
projet de convention, littéraire, artistique et scientifique, était signé, à
Rio de Janeiro entre M. Bocayuva , alors ministre des affaires étrangères du gouvernement
provisoire de la République du Brésil, et M. Blondel, notre chargé d'affaires
en ce pays. Dès l'abord le projet qui protégeait les droits de nos nationaux
fut accueilli de façon favorable par la presse brésilienne, et par la jeune
école littéraire du pays, qui comprenaient, quels immenses services notre
littérature avait rendus et devait rendre encore au Brésil, et appréciaient le
dommage subi par nos auteurs, dramatiques, et par nos romanciers qui ne
retiraient aucun profit de la vulgarisation considérable de leurs oeuvres soit dans les théâtres, soit dans lés journaux du pays. D'un autre côté, le projet de
convention rencontra une assez vive opposition dans le vieux parti brésilien,
opposition qui, sans aucun doute, ne saura avoir une influence sérieuse dans la
discussion générale qui doit avoir lieu le mois prochain devant le Congrès,
des, députés tenu à Rio de Janeiro. Un dès, esprits
les plus éclairés du Brésil, M. Alberto de Carvalho se fit le porte-parole du
parti opposé à la convention littéraire et, dans le courant de l'année
dernière, il faisait paraître un libellé intitulé Imperio et Republica dictatorial dans lequel il entassait force arguments,
cherchant à démontrer aux membres du prochain Congrès que la ratification du
traité de protection, passé entre MM. Bocayuva et
Blondel serait: non seulement une erreur, mais encore une faute grave.[27]
38. Segundo
o jornal, todavia, aquela convenção franco-brasileira era um instrumento
importantíssimo para “consacrer l'émancipation
dû prolétariat intellectuel du Brésil, aujourd'hui sacrifié à une féodalité de, spéculateurs, de copistes, et de plagiaires - en même temps que le développement de la littérature nationale.”[28] O acordo, porém, não chegou a
entrar em vigor em virtude de, por pequena margem de votos, ter sido rejeitado
pelo Congresso Nacional brasileiro, em votação ocorrida em 6 de julho de 1893,
após longos e acirrados debates. A imprensa especializada assim noticiou o
fato:
39.
Rejet du traité
littéraire avec la France - Dans la séance du 6 juillet 1893, la Chambre des
députés du Brésil refusa d'approuver le traité littéraire conclu le 31 janvier
1891 entre les Gouvernements français et brésilien représentés par MM. Blondel
et Araripe. Cette décision regrettable, précédée
d'une discussion longue et animée qui occupa plusieurs séances, fut prise par
67 voix contre 59, soit à la majorité de 8 voix ; mais comme deux députés
absents au moment du vote se sont déclarés favorables au traité, la majorité
des rejetants se trouva, de fait, réduite à 6 voix.
Nous regrettons beaucoup de ne pouvoir analyser ici, faute d'espace, les
brillants discours des défenseurs du traité, MM. Nilo Peçanha et José Avelino, ni celui, très habile, de son adversaire
principal, M. Augusto Montenegro, ni les deux rapports
de la minorité et de la majorité de la commission des affaires diplomatiques et
des traités, présentés par les mêmes personnages. La question avait,
d'ailleurs, été déplacée adroitement par les ennemis du traité et transformée
en un débat général sur les concessions réciproques à stipuler entre les deux
nations, et, sur ce terrain, ils faisaient valoir des griefs qui compliquaient
beaucoup la tâche des partisans de la protection internationale des droits d'auteur:
40.
1° Ce sont
uniquement les auteurs français qui tireront profit du traité;
41.
2° La France a
établi, au préjudice du Brésil, des tarifs douaniers très rigoureux pour le
café exporté de ce pays ;
42.
