OS ATELIERS CARIOCAS DO INÍCIO DO SÉCULO XIX: COMÉRCIO E DISCRIÇÃO
Patricia Delayti
Telles
Resumo: Em 1816, o recém-chegado Jean Baptiste Debret (1768-1848) enviava a seu
irmão, em Paris, uma pequena aquarela retratando o interior do seu atelier no
Catumbi. Preservava assim, talvez sem querer, a única imagem conhecida do
quotidiano de um pintor no Rio de Janeiro dessa época. Espaço de trabalho, sem
dúvida, a aparência burguesa e o grande número de quadros pelas paredes parece
indicar que este seria também um espaço de convívio. Contudo, ao contrário do
Norte da Europa, onde a visita ao atelier de um artista de prestígio – como, por exemplo o de Joshua Reynolds (1723-1792) - era um
divertimento da nobreza e da alta burguesia desde meados do século XVIII, a
situação no Brasil de D. João VI parece ter sido bem mais prosaica. Antes das
primeiras exposições públicas de pintura - que o próprio Debret viria a
organizar no final da década de 1820 - talvez o atelier fosse
sobretudo um espaço para a venda. Alguns anúncios de jornal parecem
corroborar este fato: a pintura de cavalete carecia de espaços expositivos, e seria
no atelier, muitas vezes - mas nem sempre - instalado dentro de suas próprias
casas, que os artistas brasileiros do início do século XIX receberiam seus
clientes. No caso da pintura do retrato, o uso do manequim por Debret indica
que nem todos os modelos se dignavam a sujeitar-se a longas sessões de pose. A
caixa de pintura e novos dados o confirmam: no início
do século XIX, no ambiente fechado do Rio de Janeiro colonial, o atelier era
também portátil, e o pintor dispunha-se a sair do seu próprio espaço, a serviço
de uma sociedade que ainda o confundia com outros “oficiais mecânicos” e se
julgava, por isso, ainda socialmente superior... À medida que a Academia
Imperial se organiza, sob a égide do Estado, a situação não tarda a evoluir,
mas é sobre o modesto começo dessa ascensão que pretendemos deter-nos, embora
ainda disponhamos de poucas informações sobre estes espaços tão importantes
para o convívio entre o artista e a sua clientela.