AMBRIZZI, Miguel Luiz. Entre olhares - O romântico, o naturalista. Artistas-viajantes na Expedição Langsdorff: 1822-1829 . 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 4, out. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/viajantes_mla.htm>.
Todo homem que aspire a conhecer as emoções líricas deve dirigir-se ao Brasil, onde a natureza poética corresponderá às suas inclinações. Mesmo a pessoa menos sentimental torna-se poeta para descrever as coisas como elas são.
Gregory Ivanovitch Langsdorff [3]
1. Desde os primeiros tempos da descoberta do Brasil, do raiar do ano de 1500 aos nossos dias, as riquezas naturais de nosso país atraíram tanto a admiração quanto a cobiça de muitos que nos visitaram. A transição dos séculos XV para o XVI traz consigo uma explosão no conhecimento do mundo. É, a partir deste momento, que se realizam grandes viagens de descobertas.
2. Neste período, vários conquistadores trouxeram em suas expedições naturalistas, biólogos, astrônomos, geógrafos, botânicos, zoólogos, médicos, artistas, dentre outros. Os artistas tinham o ofício de documentar a exuberante fauna, flora, etnias e variedades dos costumes dos povos dos trópicos que tanto os atraíam. A diversidade de espécies e uma diferença de quantidade no número de indivíduos em contraposição às regiões temperadas eram grandes. Muitos foram os artistas e cientistas que, levados pelo ardor científico e pelo talento, registraram em pranchas, telas, aquarelas, depois em fotografias e filmes, a beleza e perfeição do que viam.
3. No século XVII o grupo dos holandeses se instalou na Capitania de Pernambuco, chefiado pelo Conde Maurício de Nassau, que teve consigo a companhia do cientista e artista George Markgraf e dos pintores Albert Eckhout e Frans Post, pode ser considerado pioneiro nesse registro.
4. Neste texto, concentraremos nossas atenções na expedição comandada pelo barão Gregory Ivanovitch Langsdorff, daqui em diante expedição Langsdorff, e veremos como que, herdeiros dos conceitos de paisagem e natureza-morta - olhar distanciado e olhar aproximado - , os artistas desta expedição trabalharam, porém, com outras orientações, como a de Alexander von Humboldt e o seu conceito de paisagem.
5. Assim como ocorreu com outras expedições científicas, a de Langsdorff também só chegou ao Brasil no século XIX em decorrência da política de abertura dos portos, implantada com a chegada da corte portuguesa ao Brasil. Outras expedições tiveram grande importância e contribuíram para os registros e estudos do mundo natural brasileiro, com destaque para a Viagem Filosófica ao Amazonas (1783-1792), comandada pelo naturalista brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, cujos artistas foram Joaquim José Codina e José Joaquim Freire, além do grande trabalho do botânico Von Martius que percorreu trechos do Brasil entre 1817 e 1820; e o trabalho de Auguste de Saint-Hilaire que durante o período de 1816 a 1822 fez registros da flora brasileira de uma forma descritiva e elucidativa (ARAUJO, 2004).
6. A expedição comandada por Langsdorff percorreu durante os anos 1822 a 1829 o interior do Brasil, passando pelas regiões de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo [Figura 1] [4]. Langsdorff, alemão, naturalizado russo, natural de Wöllstein no Hesse Renano, médico formado em Göttingen, foi enviado ao Brasil, em 1813, como Cônsul-Geral da Rússia.
7. Acompanhando Langsdorff estavam Ludwig Riedel (botânico), Nestor Rubtsov (astrônomo), o médico e zoólogo Cristian Hasse, além de escravos, guias e remadores, somando 39 pessoas na expedição. Juntamente com os cientistas, fizeram parte da expedição o artista alemão Johan Mauritz Rugendas (João Mauricio Rugendas) e os franceses Aimé-Adrien Taunay (Aimé Adriano Taunay) e Hercule Florence (Hércules Florence)[5].
8. A empreitada teve por objetivos mapear e registrar os rios, minerais, a fauna, a flora, as etnias etc. de regiões que ainda não eram conhecidas. Langsdorff teve um grande interesse em coletar o máximo de informações. Segundo Carelli, o projeto do barão “é decididamente enciclopédico, não havendo nenhum terreno da ciência que fosse estrangeiro à academia ambulante sobre dois pés” (1994, p. 94).
Os artistas da expedição
9. De fevereiro de 1822 a novembro de 1824, Langsdorff teve a seu serviço o pintor natural de Augsburgo, Rugendas (1802-1858). Devido aos constantes adiamentos que por mais de dois anos retardaram o início das viagens, a maior parte do trabalho do artista alemão foi desenvolvida na Fazenda Mandioca, propriedade de Langsdorff no Rio de Janeiro e arredores. Somente de maio a novembro de 1824 que ele participou da primeira parte da expedição, percorrendo a região de Minas Gerais. Depois de romper com Langsdorff[6], Rugendas retornou à Europa no início de 1825 levando consigo a maior parte dos desenhos feitos no Brasil.
10. Para a viagem a Mato Grosso, Langsdorff contratou Aimé-Adriano Taunay (1803-1828), um jovem francês residente no Brasil - filho de Nicolas-Antoine Taunay, um dos integrantes da Missão Artística Francesa, que já tinha experiência como ilustrador de expedições científicas.
11. Para evitar o risco de ficar novamente sem desenhista para a sua expedição, Langsdorff contrata, junto com Taunay (primeiro desenhista), Hércules Florence (1804-1879) para compor sua equipe, um jovem natural de Nice (França), amante das artes e das ciências, recém-chegado ao Rio de Janeiro.
12. Em Carelli vemos que Florence leu um anúncio de emprego e sentiu que poderia realizar seu sonho que possuía desde adolescente. O anúncio dizia: “Naturalista russo aprontando-se para fazer uma viagem através do Brasil busca um pintor. As pessoas preenchendo condições necessárias são convidadas a se dirigir ao Vice-Consulado da Rússia” (1994, p. 92-93). Este mesmo autor afirma que, “chocado pela exatidão da observação e a segurança do traço de Hércules, Langsdorff o recruta no mesmo instante. Como o francês tem noções de cartografia, será o pintor topógrafo dessas terras inexploradas” (idem). Florence permanece com Langsdorff até o fim da expedição e é quem publica o primeiro diário de viagem da expedição ilustrado com seus próprios desenhos[7].
13. Segundo Carelli (1994), Langsdorff tinha uma personalidade muito forte, era rigoroso com o serviço de seus companheiros de expedição, mas sabia reconhecer a qualidade dos trabalhos e a importância dos membros que com ele trabalhavam.
14. Segundo Saint-Hilaire, com quem Langsdorff fez uma viagem pela província de Minas Gerais:
15. Na companhia de Langsdorff, o homem mais ativo e mais infatigável que jamais conheci em minha vida, aprendi a viajar sem perder um só instante, a me condenar a todas as privações, e a sofrer alegremente todos os gêneros de incômodos. [...] Meu companheiro de viagem ia, vinha, agitava-se, chamava este, reprimia aquele, comia, escrevia seu diário, arrumava suas borboletas e corria aqui e ali, tudo de uma só vez. Todo seu corpo estava em movimento; sua cabeça e seus braços, que se lançavam à frente, pareciam acusar a lentidão do resto de seus membros; suas palavras precipitavam-se; sua respiração era entrecortada; ele resfolegava, como após uma longa corrida (apud. CARELLI, 1994, p. 94).
