O
caso Lobato x Malfatti: contendas de gênero e estética na década de 1920 no
Brasil
Talita
Trizoli
TRIZOLI, Talita. O caso Lobato x Malfatti: contendas
de gênero e estética na década de 1920 no Brasil. 19&20,
Rio de Janeiro, v. IX, n. 2, jul./dez. 2014. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/criticas/amalfatti_lobato.htm>.
*
* *
1.
Ícone
do Modernismo tupiniquim e “heroína” feminina da pintura, Anita
Malfatti é denominada pela historiografia brasileira como a primeira
artista moderna no país, sendo também apontada como responsável pelo racha
histórico entre uma tradição acadêmica predominante, de estrutura
institucional, portanto hermética, e uma estética moderna que aqui chegava aos
poucos. Sua trajetória pessoal e profissional, mas principalmente a “infame”
exposição individual de 1917, são por si só um elemento curioso e de alta
relevância para a compreensão do meio artístico nacional e seus dispositivos
validadores.
2.
Discutido
e analisado sob diversos aspectos, muitas vezes até a exaustão, o caso
envolvendo Malfatti versus Monteiro
Lobato - o literato e crítico de arte responsável pela impactante crítica
que num primeiro momento levou o nome de Malfatti à escória artística, para a
posteriori, por fatores históricos, a pôr no status de precursora da
arte moderna brasileira - merece há muito tempo uma análise crítica de gênero a
fim de esclarecer possíveis especulações e enganos quanto ao caso.
3.
Refiro-me
aqui a certas afirmações[1] de que Lobato, ao lançar sua crítica e
alvejar a exposição, teria direcionado-a para a pessoa de Anita, ignorando sua
figura profissional e opções estéticas, e tomando proveito da frágil e instável
condição social de seu gênero no contexto brasileiro da época, a fim de atacar
os modismos artísticos que aqui chegavam da Europa e ameaçavam seu projeto
nacionalista das expressões artísticas. Do nosso ponto de vista, tal assertiva
sobre um comportamento machista por parte de Lobato em relação a Malfatti se
revela um equívoco historiográfico e de gênero, já que o crítico não
manifestara nenhuma controvérsia ou incômodo quanto a Malfatti como pessoa,
mulher e artista. Sua indignação era para com as vanguardas, exclusivamente, e
seu caráter internacionalista. Vejamos a seguir alguns dados que corroboram tal
afirmação.
4.
De
acordo com o extenso estudo de Marta Rossetti Batista, Anita Malfatti,
descendente de imigrantes italianos e alemães, teve uma boa educação para os
padrões de sua época. Frequentou ótimas escolas em São Paulo, como o colégio
católico Externato Dom José, a Escola Americana e o Colégio Mackenzie, cursando
tudo o que havia para moças na época, como ela mesma afirmou em uma conferência
em 1951.[2]
Começou a estudar pintura muito cedo, de certa maneira graças à influência de
sua tia, Eleonora Elizabeth Malfatti, que possuía certas “prendas domésticas.”
Um dado inusitado sobre sua decisão de se tornar pintora foi dado pela própria
Malfatti em 1939 ao crítico Luis Martins e repetido diversas vezes a amigos e
repórteres:
Eu tinha 13 anos. E sofria, porque não sabia que rumo tomar na vida...
Nossa casa ficava perto da estação Barra Funda. Um dia saí de casa, amarrei
fortemente as minhas tranças de menina, deitei-me debaixo dos dormentes e
esperei o trem passar por cima de mim. Foi uma coisa horrível, indescritível. O
barulho ensurdecedor, a deslocação de ar, a temperatura asfixiante deram-me uma
impressão de delírio e de loucura. E eu via cores, cores e cores riscando o
espaço, cores que eu desejaria fixar para sempre na retina assombrada. Foi a
revelação: voltei decidida a me dedicar à pintura.[3]
5.
É
de se considerar que relatos como esse tenham colaborado em parte para a construção
de sua imagem de mulher instável e temperamental, reafirmada em diversos
momentos - de Mario de Andrade a Marta Rossetti Batista, passando por
Mario da Silva Brito, pesquisador que se dedicou ao estudo da modernidade
artística brasileira. Retomaremos tal tópico mais adiante, ao reler o artigo de
Lobato e as respectivas defesas que vieram ao longo dos anos para analisar os
conteúdos sexistas implícitos nessas declarações.
6.
Aspirante
à pintora profissional em uma sociedade em que a mulher era exaltada como
procriadora e matriz da nação, Anita viajou a estudos para a Alemanha em 1910,
tendo o auxílio de seu tio George
Krugg, que via tal empreitada como um retorno às raízes familiares, além de
um enriquecimento dos dotes de Anita, o que seria interessante para uma mulher
solteira de boa família.
7.
Anita
perseguiu durante anos a imposição social de uma pintura de caráter feminino.[4]
De predominância acadêmica, com suas respectivas variantes históricas e
formais, os valores plásticos vigentes, grosso
modo, consideravam que as mulheres, ao utilizar o pincel ou o lápis,
deveriam se abster dos grandes temas históricos, trabalhando então com
naturezas-mortas de traços delicados, retratos e certos tipos de paisagem. A
mão pesada, expressiva, de pincelada longa e profunda, que marca as telas, não
era bem vista em trabalhos ditos femininos. Repetia-se na construção plástica
os estereótipos de idealização da mulher: dócil, meiga, suave e delicada.
