Oscar Guanabarino: de moderno a “passadista”

Daniel Rincon Caires

CAIRES, Daniel Rincon. Oscar Guanabarino: de moderno a “passadista”. 19&20, Rio de Janeiro, v. XII, n. 1, jan./jun. 2017. https://doi.org/10.52913/19e20.xii1.03

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1.      Nelson Schapochnik procurou refletir sobre os apagamentos seletivos realizados pelos modernistas brasileiros, acatados e repetidos por parte da crítica e da academia nas décadas seguintes. Em suas palavras, “o triunfo da sinfonia modernista [...] teve o efeito de abafar, quando não silenciar, as vozes dissonantes que se desgarraram ou não aderiram ao programa das vanguardas.” Para ele, o esforço por resgatar os discursos dos “derrotados” se justifica por trazer à tona tensões esquecidas. Seria necessária, portanto, “[...] a reconstrução daquele horizonte crítico-literário na perspectiva do que lhe era simultâneo”, pois já “é tempo de examinar a diversidade de atitudes e opiniões com vistas à compreensão de como essas batalhas e divergências se formalizaram em experimentações estéticas e literárias.”[1]

2.      O presente artigo tenta recuperar o discurso de um crítico de arte que ficaria mais conhecido como opositor da Semana de Arte Moderna[2]. Oscar Guanabarino (Niterói, 1851 - Rio de Janeiro, 1937) acabou entrando para a história da arte brasileira, especialmente daquela que trata do modernismo, como membro do coro dos retrógrados e, portanto, dos que estavam na contramão da história. É assim que aparece na pena de Menotti del Picchia, que tomou as dores dos modernistas e contra-atacou Guanabarino já a partir da primeira crônica desfavorável publicada pelo niteroiense. Menotti viu em Guanabarino o “velho mestre” de uma geração que desaparecia, apegado a uma “literatura de múmias, [...] estética de decalques, [...] tessitura de artificialismos anacrônicos.”[3] Marcos Augusto Gonçalves, em sua reconstituição da Semana de 22, apresenta Guanabarino como o crítico “veterano” que esgrimiu argumentos contra os modernistas em nome de valores estéticos do passado.[4] 

3.      De fato, Guanabarino se contrapôs aos “futuristas,” mas seu discurso vai muito além disso.  Suas exortações dão a ver tensões muito mais complexas, de matizes mais variados do que a mera polarização entre modernos e reacionários. Guanabarino, aliás, conseguiu transitar entre estes dois pólos, sem, no entanto, ter de fato alterado radicalmente suas concepções. Sua militância na crítica de arte atravessou mais de quatro décadas e, por ter se desenvolvido num período marcado por transformações importantes no campo da estética brasileira, constitui um padrão com que se pode mensurar os movimentos que lhe rodeiam. Guanabarino foi um crítico moderno quando jovem e, pelo apego aos mesmos valores com que se iniciou na crítica, tornou-se retrógrado na senectude.  

4.      Interessou-nos, de início, compreender a dinâmica dessa transformação: de que maneira esse defensor da modernidade veio a ser compreendido como partidário do passadismo? Que transformações foram essas que se processaram ao seu redor que, ultrapassando suas convicções, o tornaram anacrônico?

Militante da modernidade (1880-1900)

5.      No período inicial de sua atividade, Guanabarino engrossava as fileiras dos partidários da modernidade. Pianista formado com os melhores mestres de seu tempo, iniciou-se na crítica de arte na década de 1880, fazendo parte de uma nova geração, comprometida com a profissionalização da atividade. Segundo Fabiana de Araujo Guerra Grangeia:

6.                                    A crítica [...] passava naquele momento a ser uma função de especialista e não mais uma atividade sem maiores consequências, que pudesse ser exercida por qualquer pessoa com certo estilo literário. E, para ser exercida por especialistas, precisaria calcar-se em critérios de avaliação (fundamentados em teorias estéticas e no estudo histórico das artes e da literatura) e objetivos (ligados à importância do desenvolvimento artístico diante da necessidade de se construir uma identidade nacional) definidos.[5] 

7.      Exemplo dessa nova fase da crítica manifestou-se na Revista Musical e de Bellas Artes, que circulou entre 1879 e 1880. Em seu programa, decretava a intenção de ocupar um espaço vago na imprensa brasileira e empregar em suas colunas somente os que “possuam conhecimento profundo da matéria em que se ocupam.”[6] A partir de 1884, Guanabarino ganhou fórum permanente: foi convidado a ocupar-se da seção Artes e Artistas no jornal republicano O Paiz.[7] Segundo Grangeia, trata-se provavelmente da primeira coluna diária dedicada às artes na imprensa brasileira. Guanabarino alternava-se na coluna com Gonzaga Duque, Coelho Netto, França Júnior e Arthur Azevedo, entre outros[8].

8.      Nessa altura, a crítica de arte de Guanabarino alinhava-se entre as correntes renovadoras. Seu programa dedicava-se a

9.                                     [...] atacar uma arte que, naqueles tempos - de 1880 até 1900 - era, para ele, retrógrada. Nesse sentido, lutava por uma espécie de modernidade; lutava por uma arte nova, uma arte que ainda não existia no Brasil, uma arte que pudesse ser chamada de ‘nacional’.

10.                                  Essa arte à qual almejava seria representada pelos caminhos que estavam sendo trilhados, por exemplo, por pintores como Pedro Weingärtner, José Ferraz de Almeida Júnior [...], Modesto Brocos, Henrique Bernardelli e Benjamin Parlagreco.

11.                                  Era preciso enterrar um passado para construir outro; deixar de lado os temas bíblicos e mitológicos tão explorados pela Academia, deixar de lado as disposições ideais de modelos e objetos à luz do ateliê, deixar de lado o virtuosismo, o acabamento impecável do desenho e o uso artificial do preto ou do betume para representar sombras também artificiais. Esse passado que precisava ser enterrado incluía nomes como o de Victor Meirelles - cujas tão afamadas pinturas poderiam resumir-se na palavra ‘artifício’ - e o de Pedro Américo, os ‘grandes’ do Império.[9]

12.    O conceito de modernidade de Guanabarino, na pintura, parece se aproximar dos princípios impressionistas. Nesse sentido, moderno era capturar as imagens que cercavam o artista, aquilo que se lhe apresentava diante dos olhos, de maneira fiel à luminosidade natural. Era rejeitar os truques acadêmicos - a luz artificial do estúdio, o modelado obtido com o uso da tinta preta. A pintura ao ar livre tinha imposto outro tratamento às sombras, proscrevendo o uso do preto. Em geral, os críticos modernos da geração de 1880 desprezavam os ensinamentos tradicionais da academia, louvando os artistas que, a exemplo de Manet, iam aprender com a natureza. A crítica da época encontrou exemplares dos dois tipos opostos de artistas em Nicolau Facchinetti e Henrique Bernardelli: o primeiro, tido como por demasia apegado aos truques da academia, era conceituado como técnico exímio, mas sem vida; do segundo, visto como exemplo do artista que colhe a verdade da natureza, se dizia que registrava as imagens conforme o olho as vê, capturando a impressão fugidia e imperfeita, e por isso mais real e viva.[10] Guanabarino encontrava essas mesmas qualidades em Pedro Weingärtner.