3° La France
maintient la circulaire prohibitive de l'émigration au Brésil, qui constitue
une véritable mesure d'exception et consacre un régime odieux.[29]
43. Seis
dias depois da rejeição daquele tratado, em 12 de julho do mesmo ano de 1893,
Pedro Américo, na condição de deputado do Partido Republicano pela sua
província natal, tomou a palavra na tribuna, solicitando que se retomasse a
discussão sobre o direito de propriedade literária e artística, uma vez que, a
seu ver, a questão teria sido “mal discutida e incompleta”.[30]
Referindo-se não somente à recusa da Convenção Literária Brasil-França, mas
também aos projetos de lei elaborados pelo romancista e deputado José de
Alencar e pelo senador Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, propôs um novo
projeto com a finalidade de regular os direitos de propriedade no mercado das
artes.
44. A
propósito desse novo projeto, o referido jornal “Le Droit
d'Auteur” assim se manifestou:
45.
Six jours après le
rejet du traité, le 12 juillet 1893, M. Pedro Americo
de Figueiredo et seize autres députés déposèrent un projet de loi très libéral
réglementant les droits d'auteur et assimilant les étrangers aux nationaux en
tout, sauf en ce qui concerne la durée de la protection, limitée à celle du
pays d'origine de l'oeuvre. M. [Augusto] Monténégro
déposa à son tour un contre-projet, très restrictif, destiné seulement à
satisfaire les nécessités du moment et tiré en grande partie, mais avec des
modifications substantielles, de la législation allemande. Le premier projet,
dû à M. Americo, auteur de livres, de tableaux, de
quelques ouvrages scientifiques, habitué à traiter avec les éditeurs et les
marchands d'objets d'art, membre du Congrès de la propriété littéraire et
artistique de Paris en 1889, est - dit l'auteur lui-même - un travail en grande
partie original, inspiré par ma propre expérience et approprié à notre pays. Ce travail
mérite d'être consulté.[31]
46. É bom
recordar que, dois anos antes, em 1891, com a promulgação da primeira
Constituição Republicana (de que Pedro Américo fora um dos constituintes), os
autores tiveram garantidos alguns direitos sobre suas criações, conforme o art.
72, § 26, do texto daquela Carta Magna: “Aos
autores de obras litterarias e artisticas
é garantido o direito exclusivo de reproduzil-as pela
imprensa ou por qualquer outro processo mecanico. Os
herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei determinar.”
47. O
projeto de Pedro Américo, que procurava conferir maior concretude ao mencionado
dispositivo constitucional, contava com enxutos onze artigos e fora subscrito
inicialmente por dezesseis outros deputados: A. Fialho, Luiz Murat, Conto
Cartaxo, A. Cavalcanti, Martinho Rodrigues, J. de Serpa, J. Retumba, Nelson de
Vasconcellos, B. Carneiro, Oliveira Pinto, Antonio Olyntho, Mursa, Seabra, Manuel Coelho Bastos do Nascimento,
Homero Baptista e M. Caetano. No discurso que fez ao encaminhá-lo à Mesa da
Câmara dos Deputados, na sessão de 12 de julho de 1893, à guisa de exposição de
motivos, Pedro Américo, com o intuito de legitimar seu projeto, afirma que este
não seria apenas “uma compilação” dos projetos que já haviam sido feitos, mas
sim “um trabalho em grande parte original”, porque “inspirado em sua própria
experiência na matéria.”[32] Imodesto, Pedro Américo ocupa a tribuna
para salientar:
48.
Autor de livro e de quadro, cultor da sciencia em que tambem tenho
produzido alguns opusculos, acostumado a tratar
praticamente do assumpto com editores e negociantes de objectos
de arte, não podia deixar de trazer a esta casa o fructo
da minha experiencia e das minhas impressões pessoaes,
para o submetter à sabia consideração dos meus collegas, entre os quaes existem
tão illustres jurisconsultos, como brilhantes litteratos.[33]
49. Chama
atenção desde logo o fato de o projeto não estabelecer, como o fizeram alguns
de seus antecessores, qualquer tipo de distinção em termos de nacionalidade do
autor, ou seja, fosse este último brasileiro ou estrangeiro, gozariam todos de
idêntica proteção autoral, como se percebe nos arts. 1º
e 2º do projeto de Pedro Américo:
50.
Dos direitos autoraes
51.