Rossetti comenta a esse respeito:
Havia ainda, de interesse aqui, uma clara distinção entre “pintura
masculina” e “pintura feminina”. As obras das “artistas-pintoras” - existiam
várias - conformavam-se à definição tacitamente aceita no mundo acadêmico do
que fosse a “pintura feminina”. As mulheres não se dedicavam aos temas maiores
- históricos e alegóricos - e, dificilmente, à paisagem. A “pintura feminina”
por excelência restringia-se a temática considerada própria do seu mundo: os
retratos - sobretudo de mulheres, crianças e de pequenas cenas domésticas; ou
as naturezas-mortas - de preferência, com flores. Temas que deveriam ser
executados com técnica tal que deixasse transparecer toda a delicadeza - de
assunto, cor ou pincelada - eminentemente feminina.[5]
8.
Eis
um fator que também ajudou a chocar a sociedade paulistana durante a individual
de Anita, em 1917: o “caráter masculino” de suas pinturas, que nada se
aproximavam da descrição de “arte feminina” acima sintetizada.
9.
Fora
na Alemanha que Malfatti começara a usar cores mais fortes e a travar um
conhecimento mais profundo do Expressionismo. Seu retorno ao Brasil, em 1913,
ocorre devido ao medo dos fortes boatos de guerra que ali circulavam. Durante
sua viagem de regresso, pôde passar rapidamente por Paris, mas sem tempo
suficiente para apreender sobre ou se interessar pelas vanguardas artísticas
que lá se desenrolavam.
10.
Em
1914, já adaptada novamente ao ambiente familiar, a jovem artista decide
realizar sua primeira individual de pinturas e desenhos, visando com isso
concorrer ao pensionato artístico do Estado de São Paulo e retornar sua rotina
de estudos interrompida na Alemanha e até então sem possibilidade
de continuidade no Brasil, pelo menos na estrutura almejada pela artista. Realizou então sua primeira
exposição individual no 1ª andar da Casa
Mappin Stores, obtendo elogios ao seu talento em desenvolvimento, à sua grande
sensibilidade artística e afirmaram que tinha futuro.
11.
No
entanto, já nessa primeira exposição, que passara despercebida pela crítica
oficial, nota-se pelos comentários e relatos um estranhamento a respeito do
caráter masculino de suas pinturas e sua tendência expressionista, apesar da
crítica brasileira do período não ter a menor ideia do que seria tal movimento.
Em anotações íntimas a respeito da exposição “Estudos de Pintura” - nome
bastante apropriado para suas pretensões de pleito a bolsa de estudos -, Anita
comenta a respeito da estranha força masculina que dominava seus trabalhos e a
respectiva reação dos visitantes:
25 de maio - segunda feira
[...] quando chego mamãe
me conta da visita de um tal Guido Garoti que se interessou muito pelos desenhos
e falou repetidas vezes eu parecia mais trabalho de homem do que de uma
’signorina’.
Senti não ver o homem.[...]
Mais dois pintores brasileiros, um Sr. Amazonas e Ant. de Freitas que
muito olharam e não falaram muito, mas hoje, 26, soubemos que ele disse que se
via em tudo a mão de um muito hábil professor e que meu trabalho nunca foi meu
pois em tudo se via a força do homem. Foi o maior cumprimento que me foi feito.[6]
12.
É
de causar um grande incômodo verificar que o maior elogio obtido por Anita foi
o de seu trabalho não ser seu, mas sim de seus professores. Reforça-se assim a
condição do trabalho feminino no período e os estereótipos citados
anteriormente que os acompanham. De certo modo, não elogiaram Anita, sua capacidade
artística ou seu senso estético, mas sim seu “mentor.”
13.
Anita
não obteve a bolsa do pensionato artístico, apesar dos grandes esforços do
crítico de arte e amigo de seu tio, Nestor Rangel Pestana, que a considerava
uma promissora artista “mulher.” Ao invés de Paris, Anita seguiu então para os
Estados Unidos da América, novamente com o auxílio de seu tio Krugg e refazendo
todo o percurso migratório de sua família materna.
14.
Foi
lá o lugar de seu boom plástico, dentro de um ambiente de fomentação
cultural moderna, agitada e inventiva. Em Nova York, Malfatti frequentou a Independent
School of Art, como aluna de Homer Boss. Segundo a própria pintora, esse
foi o momento mais feliz de sua vida, durante o qual teve o maior estímulo e
sua veia expressionista fluiu com naturalidade dentro das orientações de Boss,
principalmente durante o verão de 1915, em Monhegan Island,
local em que pintou paisagens instigantes.
15.
De
volta à Nova York, Anita iniciou seus estudos de ateliê e travou amizades com o
secretário da escola e colega de pintura, Abraham S. Baylinson, do qual traria
trabalhos para expor no Brasil em sua segunda individual. Fica claro, a partir
da análise de trabalhos de Baylinson, que ele teve importância nas escolhas
plásticas de Anita no período. Fora também por intermédio de Baylinson que
Anita passou a conviver com Marcel Duchamp, frequentador assíduo da escola e
amigo do secretário-aluno. No entanto, nem a figura, nem os trabalhos de
Duchamp parecem tê-la afetado. Segundo Rossetti:
Em seus escritos, Anita nunca mencionou os ready-made.