16. Podemos verificar, através de um trecho de uma carta enviada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, que Langsdorff dá-se por satisfeito com os trabalhos produzidos durante a viagem:
17. Os jovens artistas Taunay e Florence desenharam belas paisagens, cataratas e diferentes espécies de objetos de ciência natural. Durante a viagem, dediquei uma atenção especial à história natural cotidiana do homem. Para permitir aos sábios europeus comparar com maior precisão as raças sul-americanas entre si, exigi dos artistas, com insistência, que fizessem com precisão os retratos das tribos Caiapó, Guana, Guato, Bororo, Chamacoco e Chiquito e espero, neste ponto, ter feito mais que qualquer outro viajante europeu (apud CARELLI, 1994, p. 95).
18. O entusiasmo e a satisfação do barão com a qualidade dos trabalhos produzidos durante a viagem foram interrompidos por grandes imprevistos que ocorreram no trajeto da expedição. Atacados por mosquitos, muitos participantes, inclusive o barão, adoeceram com febres que provocaram delírios e perdas das capacidades mentais.
19. Rugendas, Taunay e Florence, apesar de terem o mesmo ofício - o de registrar fielmente as observações feitas durante das viagens - possuem uma maneira distinta de realizar seus trabalhos. Cada um construiu a sua história dentro desta expedição, com sua linguagem (embora encontremos grandes semelhanças, como veremos adiante), mostrando conceitos e visões de mundo próprias a cada artista, incluindo a reflexão acerca do trabalho do próprio artista-viajante, que procuramos apontar a seguir.
20. Contudo, cabe ressaltar que as observações feitas nessa expedição - as ricas coleções de plantas e animais, além do valioso material iconográfico resultante - constituem um acervo único que, embora parcialmente esquecido e pouco trabalhado durante mais de um século, figuram hoje como fontes de conhecimento, compondo rico repertório de dados referentes à memória nacional.
Rugendas
21. Rugendas (1802-1858), natural de Augusburgo, na Alemanha, além de fazer parte de uma família com tradição artística, entrou em contato com Albrecht Adam, pintor oficial da corte milanesa e amigo de seu pai, aos onze anos de idade. Adam leva Rugendas para trabalhar com ele em seu ateliê em Munique e, em 1817, o introduz na Academia de Belas Artes. (CARNEIRO, 1979).
22. No dia de 18 de setembro de 1821, com apenas 19 anos, assina o contrato com Langsdorff, tendo a função de registrar os caminhos da expedição, entregar todos os seus trabalhos para o chefe, não podendo expor ou divulgá-los. Rugendas deveria exercer o ofício
23. “serviçal de sua arte em todas as circunstâncias que lhe aparecer e sobretudo para ilustrar aqueles objetos que o chefe da Expedição lhe indicar como importantes e entregar todos os esboços, desenhos e pinturas que realizar durante a viagem”, tendo Rugendas, “o direito de efetuar cópia das obras sobreditas em suas horas livres e guarda-las como propriedade sua, observando a expressa condição de que, sem o chefe saber e sem a sua permissão, nenhum desenho e nenhuma outra obra de sua arte poderá ser dada a conhecer antes da publicação oficial da descrição da viagem”. Assim seus lápis e pincéis deveriam transformar-se no veículo documentador que levaria à Europa, através dos resultados da expedição russa, imagens reveladoras de recônditos deste espaço tropical, então bem pouco conhecido pela ciência ilustrada. (DIENER, 1999, p. 83).
24. As relações entre Langsdorff e Rugendas não foram boas, o que ocasionou sua saída da expedição. O artista não teria entregado muitos de seus desenhos a Langsdorff, descumprindo assim as ordens do contrato[8], o qual, assinado por Rugendas, dizia que o artista se comprometia a acompanhar a viagem científica ao interior do continente americano durante todo o tempo em que ela durasse.
25. Diener[9] nos aponta que antes da vinda de Rugendas para o Brasil uma ansiedade e uma avidez o acompanhavam. Segundo o autor, Rugendas estava “possuído da emoção que o romantismo alemão define como Fernweh, isto é, nostalgia pelo distante” (DIENER, 1999, p. 31). Os europeus já tinham conhecimento das ilustrações feitas por Alexander von Humboldt em suas expedições pela América, o que causou uma grande curiosidade pelo desconhecido, pelo distante, fazendo com que buscassem alargar o seu conhecimento científico (geográfico, biológico etc.) do mundo.
26. Antes de Rugendas embarcar na expedição Langsdorff ele já sabia qual seria a sua função, segundo seus escritos: “os insetos e as plantas serão desenhados pelo próprio Senhor Conselheiro do Estado, os pássaros por Ménétriès, para mim ficarão apenas os objetos maiores” [Figura 2] [10] (RUGENDAS apud DIENER, 1999, p. 31), que seriam as paisagens e os habitantes e seus costumes [Figura 3] [11] (CARNEIRO, 1979, p. 8).
27. Para Carneiro (1979), Langsdorff era um hábil desenhista e os poucos desenhos de Botânica feitos por Rugendas teriam seguido orientações do chefe da expedição. Como fora dado a Rugendas o ofício de registrar os “objetos maiores”, seu grande interesse não estava nas pequenas partes da natureza (um registro de apenas um espécime da flora, por exemplo), mas no “conjunto, na misteriosa floresta tropical, com sua variedade e seu exotismo. Os desenhos de conjuntos florísticos são freqüentes, sobretudo ângulos e cenas de mata com índios e animais” (CARNEIRO, 1979, p. 15).
28. O que é mais marcante no trabalho de Rugendas é a técnica do desenho [Figura 3]. O artista, como constatamos, vem de uma formação acadêmica, porém a sua obra foge muitas vezes da arte clássica e o modelo predominante de construção artificial da paisagem com base em uma observação, visando realçar a disposição dos elementos numa composição, aos moldes de Poussin e, posteriormente, de David[12].
29. Diener, ao analisar os trabalhos de Rugendas no Brasil, verifica
30. a predominância do desenho à lápis, uma técnica que domina, ao contrário do uso da cor, que aplica com cautela, aquarelando o desenho já acabado, geralmente como testes e ajudas mnemônicas. Um dos exemplos mais belos deste procedimento é a vista da Baía da Guanabara com o Pão de Açúcar ao centro: sobre um cuidadoso desenho de traço muito delicado, Rugendas pinta o motivo central da paisagem e reproduz, com surpreendente acerto, a policromia resultante do jogo de luz e sombra sobre a superfície do maciço central [Figura 4] [13]. Especialmente nos trabalhos mais pessoais, Rugendas expressa sua capacidade de observação, fato que lhe permite fugir dos modelos classicistas (DIENER, 1995, p. 19)[14].
31. De certa forma, o artista ora se aproxima dos modelos classicistas de representação e ora não. Há trabalhos seus que não foram submetidos a um esquema rigoroso de composição, mas sim, feitos com fidelidade ao modelo representado. Na aquarela da Figura 5 [15], tem-se a representação de um gambá numa visão aproximada, o qual se encontra em seu habitat, possivelmente à beira de um lago, pois encontramos dois peixes mortos no chão, o que pode indicar que este animal os estivesse comendo. Apesar de haver algumas espécies vegetais à sua volta, não se trata de uma composição rigorosa e complexa, porém a cor limita-se ao seu contorno no tracejamento que a linha define.
