Cinema em revista: A crítica
cinematográfica em Klaxon,
mensário
de arte moderna
Donny
Correia* e Edson Leite**
CORREIA,
Donny; LEITE, Edson. Cinema em revista: A crítica
cinematográfica em Klaxon, mensário de arte moderna. 19&20, Rio de Janeiro, v.
XII, n. 1, jan./jun. 2017. https://doi.org/10.52913/19e20.xii1.04
*
* *
Introdução
1. Na
virada do século XIX para o século XX, a cidade de São Paulo, até então considerada
um vilarejo de passagem a tropeiros, procurada apenas por sua Faculdade de
Direito, dentro de um Estado que possuía outros polos de maior importância no
interior, dado o cultivo da cana-de-açúcar, experimentou um processo drástico e
rápido de modernização, observável no traçado arquitetônico, nos hábitos da
burguesia cafeeira, no aumento demográfico e no surgimento de movimentos
culturais notadamente de orientação moderna, erroneamente chamados de
“futuristas.”
2. O
modelo dessa modernização seguia a matriz europeia, especialmente Paris em
plena Belle Époque, com sua revitalização da arquitetura, seus salões
anuais de artes e outras invenções tecnológicas do período, a sofisticação da
sociedade burguesa etc.
3.
Os
modos, a moda, a cultura em voga era a que imitava a francesa, considerada a
grande cultura internacional. Desde o fim do século XIX, até o princípio do XX,
antes do advento da ascensão socioeconômica americana, era a França o ideal a
ser seguido. (LEITE, 2011, p. 111)
4. A
partir de então, observa Edson Leite (2011), que, no Brasil, passaram-se a
construir prédios, casas e monumentos de acordo com aquela moda, destacando
teatros municipais, em São Paulo e Rio de Janeiro, e vários palacetes,
sobretudo os da Avenida Paulista.
5. No
caso de São Paulo, a chamada Belle Époque coincide com o processo de
metropolização da cidade:
6.
A
reorganização da malha urbana, com o alargamento das ruas para a instalação da
rede elétrica de bondes, o embelezamento e a iluminação pública, teve como
modelo a capital francesa, para onde convergia a elite brasileira ávida por
conhecer as mais modernas invenções. São Paulo acolhia as tendências francesas
na moda, nas artes e na arquitetura, enquanto o novo traçado urbano convidava
aos passeios. O clima era de festas embaladas pelas últimas novidades trazidas
da Europa. (ROLIM, 2013, p. 6)
7. E
Márcia Camargos completa:
8.
Sob a
administração do conselheiro Antônio Prado (1840-1929), do barão Duprat
(1863-1926), de Washington Luís (1869-1957) e de Firmiano Pinto (1861-1938),
nas suas respectivas gestões, que se sucederam de 1899 a 1925, a São Paulo da Belle
Époque foi alvo de uma série de intervenções que seguiram parâmetros europeus.
Remodelou-se a Praça da República, arborizou-se a Avenida Tiradentes, enquanto
o vale do Tamanduateí ganhava um tratamento paisagístico [...] (CAMARGOS, 2013,
p.21)
9. Com
efeito, o período parece ter afetado muito mais São Paulo do que naturalmente
se pensaria com relação ao Rio de Janeiro. A respeito da modernidade que
parecia ter chegado com força e pouco depois evoluiria para um modernismo na
vida e na arte do nativo, pondera Mário
de Andrade ao comparar as duas cidades:
10.
Ora, São
Paulo estava muito mais “ao par” que o Rio de Janeiro. E, socialmente falando,
o modernismo só podia mesmo ser importado por São Paulo e arrebentar na
província. Havia uma diferença grande, já agora menos sensível, entre o Rio e
São Paulo. O Rio era muito mais internacional, como norma de vida exterior. Está
claro: porto do mar, capital do país, o Rio possui um internacionalismo
ingênito. São Paulo era espiritualmente muito mais moderna
porém, fruto necessário da economia do café e do industrialismo consequente. [...]
São Paulo estava ao mesmo tempo, pela sua atualidade comercial e sua
industrialização, em contato mais espiritual e mais técnico com a atualidade do
mundo. (ANDRADE, 1942, p. 26-27)
11. A
modernidade espiritual, a que se refere Mário de Andrade, trouxe a São Paulo
uma série de diversões ultramodernas, entre elas o cinema. Tão importante
novidade, não seria de se admirar que os modernistas de 1922 levassem o novo
meio de produção de arte e de entretenimento em alta conta no mensário Klaxon,
veículo impresso da divulgação do modernismo paulista.
12. Este
artigo pretende abordar a crítica cinematográfica pioneira da revista editada
por Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti
del Picchia e outros modernos, bem como os comentários em forma de crônicas
que relatavam o novo meio e o espectador muito peculiar que surgia a partir
dele. Buscaremos apontar alguns trechos destes textos, em sua maioria assinados
sob pseudônimos, que ilustram a relação da intelectualidade modernista com um
novo suporte, já visto, então, como algo a se refletir sobre a legitimidade
estética e artística que lhe era inerente.
