ARQUITETURA E PAISAGEM URBANA NA CIDADE BAIXA DE SALVADOR: UM SÉCULO DE TRANSFORMAÇÕES, DO CONDE DOS ARCOS A J. J. SEABRA

Nivaldo Vieira de Andrade Junior (UFBA)

Resumo: Desde a sua fundação como sede do governo português, em 1549, a cidade de Salvador esteve dividida funcional e geograficamente entre o centro administrativo e religioso da Cidade Alta e o porto da Cidade Baixa. Ao longo dos séculos, a Cidade Baixa passou por inúmeras e constantes transformações, através de sucessivos aterros sobre o mar. Entretanto, é entre as décadas de 1810 e 1920 que uma série de intervenções, em grande parte promovidas pelo poder público, transformam a zona portuária e seus arredores em principal centro da vanguarda arquitetônica e urbanística soteropolitana. São estes edifícios e projetos urbanos, que modernizaram o espaço urbano e modificaram a paisagem de Salvador, que serão analisados nesta comunicação, com destaque para três grandes períodos.

O primeiro deles corresponde à reforma urbana empreendida na Cidade Baixa por D. Marcos Noronha e Brito, o 8º Conde dos Arcos, quando ocupou o Governo da Bahia (1810-1818), incluindo a construção da Praça do Comércio, com nítida influência da arquitetura neopalladiana inglesa e que se constitui em um dos primeiros edifícios neoclássicos construídos no país como reação ao rococó então dominante. A reforma urbana do Conde dos Arcos se destaca, porém, pela execução de um novo cais de atracação sobre a Baía de Todos os Santos, flanqueado por um magnífico conjunto arquitetônico que se constitui no mais importante projeto urbano de feição neoclássica realizado no país.

O segundo período corresponde às intervenções urbanas promovidas entre o final da década de 1860 e o final da década de 1890, transformando radicalmente o frontispício da cidade, dinamizando os fluxos e facilitando as conexões entre as Cidades Alta e Baixa. Destaca-se neste contexto a construção da Ladeira da Montanha (1878-1880), com 900 metros de comprimento e quase 9,00 metros de largura, e a implantação de um sistema de ascensores mecânicos conectando as linhas de bonde das Cidades Alta e Baixa, formado pelos Elevadores da Conceição e do Taboão e pelos Planos Inclinados Isabel e do Pilar.

O terceiro e último período que analisaremos aqui corresponde ao grande aterro de ampliação e ordenação do Porto promovido a partir de 1906, mas realizado predominantemente nas duas gestões de José Joaquim Seabra no Governo do Estado (1912-1916 e 1920-1924). Embora neste momento tenham sido realizadas monumentais obras de infra-estrutura que modificaram significativamente a paisagem soteropolitana, como o novo cais com 1.500 metros de comprimento e as instalações correspondentes, focaremos nossa análise no conjunto arquitetônico erguido a partir da década de 1920 na imensa área resultante do aterro, com destaque para logradouros como a Praça da Inglaterra e a Rua Miguel Calmon, onde dezenas de edifícios ecléticos foram construídos para sediar bancos nacionais e estrangeiros e escritórios de empresas comerciais ligadas à exportação e importação.

Hoje, os edifícios, conjuntos arquitetônicos e espaços urbanos que testemunham essas transformações ainda existem em sua grande maioria, embora muitas vezes estejam em processo avançado de arruinamento. O reconhecimento dos seus valores arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos resultou, em 2008, no seu tombamento provisório pelo IPHAN.