32. Porém, outros de seus estudos são realizados com acabamento primoroso e rico em detalhes com rigor academicista, dentro dos princípios clássicos. Tal como na Figura 6 [16], em que encontramos elementos como a distância entre o índio e a onça (estão muito próximos e, talvez, não seja esta a exata distância na realidade, no entanto, não podemos afirmar), bem como os corpos dos índios ainda parecem obedecer aos ideais gregos e apolíneos, nos levando a crer que se trate de uma cena idealizada e reduzida ao papel, condensando as proporções e distanciamentos, com poucos elementos de cena, caracterizando esse estudo como mais próximo ao classicismo.
33. As oscilações entre um idealismo e um naturalismo, um modelo compositivo e uma obra resultante de observação têm raízes e significações complexas e revelam a importância da formação acadêmica e dos embates que ocorriam neste âmbito, desde o século XVIII, na Europa.
34. Assim, não eram apenas as soluções formais dos gregos e mais especialmente da arte romana que se procurava emular; o importante era o valor ético que se poderia extrair da arte da Antiguidade. O heróico, agora, associava-se ao virtuoso. O Herói - de preferência vestido em trajes antigos - não era apenas alguém que realizava grandes feitos ou proezas físicas e cuja força muscular e beleza física causavam admiração. Ele era, antes de mais nada, alguém - e essa era uma concepção edificante de Hércules - cujo nobre corpo revestia uma alma resplandecente de virtude e cujas realizações podiam servir de exemplo como um ideal a ser atingido (FRIEDLAENDER, 2001, p. 19).
35. O que o texto demonstra é que os rigores compositivos diziam respeito também a uma formulação de caráter simbólico, designando o lugar da figura heróica na pintura. As teses de Winckelmann e as doutrinas de Rousseau acompanham este sentido imagético, estimulando uma volta à natureza e as associações entre natureza, beleza e virtude. Este classicismo será representado pela pintura e a escola de David. A composição de David retomava os princípios e fórmulas de Poussin da maturidade, onde a regra central era o menor número de figuras possível numa cena. Com isto, valoriza-se a composição e as figuras isoladas numa ação individual.
36. O Juramento dos Horácios [Figura 7] [17] designa, ao mesmo tempo, que um “sentimento sublime e patriótico alcançara uma concentração formal que satisfazia às exigências da teoria do classicismo. Ninguém mais ousaria traçar os eixos de forma tão vigorosa e tão simples, colocar os punhos das espadas de forma tão espetacular na interseção dos eixos, fazendo deles o centro da atenção, representar a ação de forma tão clara, valendo-se de meios artísticos e formais. As cores austeras e sóbrias devem ser entendidas como espartanas e viris. Tudo é preciso e bem definido; unidade de lugar, unidade de tempo, unidade de tratamento - tudo foi observado” (FRIEDLAENDER, 2001, p.34).
37. Mesmo aqui, os modelos acabam por trair-se, em função das trajetórias dos artistas. Desde Poussin até David, assistimos a uma transformação entre estilos compositivos com figuras isoladas num cenário restrito e figuras dinâmicas em espaços abertos. Apenas para exemplificar, podemos mostrar como o Juramento dos Horácios de David, obra de culminância da fase inicial, estabelece um maior diálogo com os trabalhos da obra desenvolvida e tardia de Poussin. Por outro lado, O rapto das Sabinas de Poussin (da fase inicial) influenciou a fase final da trajetória de David [Figura 8] [18]. Esta problemática e este modelo generalizarem-se através da Academie de France em Roma, com o germano-romano Anton Raphael Mengs (1728-1779) e a sua expressão eclética. Estas formas receberam a divulgação na pintura histórica de estilo pseudoclássico e foram popularizadas nas gravuras do século XVIII.
38. Por outro lado, ressurge neste contexto, uma estética com presença dos fulgores da ordem barroca, exigindo o efeito pitoresco e o excesso de figuras na construção da cena, tratando de dar as características de uma estética romântica para o final do século XVIII e para o XIX.
39. Desse modo, podemos nos amparar num quadro que demonstra as oscilações dos pintores da época no que tange a sua formação e à eleição dos estilos e das escolas, entre um academicismo e um busca de uma arte expressiva e sentimental. Assim, as Academias formavam artistas, estilos e escolas, mas estes não se limitavam a suas tipologias e respondiam a uma dinâmica da produção das imagens e dos debates constantes entre os modelos formulados.
40. Nestes termos, Rugendas nos aparece como sendo um caso exemplar desta situação, apresentando em sua produção os mesmos confrontos e paradoxos trazidos do contexto europeu. Como um bom exemplo, temos as leituras de Diener (1995) e de Belluzzo (1994); o primeiro afirmando a força do modelo e da composição e a segunda traçando as relações entre a produção de Rugendas e o romantismo.
41. Pablo Diener analisa uma composição para a Dança dos Puri [Figura 9] [19] (Viagem Pitoresca, litografia 3/6). O autor diz que
42. apesar de não ter sido conservado nenhum desenho preparatório da composição total desta litografia, existe um desenho em detalhe de uma das figuras recostadas em primeiro plano. Esta figura encontra-se em um esboço provavelmente feito ao natural, no qual Rugendas representa um grupo de índios Botocudos (DIENER, 1995, p. 19).
43. Com isso, Diener chama a atenção para a obra de Rugendas que no seu processo de reelaboração dedica-se mais aos aspectos compositivos, não se preocupando com critérios científicos, “utilizando os seus próprios desenhos de forma bastante indiscriminada” (COSTA, 1995, p. 19). Um bom exemplo são os seus estudos das posições observadas nos índios que são utilizados para comporem a prancha intitulada Ponte de cipó, encontrada em seu livro Viagem Pitoresca .
44. Segundo Belluzzo (1997, p. 76), podemos encontrar nos álbuns de Rugendas um espetáculo natural vivido pelo viajante que retratou a vida humana em sociedade sob um olhar objetivo, não restando dúvidas de que utiliza a “prática científica para a configuração de cenas da vida humana na floresta, da sociabilidade urbana, das atividades rurais”. Para ela, a paisagem natural é a própria instância particularizadora que define o homem local na concepção do artista, cujo foco é a natureza da sociedade, que se mostra nas suas diversas práticas.
45. Analisando os álbuns pitorescos de Rugendas e Debret[20], Belluzzo conclui que ambos revelam um dos resultantes característicos da visão de mundo romântica e que
46. muitos deles se filiam aos propósitos de particularização histórica, em oposição à concepção universalista do pensamento clássico, como podemos concluir da intenção dos conjuntos de desenhos que formam o Voyage Pittoresque de Rugendas quanto o de Debret. Apesar dessa tendência geral, o leitor pode encontrar nesses artistas um vocabulário figurativo embebido de tradições clássicas. Esses dois modelos privilegiados de viagem ao Brasil não prescindem dos critérios da ciência taxonômica, que aplicam à classificação de grupos humanos, que tipificam nas pranchas fisionômicas das tribos indígenas. [...] predominam as figuras humanas ambientadas em seu próprio habitat ou articuladas pela ação que narra algum costume. (BELLUZZO, 1994, p. 76).
47. Nesse sentido, encontramos diferenças entre os trabalhos de Rugendas e Florence, por exemplo, o qual faz uma espécie de classificação das raças dos habitantes das terras cariocas, conforme veremos adiante.
48. A leitura da produção de Rugendas durante a expedição Langsdorff revela a presença das tensões entre o classicismo (privilégio do desenho e dos modelos compositivos) e o romantismo (ascensão da cor e valorização de uma cena, com uma ação dramática e exaltação da natureza) assemelhando-se aos problemas da pintura francesa (Géricault e Delacroix) e as tensões entre ambas as acepções no século XIX europeu.
