BRASIL E PORTUGAL À SOMBRA DE SAINT SULPICE : O “RETRATO DOS VISCONDES DA PEDRA BRANCA COM A SUA FILHA” POR DOMINGOS ANTÓNIO SEQUEIRA

Patricia Delayti Telles (Centro de História da Arte e Investigação Artística da Universidade de Évora)

Resumo: Antes que a fotografia democratizasse o uso da imagem como meio principal da representação individual, os retratos eram um momento privilegiado de auto-afirmação do indivíduo retratado. A sua lenta elaboração, envolvendo diversas secções de pose, provinha de uma série de negociações entre o artista e o retratado sobre quando, onde e como deixariam a sua imagem para a posteridade. Verdadeira construção conceitual, podem espelhar, além de estilos e afinidades pictóricos, a própria visão de mundo de ambos os participantes nesse processo.

Ora, o “Retrato dos Viscondes da Pedra Branca com a sua filha” (1825) de Domingos António Sequeira (Fundação Óscar Americano, S. Paulo), revela uma aparente contradição: a escolha, em Paris, de um pintor português por um diplomata brasileiro, justamente encarregado de negociar o reconhecimento da independência pela França - Domingos Borges de Barros (1779- 1855), futuro 1o. barão e visconde da Pedra Branca.

O diplomata podia ter escolhido entre centenas de pintores, franceses e estrangeiros, que acorriam à cidade em busca de aprimoramento artístico, ou à procura da fama outorgada pela exposição de suas obras no Salon.

Domingos António Sequeira (1768-1837), talvez o artista mais importante na pintura portuguesa entre o fim do século XVIII e o início do XIX, era então um respeitado retratista; estudara em Roma na juventude, e expusera em Paris no Salon de 1824, mas era um pintor “oficial” da antiga metrópole, pensionista do seu governo, e Portugal hesitava em reconhecer o novo Império. O que explicaria, nesses anos politicamente delicados, a sua escolha por Borges de Barros?

Retratos de família são relativamente raros na pintura portuguesa e brasileira das primeiras décadas do século XIX, um período ainda pouco estudado nos dois lados do Atlântico, exceptuando a actuação no Brasil dos artistas da “Missão Francesa”. Neste caso, a identificação e a importância do artista e dos retratados permite-nos o acesso a um conjunto privilegiado de informações que facilitam a leitura de algumas construções pertinentes à elaboração da imagem pintada, revelando aspectos do relacionamento cultural entre Portugal e Brasil nos anos que se seguiram à independência.