Art.1° É garantido o direito autoral a
todo o cidadão, nacional ou estrangeiro, que produzir obra litteraria,
artística ou scientifica de sua própria concepção, ou
composição.
52.
§ 1° Este direto consiste em que somente elle pode assignar o seu nome na dita obra, alteral-a, modifical-a, occultal-a caprichosamente, mutilal-a,
ou mesmo destruil-a.
53.
§ 2° tal direito só é transmissível por
expressa vontade próprio autor.
54.
Dos direitos de propriedade do autor sobre
suas obras
55.
Art. 2º. É igualmente garantido o direito
de propriedade a todo cidadão, nacional ou estrangeiro, que produzir obra litteraria, artistica ou scientifica de sua própria concepção ou composição.
56.
§ 1°. Consiste este direito em que sómente o autor de uma obra litteraria,
artistica ou scientifica de
sua própria concepção ou composição póde alienal-a no todo ou em parte, expol-a,
reproduzil-a ou autorisar a
sua reproducção e tirar della
o genero de proveito que bem lhe parecer.
57.
§ 2°. É um direito transmissivel
como de qualquer outra propriedade.[34]
58. À luz
dos dispositivos citados acima, constata-se ainda que, inovando em relação a
projetos anteriores, Pedro Américo antecipa uma dualidade importantíssima em
matéria de direitos de autor, a saber, a referência, avant la
lettre, a direitos morais (que ele chama de “o
direito autoral” no seu art. 1º.) e a direitos patrimoniais sobre a obra criada
(que ele denomina de “direitos de propriedade do autor sobre suas obras” no seu
art. 2º.). Muitas décadas depois, a atual Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de
1998, que altera, atualiza e consolida a legislação brasileira descobre
direitos autorais, continuaria a adotar essa divisão em seu art. 22, in verbis: “Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e
patrimoniais sobre a obra que criou.” A dualidade estabelecida por Pedro
Américo nos arts. 1º. e 2º. do seu projeto resta
confirmada e repetida no art. 4º.:
59.
Art. 4º. A alheiação
dos direitos de propriedade litteraria, artística ou scientifica não accarreta, salvo
convenção ou consentimento expresso em contracto
especial, a alheiação dos direitos autoraes, nem a autorisação ao
cessionário de reproduzir de qualquer modo inclusive a traducção,
a obra alienada.[35]
60. Em
outras palavras, ao alienar os direitos patrimoniais de sua obra, o autor não
deixa de manter uma série de outros direitos (morais), de forma que, por
consequência, mantêm certo poder sobre sua produção artística, podendo
interferir, como acima citado, no processo de reprodução ou tradução da obra
alienada. Com fundamento nessa mesma dicotomia, a transmissão a terceiros dos
chamados “direitos autoraes” (como p. ex. a alteração
ou a destruição da obra) dependia de expressa vontade do autor (cf. art. 1º.,
§2º., do projeto de lei), o que não ocorre mais hoje em dia (art. 24, §1º., da
Lei Lei nº 9.610/1998). Os direitos patrimoniais,
porém, eram transmissíveis (e assim continuam) como quaisquer outros direitos
de propriedade (cf. art. 2º., §2º., do projeto de lei).
61. Comparando-se
o projeto de lei de Pedro Américo com o de José de Alencar, de 1875, há
discordância quanto à duração da cessão dos direitos autorais a terceiros, que
para o romancista não tem qualquer limitação enquanto que, para o pintor Pedro
Américo, deve, conforme o seu art. 3°, subsistir enquanto viver o autor, ou
cessionário e prolongar-se por “50 annos depois de
morte em beneficio dos seus herdeiros, ou do estado
perpetuamente, quando estes faltarem.”[36] A atual Lei 9.610/98 fixa, em seu art.
41, que “os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados
de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu
falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.” No parágrafo único do
mesmo artigo, ainda adiciona: “Aplica-se às obras póstumas o prazo de proteção
a que alude o caput deste artigo.”