49. Como aponta Esteva-Grillet, ao analisar as idéias de Humboldt, reconhecer-se-á uma continuidade no tratamento da paisagem do século XVII ao XIX, ressaltando as influências originais advindas do arcadismo do século XVII (Lorrain, Ruisdael e Poussin).
50. Desse modo, não é de surpreender a cadeia pictórica Poussin-David posteriormente associada a Rugendas. Como nos mostra Humboldt, a novidade de Rugendas não se encontra no estilo, mas na ampliação dos conteúdos promovidos por sua produção artística, saindo do contexto da paisagem européia para o contexto da paisagem do Novo Mundo. Segundo Esteva-Grillet, Humboldt
51. reconhece somente no século XVII um interesse autêntico na paisagem com Claude Lorrain (1600-1682), Jacob van Ruysdael (1628-1682), Nicolas Poussin (1594-1665) e outros poucos. Mas encontramos neles uma limitação: tinham se ocupado em somente representar zonas do velho continente: Norte da Europa, Itália meridional e Península Ibérica. Resgata, pois, a dos paisagistas holandeses esquecidos que estiveram no Brasil, Frans Post (1612-1680) e Albert Eckhout (act. 1635-1664). Agora os novos modelos seriam Rugendas, Bellermann, Edward Hildebrand (1818-1869), Carl Nebel (1800-1865) e Albert Berg (1825-1884), “pintores do trópico a serviço de uma idéia fisionômica-geográfica” (ESTEVA-GRILLET, 2000, p. 210).
52. Nestes termos, Rugendas acabaria por se apresentar como um modelo exemplar de artista para as expedições científicas, tal como pensa Humboldt [Figura 10] [21]. Sua ampla capacidade técnica, o domínio e o tráfego entre as diferentes produções estilísticas acabam por culminar com as exigências feitas pelos moldes da figura do artista-viajante que deve trabalhar “in loco, possuído de emoção sobre os mesmos lugares” (ESTEVA-GRILLET, 2000, p. 211).
53. Ao fim, permanece a dicotomia entre o modelo de artista e os efetivos conflitos entre Rugendas e Langsdorff. Se, por um lado, Rugendas é a evolução da tradição da pintura da paisagem reconhecida por Humboldt, por outro, seu embate com Langsdorff e a problemática na qual o artista “necessariamente renegaria o parágrafo de seu contrato que o obrigava a uma prática serviçal de sua arte em qualquer circunstância e sobretudo para ilustrar aqueles objetos que o chefe da expedição indicasse como importantes” (DIENER, 1995, p. 17), revela a tensão existente entre as formas do saber e das práticas artísticas e científicas no século XIX, rememorando as críticas de Schiller a Humboldt[22].
Aimé-Adrien Taunay
54. Taunay, francês nascido em 1803, é filho de Nicolas-Antoine Taunay, artista da Missão Artística Francesa de 1816[23]. Foi o segundo artista contratado por Langsdorff. Assim como Rugendas, vinha de uma família com tradição artística, vinculando-se diretamente a uma herança e poderio em torno da pintura de paisagem no Rio de Janeiro, pois seu pai e irmão (Félix-Émile Taunay) foram professores desta cátedra na Academia e Escola Real de Belas-Artes.
55. Em relação a esta tradição profissional familiar, podemos afirmar que o trabalho de Nicolas apresenta peculiaridades que o aproximam das formas assumidas pelo romantismo e o tratamento particular dado à natureza por este movimento artístico.
56. Os cânones do neoclassicismo trazidos pela Missão Francesa se defrontam com uma “outra” realidade onde a riqueza do cenário natural e a ampla escala da paisagem não se submetem aos rígidos esquemas europeus. O grandioso perfil do Pão de Açúcar, com a suavidade de suas curvas, torna-se o fundo ideal de numerosas pinturas e estas favorecem sua primeira relação com a cidade, retratada em primeiro plano, como nas vistas do morro de Santo Antônio de Nicolas-Antoine Taunay e a de Thomas Ender. A idealizada harmonia entre o contexto urbano e a natureza só se dá nas pinturas de ateliê, quando a composição formal se aproxima das imagens desejadas, conseguindo, dessa forma, conter a natureza que se impõe com a majestade de seus monumentos sobre as modestas arquiteturas e a pequena dimensão da cidade colonial.
57. Na interpretação comumente dada às cenas produzidas pelo artista afirma-se o senso de um romantismo pictórico e uma imponência da natureza e de seus elementos que recebem tratamento monumental em face de uma sociedade e um universo urbano ainda tímido, num senso que aproxima estas pinturas da estética do sublime.
58. O jovem Aimé, formado neste contexto, possuía experiência e familiaridade com a arte paisagística. Já havia participado como desenhista em outra expedição chefiada pelo barão Louis Claude de Saulces de Freycinet ao Oceano Pacífico[24], onde iniciou sua experiência de observação científica.
59. Diener (1995) ressalta que Taunay representa o espírito poético neste empreendimento de mera ilustração positivista, que na sua pintura e nos seus escritos encontramos o gosto pelos jogos de evocação e pelas metáforas, que revelam a efervescência criativa de sua personalidade e o gosto pelo jogo intelectual.
60. Sua concepção do trabalho permite uma combinação entre os elementos descritivos e evocativos, inter-relações entre a paisagem e a pintura histórica [Figura 11] [25] e a produção de textos que acompanham seus registros, quase sempre sob o formato de esboços.
61. Nos relatos de Florence encontramos informações que contextualizam esta imagem historicamente. Este artista escreve:
62. Passamos pelas margens do Quilombo para ir ver a mina de diamantes: foi neste lugar que se encontrou o primeiro diamante que fez com que a mina fosse descoberta, não faz mais que dois anos. Uma negra o encontrou lá quando lavava roupa; o seu valor era 6000 francos [;] aqui mesmo onde não se encontrou mais nada valioso (apud. DIENER, 1995, p. 14).
63. Taunay, autor desta ilustração [Figura 11], ainda escreve no verso da obra: “Vista do rio Quilombo. Neste rio que tem ouro e diamantes, os mananciais estão na parte mais elevada da Chapada. [...]”. Segundo DIENER (1995, p. 14), esta
64. referência escrita pelo próprio pintor completa-se com as personagens da aquarela, como uma alusão ao fato real da descoberta do diamante, que certamente nesta época foi um acontecimento de conhecimento público sobre as voltas da Fortuna (ibid.).
65. Aqui, portanto, identificamos uma retomada do gênero de pintura histórica herdado de seu pai.
66. Consciente de uma posição artística e de sua particularidade frente aos projetos da expedição científica, seus auto-retratos, ao apresentarem a si mesmo como figura romântica e com ar juvenil, ressaltam aos olhos e interpretação dos comentaristas este caráter empreendedor e que busca a autonomia da arte em face das regras e princípios da ilustração (DIENER, 1995).
67. Taunay inicia na expedição em 1825, mas, assim como ocorrera com Rugendas, também se desentende com Langsdorff, que, no entanto, permite que ele siga viagem desenvolvendo trabalho junto com o botânico Ludwig Riedel. Junto com Riedel, Taunay segue para Villa Bella de Mato Grosso, onde encontram uma aldeia de índios Bororo, chegando até a divisa com a Bolívia em Casalvasco. Taunay, no entanto, morre prematuramente, aos 25 anos, ao atravessar a nado as corredeiras do rio Guaporé.