Coqueluche
da estação
13. Junto
da série de novidades que a burguesia paulista conheceu neste período de
florescimento, sem dúvida o cinema se destaca como entretenimento mais apelativo
ao gosto do público, e já se encontrava espalhado por toda a capital, desde os
primeiros anos do século XX. Márcia Camargos destaca o que ela chama de
“coqueluche da estação” dentre todos os entretenimentos caros à população
paulista no início do século. Mais popular que corsos dos desfiles de carnaval,
mais popular que os bailes,
14.
[...] o cinema - que, no período era ambulante
como o circo - ganhou local fixo para exibir a produção nacional, quando o
espanhol Francisco Serrador teve a ideia de abrir um estabelecimento na atual
Avenida São João. [...] Não é de se estranhar, portanto, que, embora ausente da
Semana de 22, o cinema ganharia coluna própria [...] na revista Klaxon [...].
(CAMARGOS, 2013, p. 121)
15. Publicações
especializadas, que abordavam o advento do cinema não eram exatamente uma
novidade no Brasil. Os almanaques do começo do século, como Eu sei tudo,
já incluíam o cinema no bojo dos interesses gerais dos leitores, com notas
sobre astros e estrelas internacionais, curiosidades técnicas, notícias de
futuras produções e fotografias de atores e atrizes para colecionadores,
publicadas à farta. Em março de 1921 surge o periódico especializado A Scena
muda, com peculiar linha editorial: propunha adaptar o enredo dos filmes em
cartaz, aqueles com melhor recepção por parte do público, para a forma de conto
ou folhetim, ilustrados por fotos de cenas do filme em questão, um curioso caso
de adaptação reversa, com grande aceitação sobretudo do público feminino. Cinearte,
outro periódico importante sobre o assunto, só apareceria pela primeira vez em
março de 1926. Mesmo assim, não encontramos em sua pauta a profundidade na
discussão do suporte cinematográfico como verificaremos em Klaxon,
editada de maio de 1922 a janeiro de 1923.
16. Num
mensário voltado, em primeiro lugar, à discussão literária, até pela vocação de
seus editores e colaboradores, vamos encontrar em Klaxon uma paradoxal maior segurança na crítica cinematográfica, e
na crônica do novo meio, do que se pudesse supor a respeito do conteúdo mais geral.
Pois como leremos, a seguir, o próprio movimento modernista brasileiro é
questionado de forma bastante complexa.
17.
Para o
poeta e ensaísta Augusto de Campos, Klaxon refletia as inconsistências do modernismo de primeira hora [...]. “Espantosamente
frágil, ingênua, amadorística”, a revista, nas palavras críticas de Augusto,
fora um primeiro toque de recolher [...] “após a bravura da Semana”. “Mas era
também um salve-se quem puder modernoso, onde a maior parte naufraga em ondas
subfuturistas ou pós-impressionistas - ressaca internacional de arte moderna”.
(GONÇALVES, 2013, p. 29)
18. Descontando-se
o conteúdo referido por Gonçalves e pelo poeta Augusto de Campos, que não nos
cabe neste trabalho, passemos diretamente ao objeto de nossa abordagem,
apontando a presença do cinema já nas primeiras páginas do primeiro número de Klaxon.
KLAXON, n. 1
19. A
primeira edição do mensário de arte moderna abre com uma série de pressupostos
que estabelecem a visão do jovem grupo quanto ao cenário da produção artística
em seu tempo. Logo, o cinema figura num dos primeiros mandamentos deste
“manifesto,” indicando que
20.
KLAXON
sabe que o cinema existe. Perola White é preferível a Sarah Bernhardt. Sarah é
tragédia, romantismo sentimental e técnico. Perola é raciocínio, instrução,
esporte, rapidez, alegria, vida. Sarah Bernhardt = século 19. Perola White =
século 20. A cinematografia é a criação artística mais representativa da nossa
época. É preciso observar-lhe a lição. (ANÔNIMO, KLAXON, n. 1, p. 2)
21. Dissequemos
o sentido de uma reflexão tão emblemática.
22. Aqui
está a ciência de que o cinema é uma realidade coletiva já devidamente
estabelecida e pulsante. E é curioso utilizar dois ícones tão marcantes como
Sarah Bernhardt e Pearl White (aqui, tendo seu prenome traduzido literalmente).
Para aqueles modernos, já não interessava o clássico maneirista, conservador e
velho, observável em Sarah, seja no palco, seja na tela, mas a jovialidade, a
beleza fresca e ingenuamente erótica de uma das primeiras “queridinhas” de
Hollywood, que fez seu nome a partir da série cinematográfica Perils of
Pauline (1914), em que interpretava uma mocinha recatada, frágil, porém com
espírito de aventura, que a cada episódio mete-se numa nova enrascada, à espera
de um herói, que obviamente a salvará no último segundo.
23. As
sequências de perseguições, lutas, suspense de tirar o fôlego do espectador,
protagonizadas pela encantadora Pearl White, certamente haviam atropelado de
uma vez por todas a sisudez retrógrada de Sarah Bernhardt, que faleceria em
1923, aos 78 anos.