13.    A crítica de arte de Guanabarino articulava cultura e sociedade. Falando de arte, ele se referia a temas políticos e sociais, exercendo pressão por mudanças. Na década de 1880, estava comprometido com a oposição ao status quo imperial. Ele forjou em seu discurso associações significativas entre a antiga estética oficial com as condições sociais do país e, da mesma forma, apontou articulações entre a estética moderna com o programa republicano e progressista das correntes de oposição. Guanabarino acusava o governo imperial de ser negligente com a gestão da cultura, e censurava as academias e instituições oficiais pelo conservadorismo e pela resistência à renovação. Para os opositores,  

14.                                   [...] a arte tinha uma função social importante, pois seria um modo de unir um povo em torno de um mesmo ideal. No caso de Guanabarino, esse ideal ligava-se [...] às noções de Pátria, progresso, civilidade. Uma nação independente precisava ser construída e essa nação precisava ter uma história, uma tradição a partir da qual pudesse se desenvolver e na qual pudesse se espelhar.[11]

15.    Para o crítico, a situação mantida pelas autoridades no poder impedia o desenvolvimento do país. Ele responsabilizava a escravidão e seus subprodutos, a submissão e a miséria, pelo baixo desenvolvimento das artes no Brasil. Era necessário eliminar essas mazelas e criar um meio onde o gosto se desenvolvesse, para que se tivesse finalmente condições para um florescimento das artes. O governo deveria chamar a si esta tarefa. Guanabarino defendia um programa de reformas urbanas modernizantes, argumentando que somente a cidade embelezada pela arquitetura ofereceria o cenário para a necessária educação estética do povo.[12]

16.    Por conta desse compromisso com a ideia de progresso, Guanabarino se preocupava especialmente com o conteúdo das obras:

17.                                  A nova arte [...] precisava basear-se na realidade, não na fantasia. A representação figurativa deveria estar ligada ao mundo real e comum a todos. Nada de grandes composições militares ou grandes feitos históricos em grandes telas; mas sim elevar à monumentalidade as cenas mais particulares dos sertões do país. Ou seja, entregar ao que teriam os brasileiros de mais característico e particular um status histórico.[13] 

18.    Em resumo, no final do século XIX Guanabarino fazia uma crítica comprometida com renovações estéticas - contra a estética estabelecida - e a articulava aos ideais progressistas de seu tempo, às causas sociais e políticas à vanguarda de sua época.  

O 1º crítico teatral desta cidade” (1900-1920)

19.    Com o advento da República, o grupo de Guanabarino ascende ao poder. Quintino Bocaiúva, diretor de O Paiz, ocuparia diversos cargos no novo regime. Rodolpho Bernardelli, artista incensado pela geração de Guanabarino, seria empossado diretor da Escola Nacional de Belas Artes (nome republicano da antiga Academia Imperial de Belas Artes), e lá permaneceria até 1915.[14] Parte importante das renovações exigidas pela geração de críticos da década de 1880, Guanabarino entre eles, fora alcançada.

20.    Apesar de ocasionais críticas ao poder, Guanabarino parecia bastante confortável entre os figurões da República.[15] Sua eminência cresce nesse momento: rara a semana em que não figurava nas páginas dos jornais, envolvido em uma variedade de situações, todas indicando o reconhecimento da sua autoridade. Seu nome emerge nas colunas sociais com tanta frequência quanto nas seções de arte. Transitava entre banquetes, funerais, casamentos, recepções e homenagens a autoridades e despedidas festivas de vultos que embarcavam para a Europa. Em termos profissionais, acumulava igualmente o reconhecimento dos pares. Figura algumas vezes em juris, a propósito de concursos para admissão de professores no Conservatório, avaliação de formandos etc. Em 1910, foi convidado a assumir a direção da Escola Dramática instalada junto ao Teatro Municipal. Em setembro de 1917, foi escolhido presidente da recém-fundada Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, cuja “missão principal será a de defender os interesses dos autores contra a ‘sagacidade’ dos empresários.”[16] Numa consulta popular realizada n’O Paiz sobre “Qual o 1º crítico teatral desta cidade,” Guanabarino recebeu 7055 votos, sagrando-se vencedor.[17]

21.    Na década de 1910, Guanabarino já era considerado um veterano; seus adversários e mesmo os colegas sempre se referiam a sua idade. Júlio Machado, autor da peça Influência atávica, fulminada numa coluna de Guanabarino, referiu-se a ele com mordacidade como “o respeitado vovô de nossa crítica teatral.”[18] Em comparação com o primeiro período de sua atividade crítica, analisado por Grangeia, essa segunda fase profissional de Guanabarino parece menos marcada pela dedicação a causas e programas. Além disso, o crítico abandona a análise sistemática das artes plásticas, concentrando-se em comentar, de maneira casuística e circunstancial, os acontecimentos do mundo do teatro, da ópera e da música sinfônica. Dedicou-se também a escrever peças de teatro, que foram levadas aos palcos em diversas ocasiões.[19]

22.    Uma tênue doutrina se esboçou nesse período, marcada pelo nacionalismo, na forma da condenação ao domínio de estrangeiros sobre o teatro nacional. As linhas gerais do pensamento crítico de Oscar Guanabarino dessa fase foram reunidas numa enquete publicada nas páginas d’O Paiz.[20] O crítico acreditava que se experimentava uma crise: “O nosso teatro vai completar um século de existência, e na sua lamentável decrepitude não se percebem os traços radiantes do seu período áureo.” Na enquete, Guanabarino delineou uma narrativa sobre a trajetória do teatro nacional. “Reflexo da civilização dos povos,” teria nascido entre nós pelas mãos de João Caetano, que se beneficiara de constantes e generosas subvenções governamentais. Em seguida, Furtado Coelho dera continuidade à obra, amparado, dessa vez, pelo financiamento oriundo de “capitalistas.” Para Guanabarino, teria sido “a estúpida Guerra do Paraguai,” junto com a má administração econômica dos estadistas do Império, as responsáveis por fazer definhar o teatro brasileiro após essa primeira fase promissora. Daí em diante, os franceses teriam dominado a atividade no Brasil, especialmente a companhia Alcazar Lyrique. Os brasileiros se resumiam a encenar “operetas e mágicas, caindo por fim nas revistas.” Os franceses seriam substituídos pelos portugueses, financiados pelos patrícios enriquecidos com o comércio no Brasil. Tais companhias lusas eram desprezadas pelo crítico, compostas, segundo ele, “com uma ou duas figuras de nome, rodeada de atores de feira.” No terreno da escrita teatral, acreditava imperar a influência francesa. “A sociedade brasileira não tem característico próprio, e os costumes do povo darão, quando muito, vaudevilles e burletas, e de nossa história apenas poderemos obter dramalhões.” Faltava a nossos autores a coragem de um Henri Berenstein, que em Sansão denunciara o arrivismo que assolava a sociedade francesa. Mas no Brasil, dizia,

23.                                  qual o autor capaz de enfrentar esse assunto e meter em cena esses viscondes e comendadores que enriqueceram vendendo tamancos e peixe na praça do Mercado, ou passando notas falsas, e que, depois, são adulados nas altas rodas e ouvidos como oráculos, quando discorrem sobre assuntos de dignidade e honra? 

24.    O traço mais saliente de sua crítica desse período residia, portanto, naquilo que Lindolfo Collor colocou como sendo a questão do “nacionalismo e cosmopolitismo”: Guanabarino demonstra descontentamento quanto ao que considera predomínio estrangeiro no teatro do Brasil. Para ele, afinal, trata-se de uma falha ocasionada por omissão do estado. Guanabarino reitera sua velha crítica ao poder público, responsável, em sua avaliação, pela decrepitude da cultura: “o teatro é um templo da arte, e a prefeitura uma máquina simplesmente eleitoral.”[21]

A década vesânica (1920-1930)

25.    Um primeiro sinal do tom retrógrado que dominaria a crítica de Guanabarino da década de 1920 em diante apareceu ainda em 1897, em texto sobre a Exposição Geral da Escola Nacional de Belas Artes. Naquele certame foram expostas algumas telas da artista argentina Diana Cid García, que mereceram palavras de reprovação. Criticando-lhe a feição simbolista, Guanabarino recorreu a conceituações aparentemente hauridas da leitura de Max Nordau:[22]

26.                                   [...] essa forma indecisa e antipática tem hoje não só grande número de cultores como até apreciadores e defensores - é a maldita escola simbolista, invadindo o cérebro dos artistas, produzindo uma loucura sui generis que ameaçaria arruinar a arte se espíritos esclarecidos não lhe tivessem saído ao encontro para dar-lhe decisiva batalha. O n. 60, Estudo de nu, é mais bem trabalhado do que qualquer dos dois outros, mas ainda assim nota-se não o cunho do acabado, do completo e do definitivo, sente-se que falta ali qualquer coisa, que o corpo humano não tem aquela forma duvidosa e que esses velados são simples pretexto para evitar a dificuldade do desenho rigoroso, emprestando ao quadro um tom de esboço.[23] 

27.    Pode-se mesmo suspeitar que ele se referisse especificamente ao médico húngaro autor de Degeneração quando falou em “espíritos esclarecidos” que davam combate ao simbolismo. Aparece nessa primeira rusga com as propostas modernas um elemento que emergiria de maneira recorrente no discurso de oposição às vanguardas: a acusação de escassez técnica. A distância cada vez maior que os vanguardistas tomariam em relação às convenções de representação pictórica da natureza seria apontada pelos seus críticos como sendo nada mais que escapismo, ocultando a incapacidade de desempenhar adequadamente o ofício. Aqui, na crítica de Guanabarino a Diana Cid, fala-se artifícios que disfarçam “dificuldade do desenho rigoroso.”