68. Contudo, nesse pouco tempo que permaneceu junto a Riedel, grandes trabalhos foram feitos sobre os índios Bororo [Figura 12] [26]. Segundo Pedro Corrêa do Lago (2000),
69. poucos artistas tiveram sua reputação entre nós tão ampliada pelas descobertas dos últimos 50 anos como Aimé-Adrien, hoje reconhecido como autor das melhores observações imediatas sobre os índios brasileiros no começo do século XIX. Não são muitas suas aquarelas dos índios Bororo, (apenas seis se considerarmos as mais acabadas), mas trata-se talvez do mais comovente retrato artístico do índio brasileiro. De fato, este pequeno grupo de imagens quase milagrosas prova o extraordinário talento do jovem filho do grande Taunay, fazendo lamentar que sua morte precoce não lhe tenha permitido desenvolver a carreira excepcional à qual certamente estaria destinado. (DO LAGO, 2000, p.152).
70. Para Belluzzo (1994, p. 127), Taunay tinha como características ser “mais sensível e afetivamente envolvido com o objeto de sua atenção”; ele “se entretém com a luminosidade da cor”. O uso da cor relaciona-se ao meio técnico propriamente explorado por Aimé, a aquarela. Como técnica, o colorismo, tradicionalmente usado para a pintura de paisagem, privilegiadamente na produção de esboços, irá ganhar autonomia artística na segunda metade do século XIX.
71. A fluidez do material e sua transparência permitem produzir imagens onde as cores constituem zonas próprias e substituem o desenho, sem chegar a formar massas como as promovidas pela pintura. Nas imagens de Taunay este colorismo luminoso e transparente apenas evoca a presença de tênues linhas, sem deixar de ser um conjunto resultante de um princípio de obra de observação.
72. Analisando as observações do artista sobre dois grupos de índios (os da Chapada dos Guimarães, que eram educados pelas missões jesuítas, e os Bororo, que mantinham tradições tribais), Belluzzo percebe que Taunay busca retratar as transformações sofridas pela mestiçagem. Em vários registros, o artista anota os detalhes da descendência desses índios, discriminando as diferentes mestiçagens de branco com índio, de mestiço com índio, de dois mestiços, entre outros[27] (BELLUZZO, 1994). A autora ainda afirma que o artista é dotado de sensibilidade lírica, tem confiança na pincelada ao captar cenas de costumes e momentos cotidianos tanto da caça quanto de rituais ou intimistas. Trabalhando com a cor e a luz nas representações, Taunay mostra
73. a unidade da comunidade indígena e de sua configuração em grupo, conduzindo a atenção além da vida material e transportando-a para fenômenos da vida espiritual e cultural da tribo. Taunay estabelece certa intimidade com as situações que apresenta, expressa tanto pelo gosto do artista quanto pela postura corporal dos índios. O artista flagra as figuras no Interior de uma cabana de índios Bororo, fixa um momento da Visita de alguns Bororos [Figura 13] [28] à casa que ocupou com Riedel, perto da aldeia de Pau Seco. As cenas indicam que se trava uma nova relação entre índios e viajantes (BELLUZZO, 1994, p. 131).
74. A vertente colorística representa uma busca ou um desejo de realismo na pintura européia que ascende lado a lado dos princípios românticos. O uso da cor pode ser entendido como um modo de interpretação de uma realidade dinâmica e vivida num sentido mais direto, sem alusões a modelos idealizados (princípios clássicos). Nestes termos, as interpretações da obra de Taunay fazem referência direta a este sentido dado pela cor, não como uma forma do realismo, mas como meio de tradução de uma realidade que pudesse ser registrada sem uma pretensão compositiva - como vimos, predominante em diversos momentos na obra de Rugendas.
75. O traço seco e rigoroso de Florence, que será apresentado logo em seguida, faz contraponto ao companheiro de viagem, Taunay, que privilegia o uso da cor na definição das formas e dos espaços, como quando mostra figuras humanas, objetos, animais [Figura 14] [29] e vegetação, ou, quando, delimita terrenos através de diferentes manchas coloridas [Figura 15] [30].
76. Neste sentido, os comentários de Diener sobre a prancha Cachoeira do Inferno [Figura 29] vêm reafirmar tal questão:
77. Nesta folha fica claro também que é capaz de fazer um esboço em aquarela quase sem recorrer ao lápis e que utiliza a cor com familiaridade e, evidentemente, com maior desenvoltura do que na obra brasileira de Rugendas (DIENER, 1995, p. 20).
78. O trabalho de Taunay pode ser visto como um modo de realização de uma obra em movimento, numa atmosfera de inacabamento, semelhante apenas aos desenvolvimentos do alto romantismo europeu, que valoriza o movimento na constituição das cenas. Retomando o modo como o artista faz uso de histórias de sabor (ou saber) local, como no caso do registro das mulheres negras lavando roupa (num local onde um diamante fora encontrado, iniciando-se um ciclo minerador), também esse elemento assemelha-se em muito à forte presença dos elementos históricos na construção das obras românticas.
79. Lembrando os estudos de Géricault para a realização de A balsa do Medusa [Figura 16] [31], também o pintor tomou como motivo-tema da pintura um acidente noticiado e transformado em livro e desenvolveu um estudo científico do material bibliográfico. Como afirma Esteva-Grillet (2000, p. 150),
80. Os elementos básicos tinham de ser historicamente exatos. As duas testemunhas oculares - autores do panfleto de denúncia (para o qual Géricault faria mais tarde cinco litografias) - foram interrogadas sobre todos os pormenores, e seus retratos pintados, para inserção em posições importantes na pintura. Géricault fez o estudo de cada figura individual e minuciosamente, usando seus amigos - entre eles o jovem Delacroix - como modelos. Visto que um negro desempenhou um papel importante no acontecimento (à época já se discutia a libertação dos escravos), ele se pôs a desenhar e pintar negros [Figura 17 [32] , comparar com a Figura 18 [33]]. Alguns desses estudos tinham uma grandiosa modelação plástica de peças de bronze. Seu gosto pela anatomia e pelo estudo de cadáveres intensificou-se: ele examinava as cabeças e os braços e pernas contorcidas de pessoas executadas, em todas as posições e em todos os ângulos de iluminação possíveis.
81. Desse modo, podemos compreender as afirmações de Lago e de Belluzzo quando ressaltam a combinação entre lirismo e rigor na produção de Taunay. Suas notas e questionamentos constantes pressupunham a presença de um modelo interpretativo da realidade, singularmente distinta do modelo de registro de observação procurado por Langsdorff e sintetizado nos trabalhos de Florence, como veremos a seguir.
Hércules Florence
82. Em fevereiro de 1824, aos 20 anos, Florence desembarca no Rio de Janeiro[34]. Desde os 16 anos dedicou-se ao estudo do desenho, da matemática e da física, pois queria ser marinheiro[35] (MONTEIRO, 2001).
83. Entre todos, Florence é o que, com maior rigor científico, representou as plantas, paisagens, fauna e etnias com maior fidelidade (BELLUZZO, 1994). Para a autora (1994, p. 131), Florence foi o artista que, buscando a “objetividade do registro por todos os meios”, foi um explorador de técnicas de representação e reprodução da natureza.
84. Como vimos anteriormente, Belluzzo, ao comparar as obras de Taunay e de Florence, define o primeiro como o “mais sensível e afetivamente envolvido com o objeto de sua atenção” e Florence seria o mais objetivo, definindo o artista como “extremamente minucioso no estabelecimento das condições para a observação da natureza”(1994, p. 131).