24. Notemos
que falar em “criação artística” citando um clássico exemplo de cinema
utilizado como entretenimento popular denota uma certa imaturidade de visão
crítica de nossos modernistas da redação de Klaxon. Certo é que pouco havia de
reflexão a respeito do cinema como arte àquela época, mas também estamos no momento em que muitos cineastas europeus e soviéticos
estão a forjar os preceitos de uma nova abordagem do meio.
25. Esta
imagem hollywoodiana de genuína produção de Arte, continua no mesmo número num
outro manifesto, desta vez dedicado exclusivamente ao novo meio, do qual
destacamos seus momentos mais importantes:
26.
Shadowland. Caos. Mundo. Criação. Plágio do “surge et
ambula” [...] A audácia vertiginosa, Tom Mix, Dom Quixote de 30 anos, com
Dulcineias votadas ao esporte. [...] O problema do mal, lado serpente - Gloria
Swanson, não ela, mas os beijos e os olhos cor da esperança torva dos espectadores.
Agnes Ayeres, Bebé Daniels. Sobre o clownismo de Charlot e Haraold Lloyd [...].
Advento de uma era de ingenuidade. Estamos ficando clássicos. Classic. [...] Cecil
de Mille acabou com o mau teatro francês. [...] Charlot se a falsa tristeza de
Ivan Goll. Não. Alegre, como a vida. Através da Broadway. Casa de Fantasmas. O
riso, a força, o inverossímil científico. Modernos. Modernos. (ANÔNIMO, KLAXON
n. 1, p. 14)
27. Descontando-se
as confusas associações do redator deste texto, podemos ficar somente com uma
interessante oscilação que há entre o condenável classicismo e a empolgante
modernidade do cinema com seus ícones como Tom Mix, o cowboy; Gloria Swanson,
uma das primeiras mulheres de olhar fatal; e Charlot, ou Carlitos, ou Chaplin -
este sim um personagem indispensável ao modelo modernista dos idealizadores da
Semana de Arte de 1922, que será retomado outras vezes em números seguintes da
revista.
28. Vemos
um desejo claro de se entender este novo meio de entretenimento, ousadamente
abordado, ainda que não se tenha um concreto entendimento. Temos que levar em
conta que o cenário cinematográfico paulista era dominado por distribuidores
estrangeiras geralmente sucursais dos estúdios americanos. Pouco de interesse
havia em distribuir o produto nacional ou alguma obra mais profunda, que fosse
além dos épicos bíblicos de Cecil B. DeMille ou das
peripécias dos comediantes do estúdios Keystone ou
Essanay. Como observa Jean-Claude Bernardet,
29.
Não é
possível entender qualquer coisa que seja no cinema brasileiro, se não se tiver
sempre em mente a presença maciça e agressiva, no mercado interno, do filme
estrangeiro, importado quer por empresas brasileiras, quer por subsidiárias de
produtores europeus e norte-americanos. Essa presença não só limitou as
possibilidades de afirmação de uma cinematografia nacional como condicionou em
grande parte suas formas de afirmação. [...] À medida, porém, que o comércio
cinematográfico internacional vai se estruturando e se fortalecendo, a ocupação
do mercado interno torna-se cada vez mais violenta e diminuem as possibilidades
de produção brasileira. Até a guerra de 1914-8, o domínio fica com França,
Itália, Alemanha, Suécia e Dinamarca. Após a guerra, com o enfraquecimento das
cinematografias europeias, é a vez dos Estados Unidos, que se instalam e até
hoje continuam instalados. (BERNARDET, 2009, p. 21)
30. Quanto
aos nossos “Klaxistas” - como se definem ainda no mesmo manifesto do primeiro
número - parecem a nós, ainda, não fazer distinção entre a forma e o conteúdo
de um filme. Todavia, ao longo de poucos meses, esta condição mudará
drasticamente.
KLAXON, n.
2, presença do cinema nacional
31. O
segundo número de Klaxon, em junho de 1922, nos dá uma importante
notação a respeito da restrita circulação de filmes produzidos no Brasil. Mário
de Andrade, assinando sob pseudônimo R. de M., comenta Do Rio a São Paulo
para casar, de José Medina.
32. Cabe-nos,
aqui, uma breve digressão histórica para compreendermos a importância de se ver
um filme tipicamente paulistano nas páginas de Klaxon, ou antes de tudo, de se ver um filme brasileiro em
circuito.
33. O
cinema brasileiro “nasceu” em 1898 quando o italiano Alfonso Segreto,
retornando para o Brasil, onde já se estabelecera como comerciante de material
fotográfico, voltou com películas sensíveis, da Europa, e decidiu tomar algumas
imagens da baía da Guanabara com sua câmera.