28.    Mas seria apenas na década de 1920 que a posição de Guanabarino em relação à arte tomaria feições decididamente reacionárias. As experimentações formais dos adeptos das vanguardas incitariam a combatividade do crítico, que se dedicaria com afinco a lidar com tais manifestações, especialmente as que se davam no terreno musical. Ao lado dos costumeiros comentários paroquianos sobre recitais, concertos e espetáculos, sobre as minuciosas intrigas institucionais do Instituto Nacional de Música e sobre as qualidades ou defeitos das “senhorinhas” musicistas da capital da República, começam a frequentar as colunas de Pelo Mundo das Artes censuras cada vez mais ácidas às novas tendências da arte em geral, e da música em particular.

29.    Guanabarino reorienta as relações de causalidade, atribuindo a degradação da cultura aos elementos modernos que apareciam no cenário. Em crônica de abril de 1921, abre a longa sessão de ataques ao modernismo com as seguintes palavras:

30.                                  As belas artes, como o mundo social e político, estão passando por uma crise que pode ser atribuída ao desencadeamento de uma loucura epidêmica; e assim como o bolchevismo da Rússia pretende invadir todos os países ocidentais da Europa, para depois levar a corrupção aos outros continentes, espalhando a vesânia para substituir a ordem, assim também temos o bolchevismo nas artes, com a pretensão de destruir tudo quanto o gênio conquistou durante séculos e impor produções que destroem todas as leis estéticas e que atestam uma revolução desvairada, sem princípios fundamentais e sem orientação alguma, sendo essa a sua única lógica, que é a lógica dos desequilibrados.

31.                                  A crítica sensata brada contra semelhantes invasores do território do belo, mas luta, apesar disso, contra a onda crescente dos adeptos desses esnobismos e dos seus admiradores.

32.                                  Agora mesmo, em Paris, o pintor holandês Kees van Dongen, depois de haver conquistado fama quase universal, começou a dar sinais de loucura e, pouco a pouco, foi se infiltrando entre artistas e amadores da pintura até criar um exército de admiradores dos seus quadros absurdos e sem nexo, verdadeiros atestados de desequilíbrio de tal ordem que não se vexa, como já fez, de pintar uma mulher com os olhos nas fontes. [sic]

33.                                  Um doido dessa ordem terá aplausos de outros doidos, quando lhe der na veneta de substituir as mãos humanas por patas de plantígrados ou de felinos. O seu fito, como meio de explorar a imbecilidade que aplaude os produtos da teratologia artística, é proclamar a completa originalidade na pintura e comerciar essa indústria de artes falsificada que se prostitui dentro de um ambiente corrupto.

34.                                  Na música tem se dado o mesmo fenômeno e os críticos da capital francesa ainda não cessaram os ataques sobre o pretenso compositor Darius Milhaud, cujas partituras parecem produtos de um doido.

35.                                  Não nos arrependeremos, pois, de ter sido o primeiro a levantar o brado contra esse novo reformador da nossa arte.

36.                                   [...]

37.                                  Não devemos esmorecer nessa campanha de alto alcance, evitando assim que o nosso ambiente artístico-musical seja dominado pelos ridículos imitadores de Debussy [...].

38.                                  Embora isolados nessa luta não recuaremos, e é por isso que insistimos em certos pontos e somos obrigados a tratar do mesmo assunto sempre que se apresentam as ocasiões [...].[24] 

39.    Em outubro de 1921, voltaria a fazer referência aos rumos da música moderna, que considera absurdos, e apresenta-se como combatente isolado dessas tendências corrosivas: “A tendência atual é para a música moderna verdadeiro contrassenso harmônico, negação constante da técnica musical.” Considerava, porém, que isso fosse passageiro: “isso que por aí anda é uma questão de moda, e toda a moda é transitória.”[25]

40.    Guanabarino encontraria em Heitor Villa Lobos a corporificação brasileira do tipo de músico moderno que repudiava. Comentando um recital de composições do músico, o crítico aprofunda sua doutrina a respeito da música moderna e oferece, ao mesmo tempo, uma visão sobre aquilo que considera ideal em termos musicais. Em sua opinião, os músicos modernos - a quem denomina “cubistas musicais” - dedicam-se a buscar a originalidade a qualquer preço, e nesse afã extrapolam os limites naturais da linguagem musical. Tornam-se assim “absurdos, repugnantes e depravados.” Sua compreensão do que viesse a ser o padrão normal em termos musicais era haurida das ideias de Camille Saint-Saëns, velho compositor francês que se destacava pelo combate às tendências modernas. Dizia, segundo Guanabarino, que a harmonia era invenção recente, desenvolvida a partir do século XVI, que veio trazer ordem à música. Interpondo-se entre ritmo e melodia, a harmonia representava a lógica musical, e punha fim à era de primitivismo. Tal harmonia se fez sobre leis naturais, descobertas e aperfeiçoadas por gerações sucessivas. Lentamente, no entanto, “acordes proibidos foram admitidos e as dissonâncias mais audaciosas adquiriram foros de cidade.” [26] Eis aí, aponta, o motivo do estado absurdo da música moderna: excesso de liberdade com as regras da harmonia. “Querem agora ir mais longe. É impossível. O limite extremo foi alcançado e ultrapassá-lo é cair na cacofonia, como primitivamente.” Matematicamente, as possibilidades musicais são infinitas. Convém, no entanto, em nome das leis harmônicas, traçar limites. A discordância de tons pode ser naturalizada pelo convívio, formando uma tolerância daninha que o crítico compara àquela obtida em relação a outras atividades pouco nobres: “a gente se habitua ao pouco asseio, ao vício, ao crime. Há pessoas para quem o roubo ou o assassinato são fatos habituais.”

41.    O ano de 1922 trouxe a Semana de Arte Moderna e, com ela, os atritos mais ásperos de Guanabarino com os proponentes de renovações estéticas. Menotti del Picchia saiu em defesa dos modernistas e seguiu-se uma prolongada escaramuça entre os dois, que acabaria descendo do terreno da argumentação estética para considerações jocosas na esfera pessoal. A crítica de Guanabarino aos modernistas retorna à fórmula já tantas vezes acionada: denuncia-os como charlatães que abandonam os princípios que deveriam reger as artes, criando “a escola do absurdo com a pretensão de desbancar a arte que vem sendo aperfeiçoada através dos séculos.”[27] Recorre ao artifício de comparar os resultados dessas propostas com as realizações de pacientes psiquiátricos:

42.                                  Essa nova arte, que tem por base a ausência de arte, invadiu a música, a pintura e a escultura sob diversas denominações, mas sem nenhuma novidade, nem interesse a não ser para os psiquiatras. É preciso que se saiba que nos manicômios se produzem poemas, partituras, quadros e estátuas, e que essa arte dos doidos tem o mesmo característico da arte dos futuristas e cubistas que andam soltos por aí.[28] 

43.    Em defesa das propostas da Semana, del Picchia escreveu uma Carta aberta ao Sr. Oscar Guanabarino.[29] O argumento central é que Guanabarino, por mais valor que tenham suas convicções, é parte de um passado que se despede. “Somos expoentes de duas gerações diferentes: uma que morre, outra que surge.”[30] Aos jovens caberia encontrar uma nova forma de expressão, mais adequada ao século XX: “O passado é um cadáver, [...] está bem onde está e, por estar bem onde está, com seus gênios, com seus heróis, com seus deuses, não é justo que penetremos seus umbrais nevoentos, encarapitados num torpedo século XX para acordar a estouros de motor essa boa gente, perturbando-lhe o sono multissecular e venerável.”