85. Ao desenvolver seus trabalhos enquanto artista-viajante do século XIX, Florence “vai se comportar como um analista meticuloso, um observador de particularidades do mundo, assumindo o perfil de um artista documentador, que elabora cena a cena” (MONTEIRO, 2001, p. 61).
86. A formação e o mundo artístico de Florence foram o da escola acadêmica. Isso pode ser revelado, em geral, no seu afã pela ilustração de traço nítido, na predominância da linha sobre a cor na maioria dos estudos realizados durante a expedição. O seu academicismo seria evidente da sua forma de apreender “a figura humana [Figura 19] [36] onde ele, com pouca sorte, costuma recorrer a arquétipos clássicos” (DIENER, 1995). Nas suas pinturas de paisagens, essas obras sugerem uma interpretação a partir da composição, mais do que uma aproximação naturalista de pintura plein air (COSTA, 1995). Neste sentido, são conclusivos seus estudos sobre céus e nuvens pintados entre 1830 e 1835 [Figura 20] [37] e os comentários acerca destes.
87. Sem querer estender muito sobre os estudos dos céus deste artista, esse exemplo é importante para entendermos suas relações com obras de outros pintores de paisagens. Por exemplo, em um estudo de nuvens feito em São Carlos[38] no dia de 16 de dezembro de 1832 (produzido posteriormente à expedição Langsdorff) o próprio artista descreve o seu trabalho como um estudo para uma paisagem cujo horizonte é limitado; apropriado para uma cachoeira que seria o objeto principal da paisagem; a brancura das águas que caem seria realçada por um céu nublado [...]” (apud DIENER, 1995).
88. Neste e em outros estudos do tipo, Florence formula instruções para a composição da paisagem [Figura 21] [39] em termos similares aos que podem ser encontrados nos pintores acadêmicos do século XVIII, tais como Joshua Reynolds e Claude Joseph Vernet [Figura 22] [40].
89. Observando seus trabalhos [Figura 20 e Figura 21], podemos identificar questões de anotação que mostram claramente sua minuciosidade quanto às condições de observação. Florence, ao elaborar suas pranchas,
90. assinala em seus desenhos tanto o nome, o local e a data da coleta como critérios que presidem a representação, correspondências entre tamanho do referente e da referência, entre a cor na natureza e a cor resultante, indicando a tomada do objeto em grandeza natural ou em escala porcentualmente reduzida, anotando a incidência de desenhos elaborados a partir de plantas secas ou de animais empalhados. (BELLUZZO, 1994, p. 131).
91. Nestes termos, o trabalho deste artista e ilustrador caracteriza os primórdios da ilustração científica no Brasil, um tipo de representação figurativa que se combina e se adequa ao uso de textos. De acordo com Oliveira e Conduru (2004, p. 336),
92. a ilustração científica é um tipo de representação figurativa cujas finalidades são registrar, traduzir e complementar, por meio da imagem, observações e experimentos científicos que vão desde a descrição de espécies microscópicas de animais e vegetais até a anatomia humana, passando pela arqueologia, paleontologia, mineralogia, geologia, cartografia, astronomia, arquitetura, física, engenharia e história natural de uma infinidade de seres vivos e sua relação com a paisagem ou nichos onde vivem.
93. A ilustração é, em sentido geral, uma imagem que está usualmente acompanhada de texto, fazendo parte, assim, do que se denomina iconografia, ou “documento visual que constitui ou completa determinado texto” (Araújo, 1986, p. 477). Incluem-se nos conceitos de iconografia ou ilustração as imagens obtidas tanto através de métodos manuais de representação como desenho, pintura e gravura, quanto de reprodução técnica, como a fotografia.
94. Nestes termos, dentre os artistas da expedição, Florence atende mais claramente aos princípios da produção de uma iconografia ou de um “pensamento de ilustração”, no qual imagem e texto encontram-se associadas, mas não subordinadas, como apontam Oliveira e Conduru (2004). Na ilustração, um pensamento comunicacional precede ao senso artístico. Nesta forma de comunicação visual ou design, os recursos técnicos da arte são utilizados com a finalidade de atingir significados formais estáveis, tornando uma informação do tipo abstrato ou uma descrição em imagem (ibid.).
95. Vimos que, segundo esses autores, a ilustração, portanto, corresponde aos princípios da comunicação visual e gráfica. A imagem designa uma dimensão de conteúdo (semântica) na qual o espectador é um leitor de informações e de determinados significados socialmente reconhecidos e culturalmente estáveis. Neste jogo entre a imagem comunicativa e a imagem artística, os meios técnicos, o reconhecimento dos modelos de composição e de descrição visual e os elementos que produzem o efeito de verossimilhança são de grande importância. No verossímil, a imagem deve ser capaz de remeter diretamente ao objeto observado e tomado sob a forma da representação. Em alguns casos, o verossímil é um efeito retórico - quando reconhecemos por conta de um padrão ou modelo de produção imagética - e em outros é uma instância que se aproxima da noção de mimese enquanto cópia do real - o efeito de real na figura. Tais imagens, em geral,
96. trazem os elementos essenciais que esse tipo de representação exige: verossimilhança e atenção aos detalhes, que permitem, por exemplo, a identificação dos seres representados ou a melhor compreensão de fenômenos naturais descritos, ou seja, sua qualidade didática (Ford, op. cit.). Por estas características são denominadas ilustrações científicas (OLIVEIRA E CONDURU, 2004, p. 337).
97. O que importa, em suma, é que o espectador-leitor seja capaz de identificar na representação um objeto qualquer existente no plano da realidade observada, e possa, portanto, por definição, comparar a representação com a observação. O desenho e a pintura de caráter científico eram os meios para a produção desse tipo de testemunho visual e para o estudo sistemático dos elementos advindos do mundo natural.
98. Desse modo, entende-se as suas presenças constante nas expedições científicas e a procura por um tipo determinado de artista - e ilustrador - por parte dos naturalistas que dirigiam as expedições. Talvez seja este o motivo dos constantes embates entre artistas e Langsdorff, que encontrou em Florence o parceiro de trabalho ideal.
99. Monteiro (2001, p. 59), ao estudar a vida e a obra de Florence, focando a descoberta da fotografia no contexto brasileiro, afirma que a relação de Langsdorff com os desenhistas teve aparentemente uma “forte influência na definição das formas de representação adotadas por eles”. Isso teria levado Florence a se preocupar com o desenvolvimento de novas técnicas de fixação da imagem, tanto por sua necessidade de fixar fielmente o real, para poder comunicá-lo, facilitando o trabalho de artistas-viajantes como ele próprio, como pelo desejo de divulgar sua própria produção (2001, p. 61).
100. É importante destacarmos que Langsdorff “indicava o tema e os detalhes que deveriam, impreterivelmente, ser realçados nos desenhos. Neste sentido, sua importância sobre o trabalho dos desenhistas é indiscutível”, como aponta Komissarov (1988, p. 20).
101. Segundo Diener (1995, p. 17), Florence “não duvida de que sua função é a de um ilustrador a serviço das ciências”. A situação do desenhista não seria de uma “submissão servil”, mas sim de “subordinação, comparada à dos cientistas e, como segundo desenhista, à de Taunay”. Florence tinha plena consciência de seu ofício, portanto, para o artista não houve conflito algum entre ele e o chefe da expedição. Diener ressalta que houve também, através de escritos de Taunay a Langsdorff, algumas demonstrações de insatisfação com atitudes do chefe - como atribuir a Florence a tarefa de pintar a paisagem da Chapada dos Guimarães (MT), decisão que irritou Taunay, pois “era ele o primeiro pintor da expedição, dando a entender que temas de maior relevância como a Chapada deveriam ser de sua competência”.