62. Pedro
Américo, tratando da questão dos tradutores, estabelece uma diferença
terminológica importante entre esses dois atores sociais: o autor e o tradutor.
O deputado paraibano não atribui o estatuto de autor ao tradutor, mas, assim
como já o fizera José Alencar em seu projeto de 1875, prevê que o trabalho de
tradução deve, também, ser protegido de apropriações indevidas, conforme §4°,
do art 4º. do Projeto de Lei de Pedro Américo:
63.
§4° O traductor
ou reproductor mecânico de obra litterarias,
artística ou scientifica do domínio publico gosará dos direitos de
propriedade sobre a sua tradução ou reprodução, não podendo
porém impedir que outros publiquem, ou exponham á
venda outras traducções ou reproduções do mesmo objecto.[37]
64. Note-se
que, muito embora tradutor e autor estejam protegidos pelo projeto de lei,
diferem em seu estatuto, de forma que ao primeiro cabe o direito de alterar,
mutilar ou ocultar sua produção artística ou literária, enquanto que ao segundo
cabe tão somente o direito sobre sua cópia ou tradução, não cabendo a este
último fazer por si qualquer restrição quanto à circulação social de outras
cópias ou traduções da mesma obra, a menos que tenha negociado nesse sentido
com o detentor dos direitos patrimoniais de autor. Isso, na prática, representaria,
em termos de mercado livreiro a abertura ao livre comércio, uma vez que a mesma
obra poderia sofrer inúmeras traduções, desde que respeitados os direitos do
autor. Com efeito, o §2° do art. 5º do projeto de lei de Pedro Américo prevê
que os direitos da propriedade litteraria abrangem o
direito exclusivo de fazer ou autorizar a tradução da obra.
65. Considerando-se
aquela promessa primeira do discurso de Pedro Américo, qual seja, a de se valer
de sua experiência pessoal na elaboração do referido projeto, pode-se dizer que
a inclusão de um artigo dedicado exclusivamente aos direitos da propriedade nas
artes figurativas e plásticas, seja seu maior diferencial. Assim, o art. 7° de
seu projeto de lei estabelece que “a cessão de um objecto
de arte não confere ao adquirente, salvo ajuste em contrario,
o direito de reproducção, qualquer que seja o gênero
desta.”[38] De modo a preservar o interesse público,
no parágrafo §2° do mesmo artigo prevê-se, contudo, que “si, porém, o adquirente
for o Estado, o município, ou algum estabelecimento publico,
e a reproducção for julgada de evidente interesse
nacional, cessa o direito que tinha o autor de a impedir em absoluto,
restando-lhe apenas o de escolher os reproductores, e
de exigir uma indemnisação pecuniária adequada.”
66. As
disposições do art. 7° e de seus sucessivos parágrafos do projeto de Pedro
Américo não se estendiam, porém, às “obras de architetura
que não tiverem um caracter evidentemente artístico,
aos planos e estampas explicativas, mappas geographicos, topographicos e
outros congêneres, sem mérito especial, moveis para uso de escolas e mais
estabelecimentos públicos, e em geral ás obras anonymas
feitas para auxiliar o ensino, o trabalho, ou para satisfazer as necessidades intellectuaes sem transcendência.” Em suma, Pedro Américo,
nesse último parágrafo firma, de certa forma, dois campos opostos no que tange
à produção figurativa: um que pertenceria ao domínio da arte, sendo constituído
por obras cujo atributo principal seria a “transcendência” e outro, pertencente
a um domínio associado a finalidades “práticas”, vocacionados à
reprodutibilidade técnica, como o uso escolar ou de trabalho, supostamente
destituídos de finalidades ou qualidades propriamente artísticas.
67. O
projeto não termina sem, antes, mencionar, nos arts.
8º. a 11, a questão do plágio e os mecanismos de proteção contra a violação de
quaisquer dos direitos autorais, punida com multa e indenização ao autor.
Particularmente interessante é o caráter protetivo do art. 10º. que pune a
depreciação proposital (mediante crítica, certamente!) de obra artística ou
literária com o fim claro ou oculto de prejudicar o autor.