44.    Na tréplica, Guanabarino aponta que faltava aos “futuristas” um programa: “Ainda não compreendemos o que querem os futuristas de São Paulo. Apenas percebemos uma revolta contra o passado, contra tudo quanto é antigo, contra as imitações, contra as reproduções, contra o classicismo [...].”[31] Volta aos velhos tropos, reputando-os uma “horda de iconoclastas” que,

45.                                   [...] antes de produzirem, desejam insensatamente destruir o existente para se proclamarem os gênios da atualidade substituindo o belo pelo ridículo, a ciência pelo charlatanismo, o amor pela devassidão, tudo sem ordem, sem leis, sem escala, sem plano, sem ideal, visando tão somente à glória momentânea de um carnaval artístico realizado entre evadidos do manicômio.[32] 

46.    Em resumo, os ataques de Guanabarino a Villa Lobos e também suas invectivas contra a Semana de Arte Moderna incorrem em argumentos que vão ser encontrados em grande parte da crítica antimodernista. Afirma a existência de leis que regem a manifestação artística - às vezes apontadas como naturais, outras como fruto de convenções sociais necessárias e benéficas; argumenta que essas leis - que quase sempre são apresentadas como se estivessem em risco de se perderem - são necessárias e produzem coisas belas, boas e edificantes; associa essas leis ao passado e à tradição, ao trabalho de aperfeiçoamento realizado por gerações sucessivas, num ciclo evolucionista; finalmente, aponta o desapego a essas leis como daninho à sociedade e à cultura; associa esse desapego a alguma tendência mórbida ou criminosa, por parte do artista, ou pelo menos, a um impulso de burla, mistificação, desonestidade, cupidez ou anseio desenfreado por notoriedade.            

Orgia cosmopolita e capadoçagens musicais

47.    O discurso reacionário de Guanabarino na década de 1920 reveste-se também de um repúdio crescente ao que considera o avanço da cultura popular sobre o gosto do público, roubando a audiência das manifestações tidas como elevadas e edificantes. Seu lamento ganha ares dramáticos quando constata que a disseminação do popular nas manifestações culturais contagiava mesmo as classes mais elevadas e instruídas. Lido como “marcha retroativa das artes,”[33] que teria começado na Europa, com “a aparição doida do futurismo agravada pela grande guerra,” o fenômeno ganhou espaço cada vez maior nas censuras de Guanabarino. O crítico deixou de lado a luta contra as propostas formais da vanguarda para combater a penetração do popular na cultura.

48.    Na França, dizia, o charleston já tinha trânsito em todas as esferas sociais: “a dança anti-higiênica, e ao mesmo tempo escandalosa, lasciva e de gestos indecentes oficializou-se em Paris - aristocratizou-se como complemento da moda do quase nu em vésperas de tudo nu.” No Rio de Janeiro, onde, segundo Guanabarino, “o chá dançante matou os concertos,” a preferência por entretenimentos vulgares esvaziava as casas de respeito, e ao mesmo tempo levava multidões a seguirem artistas considerados inferiores. Enquanto grandes pianistas estrangeiros encaravam plateias vazias em seus recitais, levando uma má impressão da cidade para o mundo todo, músicos populares enchiam as salas de espetáculo.[34] Guanabarino censurava também o triunfo das modinhas, “que todos nós conhecemos há mais de 60 anos, por intermédio de capadócios em esquinas e praias ao luar.” Lamentava ainda o fenômeno do cinema, que roubava público ao teatro de valor.[35]  O velho crítico acreditava estar testemunhando um processo progressivo de degradação, onde a demanda do público por diversões rasteiras produzia espetáculos cada vez menos edificantes, o que por sua vez contribuía para a queda do nível do gosto geral: “o público perverteu o teatro e o teatro desmoralizou o público.”[36]

49.    Esse tipo de censura se aplicava também à arte “erudita” que transigia com padrões da cultura popular. Guanabarino considerava absurdas as propostas da arquitetura neocolonial: “com um pouco de exagero, poderíamos chegar à perfeição das palhoças e construir uma belíssima capital com casinhas cobertas de sapê.”[37] Entre todos os artistas que experimentavam com os elementos populares, Villa Lobos mereceu as admoestações mais ásperas e recorrentes. Comentando os sucessos do compositor, que produzia num estilo que denominou “barulhismo”, Guanabarino pôde aprofundar sua reflexão sobre a natureza da arte brasileira, pela via negativa, tratando de separar da “nossa cultura” os elementos africanos e lusos, e aqueles oriundos das classes populares do Brasil e da Europa. Diante da aclamação que recentemente vinha recebendo Villa Lobos, apontava que parte do público o sancionava por conta de suas experiências com as sonoridades populares:

50.                                  Em algumas de suas peças para piano existem os arabescos musicais, fórmulas arpejadas que não são novas, mas usadas há mais de um século e muito exploradas por Liszt e Chopin, e milhares de compositores; e ultimamente por quase todos os modernos. Do meio desses desenhos surgem então, os motivos populares, que não são seus e sim do povo, com a sua melodia ingênua, primitiva, elementar; mas alegra porque desperta a saudade, a saudade dos tempos que lá se foram, ou lembram festas populares.[38] 

51.    “Mas, o Brasil” seguia, “não é a costa d’África, mãe de certos ritmos introduzidos na música que pretendem naturalizar como brasílica; nem tampouco é nacional o ritmo do Zé Pereira, genuinamente português, e no entanto introduzido em uma das composições do músico futurista.”[39] A admissão de elementos populares na composição musical de talhe erudito seria o elemento central da censura de Guanabarino à arte de Villa Lobos. Pelos anos 1920 afora, o crítico sempre se referiria de maneira pejorativa a essa faceta do músico, subindo de tom na medida em que apareciam sinais cada vez mais frequentes do sucesso e da aceitação das propostas do maestro.[40] Tratava-se, no seu julgamento, de uma “[...] arte baixa e capadoçal que os insensatos procuram arrastar das ruas para introduzir nos nossos salões e invadir o teatro, templo em que se cultuam as mais belas manifestações dos artistas.”[41] Ecoando crítica de mesmo teor publicada no Estado de São Paulo, Guanabarino se referia à invasão do Instituto Nacional de Música pelo violão, pelas mãos dos “próprios professores que se exibem encasacados nos tremelicados de Lorenzo Fernandes[42] e em concertos em que se canta o ‘Atirei um pau no gato’ e muitas outras imoralidades artísticas.”[43] Para ele, tratava-se de grupos “mambembes,” cujas “[...] composições terrivelmente enfadonhas na sua chatice e na sua indigência de forma” compunham uma “bagaceira [...] em que os autores se repetem uns aos outros, e quase todos repetem temas que se eternizam, mais ou menos modificados, nas revistas de cada ano, muitos dos quais são meras reminiscências de fados, canções italianas, cançonetas francesas e tangos argentinos. Essa orgia cosmopolita nada tem de carioca e muito menos de brasileira.”[44]

52.    Em comparação com a França que, segundo Guanabarino, reconhecia algum valor nos cançonetistas, mas não oferecia a eles os palcos dos teatros mais nobres, os brasileiros confundiam os limites entre as diferentes vertentes artísticas:

53.                                  Aqui, sob o pretexto de valorizar ‘o que é nosso’, vamos estabelecendo uma lamentável confusão a respeito das diversas formas de arte, confusão que se agravou com o advento da escola intuicionista e suas derivadas que, proclamando o desprezo de todo o conhecimento adquirido e a necessidade de libertação (?), acabaram no mais anárquico e estúpido individualismo.[45] 

54.    A crítica de Guanabarino mantém coerência com a linha nacionalista que manifestara já no século XIX; continua a bradar contra a “orgia cosmopolita” - que aparece em fados, cançonetas francesas e sonoridades italianas - e agora, adicionava à censura as intromissões vindas da cultura popular, consideradas igualmente “estrangeiras:” coisas da África, Zé Pereiras de raízes lusas.  