Ela parece não ter chegado a entender, ou a se preocupar com as atividades
niilistas à sua volta. Estava bastante afastada da decepção reinante
principalmente entre os europeus - estava, como os norte-americanos,
entusiasmada com suas pesquisas de arte moderna. Longe da guerra, longe de
problemas familiares e do meio, mergulhada em suas conquistas artísticas, o que
lhe fica do ano e meio em Nova York é... o oposto. Tanto que afirmara mais
tarde: “eu então vivia encantada com a vida e a pintura.”[7]
16.
Não
se sabe bem os motivos que trouxeram Anita de volta a São Paulo em 1916. Ela
estava em seu ápice criativo no período; seu uso da cor se expandia, aliado a
preocupações formais cubistas e fauvistas. Sua linearidade se instituía a
partir de uma palheta rica e vibrante, as pinceladas estavam soltas e fluidas,
carregadas de tinta e expressividade. E mesmo seus temas, suas opções de
representação apresentavam-se com um apuro afetivo que a diferenciava de seus
colegas. As marinas revoltas, cheias de movimento e vibração, aproximam-se, por
exemplo, do tratamento dado por Vincent Van Gogh às plantações de trigo, e seus
retratos e nus em nada ficavam a perder em expressão e captura emocional com
relação às obras dos expressionistas alemães ou em resolução formal, como em
Cézanne.
17.
As
torções musculares, a escolha das cores para colocar uma sombra ou volume e a
dedicação de tratamento no olhar do retrato demonstram sua sensível percepção
para com as angústias humanas que estavam a sua frente. E havia também uma
identificação com sujeitos marginais, deslocados, postos de lado. A mesma
rejeição que sofriam da sociedade era palpável para Anita: a morte do pai
quando jovem, sua mão deformada, sua condição de mulher no Brasil que a impedia
de desenvolver suas pinturas, a faziam ter uma aproximação afetiva com esses
tipos. Tal comportamento se repete inclusive após o choque da crítica
lobatiana, em seu período de recolhimento de um meio artístico polemizante.[8]
18.
E,
no entanto, apesar de todo o fervilhante meio nova-iorquino, o desenvolvimento
de seus estudos e sua clara felicidade, Anita novamente desembarca em um
Brasil conservador, com um sistema de
artes institucionalizado, mas difuso e hermético, trazendo de modo empolgado em
sua bagagem suas pinturas americanas, plenas de explosão pictórica e com um
ímpeto modernizador para com o Brasil artístico da época.
19.
Nesse
retorno, ao mostrar seus trabalhos a amigos e familiares, Anita desencadeou um
mal-estar e uma decepção que ela jamais esperava, de tão segura que se sentia
com sua produção. Olhares de soslaios, reações de choque, indignação e
comentários confusos, mas não muito ofensivos, partiram de seus íntimos,
desanimando-a por um instante a respeito de suas opções estéticas, seu período
de estudo e a possibilidade de uma segunda exposição individual.
20.
Com
tal reação, Anita permaneceu em período reflexivo, quieta. Guardou suas
pinturas e passou a ser absorvida pela questão nacional que imperava na
impressa e nas ruas. Passou então a trabalhar bastante com essas temáticas,
suavizando um pouco sua veia expressionista, mas ainda com uma rica e luminosa
palheta de cores que parece ter se encaixado perfeitamente com seus temas. É
desse período que encontramos registros do primeiro contato de Anita Malfatti
com Monteiro Lobato.
21.
Monteiro
Lobato na época era um respeitado crítico de arte que escrevia para o jornal Estado de S. Paulo. A base de seu gosto
artístico na época era basicamente o desejo de desenvolvimento de uma arte
nacional, não mais atrelada aos cânones de uma academia de influência
estrutural francesa, inclinada a estrangeirismos que supostamente em nada
contribuíam para a cultura local. Lobato acreditava em uma arte naturalista,
ligada a uma representação do real, e não submetida a regras de salão.
Acreditava nas proporções, em uma pictoriedade mimética e nos temas locais, e
não em alegorias gregas, retratos abarrotados de um simbolismo importado e
paisagens de meia-luz. Almejava a representação do verdadeiro Brasil, de suas
raízes, e com isso, veio a tomar Almeida
Junior como seu ideal de pintor.
22.
A
respeito das concepções de arte de Lobato, Annateresa Fabris afirma que “a
crítica de Monteiro Lobato não pode ser considerada um produto acadêmico. Sua
concepção de arte [...] leva-o a atacar o academicismo, por gerar ‘a imitação,
a coação do livre vôo, a emasculação da personalidade.’”[9]
23.
Em
1917, em meio à fomentação da busca de uma identidade nacional, Lobato lançou
um convite-desafio à classe artística. Representar o Saci, figura comum da
mitologia interiorana brasileira, fruto da miscelânea da cultura negra e
branca. Para seu desgosto, poucos artistas responderam à sua demanda do “Salão
do Saci:” a grande maioria que enviou trabalhos era composta de artistas
estrangeiros, imigrantes residentes no país que pareciam desejar se integrar ao
meio, além de Anita, que na época lia os artigos de Lobato e o considerava
homem de pensamento avançado.
24.
Apesar
do trágico resultado para Lobato, já que nenhum grande artista acadêmico
nacional preocupou-se em representar o pequeno demônio-menino negro de uma só
perna e com gorro vermelho, coube ao crítico de arte analisar o que fora
enviado. E qual não é a surpresa verificar que, de todos os trabalhos enviados,
é à tela de Anita - que não foi a vencedora do salão - que Lobato dedicou o
maior número de palavras a fim de entender o que a jovem artista apresentou.