68. O
projeto de Pedro Américo - e de tantos outros projetos sobre direitos autorais
que o antecederam - não chegou a prosperar. Segundo anota Carlos Alberto
Bittar, essa fora a razão do insucesso:
69.
Óbice de caráter doutrinário sempre se
antepunha às diversas tentativas feitas para dotar-se o Brasil de lei especial
sobre direito autoral: o de que, como propriedade, não poderia merecer
atribuição monopolística sobre ideias, eis que pertencentes estas ao acervo
comum da humanidade. Por essa razão é que, basicamente, não prosperaram os
inúmeros projetos de lei apresentados no Brasil para a regência da matéria
desde 1856 [...][39]
70. Apenas
em 1º. de agosto de1898, cinco anos depois da propositura de Pedro Américo, o
Brasil teria a sua primeira lei de direitos autorais: a Lei nº 496, de autoria
do deputado Medeiros de Albuquerque.[40] Todavia, esta norma seria revogada em
1916, pelo então novo Código Civil, que destinou capítulo específico sobre o
tema – “Da propriedade literária, científica e artística” –, para abordar as
questões relacionadas aos direitos autorais.
Breve
Nota Conclusiva: Falar dos avanços
71. O fim
do sistema monárquico no Brasil representou também o desaparecimento do
mecenato imperial, que garantia a dinâmica de parcela do mundo das letras e
artes no Brasil. É nesse contexto, de “resfriamento” do mercado nacional de
artes, que Pedro Américo ingressa na Câmara dos Deputados, logo após a
Proclamação da República. Ainda que sua participação no Legislativo não fosse
significativa, em virtude das constantes viagens à Europa, o pintor paraibano
se inseriu num importante debate sobre a propriedade artística e literária, que
preocupava artistas dos dois lados do Atlântico, como o demonstram os esforços
da França no sentido de garantir a assinatura de uma convenção entre os dois
países. Fossem brasileiros, portugueses ou franceses, o problema da garantia de
direitos sobre a produção artística em território brasileiro preocupava a todos
porque vinha se estendendo há muito, sem resultar em conquistas significativas.
Não sem razão, é justamente seis dias após a rejeição da Convenção Literária
entre Brasil e França que Pedro Américo apresenta seu projeto de lei ao
legislativo, em que se faz digna de nota a
preocupação em garantir direitos idênticos a quaisquer artistas, a despeito de
sua pátria de origem e residência. Não fosse esse avanço significativo se
comparado aos projetos anteriores, o de Pedro Américo estabelecia, como
assinalado anteriormente, a distinção entre os direitos morais e patrimoniais
sobre a produção artística, de forma a garantir a interferência sobre o
processo de reprodução ou tradução da obra alienada. Para além disso, a
transmissibilidade a terceiros, tema de todo e qualquer projeto elaborado
àquele século, passava a depender da expressa vontade do autor (cf. art. 1º.,
§2º., do projeto de lei), o que não mais ocorre nos dias
atuais (art. 24, §1º., da Lei Lei nº
9.610/1998). Assim sendo, pode-se afirmar que o
projeto de lei de Pedro Américo constitui peça importante para a história dos
direitos autorais no Brasil, pois ainda que, como os que o antecederam, não
tenha assumido forma de lei, trouxe para o cenário nacional elementos
importantes para o avanço da discussão sobre o tema.
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UNION
INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET ARTISTIQUES. Le
Droit d'Auteur: Organe Officiel du Bureau de l'Union
Internationale pour la Protection des Oeuvres
Littéraires et Artistiques. a. 7, n. 8, p. 109-120, 15 de agosto de 1894.
UNION
INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET ARTISTIQUES. Le
Droit d'Auteur: Organe Officiel du Bureau de l'Union
Internationale pour la Protection des Oeuvres
Littéraires et Artistiques. a. 6, n. 3, p. 25-36, 15 de março
de 1893.
UNION
INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET ARTISTIQUES. Le
Droit d'Auteur: Organe Officiel du Bureau de l'Union
Internationale pour la Protection des Oeuvres
Littéraires et Artistiques. a. 5, n. 9, p. 105-118, 15 de setembro de 1892.