Dividido estado de espírito”

55.    Os embates empreendidos por Guanabarino contra a penetração de elementos populares parece demonstrar que uma das características centrais da cultura daqueles anos finais da década de 1920 era justamente a convivência de dois projetos distintos e, em certa medida, antagônicos. Alguns episódios ocorridos nesse período demonstram certa indecisão entre o moderno e o tradicional, entre o erudito e o popular e, no limite, um certo grau de hibridização das duas vertentes. O caso da Exposição Ibero-Americana de Sevilha, comentado por Guanabarino, explicita essa situação. Os agentes do governo brasileiro selecionaram um conjunto heterogêneo de elementos, destinados a serem exibidos na cidade andaluz como representantes da cultura nacional.

56.    O descontentamento de Oscar Guanabarino com a penetração da cultura popular atingiu mais um de seus paroxismos por ocasião da notícia da concessão de subvenção a uma certa “Miss Violão” pelo governo brasileiro. Era assim que o velho crítico se expressava quanto ao assunto em coluna do dia 10 de julho de 1929:

57.                                  Miss Violão anunciou-se, em seus programas, como embaixatriz da canção e poesia brasileira, em Sevilha, para onde irá também uma turma de guitarristas, um pandeirista (!) e uma flauta!

58.                                  Esse grupo também diz-se subvencionado pelo governo para dar concertos no pavilhão do Brasil em Sevilha.

59.                                  Miss Violão justificou as credenciais de que é portadora cantando A volta do bambolelê, Segunda-feira do Bonfim, A Rede de jatobá e Eu vou ioiô, canções anônimas, apanhadas nos monturos das cidades, e mais a canção cantada por negro ou por caipira bruto - Sôdade véia, de um senhor Kioto.[46] 

60.    Completando a censura, Guanabarino relatava ter testemunhado o ocaso de um excelente oboísta seu conhecido que, mesmo sendo músico de excelência comprovada, não encontrava emprego. Para sobreviver, tornara-se mata-mosquitos. Guanabarino concluía a crítica articulando as duas narrativas em relação de causalidade: as agruras do excelente oboísta deviam-se à falta de interesse do público pelo tipo de música em que se especializara. O interesse se voltara para os gêneros vulgares, como o de Miss Violão:

61.                                  Não há trabalho para certos instrumentistas. Os cinemas têm os seus grupos completos, e os teatros de revista baniram a orquestra e adotaram a ‘jazz band’. No Recreio há um regente completamente analfabeto, sem reconhecer nem sequer as notas de música. Esse ilustre representante do que é nosso diz que isso de saber música para ser regente de orquestra é uma história. O pianista toca de ouvido e é o compositor da música que se canta em cena; e os verdadeiros músicos do jazz apanham de ouvido o que se improvisa ao piano, bem ou mal, porque tudo serve. O regente marca o compasso, que é sempre o mesmo, dança, canta, descompõe os artistas em cena, o que produz gostosas gargalhadas na plateia. Esse homem ganha mais que o Maestro Francisco Braga percebe como regente da Sociedade de Concertos Sinfônicos. Dizem que o seu ordenado, não por ser músico, mas por ser um número, é de três contos de réis mensais. Vale a pena ser ignorante. E ao passo que isso se dá numa Capital civilizada como a nossa, aquele oboísta, para não morrer de fome, foi ser mata-mosquito!

62.    As admoestações de Guanabarino contra Miss Violão fazem-nos voltar os olhos para a Exposição Ibero-Americana de Sevilha e, com mais atenção, para a participação brasileira neste evento. Segundo Sílvio Belmonte de Abreu Filho, a exposição vinha sendo projetada pelas autoridades espanholas desde o início do século XX. O evento foi realizado em duas cidades, Sevilha e Barcelona, e tinha ambições simbólicas bem definidas: “celebrar a permanência dos vínculos da metrópole com suas ex-colônias na América” (função reservada para a etapa sevilhana) e assinalar “a inserção da Espanha na Europa moderna” (a ser desempenhada em Barcelona).[47] Tal estratégia servia às necessidades de uma Espanha que, para se reafirmar, precisava ao mesmo tempo fazer lembrar seu passado glorioso e abrir caminhos para um futuro alinhado à modernidade:

63.                                  O dividido estado de espírito espanhol acabou resultando em duas exposições, cada uma atendendo a uma face do aparente paradoxo: à Andaluzia caberia revigorar os laços culturais e comerciais com as antigas colônias na América, agora independentes, celebrando a identidade de um ‘mundo espanhol’; à Catalunha, principal região industrial do país, caberia demonstrar a capacidade de sua indústria e seu avanço técnico, como vanguarda da Espanha moderna e europeia.[48] 

64.    A participação brasileira na seção de Sevilha, pelo menos no que tange à programação cultural, também aponta um “dividido estado de espírito.” Convivem na festa a arte erudita e a popular, o moderno e o tradicional. A começar pelo próprio prédio que abrigou a mostra brasileira. Situado na Avenida Rainha Vitória, vizinho ao pavilhão do México, o prédio brasileiro “é de construção sóbria, estilo colonial”[49] [Figura 1].  O projeto era de Pedro Paulo Bernardes Bastos, e fora selecionado, segundo a mesma nota do Correio Paulistano, em concurso aberto para esse fim. Apesar da forma colonial, o edifício era dotado de todas as comodidades modernas: “No porão construíram-se quatro quartos magníficos, com quarto de banho completo, para localizar o pessoal do comissariado. Perfeita, toda em conduit, a instalação elétrica. Água potável e filtrada [...], gás, telefone e extintores completam os serviços do pavilhão.”[50]

65.    O ecletismo cultural mostrou-se mais claramente em novembro, quando se realizou a “Semana Brasileira” na Exposição Ibero-Americana de Sevilha.  A programação dos eventos demonstra a coexistência de tendências distintas: composições eruditas e tradicionais apresentaram-se ao lado de criações de sambistas e modinheiros. A poesia de Manuel Bandeira foi recitada em seguida à de Machado de Assis. Partituras tradicionais, como as de Chopin e Carlos Gomes - este, venerado por Guanabarino - conviveram com o “barulhismo” de Villa Lobos, em concerto que contou com a presença de “Suas Altezas os Infantes Dom Carlos e Dona Luiza”[51].  Houve ainda a apresentação da série Canções brasileiras, composta por Casa de caboclo, Sabiá, Iaiá e Morena - cujos compositores não foram nomeados, o que pode indicar sua origem popular.