25.
No
artigo onde comenta sobre o quadro de Anita, Lobato faz primeiramente uma
descrição literária do mesmo para depois aproveitar o espaço e criticar os ismos
usados pela artista, deixando claro ali sua aversão para com as vanguardas que
desembarcavam no Brasil de forma irregular e fragmentada. Lobato deixa evidente
sua incapacidade de analisar o trabalho já que em nada lhe interessavam essas
investigações formais-plásticas: “Não cabe à crítica falar dele porque o não
entende: a crítica neste pormenor corre parrelhas com o público que também não
entende... Em meio deste não entendimento geral é de bom aviso tirar o chapéu e passar adiante.”[10]
26.
Anita
obteve com a exposição do Saci destaque em pequena imprensa paulista, apesar de
seu óleo não se aproximar do vocabulário formal em voga, inclusive quanto à
escolha da cena representada. Estando assim em meio a terreno tão
emocionalmente propício, e sendo incentivada por dois recentes amigos, Emiliano
Di Cavalcanti e Arnaldo Simões Pinto, respectivamente pintor e jornalista,
Anita tomou coragem e realizou sua segunda exposição individual.
27.
Organizada
de forma didática, mesclando os recentes estudos e pinturas de veia
nacionalista, com trabalhos de sua estadia nos Estados Unidos e trabalhos de
seus colegas americanos gentilmente enviados para a exposição, Anita Malfatti
abriu em 12 de dezembro de 1917 sua segunda exposição individual em uma sala do
térreo do número 111 da Rua Líbero Badaró, buscando com isso o reconhecimento
público dos valores plásticos que estudou ao longo dos anos. Não era uma
exposição de choque ou de polêmica, o contrário do que afirma Tadeu Chiarelli em
sua tese de mestrado,[11] mas sim uma exposição que visava o
esclarecimento dos novos estudos artísticos em pleno desenvolvimento.
28.
A
exposição despertou curiosidade e teve ótima frequentação nos primeiros dias,
inclusive de dois professores de pintura de Lobato, que os procurara para
futuramente ilustrar seu livro Urupês:
José
Wasth Rodrigues e Georg Elpons. Posteriormente, Tarsila
do Amaral, até então uma jovem aluna de Elpons, conferiria a inusitada
exposição de quadros que causava burburinho em São Paulo. Houve também a
presença, por diversas vezes, de Mario de Andrade e de Oswald
de Andrade, apresentado a Anita por Di Cavalcanti.
29.
Anita
chegou até mesmo a vender alguns quadros, e a exposição era um “sucesso” de
público e instigação. E então foi publicado o artigo A propósito da exposição Malfatti, em 20 de dezembro, no “Estadinho,” apelido popular d’O Estado de S. Paulo. Nesse artigo,
Lobato inicia seu discurso colocando uma diferenciação clara entre o que
considera uma arte normal, passível de interpretação do público,
tradicionalmente aceita e elaborada por séculos de regras acadêmicas clássicas
- sim, apesar de sua aversão, Lobato fez uso da história da arte, classicismo e
academicismo para construir seu argumento -, e uma arte anormal, ligada segundo
ele à efemeridade de escolas rebeldes e teorias revolucionárias descabidas que
caem na instabilidade dos temperamentos. Segundo Tadeu Chiarelli:
Para Lobato as obras expostas não podiam fazer
sentido, uma vez que para ele a arte, antes de qualquer outra coisa, tinha que
possuir índices verificáveis de realidade.
Se aquela produção não fazia sentido, ela só poderia ser fruto da paranoia,
e portanto deveria estar nos manicômios, um reduto criado para manifestações
que apontavam para um sentido outro; ou então seriam fruto da mistificação
quando fora do manicômio, pois não estando naquele espaço, não possuíam “nenhum
lógica.”[12]
30.
Ao
nomear a arte de vanguarda como fruto da paranoia, Lobato então percorre o
caminho de um arriscado diagnóstico, afirmando que tal arte fora exaustivamente
tratada em manicômios com as adequadas teorias psiquiátricas, já que seriam
coerentes manifestações patológicas de cérebros transtornados e defeituosos.
Segundo o crítico de arte: “Todas as artes são regidas por princípios
imutáveis, leis fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude.”[13]
A partir daí, Lobato discorre furiosamente contra os ismos, as teorias
modernas e sua percepção “deturpada” de arte e representação, assumindo a
postura de um porta-voz e defensor dos valores artísticos tradicionais que eram
afrontados pela exposição de Anita. Lobato agia entusiasticamente como um
médico que desejava extirpar uma verruga deformada da sedosa pele da arte
“naturalística.” Para ele, com sua formação tradicional, habituado que estava
com os valores estéticos tradicionais, a exposição de Anita era uma afronta, um
enorme engano, um tapa na cara de suas concepções plásticas, as quais tanto
defendia e protegia.
31.
Mas
apesar do furioso ataque à exposição - principalmente aos trabalhos de
Baylinson, o qual compara com o rabo de um burro desgovernado com um pedaço de carvão na ponta -,[14] Lobato em nenhum momento discorre sobre
um trabalho especifico de Anita: o que ele critica constante e enraivecidamente
são suas escolhas plásticas, considerando-as um tremendo engano por parte de
uma tão talentosa jovem artista.