34. Não
pretendemos no estender na historiografia de como o mercado nacional se desenvolveu
e se perdeu, mas, o fato é que no Brasil, diferente de outros países, o cinema
mostra uma irregularidade de produção e comercialização de filmes desde sua
origem. O que se deu, a partir da chegada da novidade, foi uma maciça invasão
do produto estrangeiro, relegando à produção nacional um estigma de amadorismo
que permanece até hoje. Historiadores como Jean-Claude Bernardet apontam que,
ao passo que no mundo todo o nascimento do cinema está relacionado com a
primeira exibição de filmes, no Brasil este evento relaciona-se com a filmagem
de uma cena.
35.
[...] podemos provavelmente dizer que 1898
representa uma forma de modernização conforme a qual uma sociedade incorpora
uma tecnologia oriunda de país industrializado, tecnologia que ela não
transforma e da qual se torna dependente. (BERNARDET, 2003, p. 23)
36. Segundo
Bernardet, esta postura voltada para a produção, que sobrepuja a filosofia da
exibição, e portanto do lucro, e da estabilização de
um mercado, foi a causa suprema da estagnação de um mercado interno que se
rende à influência externa, ainda que ostentando o orgulho nacional:
37.
A
escolha de uma filmagem como marco inaugural do cinema brasileiro, ao invés de
uma projeção pública, não é ocasional: é a profissão de fé ideológica. Com tal
opção, os historiadores privilegiam a produção, em detrimento da exibição e do
contato com o público. Pode se ver aqui uma reação contra o mercado: à ocupação
do mercado, respondemos falando das coisas nossas. E não é difícil perceber que
esta data está investida pela visão corporativista que os cineastas brasileiros
têm de si mesmo, e por uma filosofia que entende o cinema como sendo
essencialmente a realização de filmes. (BERNARDET, 2003, p. 26-27)
38. O fato
é que antes do final da década de 1900, diversas empresas estrangeiras já
haviam se estabelecido no Brasil e aqui comercializavam livremente seus filmes,
inclusive por meio de empresas produtoras e distribuidoras nacionais, que
anunciavam abertamente as produções estrangeiras, em detrimento das produções
nacionais. O mercado brasileiro parecia não ter meio de fazer frente à produção
de escalas industriais estrangeira.
39.
Já nesse
tempo, a concorrência das fitas estrangeiras dificultava o acesso da produção
nacional às salas de espetáculos. Na verdade, certos filmes só conseguiam
chegar ao público pelo patriotismo de alguns proprietários de cinemas. Para
culminar, desde cedo a crítica elitista nutria um desprezo absoluto por nossos
filmes. (PIPER, 1977, p. 13)
40. O
filme de José Medina, considerado até nossos dias como um dos mais competentes
realizadores de seu tempo, pode ter sido agraciado por este patriotismo. Ainda,
recebeu um “review” bastante importante para uma fita nacional. A crítica,
advinda de um grupo de intelectuais ligado a uma elite cheia de má vontade para
com o produto nacional, embora bastante incisiva, dá grande crédito ao esforço
do diretor.
41. Percebe
assim Mário de Andrade o filme de Medina:
42.
[...] O enredo não é mal. Fora preciso
extirpá-la de uma incoerências. A montagem não é má.
Fora preciso extirpá-la de umas tantas incoerências. O galã, filho de uma
senhora aparentemente abastada, por certo teria o dinheiro necessário para vir
de Campinas a S. Paulo. [...] Acender fósforos no sapato não é brasileiro.
Apresentar-se um rapaz à noiva, na primeira vez que a vê, em mangas de camisa,
é imitação de hábitos esportivos que não são nossos. [...] É preciso
compreender os norte-americanos e não macaqueá-los.
Aproveitar deles o que têm de bom sob o aspecto técnico e não sob o ponto de
vista dos costumes. [...] Aplauso muito sincero. Seguiremos com entusiasmo os
progressos da cinematografia paulista. (ANDRADE, 2010, p. 5-6)
43. O
poeta coeditor de Klaxon oferece uma visão bastante lúcida e nada
simplória a respeito da produção nacional. Reconhece a nítida influência do
cinema internacional, mas aponta alguns aspectos a serem melhorados. Talvez não
fosse o caso de se ser fiel aos costumes locais, posto que os clichês
americanizados já estavam em franco diálogo com nosso cultura
cinematográfica. Contrariá-los poderia agir em desserviço ao filme de
Medina, que, por estar perdido para sempre, não nos dá a possibilidade de
cotejo com à luz de nossos tempos.
44. É
louvável o comentário instigante e incentivador de Mário de Andrade a José
Medina, que em 1929 realizaria Fragmentos da vida, considerado o melhor
filme brasileiro em sua fase muda.[1]
Chaplin,
o último flâneur
45. Carlitos
é um personagem recorrente na coluna cinematográfica de Klaxon, tendo
sido lembrado nos números 2, 3 e 5 da revista em textos assinados, sob
pseudônimos, por Mário de Andrade.
46. É
necessário observarmos o destaque e admiração conferida ao cômico inglês,
Charles Chaplin, que à época alcançava fama internacional indiscutível com seu
primeiro longa-metragem, O garoto, lançado em 1921, e que imprimiu novos
padrões à comédia e ao melodrama em Hollywood.