102. Como já foi pontuado, Langsdorff influenciara o trabalho dos artistas da expedição com sua forte personalidade, sempre deixando claro como ele queria que seus desenhistas registrassem o que observavam, exigindo a reprodução com precisão. A atitude de Langsdorff leva Komissarov (1988, p. 20) a concluir que “as artes estavam mais distantes da natureza de Langsdorff, razão pela qual fora sempre mais difícil de lidar com os artistas da expedição, constantemente sob domínio das emoções”, o que aponta para uma distinção clara entre arte e ciência, ou seja, entre uma suposta visão racional do mundo e outra centrada na emoção. Langsdorff, sendo um homem das ciências, “sentia-se próximo de pessoas com inclinações semelhantes, como, por exemplo, Riedel; ou com pessoas acostumadas com a disciplina, como o oficial da marinha russa Rubstov” (ibid.). De certa forma podemos ver isso claramente quando observamos as suas relações com Rugendas e Taunay.
103. Para Komissarov (1988), “Florence era mais próximo de Langsdorff, talvez pelo fato de ele ser não só um artista, mas também um cientista, como mais tarde ficou demonstrado”.[41] O chefe da expedição tinha uma forte admiração pelo trabalho de Florence, que além de exercer o seu trabalho de desenhista, preocupava-se com os trajetos e destinos da expedição, resolvendo questões práticas das viagens. Durante o período muito crítico da expedição, em que grande parte dos integrantes estava adoentada, inclusive o próprio Langsdorff, este, impossibilitado de escrever, “faz uma alusão ao diário de Florence, manifestando sua intenção de enviá-lo à Rússia junto com seus próprios textos” (Apud DIENER, 1994, p. 18).
104. Assim, a produção de Florence corresponde mais adequadamente ao ideal da representação científica que caracteriza a ilustração científica, pois
105. pode variar muito em termos de composição: encontra-se em uma gradação que vai desde o linear, esquemático, diagramático até trabalhos de contornos e traçados bem-definidos, preenchidos com tinta, coloridos e de elevada complexidade plástica [Figura 23] [42]. O importante é lembrar que o tipo de imagem que chamamos de ilustração científica deve ser útil à caracterização de um objeto, sem teoricamente conter ambigüidade ou outra característica que resulte em uma interpretação, por parte do leitor, diferente daquela que o cientista deseja transmitir (OLIVEIRA E CONDURU, 2004, 337).
106. Florence segue as normas estabelecidas neste tipo de trabalho visual. Em suas obras podemos enxergar a síntese entre a “verdade científica e a sensibilidade artística”. Em seus trabalhos vemos que
107. seu pensamento analítico fragmenta os corpos dos animais, para evidenciar detalhes das cabeças e patas de aves ou características das inflorescências dos vegetais ... os desenhos etnográficos traduzem o rigor da observação das figuras vistas de frente e de perfil [Figura 24 e Figura 25] [44], de maneira a individualizar fisionomias e afirmar a diversidade étnica, em vez de faze-las tender a padronizações tipificantes (BELLUZZO, 1994, p. 131). [43]
108. Para Monteiro (2001, p. 70), Florence parecia “ter atendido mais prontamente às exigências de Langsdorff do ponto de vista da representação, incorporando uma nova concepção científica da paisagem, cunhada por Alexander von Humboldt”. Essa concepção de Humboldt guiava grande parte da produção dos viajantes do século XIX. Sobre essa concepção,
109. Humboldt defende uma visão totalizante e interativa das paisagens, segundo a qual o produto do trabalho dos artistas-viajantes se revela, de uma certa forma, comprometido com os modelos naturalistas que tendem a uma abordagem pretensamente despojada de pressupostos artísticos e supõem uma observação direta das verdades do mundo, conforme entendem ser a descrição da natureza feita pelo cientista. O artista-viajante teria então a capacidade de colocar a sensibilidade em colaboração com a razão (BELLUZZO, 1994, apud MONTEIRO, 2001, p. 61, grifos meus).
110. E por mais que o trabalho de Florence seja de uma qualidade científica primorosa, este artista admira também o espetáculo que a paisagem brasileira apresenta. Se observarmos os seus escritos que descrevem o impacto da visão das cachoeiras, vemos também que este impacto pode ser capaz de desarmar-lhe a “observação, de propiciar alguns dos melhores registros de paisagem de excursão”. É o que Flora Süssekind (1990) identifica nas palavras do artista que se encontram nos seus esboços de viagem sobre as aquarelas Cachoeira de São João da Barra e do Salto Augusto, de abril e maio de 1828[45]:
111. Não podemos de uma praia batida pela tempestade admirar o embate dos vagalhões e o esforço do furacão sem recear pela vida dos infelizes que estejam sofrendo estes furores. O temporal desfeito faz-nos tremer pela sorte das plantações e das pobres choupanas do agricultor: um terremoto aterra, aniquila o homem. A vista, porém, de um grande rio que cai em catadupa não traz nenhuma destas impressões. Fica-se preso de admiração, dominado pelo tumulto, pelo estrondo e a agitação; os abismos se abrem a cada instante, mas não nos inspiram medo nem horror (FLORENCE apud SÜSSEKIND, 1990, p. 121).
112. Encontramos aqui uma mistura de espanto e horror, uma espécie de sentimento sublime em relação ao espetáculo natural, paisagem para ser vista e não colecionada, na qual as descrições tanto visual quanto escrita parecem não dar conta de comunicar este sentimento, esta visão.
Após a diferença, a busca da unidade do olhar
113. Como vimos no decorrer deste capítulo, os três artistas que participaram da expedição científica Langsdorff registraram as viagens nas terras brasileiras. Ao analisarmos estas produções imagéticas, encontramos pontos de contato e de continuidade, diferenças e descontinuidades entre estilos, traços e pinceladas.
114. Neste artigo foram ressaltadas e privilegiadas as diferenças entre os artistas participantes da expedição, entre as quais o uso do traço nos trabalhos de Rugendas e Florence, demarcando concepções diversas do desenho. O desenho aquarelado, de traço “mais sujo e solto” de Rugendas - o qual possui a predominância do desenho à lápis e a não utilização da cor - contrasta com a rigidez e a limpeza do traço fino e nítido de Florence [Figura 26] [46], que aparenta usar o bico de pena com nanquim, tornando o desenho mais descritivo e naturalista, não sendo apresentado como se fossem “impressões” tal como observamos em Rugendas [Figura 27] [47].
115. Por outro lado, o projeto da expedição acaba por reunificar estas diferenças sob o crivo do olhar atento de Langsdorff e de suas exigências e padrões mentalmente estabelecidos e procurados no trabalho do artista-viajante. Os trabalhos dos três artistas se fazem semelhantes, proporcionando ao leitor uma unificação do olhar e da representação. Ao verificarmos as ilustrações [Figura 28] [48], podemos compreender melhor esta questão sobre um “certo padrão” de representação exigido por Langsdorff e guiado pelas concepções da paisagem de von Humboldt. Nestes exemplos visuais de representações de espécies vegetais verificamos na linguagem visual - da técnica (aquarela), dos textos informativos e classificatórios e do isolamento e ênfase em detalhes da planta - um tratamento uniforme e científico, revelando o que é e como deve ser o trabalho do artista-viajante.