32.
Ao
longo de todo seu artigo, Monteiro Lobato, de inclinação estética naturalista e
homem típico de seu tempo, em nenhum momento coloca em xeque o talento de Anita
ou minimiza-a como a uma artista mulher tola, incapaz de julgar suas escolhas.
Muito pelo contrário, Lobato lhe dispensa um tratamento igualitário de crítico
de arte, avaliando seu trabalho e não a condição de seu gênero. Em suas
próprias palavras, no último parágrafo do artigo:
Não fosse a profunda simpatia que nos inspira o
formoso talento da sra. Malfatti, e não viríamos aqui com esta série de
considerações desagradáveis.
Há de ter essa artista ouvido numerosos elogios à sua nova atitude estética. Há de irritar-lhe os ouvidos, como descortês impertinência, esta voz sincera que vem quebrar a harmonia de um coro de lisonjas. Entretanto, se refletir um bocado, verá que a lisonja mata e a sinceridade salva. O verdadeiro amigo de um artista não é aquele que o entontece de louvores, e sim o que lhe dá uma opinião sincera, embora dura, e lhe traduz chãmente, sem reservas, o que todos pensam dele por trás. Os homens têm o vezo de não tomar a sério as mulheres. Essa é a razão de lhes darem sempre amabilidades quando elas pedem opinião. Tal cavalheirismo é falso, e sobre falso, nocivo. Quantos talentos de primeira água se não transviaram arrastados por maus caminhos pelo elogio incondicional e mentiroso? Se víssemos na sra. Malfatti apenas “uma moça que pinta” como há centenas por aí, sem denunciar centelha de talento, calar-nos-íamos, ou talvez lhe déssemos meia dúzia desses adjetivos ‘bombons’ que a crítica açucarada tem sempre á mão em se tratando de moças. Julgamo-la, porém merecedora da alta homenagem que é tomar a sério o seu talento dando a respeito da sua arte uma opinião sinceríssima, e valiosa pelo fato de ser o reflexo da opinião geral do público sensato, dos críticos, dos amadores, dos artistas seus colegas e... dos seus apologistas. Dos seus apologistas sim, porque também eles pensam deste modo... por trás.[15]
33.
Ao
contrário dos defensores de Anita, como veremos a seguir, Lobato possuía na
época plena consciência de que seus valores estéticos deveriam ser aplicados ao
trabalho de Anita do mesmo modo que ele faria com relação aos trabalhos de um
artista homem. Inclusive, sempre ao citar o nome de Malfatti, Lobato não perde
a oportunidade de elogiar seu talento, sua capacidade sensível, mesmo quando
reforça sua contrariedade quanto às escolhas estéticas da artista:
Percebe-se
de qualquer daqueles quadrinhos como a sua autora é independente, como é
original, como é inventiva, em que alto grau possui um sem número de qualidades
inatas e adquiridas das mais fecundas para construir uma sólida individualidade
artística. Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna,
penetrou nos domínios dum impressionismo [sic]
discutibilíssimo, e põe todo o seu talento a serviço duma nova espécie de
caricatura.[16]
34.
Fica
bem clara aqui a diferença das bases críticas de Lobato com as de Amazonas e
Antônio de Freitas como vimos no início do artigo. Enquanto esses dois artistas
tiram a responsabilidade de Anita de seus quadros, delegando-o a seu professor,
Lobato a aceita, compreende que a mão e as vontades de Anita estão em seus
trabalhos, apesar de não concordar em nada com suas escolhas.
35.
Como
crítico, Lobato possuía uma grande preocupação com a identidade nacional, em
sua busca obsessiva das raízes brasileiras, de suas figuras, valores e
tradições. Sendo assim, em nada lhe interessava as experimentações espaciais,
pictóricas e estéticas das vanguardas, ou então da tradição formal das
academias. É provável que tivesse certa aversão às primeiras por talvez
entendê-las como mais um modismo europeu que chegava ao Brasil, sem que
houvesse relação com sua cultura e história.
36.
Como
resultado, a crítica lobatiana para a exposição de Anita revelou-se um belo
tiro pela culatra ao longo das décadas, já que ela ajudou a dar destaque aos
valores da arte moderna. No entanto, imediatamente quando da publicação do
artigo no “Estadinho,” o fluxo
de visitas à exposição caiu vertiginosamente e quadros já vendidos foram
devolvidos.
37.
Anita
estava em choque com o artigo. Parecia não entender as motivações de Lobato e
sentira-se muita atingida já que acreditava piamente em seus trabalhos e nos
caminhos que vinha tomando. Só esboçou reação em uma entrevista ao Diário de
São Paulo em 1946, onde dizia admirar Lobato até aquele momento, e
acreditava que ele possuía uma tese avançada para a época, além de se defender
daquilo que parecia ser a maior afronta de todas: “Não sou nem nunca fui uma paranóica ou mistificadora.”[17]
38.
No
entanto, muitos de seus defensores, ao dispensarem-lhe defesa, usaram os
argumentos de “mulher singular,”[18] “curioso temperamento de concepção
bizarra”[19] e “complicada personalidade”[20]
para a definirem e justificarem seus trabalhos, dando força à ideia de mulher
desequilibrada e louca que lhe perseguiu durante tanto tempo.
39.
