MICHELANGELO EM SEU ATELIÊ, DE DELACROIX

Renato Menezes Ramos (PPGAS/USP)

Resumo: Afirma-nos Condivi (1553), repetido posteriormente por Vasari (1568), que Michelangelo, devido sua “imaginação poderosíssima, pouco se satisfazia com suas coisas”.  Por sua constante negação em liderar um ateliê, sua recusa em aceitar seguidores, suas obras tantas vezes abandonadas incompletas, seu conhecido mau gênio e seu gosto pela solidão, quis compreender a geração romântica que haveria no mestre um dom mágico de se comunicar com Deus e não com os homens.

Assim o concebeu Delacroix em “Michelangelo em seu ateliê” (1849-1850), obra rapidamente adquirida por Alfred Bruyas, maior mecenas do pintor francês àquele momento. Michelangelo, que nunca deixara de lhe ocupar o pensamento, era retomado após uma biografia escrita em 1830. Poucos anos mais tarde, ele afirmaria categórico: “Michelangelo é o pai da arte moderna".

Delacroix morreria no fatídico ano de 1863 como artista pertencente a um passado que, aparentemente, nada lhe devia: ele igualmente não havia deixado discípulos. A solidão de Michelangelo no vazio de seu ateliê correspondia, pois, à expressão espiritual presente de um futuro que apontava. A angústia do mestre com a qual se identificava Delacroix revelava as fragilidades da erudição de um artista que não fizera a viagem da Itália. Mas a sua abstração do passado lhe permitia executar uma ode à invenção histórica que só a arte é capaz de oferecer ao mundo.

O triunfo da autonomia da pintura que pulsa na obra de Delacroix contrapõe-se ao fracasso artístico que o espreitou mas que de fato ele desconheceu. Ele identificava atemporalmente a arte moderna como tédio prostrante do artista diante de um mundo edificado em insatisfações? Anteciparia ele o centro fundacional da arte moderna na capacidade do artista em forjar seu heroico fracasso? Refletiremos sobre o paradoxo de onde nasce a síntese entre contemplação e engajamento no espaço mítico do artista em seu ateliê.