QUANDO A CARICATURA SE EXPLICA: UM EXEMPLO PORTUGUÊS NO BRASIL OITOCENTISTA

Rosangela de Jesus Silva (IA/UNICAMP)

Resumo: O reconhecimento do potencial da imagem não é uma descoberta atual, há inúmeros exemplos mostrados pela história da arte acerca do seu uso através dos séculos. No que se refere à imprensa no Brasil, quando se observam os comentários contemporâneos às publicações ilustradas oitocentistas, ou mesmo, o discurso que os próprios caricaturistas constroem acerca do seu trabalho, a imagem aparece como uma espécie de testemunho visual. O objetivo desse texto é começar a entender como um desses caricaturistas - Raphael Bordallo Pinheiro - elabora suas estratégias de comunicação com o público, sobretudo, qual o papel que atribui à caricatura e quais recursos utiliza para validar sua produção.

O artista português Raphael Bordallo Pinheiro (1846-1905) chegou ao Brasil em 1875 com o propósito de substituir Angelo Agostini (1842/23-1910) na ilustração da revista O Mosquito. Bordallo ficou poucos anos no Brasil, já que em 1879 retornou para Portugal, no entanto, sua passagem pela imprensa ilustrada carioca foi intensa, tendo sido reconhecida inclusive por seus contemporâneos. Dono de um traço versátil e muito particular, podendo passar de um desenho rápido, que lembra um esboço, a uma composição elaborada com grande domínio do claro-escuro, o caricaturista marcou a história da ilustração de periódicos no Brasil.

Em O Besouro (1878-1879), o último dos três periódicos que ilustrou no Brasil, o caricaturista apresenta a caricatura como um reflexo direto das ações dos membros da sociedade, chega a usar uma câmera fotográfica como um exemplo do que seria a caricatura. Afirma que os caricaturistas eram os políticos, os artistas e seu maior representante o imperador D. Pedro II. Bordallo apresenta um olhar atento, crítico e instigador pelo Brasil. Vindo de uma família de artistas, certamente teve uma formação erudita, a qual está muito presente em seu trabalho. Em suas composições evoca constantemente exemplos da arte e da literatura para tecer suas observações da sociedade brasileira. Os exemplos da pintura e da literatura europeia em suas composições poderiam ser uma estratégia para selecionar leitores? Colaborariam para a constituição de referências com objetivos de colocar o país nos trilhos da “civilização”? Haveria no trabalho do caricaturista intenções pedagógicas? A produção de Bordallo Pinheiro tem muito a contribuir nessas discussões.