A
primeira manifestação de defesa que recebeu foi de Oswald de Andrade e, anos
depois, de Mario de Andrade, com quem teve uma longa troca de cartas e de quem
se sentia muito próxima. Oswald, com seu modo atrevido e bufão, ao defender os
trabalhos de Anita no Jornal do Comércio em janeiro de 1918 aproveitou o
ensejo para criticar o meio artístico contemporâneo. No artigo A exposição
Anita Malfatti, ele se apoia em uma critica aos naturalistas, talvez com
isso acusando Lobato, chamando as telas de Anita de “a ojeriza da oleografia,”
uma arte que renega o mimético e o fotográfico. No entanto, o que se sobressai
de sua defesa e que nos interessa mais aqui nessa análise de gênero, é o fato
de ter nomeado Malfatti como um “temperamento
nervoso,” com “apaixonada
seleção” de escolhas.
40.
Ao
fazer isso, Oswald de certo modo contribui para a crítica lobatiana ao colocar
Malfatti no mesmo patamar das moçoilas extremamente sensíveis, instáveis,
desequilibradas, histéricas, estabelecendo - talvez sem perceber - uma conexão
com a arte de manicômio, fruto da paranoia e mistificação, e ajudando a fixar o
estigma de mulher artista desequilibrada que tanto incomodou Anita ao longo dos
anos.
41.
No
entanto, aquele que viria a nomear Lobato como “mau pintor,” “cruel e
desumano,” “injusto e cruel,” e que levaria seu trabalho de crítico de arte à
lama nos livros de história foi Menotti Del Picchia, um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922. Na
crônica Uma Palestra de Arte, de 1920, Del Picchia acusa Lobato de
ter-lhe distorcido o olhar com relação à exposição de Malfatti na época, mesmo
sem ter ido visitá-la, e durante toda sua trajetória não deixou de pressionar
Lobato a retratar-se e pedir desculpas a Anita - o que nunca ocorreu.
42.
Foi
a partir desses adjetivos que Mario de Andrade, anos depois, construiu a sua
defesa de Anita, após um longo período de entendimento e digestão daquela
exposição que o tocara afetivamente a ponto de ter um ataque de gargalhas das
mais incontroláveis ao visitá-la pela primeira vez. Mario de Andrade é um caso
curioso de crítica com relação à Anita, pois mesmo quando se sentia
decepcionado e desgostoso com as escolhas pictóricas da amiga, a ajudava e
defendia na imprensa exaustivamente.
43.
Tal
relação afetuosamente condescendente veio a levantar em certo momento sintomas
de paixonite por parte de Anita. Não se sabe se tal amor concretizou-se, pois
não há documentações a respeito. Sendo assim, ficamos com a hipótese de que
Mario de Andrade possuía um enorme sentimento fraternal para com Anita e
sentia-se na responsabilidade de defendê-la e ajudá-la, a ponto de minimizá-la
ao estereótipo de mulher frágil, pobre vítima de um terrível crítico de arte
preconceituoso, e que por isso mesmo precisava ser resgatada.
44.
Em
suas próprias palavras, primeiramente quando escreve em Crônicas de Malazarte VII: “Depois
da exposição, Anita se retirou. Foi para casa e desaparece, ferida. Mulher que
sofre.”[21]
Depois no texto em que anuncia o retorno de Anita de seu estágio em Paris: “Como sensibilidade, ela se mostra agora mais
mulher, procurando as inspirações suaves e realizando-as com uma delicadeza
excepcional.”[22] É agonizante
constatar que, aquele que defendeu exaustivamente Anita, procurando desculpas
de todos os modos para justificar sua produção, seja aquele que a reduz à
figura da pobre mulher indefesa, vitimizada, sofredora, mártir do modernismo.
Mario ainda afirma, no primeiro texto que escrevera sobre a amiga: “Anita Malfatti fraquejou. Fraquejou sim uns
pares de anos, andou querendo fazer o Impressionismo em que toda gente inda
parava.”[23]
45.
Expliquemos.
Essa “dolorosa filha do século,”
como Mario também a chama, após a crítica Lobatiana, sentiu-se extremamente
abatida e insegura. Se por um lado suas convicções plásticas, desde sua chegada
dos Estados Unidos foram abaladas pelas reações familiares, para em seguida
voltarem-se para uma pesquisa da brasilidade e da identidade nacional, como
figurava nos meios artísticos e intelectuais do momento, por outro lado, ao
receber a terrível “navalhada” de Lobato, convenceu-se totalmente que deveria
preocupar-se mais com seus temas do que com as técnicas formais.
46.
Malfatti
era mais que uma pobre artista mulher incompreendida. Sua complexidade e indecisão
na pintura são reflexos dos revezes da época, que teve uma enorme euforia nas
vanguardas, para depois sofrer a ressaca do retorno à ordem.[24]
Anita evidencia esse movimento em seu trabalho, manifesta as contradições de
seu tempo, as inseguranças e os balanceios de indecisão.
47.
Seus
colegas modernistas, além de certa historiografia futura com ênfase também
modernista, consideraram sua fase “depois de Lobato” como um enorme retrocesso,
um atrofiamento de sua veia expressionista e impulsiva, que seguiu desde suas
aulas com Pedro Alexandrino, pintor acadêmico considerado um mestre
da gênero da natureza-morta, até a obtenção de sua almejada bolsa de estudos
para a França, onde absorveu o clima de retorno à ordem pós-vanguardista.[25]
48.