ZACCARA, Madalena. Pedro
Américo de Figueiredo e Mello, um Artista Brasileiro do Século XIX. Recife:
Editora da Universidade Federal de Pernambuco, 2011.
______________________________
[1] Professora Associada II
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde ensina no Programa
Interinstitucional de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPE-UFPB. Graduada em
Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco (1976) e em
Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP, 1975), mestrado (DEA)
em História e Civilizações na Université Toulouse II
(1992), França, e doutorado em História da Arte, também na Université
Toulouse II (1995), como bolsista da CAPES. Pós-doutorado pela Escola de Belas
Artes da Universidade de Porto, Portugal (2014). Membro da Associação Nacional
dos Pesquisadores de Artes Plásticas (ANPAP), da Federação dos Arte-Educadores
Brasileiros (FAEB) e do Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade
I2ADS (Porto, Portugal). Lidera o grupo de pesquisa "Arte, Cultura e
Memória " que se volta para a pesquisa da História e Teoria das Artes
Visuais no Brasil. Autora de vários artigos e livros.
[2] Professora Adjunta de
Literatura Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Pará (UFPA). Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual
de Campinas (1990), mestrado em Teoria Literária pela Universidade Estadual de
Campinas (1998) e doutorado em Teoria e História Literária pela Universidade
Estadual de Campinas (2006). Pós-Doutorado na Universite
de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines, França
(2013-2014).
[3] Professor Adjunto da
UFPB, docente dos Programas de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal
da Paraíba (UFPB) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Procurador do
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. Pós-Doutor
(European University Institute, Florença, 2008, Calouste Gulbenkian Post-Doctoral Fellow), Doutor (Universidade de Coimbra, 2006) e
Mestre (UFPB, 1999) em Direito. Membro da International
Association of Constitutional Law, da International
Society of Public Law, do
Instituto Hispano-Luso-Americano de Derecho
Internacional (IHLADI) e Presidente do Ramo Brasileiro da International
Law Association. Foi aluno (Gasthörer)
da Universidade Livre de Berlim (Alemanha), estagiário-visitante do Tribunal de
Justiça das Comunidades Européias (Luxemburgo),
consultor jurídico (Legal Advisor) da Missão da ONU
em Timor-Leste (UNOTIL) e do Banco Mundial (PFMCBP/Timor). Membro da lista de
peritos do UNDP Democratic Governance
Roster of Experts in Anti-Corruption (PNUD/ONU). Líder do LABIRINT - Laboratório
Internacional de Investigações em Transjuridicidade
(UFPB).
[4] BITTAR, 1989, p. 137.
Tradicionalmente, direito de autor e privilégio são instituições distintas do
ponto de vista jurídico. Ao longo da história, o privilégio foi uma espécie de
licença para imprimir que, na maior parte dos casos, não pertencia sequer aos
autores, que apenas vendiam seus originais a um livreiro editor em troca de
alguns exemplares ricamente ornados. A Lei de 11 de agosto de 1827, porém,
confere explicitamente aos autores (professores do recém-criado curso de
direito) o tal privilégio
[5] O texto da lei pode ser
consultado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-11-08-1827.htm
[6]
O texto do
Código pode ser consultado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm
[7] BITTAR, 1989, p. 139.
[8] FERREIRA, s/d, p. 3.
[9] BITTAR, 1989, p. 139.
[10] Essas expedições
necessitavam de desenhistas e pintores hábeis em retratar a flora, a fauna e a
geografia encontradas.
[11]
A tese de doutorado
foi publicada sob o título de "La Science et les Systèmes – Questions
d’Histoire et de Philosophie Naturelle" (1869).
[12]
ZACCARA, 2011, passim.
[13]
CARVALHO, 1990. p. 9.