66.    Constou ainda do programa a “Srta. Helena de Magalhães Castro, que é graciosa, diz regularmente e canta modinhas brasileiras ao violão, vestida de baiana e de gaúcho.”[52] Era ela, afinal, a Miss Violão.[53] Helena era uma das mais destacadas expoentes de uma geração de “senhoritas” que passava a se dedicar ao violão e às composições populares. José Jarbas Pinheiro Ruas Júnior dedicou um artigo ao fenômeno, recolhendo os nomes e as trajetórias de mulheres que ajudaram a romper a resistência ao instrumento.[54] Trata-se de um verdadeiro movimento de valorização do violão, promovido por jovens de bairros aristocráticos do Rio de Janeiro, tornando o instrumento digno de frequentar as salas familiares da sociedade carioca.[55] Além de reformar a imagem do violão na sociedade, musicistas profissionais como Josefina Robledo e Olga Pragner ampliaram as possibilidades do instrumento, preparando arranjos e adaptações que permitiam a execução de composições complexas. Logo, compositores eruditos passaram a escrever especialmente para o violão, caso de Bachianna nº 5, de Villa Lobos, dedicado a Pragner.[56]

67.    De fato, o movimento de adoção do violão pelas mulheres cariocas parece demonstrar uma transição significativa, disputando espaço com a “pianolatria.” Afinal, desde o início do século o piano se tornara parte do cenário doméstico e etapa quase inescapável da formação feminina.[57] Na descrição feita pela revista O Violão, o instrumento de cordas vinha ocupar o mesmo espaço social que o piano:

68.                                  A labareda está aí crescendo cada vez mais, alimentada a sua força pela arte e pela graça brasileira de Olga Pragner, Helena de Magalhães Castro, Jessy Barbosa e outras tantas sacerdotisas, que em recitais e reuniões familiares mantêm o fogo sagrado. A revista rejubila-se com esse movimento que é toda a sua recompensa almejada e aqui estará para contribuir com o seu grão de areia.[58]

69.    Oscar Guanabarino notava também o fenômeno, mas o recebia de maneira negativa: 

70.                                  A tendência de nossa sociedade é lamentável e o violão, tocado de ouvido e sem mestre, já vai invadindo os salões da sociedade carioca.

71.                                  Há casas em que todos repinicam o violão: a patroa, que relembra os bons tempos que já lá vão; a melindrosa, que também canta sem voz e sem saber cantar, o chaffeur, que mata as saudades de sua terra, e a cozinheira, que tem alma de artista [...].[59]  

72.    O crítico niteroiense lançaria uma campanha contra o violão, “instrumento de capadócio, inda que sirva de passatempo ingênuo na intimidade das famílias ou em saraus familiares.”[60] O culto ao violão e à música popular acabou se tornando, para o crítico, num dos principais alvos de sua censura: considerava-o culto da imoralidade e apologia do analfabeto. Por ocasião da Festa da Primavera, promovida pela Mocidade Feminina Carioca em 28 de setembro de 1929, Guanabarino escreveu as seguintes palavras:

73.                                  Para exaltar o Brasil, entendeu a Mocidade Feminina Carioca reunir no palco do Municipal tudo quanto temos de mais ridículo e de mais estúpido - o caipira, o imbecil e o negro, sob o título mentiroso de arte regional, quando apenas foram buscar os tipos de analfabetos que formam a vergonha do Brasil; danças de negros cujos ascendentes foram escravos; berradores de trovas - Cocos - Sambas e Emboladas - Toadas e Cateretes, que a mocidade feminina cantou, dançou e requebrou![61]

74.    As censuras repetidas por Guanabarino ao longo da década de 1920 acabam por se articular em relações de causalidade, formando uma narrativa sobre a trajetória da cultura moderna:

75.    Há quem esteja fatigado de ouvir as obras primas dos gênios musicais, exigindo sensações novas, processos novos, uma outra instrumentação que não se pareça com a de Wagner nem com a de Verdi, tanto que já foi escrita uma ópera jazz band que já percorreu o mundo com o mesmo êxito alcançado pelas partituras dos mais célebres compositores.

76.                                  Cumpre notar, entretanto, que os grupos de aberrantes crescem em proporções assustadoras. O álcool tem, forçosamente, que ceder terreno à cocaína e aos derivados do ópio. Quando a população do Rio era de quinhentas mil almas apenas o teatro era um atrativo de primeira ordem, tanto para os intelectuais, que preferiam os espetáculos dramáticos, como para os sensíveis à música, que de preferência iam ouvir óperas ou operetas.

77.                                   [...]

78.                                  Na atualidade, porém, o que se observa na maioria dos rapazes ricos é o prazer em guiar automóveis de alta categoria, frequentar campos de football e pagar a peso de ouro uma grama de cocaína.

79.                                  A música não está em crise; em crise estão aqueles que não a percebem ou que a desdenham por tola afetação; mas, como existe essa corrente, claro está que nasceram seus exploradores.[62]  

80.    O velho publicista extrapolava o campo da arte, expandindo seus diagnósticos para a vida moderna como um todo. Cria uma visão de mundo marcada pelo repúdio às tendências do presente. Ao fazê-lo, reaviva velhas ideias de Max Nordau: como o médico húngaro, o niteroiense também observa e censura os consumidores, responsabilizando-os pela proliferação dos excessos na arte. Retoma também uma certa tradição oitocentista que atribuía a culpa pela degradação da cultura e da moralidade à vida nas grandes cidades e às modificações trazidas pela modernidade. Em contradição com o jovem e combativo publicista que fora na década de 1880, acabaria por cultivar a nostalgia dos tempos imperiais. Com frequência, nas últimas crônicas que publica, refere-se às qualidades desaparecidas dos tempos de D. Pedro II: a moralidade, a excelência artística, etc. Guanabarino fecha o ciclo de sua atividade crítica em 1936, alguns meses antes de falecer.[63] 

Considerações finais 

81.    A trajetória da crítica de Oscar Guanabarino sinaliza a ascensão e ocaso de um programa estético bastante nítido, que emergiu no final da década de 1870. Talvez se possa falar em uma “Estética Positiva,” conforme proposta por um contribuinte da Revista Musical e de Bellas Artes que, sob o pseudônimo Fromentin, descreveu os princípios científicos que presidem os fenômenos estéticos.[64] Procurando tirar a arte das garras da metafísica, “Fromentin” expôs uma fisiologia da produção e da recepção estética, aludindo ao papel desempenhado pelos nervos e cérebros. Nesse processo - totalmente desenvolvido no campo das ciências naturais - o pensamento mecanicista tinha protagonismo, “descobrindo” as leis que regem tais fenômenos. Guanabarino jamais foi partidário fundamentalista destas aplicações científicas, mas em sua crítica vão emergir ideias claramente vinculadas a tal matriz, como a da existência de leis oriundas de um processo evolutivo, a serem obedecidas incondicionalmente. Essa ideia aparece claramente quando tenta desclassificar a música moderna pela insistência em ignorar as “leis” da harmonia. Nesse mesmo ponto, ele repete a crença - também cara aos “positivos” - da existência de níveis de desenvolvimento e de hierarquias entre as culturas, alocadas numa gradação que se eleva das “primitivas” às “civilizadas.” Na mesma Revista Musical e de Bellas Artes, também em 1879, fez-se a relação entre os estágios de desenvolvimento dos povos e o domínio das estações musicais:

82.                                  O ritmo tanto pertence ao selvagem quanto ao homem civilizado; a melodia é o efeito musical mais acessível e mais fácil ao ouvido humano, e é por isso que ela impressiona com preferência os povos meridionais, tão propensos a tudo que lhes dê pouco trabalho; a harmonia é a última perfeição da arte, a sua parte mais bela e mais científica e a que indica mais o estado de adiantamento da arte entre qualquer povo.

83.                                  O ritmo é de todos, a melodia de muitos, a harmonia de alguns.[65] 

84.    Há aí um claro eurocentrismo, colocando como pináculos do desenvolvimento da humanidade os elementos culturais produzidos pelo Velho Mundo. Guanabarino jamais se desapegaria dessa noção, e por isso foi incapaz de aceitar a fulminante penetração do “popular” na arte. Agiu, nas palavras de Elizabeth Travassos, como mais um daqueles que mantinham vigiadas as fronteiras da música erudita,[66] procurando afastar, com seus textos cortantes e cheios de graça, as “capadoçagens” musicais dos templos que deveriam estar exclusivamente consagrados às musas dos “povos setentrionais.”