Traumas,
preconceitos e choques a parte, é preciso reiterar fortemente que: 1ª -
Anita já se sentia inclinada a outras questões plásticas antes da critica de
Monteiro Lobato no Estado de S. Paulo; esta só a fez tomar a direção com mais convicção de que estava
equivocada. 2ª - Não devemos cobrar da artista uma postura militante,
revoltada, já que, como demonstrou Rossetti, tais ações jamais fizeram parte de
sua personalidade, em busca de aprovação constante.
49.
Até
mesmo quando recebera críticas machistas, Anita não parecia se incomodar, já
que essa não era uma preocupação latente de sua vida, mas sim a pintura e sua
realização dentro da mesma. Além do que, no Brasil das década de 1920 e 1930, o
movimento feminista, que fundava revistas e jornais especializados, buscava o
direito ao voto e a fundação do Partido Republicano Feminino e não conseguira
atingir a população elitizada com suas demandas, que se direcionavam mais para
os aspectos trabalhistas do movimento, focando suas energias nos direitos das
mulheres operárias com suas greves e seu respectivo papel
nos partidos de esquerda.[26] Sendo assim, era quase impossível
que Anita simpatizasse com o movimento e suas bandeiras, já que no período não
havia uma preocupação latente com a subjetividade feminina e seus respectivos
elementos formadores, no que concerne à identidade.
50.
Anita
estava ainda perplexa com o alvejamento público que os simpatizantes de Lobato
faziam na imprensa. O silêncio que imperou em sua família a respeito da
exposição de 1917 não é menor do que a sua eterna insegurança desencadeada
pelas críticas. Desencorajada publicamente, sem a tão desejada aceitação geral
de suas escolhas, Malfatti realmente parece ter se perdido em suas percepções e
escolhas pictóricas, sem jamais retornar ao impulso expressionista do começo do
século. Aquilo não mais lhe interessava. Apenas o desejo de pintar parece ter
se mantido constante, oscilando, entre telas com um impressionismo de traço naif que beira certa superficialidade
plástica, até estudos de caráter cézanniano e de influência art déco, onde ainda se podia perceber
um eco de sua fase americana.
Referências bibliográficas
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TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve
História do Feminismo no Brasil. Coleção Tudo é História. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1999.
_________________________
[2] “O esporte não era
considerado próprio para as moças, só exclusivamente para homens. As mulheres
não jogavam, nem bebiam, ajudavam na formação das grandes fazendas de café e
criavam filhos que se tornaram nesta geração, os grandes fazendeiros
brasileiros.” ROSSETTI, Marta. Anita Malfatti no tempo e no espaço. Biografia e estudo da Obra. São
Paulo: Ed. 34, EDUSP, 2006, p. 38.
[3] Ibidem, p. 40.
[4] As concepções de uma
pintura de caráter masculino, e outra de caráter feminino perpetuam-se até
nossa critica contemporânea, confirmando com isso o grande despreparo de nossa
elite intelectual quanto aos estudos e indagações da construção dos gêneros que
vem sendo feitas há mais de meio século. Aracy Amaral faz a seguinte afirmação
em 1993 a respeito de uma enquete feita por Sheila Leirner a diversas
personalidades do meio plástico brasileiro em 1977 sobre a existência de uma
arte feminina: “O que me parece existir é a soma de características do feminino
em arte... Esse “feminino” para mim está vinculado à delicadeza da
sensibilidade da mulher, em sua condição de promotora da vida e, por essa mesma
razão, vinculada à natureza mais que seu companheiro homem, delicadeza que está
implícita no seu trato com a fragilidade do filho recém-nascido de seu corpo, e
ao qual ela protegerá por toda a vida.” AMARAL, Aracy. Textos do Trópico de
Capricórnio: artigos e ensaios
(1980-2005) - Vol 1: Modernismo, arte moderna e o compromisso com o lugar.
São Paulo: Ed. 34, 2006, p. 225.
[5] ROSSETTI, op cit, p. 172.
[6] Ibidem, p. 88.
[7] Ibidem, p. 136.
[8] Anita pintou a
partir de meados da década de 1920, quando segue a Paris para novamente
estudar, muitos retratos e algumas paisagens, agora com influência da art déco, de certo pós-impressionismo
com palheta mais amena e composições de estrutura mais clássica, mas a artista
elegeu como tema central, principalmente muitas moças sozinhas em balcões,
janelas e cadeiras isoladas de um ambiente de fundo, sempre a encarar o
observador e o mundo externo, mas nunca expressando uma ação de interesse ou
realizando algo. São acima de tudo observadoras que são observadas.
[9] FABRIS,
Annateresa. O critico Naturalista. Folha de São Paulo, 17 set. 1978, p.
58.
[10] ROSSETTI, op cit, p. 191.
[11] “A artista parece ter desejado chamar a
atenção da critica e do publico para a sua produção caracteristicamente
vinculada ao Expressionismo. / E o fato foi que Malfatti conseguiu seus
propósitos: chocou o ambiente expondo suas obras e a de seus colegas e
protegeu-se do choque colocando em discussão não a sua produção, mas a arte
moderna.” CHIARELLI, Tadeu. Um Jeca nas Vernissages: Monteiro Lobato e o desejo de uma arte
nacional no Brasil. São Paulo: Edusp, 1995, p.196. Essa afirmação de
Chiarelli soa-me mais como uma “teoria da conspiração” exagerada da arte
moderna para com o destino da critica de Monteiro Lobato, apesar da grande
retaliação que o critico recebeu ao longo dos anos, e um imenso desprezo para
com os trabalhos de Anita.