[14] Joaquim José da Silva
Xavier, Tiradentes, (Pombal-1746 - Rio de Janeiro 1792). O movimento denominado
“Inconfidência Mineira” aconteceu em 1789, na região de Minas Gerais, principal
produtora de ouro no Brasil da época. Os revolucionários queriam isenção dos
impostos, duros, pagos à coroa. Queriam também o desenvolvimento das
manufaturas e um estímulo para a produção agrícola. Isto significava o fim do
monopólio comercial de Portugal e, tecnicamente, a independência brasileira.
Tiradentes, condenado à morte, foi transformado no primeiro e maior símbolo dos
ideais republicanos.
[15] CARVALHO, 1990, p. 141.
[16] Museu D. João VI.
Escola Nacional de Belas Artes. Dossiê Pedro Américo. Doc. N. 139.
[17] Cf. CARDOSO DE
OLIVEIRA, 1943, p. 180-181.
[18] Conhecida como Lei
Saraiva, a reforma eleitoral proposta por Rui Barbosa e promulgada em janeiro
de 1881, constituiu uma das medidas mais importantes do Império naquela década.
Numa tentativa de atender aos anseios de mudança, a reforma estabeleceu o voto
direto para as eleições legislativas, acabando com a eleição em dois graus
(havia um colégio eleitoral) e a distinção restritiva entre
"votantes" e "eleitores" existente até então. No primeiro
grau, os "votantes", cidadãos com renda mínima estipulada por lei e
indicados a cada eleição por uma junta de qualificação, votavam naqueles que
iriam, no segundo grau, participar como "eleitores" do pleito para a
escolha dos membros das assembleias legislativas. Com a reforma, ficou
estabelecido que o próprio indivíduo deveria requerer seu alistamento
eleitoral, provando o seu direito por meios de documentos exigidos na lei.
Criava-se o título de eleitor e eliminava-se o sistema de lista e nomeação dos
"votantes" pela junta de qualificação, diminuindo a margem de erros e
fraudes. Mantinha-se a exigência de uma renda mínima, mas o direito ao voto era
estendido aos não católicos, aos brasileiros naturalizados e aos libertos.
Articulada como instrumento de moralização do processo eleitoral, a Lei Saraiva
parece ter alcançado seus objetivos naquele momento, já que o Partido
Conservador, apesar de minoritário, elegeu uma expressiva bancada de 47
deputados. Com o passar do tempo, porém, os antigos vícios das fraudes e
pressões sobre os eleitores voltaram, enterrando as esperanças de se consolidar
a lisura eleitoral.
[19] Arquivos privados do
Monsenhor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Diário do Artista. Abril de 1881.
Anotação sobre sua pretensão de ser candidato e seu pedido de ajuda à família.
Datada de 19 de abril de1881.
[20] Arquivos privados do
Monsenhor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Diário do Artista. Junho de 1881. Cópia
de carta enviada por Pedro Américo aos chefes do Partido Conservador. Escrita
em Florença e datada de 20 de junho de 1881.
[21] Arquivos privados do
Monsenhor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Carta aos eleitores da cidade de Areia,
escrita em Roma e datada de 16 de julho de 1881.
[22] Arquivos privados do Monsenhor
Rui Vieira. Areia. Paraíba. Diário do artista. Setembro de 1881. Anotação feita
em 6 de setembro de 1881. Nela, Américo afirma ter recomendado aos seus
familiares a aceitar a oferta do partido liberal para apresentá-lo como
candidato.
[23] Arquivos privados do
Monsenhor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Diário do artista. Novembro de 1883.
Resposta a Daniel Pedro Ferro Cardoso, seu amigo de infância e companheiro de
estudos em Paris e na Bélgica. Datada de 2 de novembro de 1883.
[24] Manifesto de Pedro
Américo aos Artistas Brasileiros – editado e distribuido
como panfleto, deconhece-se sua reprodução em jornais
de época. O diario do artista o transcrevia e ele
pode ser (ou podia) encontrado no Museu Regional de Areia (a Casa de Pedro
Américo) na íntegra. Note-se que, desde os finais do século XVIII, a tarefa
legislativa era vista, essencialmente, como inferir racionalmente os grandes
princípios universais que deveriam governar a vida em sociedade, de maneira que
apenas espíritos muito elevados estariam aptos para se “comunicar com as
estrelas”, segundo a bela metáfora de Rogério Soares (SOARES, s/d, p. 436).