47. Embora
não tanto aprofundado quanto futuros estudos sobre
Chaplin - sobretudo aqueles de autoria de André Bazin, nos anos 1950 - Mário de
Andrade traz para o mensário linhas a esse respeito que devem ser observadas
com cuidado, tanto mais que refletem a identificação do personagem paupérrimo
na tela em consonância com o próprio pensamento modernista:
48.
A obra
magistral de Carlito vai ser representada em S. Paulo. Trabalho marcando uma
era. Jamais foi atingido interpretativamente o grau registrado aí. Passa da
laçada comum do film. Vemos onde pode chegar o cine e
como ele deve ser. The kid é integral, harmônico com a época. Nele Chaplin, por
sua vez, está na culminância de sua arte. [...] Em síntese: The Kid é uma
revelação. (ANDRADE, 2010, p. 7-8)
49. Notamos
uma abordagem ainda um pouco vaga no que diz respeito à forma do filme de
Chaplin, mas o choque estético causado no crítico é bastante pronunciado. Isto
está claro quando Mário aponta que a obra é “harmônica com sua época,” já que a
modernidade, em termos gerais, trouxe uma grande contradição quando o
comportamento dos primeiros que viveram a época em que o romantismo da flanêrie
foi achacado pelas urgências de um novo homem da multidão.
50. Cabe-nos
situar o leitor um pouco mais sobre este embate, para que os apontamentos sobre
Chaplin, em Klaxon n. 3 façam melhor sentido. Segundo Mike
Featherstone, a figura do flâneur tem sua origem na Paris do início do
século XIX quando
51.
[...] entre 1800 e 1850, construíram-se cerca
de 30 galerias que proporcionavam espaços fechados para caminhar e olhar,
gastar tempo e folgar, como vemos no exemplo muito citado do flâneur que
mostrou sua indiferença ao ritmo da vida moderna, levando uma tartaruga para
passear. [...] Por um lado o flâneur é o preguiçoso ou o desperdiçador; por
outro, é o observador ou detetive, a pessoa suspeita que está sempre olhando,
observando e classificando. [...] O flâneur busca uma imersão nas sensações da
cidade, “banhar-se da multidão”, perder-se nas sensações, sucumbir ao arrasto
de desejos aleatórios e aos prazeres da escopofilia. (FEATHERSTONE, 2000, p.
192)
52. Figura
facilmente encontrável entre a boemia parisiense da época e retratado,
sobretudo, na crônica baudelairiana, o flâneur é definido por Walter
Benjamin como o pedestre que
53.
[...] sabia ostentar em certas condições sua
ociosidade provocativamente. Por algum tempo, em torno de 1840, foi de bom tom
levar tartarugas a passear nas galerias. De bom grado, o flâneur deixava que elas
lhe prescrevessem o ritmo de caminhar. (BENJAMIN, 1989, p. 122)
54. Finalmente,
José Reginaldo Santos Gonçalves observa a postura dessa figura frente às
mudanças ocorridas na sociedade e na cidade a partir da segunda metade do
século XIX, numa espécie de pré-modernidade:
55.
O flâneur recusa-se a ser absorvido por esse ritmo, recusa-se
a perder sua subjetividade no universo da multidão. Ele caminha lentamente e
experimenta de modo subjetivo cada detalhe visual, tátil, auditivo ou olfativo
das ruas da cidade. O fundamento do pensamento e da experiência da flânerie é a
ociosidade e a contemplação. (GONÇALVES, 2009, p. 174)
56. Diametralmente
oposto ao comportamento do flâneur está o que Benjamin (1989) chamou de “homem-da-multidão.”
Esta figura, conforme sintetiza Gonçalves, é o resultado de uma castração
infligida sobre o flâneur, caso fosse privado de sua zona de conforto:
57.
A
intensificação dos processos característicos da grande cidade, a vasta
heterogeneidade de códigos socioculturais, a intensificação da atitude
psicológica de reserva do habitante da grande cidade, o aumento do tráfego e do
ritmo de deslocamento da população inviabilizam a experiência do flâneur [...].
O “homem-da-multidão”, em contraste com o flâneur, identifica-se com a multidão
e seu ritmo vertiginoso. Dele está ausente a dimensão subjetiva do flâneur, a
atitude de interesse e curiosidade pelo que ocorre à sua volta. Ele,
certamente, tem sua atenção mobilizada pela multidão, porém se deixa levar, de
modo maníaco, por seu movimento. Ele não a observa, como faz o flâneur,
mantendo seu ritmo. O ‘homem-da-multidão” tende a se definir como um número num
universo progressivamente marcado pelo igualitarismo e pelo caráter abstrato
das relações. (GONÇALVES, 2009, p. 175-176)
58. O
personagem de Chaplin nos parece uma última homenagem à prática da flanêrie. Esta imagem romântica do
vagabundo que vive do que lhe ocorre no “aqui e agora” e entrega sua sorte ao
léu sem se preocupar com as mazelas de um mundo regido por regras estritas,
seria logo engolido, literalmente, pela máquina em Tempos modernos (1936), última crítica contumaz do ator e cineasta
aos efeitos colaterais da era das máquinas.