85.    Fromentin, Guanabarino e Nordau, entre tantos outros, operavam a mesma crítica de arte científica, sob os mesmos princípios. Em 1879, ela era exercida em nome da renovação, no combate ao estabelecido, ao que era já então denominado “acadêmico.” Tal paradigma consolidou-se com a República, gozou uma fugaz hegemonia, e passou a sofrer uma gradual e inexorável corrosão a partir dos anos 1920, quando novas propostas estéticas tornaram-no obsoleto, incapaz de lidar com as novas manifestações e formas. Se em 1929 a legação brasileira na Exposição Ibero-Americana de Sevilha ainda ostentava sinais de um “dividido estado de espírito,” nos anos 1930 a vanguarda triunfaria, ocupando espaços institucionais e ganhando ares de estética oficial, ainda que algumas cidadelas mantivessem resistência ao cerco. Guanabarino manteve-se coerente com seus princípios, e por isso seu pensamento oferece uma visão do modernismo pelo avesso. Os antropófagos assim o foram, ao que parece, porque precisavam justamente encontrar uma forma de digerir aquilo que lhes deram de comer na infância: as categorias culturais que lhes cercavam e lhes moldava o pensamento. Uniram-se pelo fígado, pelo ódio ao que, como jovens, percebiam inútil e anacrônico, e que lhes toldava a ação. Entre o primitivo e o civilizado, o antropófago comeu os dois e ficou lambendo os dedos: começava a cordial mastigação.  

Referências bibliográficas 

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MACHADO, Antônio de Alcântara. Abre-Alas. In: Revista de Antropofagia. Ano1, Número 1, Maio de 1928. 

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RUAS JÚNIOR, José Jarbas Pinheiro. O violão feminino na Primeira República: Um viés através da Revista O Violão. In: Anais do IV Simpósio Internacional de Musicologia, 2014, Pirenópolis. IV Simpósio Internacional de Musicologia, 2014. v. 1. p. 275-280.

SCHAPOCHNIK, Nelson. Considerações mamalucas sobre o futurismo paulista. In: GUASTINI, Mário. A Hora Futurista que Passou e outros escritos. São Paulo: Boitempo, 2006. 

TRAVASSOS, Elizabeth. Modernismo e música brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

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[1] SCHAPOCHNIK, Nelson. Considerações mamalucas sobre o futurismo paulista. In: GUASTINI, Mário. A Hora Futurista que Passou e outros escritos. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 19.

[2] Parte da apreciação que segue deve-se à pesquisa de Fabiana de Araujo Guerra Granjeia, publicada em 2005. Granjeia concentrou sua análise no período que vai do início da atividade de Guanabarino como crítico de arte, na década de 1880, até a data limite de 1900. Em sua dissertação, ela delineou as feições principais do discurso de Guanabarino no período, que serão apresentados a seguir. A apreciação sobre o período posterior a 1900, e especialmente sobre os atritos com os modernistas, se serviu dos textos do próprio crítico, tanto daqueles publicados na coletânea organizada por Maria Eugênia Boaventura quanto por outros coletados em periódicos da época.

[3] Cfr.: Carta aberta ao Sr. Oscar Guanabarino. Jornal do Commercio, São Paulo, 23 fev. 1922, reproduzida em BOAVENTURA, Maria Eugênia (Org.). 22 por 22: A Semana de Arte Moderna Vista pelos Seus Contemporâneos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000, p. 117.

[4] GONÇALVES, Marcos Augusto. 1922 - A semana que não terminou. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 338-339.

[5] GRANGEIA, Fabiana de Araujo Guerra.  A crítica de artes em Oscar Guanabarino : artes plásticas no século XIX. Dissertação (mestrado - Orientador: Jorge Sidney Coli Jr.). Campinas: Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2005, p. 25-26.

[6] Revista Musical e de Bellas Artes, Ano 1, ed. 1, 4 jan. 1879, p. 1. Guanabarino publicaria nas páginas da Revista, em abril de 1879, um artigo intitulado O Metrônomo, em que avaliava a utilidade do instrumento para o estudo musical; em 1880 contribuiu com uma longa série de artigos intitulados O Professor de Piano ou Arte de educar um pianista desde os rudimentos até o ensino transcendental; neste último, Guanabarino inaugurou a longa sucessão de críticas à forma como o Conservatório Musical do Rio de Janeiro era conduzido, tema que iria aparecer em seus escritos initerruptamente até a década de 1930.

[7] Guanabarino escreveria para a coluna até 1919. Em 18 de setembro daquele ano, mudou-se para o Jornal do Commercio, onde redigiu o folhetim Pelo mundo das artes, coluna hebdomadária que manteria até 1936. Ao contrário de Artes e Artistas, em que se revezava com outros publicistas, no Jornal do Commercio Guanabarino redigia com exclusividade.

[8] GRANGEIA, op. cit., p. 18.

[9] Idem, p. 187; itálicos no original. Os redatores da Revista Musical e de Bellas Artes defendiam ideais parecidos com os de Guanabarino. Combatiam a arte “acadêmica,” que diziam “idealista,” em nome de uma pintura mais “realista”:  “O realismo não admite nenhuma dessas concessões, que na escola idealista se chama convenção. O realista não grupa, não compõe, não cria sombras para fazer sair os claros, não procura nem o desmancho, nem o equilíbrio, nem os fundos falsos e sacrificados ao episódio principal do quadro. O realista apanha em flagrante a natureza como ela é.” (Academia de Bellas Artes. Revista Musical e de Bellas Artes, Ano 1, ed. 12, 5 abr. 1879, p. 1, itálico no original.

[10] GRANGEIA, op. cit., p. 48-49. Não havia, no entanto, unanimidade na condenação a Facchinetti: os críticos da Revista Musical o consideravam entre os poucos artistas elogiáveis em atividade no Brasil; cfr.: O pintor Facchinetti. Revista Musical e de Bellas Artes, Ano 1, ed. 40, 4 out. 1879, p. 5.

[11] GRANGEIA, op. cit., p. 189.

[12] A preocupação de Guanabarino com a organização do espaço público na cidade se estenderia pelas décadas seguintes. De início, alinhou-se às correntes progressistas, defendendo o projeto republicano de reformas urbanas. Da década de 1920 em diante, suas observações seriam pontuadas pelo tom lamentoso, seja pelo estado de abandono em que supostamente se encontrava a capital da República, seja pela disseminação das favelas, seja pelo sucesso do estilo neocolonial, abominado pelo niteroiense. Por conta dessa repulsa, Guanabarino exerceria em suas colunas uma perseguição ao arquiteto José Mariano Filho, que dirigiu a Escola Nacional de Belas Artes entre 1926 e 1927. Ver, por exemplo, a associação que faz entre favelas e a “arquitetura primitiva” supostamente cultivada pelos divulgadores do estilo neocolonial em: Pelo mundo das artes. Jornal do Commercio, 6 fev. 1929, p. 2.

[13] GRANGEIA, op. cit., p. 188.

[14] Havia dissensões internas importantes no interior do grupo dos “reformadores,” que entre os meses finais do Império e o final do ano de 1890 envolveram-se em ásperas contendas que deixaram lembranças nos jornais da época e chegaram a ameaçar a própria existência da Academia; cfr.: CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. Os embates no meio artístico carioca em 1890 - antecedentes da Reforma da Academia das Belas Artes. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, abr. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/criticas/embate_1890.htm>.

[15] Um episódio demonstra a influência do crítico: logo após a Proclamação da República, aventou-se a possibilidade de substituir o Hino Nacional, visto por alguns como demasiadamente ligado ao regime anterior. Abriu-se um concurso para a escolha da nova partitura. Guanabarino lançou feroz campanha contra as propostas apresentadas. Em artigo publicado n’O Paiz em 4 de janeiro de 1890, dirigiu-se ao próprio Marechal Deodoro da Fonseca, exigindo a manutenção do antigo hino. Deodoro suspendeu o concurso, e muitos sugerem que a campanha do crítico tenha influenciado essa decisão. Cfr. GRANGEIA, op. cit., p. 26.

[16] Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, O Paiz, 7 out. 1917, p. 2.

[17] Artes e Artistas. O Paiz, 14 set. 1909, p. 4.