Dessa visão de mundo resulta o sublime respeito que se emprestava ao
legislador, um homem ilustrado o bastante para, com especial devoção à verdade
e rara capacidade de pensar esclarecida e desinteressadamente, alcançar o que
era a justiça e o Direito (SOARES, s/d, p. 436-437). Apenas os melhores e mais
independentes poderiam ser os legisladores – e isso explica, por exemplo, a
presença de intelectuais como Honoré de Balzac, Epitácio Pessoa ou José de
Alencar no parlamento! Desse modo estava “justificado” o voto censitário e, de
maneira tautológica, a supremacia da lei enquanto fonte do Direito, afinal, a
lei procedia de um órgão que ostentava uma posição de superioridade moral e
intelectual em relação aos demais órgãos do Estado e à própria sociedade.
Note-se que a supremacia da lei (o legicentrismo),
tal como concebida pelos revolucionários franceses de 1789, não admitia
qualquer exceção, nem sequer perante a Constituição, entendida como um
documento político carecedor de normatividade (FRANCA FILHO, 2008, p.114).
[25] Arquivos privados de
Monsenhor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Lista dos deputados e seus endereços.
[26]
UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES
LITTERAIRES ET ARTISTIQUES, 1892, p. 111.
[27] Na verdade, a convenção
fora assinada por Tristão de Alencar Araripe, cf. a notícia posteriormente
publicada em UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET
ARTISTIQUES, 1893, p. 30.
[28] UNION
INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET ARTISTIQUES, 1892,
p. 112.
[29] UNION
INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET ARTISTIQUES, 1894,
p. 113. Notícias
semelhantes são encontradas na Le Temps e no Le Figaro, de Paris. No ano
anterior, uma pequena nota no jornal francês Le Temps, na sua edição de 20 de
setembro de 1892, já antecipava essa derrota com expressa referência a Pedro
Américo: “Nous recevons une
dépêche de Rio-Janeiro disant que, pour des motifs supérieurs,
le Corps législatif du Brésil ne ratifiera
pas, dans la session de cette
année, la convention littéraire avec la France. M. Nilo Peçanha, rapporteur de la commission de traités et de diplomatie de
la Chambre des députés, aurait même suspendu l'élaboration de son rapport à ce
sujet. Il est à rapprocher de cette nouvelle que le Congrès brésilien a été
saisi d'un projet de fondationd'un théâtre national,
signé de M. Pedro Américo et de vingt autres députés”
(Le Temps, a. 42, n. 114, 20 de setembro de 1892, p.
4).
[30] ANNAES,
1893, p. 224.
[31] UNION
INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET ARTISTIQUES, 1894,
p. 113.
[32]
ANNAES, 1893, p. 224.
[33] ANNAES, 1893, p. 224.
Poucos dias depois, na sessão de 18 de julho de 1893, o Deputado Pedro Américo
pede novamente a palavra para apelar à Presidência da Câmara dos Deputados que
coloque o seu projeto em votação (ANNAES, 1893, p. 300).
[34] ANNAES, 1893, p. 224.
[35] ANNAES, 1893, p. 225.
[36] ANNAES, 1893, p. 28.
[37] ANNAES, 1893, p. 225. A
atual Lei nº 9.610/1998 protege explicitamente a tradução: “Art. 7º São obras
intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou
fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se
invente no futuro, tais como: XI - as adaptações, traduções e outras
transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova.”
[38] ANNAES, 1893, p. 226.
Atualmente, a lei brasileira de direitos autorais regula de modo semelhante a
questão: “Art. 37. A aquisição do original de uma obra, ou de exemplar, não
confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo
convenção em contrário entre as partes e os casos previstos nesta Lei.”
[39] BITTAR, 1989, p. 139.
[40] BITTAR, 1989, p. 139.
FERREIRA, s/d, p. 3.