59. Diametralmente
oposto ao comportamento do flâneur
está o que Benjamin (1989) chamou de “homem-da-multidão.” Esta figura, conforme
sintetiza Gonçalves, é o resultado de uma castração infligida sobre o flâneur, caso fosse privado de sua zona
de conforto:
60.
A
intensificação dos processos característicos da grande cidade, a vasta
heterogeneidade de códigos socioculturais, a intensificação da atitude
psicológica de reserva do habitante da grande cidade, o aumento do tráfego e do
ritmo de deslocamento da população inviabilizam a experiência do flâneur [...].
O “homem-da-multidão”, em contraste com o flâneur, identifica-se com a multidão
e seu ritmo vertiginoso. Dele está ausente a dimensão subjetiva do flâneur, a
atitude de interesse e curiosidade pelo que ocorre à sua volta. Ele,
certamente, tem sua atenção mobilizada pela multidão, porém se deixa levar, de
modo maníaco, por seu movimento. Ele não a observa, como faz o flâneur,
mantendo seu ritmo. O ‘homem-da-multidão” tende a se definir como um número num
universo progressivamente marcado pelo igualitarismo e pelo caráter abstrato
das relações. (GONÇALVES, 2009, p. 175-176)
61. Ao
eleger Chaplin o símbolo da harmonia cinematográfica com seu tempo, Mário de
Andrade evoca a contradição entre estas duas figuras, o que podemos inferir
pelo tipo criado pelo cômico inglês, que encerra diversos estereótipos que
conflitam com o ambiente à sua volta. Por isso observa Mário:
62.
A
evolução de Charlie Chaplin demonstra [...] que por mais novas que as formas se
apresentem o fundo da humanidade será sempre um só. Carlito já se tornara
grande criando seu tipo burlesco, tipo clássico que refletia, sob a caricatura
leviana, o homem do século vinte. [...] com seus exageros magníficos,
compreendera a vida como uma estesia. (ANDRADE, 2010, p. 9)
63. Mário
aponta que mesmo com as grandes revoluções de seu tempo, Chaplin traduz a
essência da alma humana. Essência esta, que aponta para uma marginalidade
burlesca do homem imposta por novas ordens e premências. O poeta modernista vê
em seu contemporâneo a beleza e a dor de quem aspira a uma contemplação
estética do mundo, mas já o mundo não lhe permite tal fruição.
64. Este
ponto é reforçado quando em Klaxon n. 5, Mário contesta a opinião da
poeta dadaísta Celine Arnauld, que havia reprovado a cena do sonho em O
garoto. Disse Arnauld que seria muito mais adequado à época em que se
passava a história que Chaplin usasse temas e vestimentas afinados com a figura
do pierrot, e não as fantasias de anjos, para mostrar um cortiço
transformado num paraíso corrompido pelos vícios do ciúme e da cobiça. Embora
saibamos que o pierrot, com seus losangos coloridos, seja um ícone muito
caro aos modernistas e figura recorrente em várias obras de poesia, prosa e
teatro, Mário de Andrade diverge perguntando o que sonharia Carlitos se não com
aquele lugar decadente onde passou sua vida, agora decorado com flores de
papel, cujos personagens nada mais são do que tipos do dia-a-dia
do herói: o policial, o valentão, o bêbado e o garoto que tanto ama e que lhe
foi tirado. Enfatiza, ainda:
65.
Como não
conseguiu ela penetrar a admirável perfeição psicológica que Carlito realizou!
Ser-lhe-ia possível com a mentalidade e os sentimentos que possuía, no estado
psíquico em que estava, sonhar pierrots enfarinhados ou minuetes de aeroplanos!
(ANDRADE, 2010, p. 13)
66. Com
isso, Mário aprofunda o campo da abordagem crítica a um filme, que se fazia
tímida duas edições antes, apontando um aspecto muito importante na
caracterização de Chaplin: uma evidente falta de “massa psíquica” que explica a
obviedade de sonhar o que sonhou na cena em questão. Carlito é um personagem
marginal, aspira a uma certa nobreza que não tem, apresenta alguns
maneirismo no modo de andar e de se comunicar que exprimem as
contradições de seu próprio ser, e tem um aparelho psíquico, digamos, pouco
burilado. Certamente, seu sonho não teria outros contornos que não aqueles
expressos pelo desejo imediato. Neste caso, a harmonia ilibada em seu mundo
particular e a presença do garoto que adotou e aprendeu a amar. Completa Mário:
67.
O sonho
é o comentário mais perfeito que Carlito poderia construir da sua pessoa
cinematográfica. Não choca. Comove imensamente, sorridentemente. E, considerado
à parte, é um dos passos mais humanos da sua obra, é por certo o mais perfeito
como psicologia e originalidade. (ANDRADE, 2010, p. 13)
Forma
autônoma de arte
68. Talvez
sejam os textos que fazem uma reflexão a respeito do cinema como forma de arte
autêntica o ponto mais alto da seção dedicada ao tema em Klaxon. Dois
são os documentos que se propõem a pensar o cinema para além da tela iluminada.