[12] Ibidem, p.
199.
[13] Idem.
[14] “Tenhamos a
coragem de não ser pedantes; aqueles gatafunhos não são uma figura em
movimento; foram isto sim, um pedaço de carvão em movimento. O sr. Bolynson
[sic] tomou-o entre os dedos das mãos, ou dos pés, fechou os olhos e fê-lo
passear pela tela às tontas, da direita para a esquerda, de alto a baixo. E se
não fez assim, se perdeu uma hora da sua vida puxando riscos de um lado para
outro, revelou-se tolo e perdeu o tempo, visto como o resultado seria
absolutamente igual. Já em Paris se fez uma curiosa experiência: ataram uma
brocha à cauda de um burro e puseram-no de traseiro voltado para uma tela. Com
os movimentos da cauda do animal a brocha ia borrando um quadro... A coisa
fantasmagórica disso resultante foi exposta como um supremo arrojo da escola
futurista, e proclamada pelos mistificadores como verdadeira obra prima que só
um ou outro raríssimo espírito de eleição poderia compreender. Resultado: o
público afluiu, embasbacou, os iniciados rejubilaram – e já havia pretendentes
à compra da maravilha quando o truque foi desmascarado.” LOBATO, Monteiro. A
propósito da exposição Malfatti. In: MODERNIDADE.
Arte Brasileira do século XX. Organização de Aracy Amaral. São Paulo, 1988
(Catálogo de exposição).
[15] Ibidem, p. 228.
[16] Ibidem, p.
227.
[17] ROSSETTI, op cit, p.189.
[18] DEL PICCHIA, Menotti. Uma Palestra de Arte. Correio Paulistano, São Paulo, 20 nov.
1920. Citado em CHIARELLI, op cit, p. 25.
[19] PINTO, Arnaldo
Simões. Notas de Arte. A Vida Moderna, São Paulo, 1 nov. 1917. Citado em CHIARELLI, op
cit, p. 25.
[20] ANDRADE, Oswald de. A propósito da exposição Malfatti. In: MODERNIDADE. Arte Brasileira do século XX.
Organização de Aracy Amaral. São Paulo, 1988, p. 10.
[21] ROSSETTI, op.
cit., p. 235
[22] CHIARELLI, Tadeu. Pintura não é só
beleza. A crítica de arte de Mário de Andrade. Florianópolis:
Letras Contemporâneas. 2007, p. 55.
[23] ROSSETTI, op cit, p. 245.
[24] “O retorno à ordem converteu até certo ponto, no
período entreguerras (mas com manifestações desde 1910), o experimentalismo e a
abertura de campos realizados pelas vanguardas em conjuntos mais ou menos
rígidos de normas, regras e leis que deveriam nortear a produção artística. Com
isso, o espaço moderno de rupturas sofreu, conforme os momentos e segundo os
países, desde ‘neutralizações mascaradas’ até endurecimentos dogmáticos. Em
alguns países, movimentos que constituíram esse retorno à ordem chegaram a
unir-se, antes da II Guerra Mundial, a regimes totalitários, como foi o caso na
Alemanha e na Itália. A crença na modernidade de muitos dos primeiros artistas
que constituíram as vanguardas foi consideravelmente abalada pelo grande
massacre da I Guerra Mundial e pelas turbulências de toda ordem que se
seguiram: repressões violentas ao espírito derrotista que se instalou nos
exércitos de vários países, desilusão quando se constatou que as insurreições
que visavam destruir o mundo burguês não afetaram a ordem vigente (exceção
feita à revolução soviética). Na arte, as revoltas foram bem caracterizadas
pelo movimento dadá. O retorno à ordem constituiu uma reação a essa situação,
associando-se ao movimento similar que ocorreu na vida social e política
daquelas nações e que culminou nas vitórias da extrema direita. Mas ele foi
marcado por ambiguidades. Em um primeiro momento, confundiu-se, nas ideias
propugnadas por várias publicações e grupos artísticos a elas vinculados, com a
aparente defesa de pesquisas de ruptura do início do cubismo, do futurismo, da
pintura metafísica, do expressionismo. Com o tempo, os aspectos normativos,
dogmáticos, e até mesmo xenófobos e nacionalistas, foram se destacando:
inicialmente, nos termos de uma chamada à ordem, estética, moral e política; a
seguir, como o retorno à ordem definido pela tradição, por princípios
artísticos tidos como eternos e imutáveis, concretizados por estilos anteriores
às inovações modernas, como a figuração realista-naturalista do século XIX.”
CATTANI, Icleia Borsa. Ambiguidades na Construção de um “Gênio Brasileiro”. Revista Novos Estudos - CEBRAP, Edição
79. São Paulo: EDUSP, novembro de 2007, p. 251.
[25] CARDOSO, Renata
Gomes. Anita Malfatti em Paris, 1923-1928. 19&20,
Rio de Janeiro, v. IX, n. 1, jan./jun. 2014. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/artistas_amalfatti.htm>.
[26] Vide: TELES, Maria
Amélia de Almeida. Breve História do Feminismo no Brasil. Coleção Tudo é
História. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1999; PINTO, Célia Regina Jardim. Uma
história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,
2003.