AS RELAÇÕES ENTRE O ENSINO ARTÍSTICO OFICIAL E A FORMAÇÃO DE UMA HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA

Denise Gonçalves (CBHA)

Resumo: A formação de uma historiografia de arquitetura de caráter científico tem suas origens no século XVIII europeu, desenvolvendo-se já nesse momento por meio de publicações específicas que apresentam, em geral, inventários de exemplares das arquiteturas locais. Na França, modelo teórico importante para o pensamento artístico oitocentista em geral, e no nosso caso em particular, podemos observar esse desenvolvimento. Parte voltada para a formação do arquiteto, parte para a preservação do patrimônio nacional, a história da arquitetura francesa define-se como disciplina e método durante o XIX numa estreita relação com o ensino oficial. Não é por acaso que o primeiro compêndio de história da arquitetura é de autoria de um eminente pesquisador e professor das duas maiores escolas de engenharia européias, a École des Ponts et Chaussées e a École Polytechnnique: Auguste Choisy. Sua Histoire de l’Architecture publicada em 1899, conduzida com rigor arqueológico e segundo metodologia precisa, permanece até os dias de hoje como referência fundamental para os estudos sobre o tema.

Apesar da presença francesa na instituição do nosso sistema oficial de ensino artístico, e da conseqüente proximidade com tal modelo, nossa historiografia de arquitetura não parece se delinear com a mesma objetividade observada no contexto que nos serve de referência. No Rio de Janeiro, sede do sistema acadêmico, a produção historiográfica no decorrer do século é de caráter fragmentário: ao invés de publicações específicas temos artigos publicados de maneira esparsa e aparentemente aleatória em periódicos nem sempre especializados. Além disso, essa historiografia incipiente mistura em sua narrativa aspectos arquitetônicos e históricos muitas vezes de forma mais pitoresca que científica, contrastando com o rigor do método e com o vocabulário técnico que caracterizam a produção francesa.

Poderia-se pensar que o afastamento em relação ao modelo residiria pelo menos em parte na própria estrutura do nosso ensino acadêmico já que este, baseado na história da arquitetura européia, teria dificultado o desenvolvimento de uma historiografia local ao invés de ter contribuído para sua formação. No entanto, uma análise mais cuidadosa dessa nossa primeira produção historiográfica revela aspectos importantes tanto no que se refere a seus objetivos e métodos quanto às suas relações com a Academia; discutir esses aspectos é o objetivo desse trabalho.