Os dois, novamente assinados por Mário de Andrade, sob pseudônimo.
69. O que
mais nos atrai a atenção é o fato de já haver um olhar crítico que procura
problematizar a presença do cinema na vida do homem moderno e sua família.
Neste sentido, Mário questiona até que ponto olhar o cinema como forma de
entretenimento seria obter desse meio sua máxima contribuição para o legado da
arte. No último número do mensário, duplo, coloque que
70.
O cinema
deve ser encarado como algo mais que mero passatempo, quase por táxi, ao
alcance de todas as vistas, com a utilidade prática de auxiliar as digestões e
preparar o sono. Já se foi o tempo em que servia somente para demonstração da
cronofotografia. Evoluiu, tornou-se arte, e veio acentuar ainda mais a
decadência do mau hábito dos serões em família, enfadonhos e intermináveis,
mesmo quando se fala da vida alheia. (ANDRADE, 2010, p. 21)
71. Eis um
registro bastante valioso quanto a um testemunho de época, quando o cinema
passava a se tornar cada vez mais complexo, durante a década em que surgiriam
escolas estéticas como o expressionismo alemão, o cinema surrealista e a escola
soviética. Mário se coloca como um crítico atento ao fato de que o cinema
americano, como observa, seja tão maniqueísta, realizado com o intuito de
trazer uma moral ultrapassada e frívola. Observa lucidamente, também, que mesmo
se vendo tais motivos rasos num filme, estes seriam muito eficazes, dada a
necessidade do público mediano de se isolar de um universo muito mais facetado
como é a realidade, para obterem algumas horas de prazer que aliena:
72.
Moral a
preço de ocasião, está se vendo. Mas é disto que o povo gosta, com o tempero de
uns obstáculos pelo meio, porque mesmo para ele o prazer muito fácil não tem
atrativos. [...] Para o Sr. Todo-o-mundo, e Exma. Família, os atores preferidos
são os dos papéis simpáticos, sejam verdadeiros artistas ou não. São as meninas
de fábrica que fazem casamentos ricos, ou milionários apaixonados por pobretões
virtuosos [...]. Detestam pelo contrário todas as vampires porque seduzem os
maridos e levam meninotes para a roleta, e sobretudo nem podem tolerar os
grandes piratas sociais, que com a maior calma, jogam com o sentimentalismo
alheio para proveito próprio. Se os suportam às vezes, é simplesmente pelo fato
de realçarem pelo contraste os atos virtuosos dos bons. O povo tem o vício de
gostar das qualidades que os outros fingem possuir, e que ele não pratica. (ANDRADE 2010, p. 22)
73. Vê-se,
claramente, a precoce radiografia de um tipo de consumidor da arte
cinematográfica. No entanto, o que Mário desenvolve não acaba aí. Ele, no mesmo
texto, irá contrastar os vícios do cinema americano que acabara de elencar, ao
complexo cinema de Friedrich Wilhelm Murnau ou Erich Von Stroheim, europeus,
portanto autores de fitas em que os personagens detêm uma psicologia mais
aprofundada, de contradições mais próximas de uma realidade humana.
74. À
parte a reflexão que Klaxon traz a respeito da relação entre o cinema e
seu público, Mário ainda assina um outro texto de reflexão estética que
antecipa em pelo menos cinco anos as disputas ideológicas em torno da “palavra”
no cinema, seja pelo som, seja pelos intertítulos. No sexto número da revista,
após delinear de maneira eficiente e simples as diferenças entre o cinema e o
teatro (é bom que recordemos que a linguagem narrativa daquele emprestou muito
da dramaturgia deste, antes de procurar a independência nas rupturas
vanguardistas surgidas após a Primeira Guerra Mundial) Mário se ocupa em
refletir sobre a questão dos textos que entrecortam filmes mudos para trazerem
diálogos ou descrições de cena:
75.
O cinema
é mudo; e quanto mais prescindir da palavra escrita mais se confinará ao seu
papel e aos seus meios de construção artística. Segue-se daí que tanto mais
cinemática será a obra de arte cinematográfica quanto mais se livrar da palavra
que é grafia imóvel. (ANDRADE, 2010, p. 15)
76. Chama-nos
a atenção não somente a explícita posição no que tange a uma estética pura do
cinema, mas também o termo “obra de arte cinematográfica” - algo em voga já em
muitos países desenvolvidos, mas ainda ignorado no Brasil. É o próprio Mário
que endossa essa ignorância quando, no texto em questão, aponta que as empresas
brasileiras pouco produziam de ficção, portanto não se atentavam ao fato de que
a linguagem do cinema deveria procurar meios próprios à sua forma, “[...] o que
daria à obra de arte cinematográfica um valor expressivo excepcional” (ANDRADE,
2010, p. 16).
77. No
sétimo número de Klaxon, Mário exemplifica, na prática, o que teorizou a
respeito dos incômodos letreiros comuns nos filmes de sua época. Ao falar de Esposas
ingênuas, de Von Stroheim, observa: “Um film que passou há pouco por
um cinema da capital, mostrou-nos já a inutilidade dos letreiros. É de esperar
que as fábricas façam outras tentativas neste sentido” (ANDRADE, 2010, p. 20).