[18] Artes e Artistas. O Paiz, 26 set. 1910, p. 3.

[19] Em maio de 1909 foi levada aos palcos a peça Aurora; em agosto de 1912, estreou Ave Maria; O Sr. Vigário foi a público em julho de 1916; em 1917, foram montadas Perdão que mata e As três velhinhas. De acordo com o que se colhe na imprensa da época, percebe-se que as peças de Guanabarino eram em geral elogiadas pela crítica e parecem ter agradado também ao público. Elas circularam para outras cidades do Brasil (foram citadas São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre) e também no exterior (Paris, Montevidéu e Buenos Aires).

[20] COLLOR, Lindolfo. O Teatro Nacional - enquete - Opinião do Sr. Oscar Guanabarino. O Paiz, 20 abr. de 1912, p. 3; provém dessa fonte todas as citações deste parágrafo.

[21] Idem.

[22] Max Nordau, médico judeu húngaro residente em Paris, publicou em 1892 e 1893 os dois volumes da obra “Entartung” (“Degeneração”), que logo foi traduzida para diversos idiomas, inclusive o português. Nordau identificava as tendências estéticas modernas como oriundas de moléstias psíquicas. “Degeneração” esgotou diversas edições e foi amplamente discutida no final do século XIX; cfe.  NORDAU, Max Simon. Degeneration. London: William Heinemann Publisher, 1895; para mais informações sobre o teor de Degeneração e seu contexto de produção, ver CAIRES, Daniel Rincon. Arte Degenerada: a crítica de arte científica de Max Nordau. In: Anais do XXIII Encontro Regional de História da ANPUH-SP, Assis-SP, 2016.

[23] Apud. GRANGEIA, op. cit., p. 161-162.

[24] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 24 mai. 1921, p. 2.

[25] Ambas citações desse parágrafo são de Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 12 out. 1921, p. 2.

[26] Todas as citações desse parágrafo são de Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 26 out. 1921.

[27] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 22 fev. 1922, p. 2; apud. BOAVENTURA, op. cit., p. 255.

[28] Idem, p. 256.

[29] Carta Aberta ao Sr. Oscar Guanabarino, Correio Paulistano, 23 fev. 1922, p. 4; apud. BOAVENTURA, op. cit., p. 115-119.

[30] Idem, p. 116.

[31] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 8 mar. de 1922, p. 2; apud. BOAVENTURA, op. cit., p. 287.

[32] Idem, p. 286.

[33] Todas as citações desse parágrafo são de: Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 2 fev. 1927, p. 2.

[34] Na crônica, Guanabarino citava exemplos das duas situações. Relatou as dificuldades enfrentadas pelo pianista Leopold Godowsky, que diante do fracasso de bilheteria no Rio de Janeiro viu-se obrigado a vender o piano que trouxera ao Brasil para poder cobrir as despesas e retirar-se do país sem deixar dívidas. Por outro lado, referiu-se de maneira pouco lisonjeira ao sucesso do grupo Turunas de Mauriceia: “um grupo de sertanejos” dentre os quais “não havia um único artista digno dessa denominação. Eram uns tocadores de violão e um berrador, com voz de bezerro, sem saber cantar.” Guanabarino revoltava-se que tal “patacoada musical” tivesse conseguido lotar o Lyrico por três noites seguidas; cfr.: Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 2 fev. 1927, p. 2. O crítico voltou a atacar esse mesmo grupo em 1929, cfr. Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 21 ago. 1929, p. 2.

[35] “[...] o público deixa o teatro dramático vazio na segunda representação de peças de valor, [mas] frequenta o cinema onde essas mesmas peças são representadas por artistas de merecimento discutível, sobressaindo mais os galãs bonitos e as mulheres formosas;” cfr.: Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 20 mar. 1929, p. 2.

[36] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 23 fev. 1927, p. 2.

[37] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 9 mar. 1927, p. 2.

[38] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 9 jun. 1926, p. 2.

[39] Idem.

[40] Ainda em 1929, diante de uma crítica publicada na França enaltecendo as realizações do maestro brasileiro, Guanabarino destacava o absurdo da introdução da cirandas, Zé Pereiras e choros nas composições elogiadas; cfr.: Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 24 abr. 1929, p. 2. Em julho do mesmo ano, lamentava a suposta má fama que o maestro trazia ao Brasil: “[...] Villa Lobos faz intensa propaganda que parece paga pelos argentinos para nos desacreditar, apresentando-nos como um país de negros e selvagens”; cfr.: Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 24 abr. 1929, p. 2.

[41] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 3 jul. de 1929, p. 2.

[42] Oscar Lorenzo Fernandes (1897-1950) ocupava a cátedra de Harmonia, Contraponto e Fuga e Composição no Instituto Nacional de Música desde 1923.

[43] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 3 jul. de 1929, p. 2.

[44] Idem.

[45] Ibidem; o sinal gráfico aparece no original.

[46] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio; 10 jul. 1929, p. 2.

[47] ABREU FILHO, Sílvio Belmonte de. Duas exposições espanholas: Sevilha e Barcelona, 1929. ARQTEXTO (UFRGS), v. 16, p. 28-55, 2010, p. 29.

[48] Idem, p. 30.

[49] Exposição Ibero-Americana de Sevilha. Correio Paulistano, 10 mai. 1929, p. 7.

[50] Idem.

[51] A “Semana Brasileira” na Exposição Ibero-Americana de Sevilha. Jornal do Brasil, 26 dez. 1929, p. 9.

[52] Idem.

[53] A correspondência entre Helena de Magalhães Castro e Miss Violão pode ser confirmada pelo programa de recital da artista, publicado nas páginas do próprio Jornal do Commercio, alguns dias antes da fuzilaria do crítico niteroiense; cfr.: Helena de Magalhães Castro. Jornal do Commercio, 2 jul. 1929, p. 6. Aparecem ali as mesmas músicas atribuídas por Guanabarino à Miss Violão, bem como a referência ao compositor Kioto e sua Sôdade véia.

[54] RUAS JÚNIOR, José Jarbas Pinheiro. O violão feminino na Primeira República: Um viés através da Revista O Violão. In: Anais do IV Simpósio Internacional de Musicologia, 2014, Pirenópolis. IV Simpósio Internacional de Musicologia, 2014. v. 1. p. 275-280.

[55] Idem, p. 275. O movimento contava com veículos na imprensa, como a revista O Violão e a coluna Pelo que é nosso, publicada no Correio da Manhã.

[56] Idem, p. 279.

[57] CAMARGOS, Márcia. Entre a vanguarda e a tradição: os artistas brasileiros na Europa (1912-1930). São Paulo: Alameda, 2011, p. 45.

[58] Publicado na revista O Violão, nº 8, de 1929. Citado em RUAS JÚNIOR, op. cit., p. 279.

[59] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 21 ago. 1929, p. 2.

[60] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 4 set. 1929, p. 2.

[61] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 9 out. 1929, p. 2.

[62] Pelo Mundo das Artes. Jornal do Commercio, 20 mar. 1929, p. 2.

[63] A última aparição de Pelo Mundo das Artes encontrada foi publicada no dia 17 de junho de 1936. Não foram encontradas justificativas ou explicações para a interrupção. Sete semanas depois, o Jornal do Commercio deu início a um novo folhetim, que passou a ocupar o espaço de Pelo Mundo das Artes.  Guanabarino faleceu 17 de janeiro de 1937; num texto publicado no dia seguinte, dizia-se que morrera “após longa doença, que muitos meses antes de lhe tirar a vida lhe tirou a atividade” (apud GRANGEIA, op. cit., p. 30).

[64] Estética Positiva. Revista Musical e de Bellas Artes; a série foi publicada entre as edições 19 (10 mai. 1879) e 25 (21 jun. 1879) do ano 1.

[65] O Zé Pereira. Revista Musical e de Bellas Artes, ano 1, ed. 8, 22 fev. 1879, p. 1.

[66] TRAVASSOS, Elizabeth. Modernismo e música brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 16.