78. Em seu
texto de reflexão, Mário traz para Klaxon uma síntese muito bem
engendrada do que seria um cinema sem palavras que entrecortavam a ação, com
didatismo inconveniente, e menos tendência da indústria à produção de meros
números de entretenimento popular e popularesco, apontando aspectos inerentes a
este suporte que ainda demorariam algum tempo para serem abordados de maneira
mais detida na literatura especializada nacional.
79.
E não se
diga que tirar a palavra escrita do cinema seja privá-lo dum meio de expressão.
Primeiramente: quanto mais uma arte se conservar dentro dos meios que lhe são
próprios, tanto mais se tornará pura. Além disse: tantos são os meios de
expressão propriamente seus de que pouco ainda se utiliza a cinematografia! A
cinematografia é uma arte. Ninguém mais sensato discute isso. As empresas
produtoras de fitas é que não se incomodam em produzir obras de arte, mas
objetos de prazer mais ou menos discutível que atraiam o maior número de
basbaques. (ANDRADE, 2010, p. 13)
Considerações
finais
80. Klaxon, o
mensário de arte moderna editado em São Paulo, ainda que de forma pouco madura,
como se buscasse entender o novo meio de comunicação e sobre ele teorizar e
estabelecer um método de análise, tendo como grande contribuinte Mário de
Andrade, chamou a atenção dos leitores para um elemento muito importante da
modernidade que florescia e deixou um legado de cinefilia entre seus
colaboradores, que se estendeu desde a continuidade da escrita crítica até o
uso do cinema como forma de produção artística.
81. Alberto
Cavalcanti, cineasta de ofício, que colaborou com uma xilogravura de sua
autoria para um dos extratextos de Klaxon, realizou, em 1926, um dos
filmes vanguardistas mais importantes, Rien que les heures, na
França, revolucionou a linguagem do documentário na Inglaterra e, em 1949, foi
convidado por Francisco Matarazzo Sobrinho e Franco Zampari a implementar o
projeto inicial da Cia. Cinematográfica Vera Cruz, em São Bernardo do Campo. O
escritor Ribeiro Couto, no sexto número da revista, publicou Cinema de
arrabalde, poema quase em prosa que perfila os frequentadores das salas
localizadas em bairros mais distantes do centro e suas características
marcantes, oscilando entre a simplicidade dos humildes e as aspirações a uma
alta burguesia. O poeta Guilherme de Almeida destacou-se entre 1926 e 1942 como
pioneiro da crítica cinematográfica e cronista cinéfilo à frente da coluna Cinematographos no jornal O Estado de
S. Paulo, publicando diariamente textos que abordavam filmes diversos,
comentando clássicos como O encouraçado Potemkim e Cidadão Kane.
Nos anos 1950, colaborou com o argumento e com os diálogos das produções
nacionais Terra é sempre terra (1951), Tico-tico no fubá (1952), Apassionata
(1952) e Sinhá Moça (1953), da Vera Cruz. Heitor
Villa-Lobos compôs a trilha sonora original de O descobrimento do Brasil
(1936), de Humberto Mauro, para a Cinédia. Cassiano Ricardo teve seu poema O
canto da raça adaptado para o cinema em 1943, por José Medina. O filme foi
censurado pelo governo Vargas e destruído. Menotti del Picchia escreveu alguns
argumentos para o cinema brasileiro, com destaque para Acabaram-se
os otários (1929), primeiro filme sonoro realizado no Brasil, e Messalina
(1930), ambos de Luiz de Barros. Quanto a Mário de Andrade, protagonista da
coluna dedicada ao assunto, continuou, entre as décadas de 1920 e 1940, a
publicar críticas a filmes significativos em circuito para periódicos como Diário
Nacional, Diários Associados e Folha da Tarde. Vez por outro,
retornava a Chaplin para expressar sua admiração pelo pioneirismo do ator e
diretor quanto a diversos recursos estéticos e narrativos do filme.
82. Vemos
na coluna cinematográfica de Klaxon o início de uma crítica mais aprofundada,
atenta e com aspirações à reflexão fílmica melhor
elaborada. Em apenas nove edições, é notória a evolução que vai da admiração do
homem moderno frente a uma maravilha quase sobrenatural até uma forma de pensar
um novo meio de comunicação à luz de uma vivência seguramente sedimentada no
âmbito cotidiano de artistas, intelectuais e espectadores comuns.
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______________________________
* Mestre e doutorando do
Programa de Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte na USP
(PGEHA).
** Professor titular do
Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC USP) e docente no Programa de
Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte na USP (PGEHA).
[1] Existem, hoje, apenas
dois filmes de José Medina preservados e integrais: O exemplo regenerador
(1919) e Fragmentos da vida (1929). Estes foram salvos do incêndio no
depósito da Rossi Filmes nos anos 1930 por estarem emprestados e algum cinema.