116. Em outros momentos, ao nos depararmos com pranchas que representam paisagens , ainda temos dificuldades em distinguir a autoria das mesmas. Novamente elaboradas na mesma técnica (aquarela), essas imagens apresentam um tratamento semelhante na configuração das cores e da luz. As Figura 29 e Figura 30 [49] são dois exemplos de representações de cachoeiras - encontradas em cidades distintas - que ilustram tal questão.
117. O que buscamos mostrar com esses exemplos é justamente essa configuração que pretende caracterizar a produção dos artistas-viajantes do século XIX, aqui especificamente os pertencentes à expedição Langsdorff.
118. Para todos esses artistas e cientistas, envolvidos nessa expedição, os trabalhos tratam de “descrever, classificar e fazer chegar a São Petesburgo tantas amostras quanto possível da flora e da fauna prolíficas do Brasil”, afirma Carelli (1994, p. 94)[50].
119. Rugendas, Taunay e Florence, com a contribuição da orientação por parte dos cientistas e naturalistas que, exigindo que o registro do objeto de estudo (seja ele uma tribo, uma espécie da fauna ou da flora) fosse feito com fidedignidade, representaram o mundo natural que um dia foi mais exuberante. Os artistas, no entanto, trataram suas temáticas com força e poesia, com rigidez e liberdade, com admiração e espanto. Comunicaram ao espectador um prazer estético aliado a uma orientação histórica e científica.
120. Durante anos esses olhares estrangeiros permaneceram em acervos de museus e, nos fins do século XX, um grande número de estudiosos, historiadores, artistas, entre outros profissionais e instituições, foram impulsionados por uma necessidade de resgatar esses registros que fazem parte do patrimônio histórico, artístico e cultural do nosso país. Através de exposições e de projetos institucionais (museus, curadorias) o conhecimento dessas obras se deu não somente pela re-apresentação das mesmas, mas pela sua atualização, relacionando-as com o presente mediante projetos de re-visitas a estes caminhos trilhados por cientistas e artistas-viajantes.
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________________________
[1] Este texto se
integra à minha dissertação de mestrado defendida em 2007, no Programa de Pós-graduação Mestrado em Cultura Visual, na Faculdade de
Artes Visuais - UFG. Título: Caminhos Cruzados: artistas entre viagens,
olhares e tempos. Arte e Ciência na Expedição Langsdorff
(Séculos XIX e XX).
[2] Mestre em
Cultura Visual pela Faculdade de Artes Visuais da UFG e graduado em Educação
Artística - Habilitação em Artes Plásticas - UNESP. Atualmente é professor de
Artes Visuais no CEPAE - Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da
Universidade Federal de Goiás e professor formador das
disciplinas Estética Visual e Teorias da Arte e da Cultura no curso de
Licenciatura em Artes Visuais - FAV-UFG - Modalidade à Distância. Professor do
curso de Tecnologias em Design - FESURV - Universidade de Rio Verde - GO. Tem
experiência na área de Artes, Ensino e História da Arte, com ênfase em Artes
Visuais, atuando principalmente nos seguintes temas: artes, arte-educação,
desenho e pintura, artistas viajantes, estética, arte e natureza - santuários
artísticos, ilustração botânica e estudos interartes.
É pesquisador do grupo INTERARTES: PROCESSOS E SISTEMAS INTERARTÍSTICOS E
ESTUDOS DE PERFORMANCE (CNPq) no qual pesquisa as
relações entre arte-memória-natureza em Frans Krajcberg e investiga
processos interartísticos no ensino de arte.
[3] Trecho
extraído do texto de Langsdorff nos últimos momentos
de sua vida publicado com o título de Mémoire
sur lê Brésil pour tous ceux
qui désirent s´y établir.
(apud CARELLI, 1994, p. 102).
[4] BRAGA, 1988.
[5] Neste
trabalho utilizaremos os nomes abrasileirados dos artistas, conforme indicação
nos parênteses.
[6] Para mais
informações sobre esta questão ver COSTA, 1995.
[7] Ver FLORENCE
(1977).
[8] Questão já
discutida no início deste capítulo.
[9] Pablo Diener e Maria de Fátima Costa são grandes pesquisadores da
Expedição Langsdorff ao Brasil. No livro A América
de Rugendas eles nos mostram os resultados de
seus estudos sobre manuscritos de Rugendas e de seu
pai. Esses documentos estavam na Alemanha e eram datados entre 1821 e 1825. Ambos autores contaram com a ajuda de Werener
Steinbeiss, amigo residente em Munique.
[10] DIENER, 2002, p. 206.
[11] COSTA, 1995.
[12] Dentro da arte clássica, David está inserido no
estilo neoclassicismo, o qual tem como valores a ordem e a
solenidade, prevalece o tom racional e tem como técnica o desenho com
linhas e a ausência de cores em grande parte das suas produções (STRICKLAND,
1999). Quando nos referimos às oscilações entre o clássico e o
romântico nas produções de Rugendas estamos
apontando as distinções entre razão / rigor na composição (classicismo) e
emoção / espontaneidade / pinceladas rápidas (romantismo).
[15] Imagem disponível no catálogo Langsdorff
de Volta, 1988, p. 5.
[16] RUGENDAS, 1976.
[17] FRIEDLAENDER, 2001, p. 20.
[18] FRIEDLAENDER, 2001, p. 47.
[19] RUGENDAS, 1976.
[20] Não entrarei aqui em detalhes sobre a produção de Debret, pois o foco de minha atenção é a produção dos
artistas de Langsdorff.
[21] DIENER, 2002, p. 198.
[22] Ver desdobramentos dessas críticas de Schiller a
Humboldt em DIENER, 1995, p. 16 e 17.
[23] Parisiense, Nicolas
dedicou-se inicialmente à paisagem, sendo um dos artistas prediletos de
Napoleão, para quem pintou várias cenas de batalha, e da Imperatriz Josefina. A
queda do Império obrigou-o a embarcar aos 61 anos para o longínquo Brasil,
onde, por cinco anos, continuou pintando quadros de temática bíblica,
mitológica ou histórica, cenas de gênero e retratos infantis, além de paisagens
da Floresta da Tijuca e vistas do Rio de Janeiro. Este artista, cujo prestígio
tem aumentado em anos recentes, é sob muitos aspectos o herdeiro e continuador
dos paisagistas holandeses do Séc. XVII, porém tocado pela visão renovadora de
Joseph Vernet e pelas invenções pré-românticas de
Francesco Casanova. Angela
Ancora da Luz, em seu livro Uma breve história dos salões de arte - da
Europa ao Brasil, afirma que Nicolas-Antoine Taunay “foi agregado da Academia
Francesa, apesar de não ter sido membro pleno, tendo obtido uma pensão para a
Academia de Roma, onde passou três anos” (LUZ, 2005, p. 52).
[24] Ver Diener (1995).
[25] COSTA, 1995, p. 72.
[26] AACSP - Arquivo da Academia de Ciências de São Petesburgo. Imagem disponível em COSTA, 1995, p. 50.
[27] Vários trabalhos de Taunay que retratam os índios Bororo se encontram disponíveis em Komissarov, 1988, vol. 2.
[28] Imagem disponível no catálogo Langsdorff
de volta, p. 10.
[29] COSTA, 1995, p. 43.
[30] COSTA, 1995, p. 66.
[31] STRICKLAND, 1999, p. 76.
[32] FRIEDLAENDER, 2001, p. 150.
[33] BELLUZZO, 1994, p. 131.
[34] Segundo MONTEIRO (2001), não se sabe ao certo qual
teria sido o motivo pelo qual Florence resolveu vir para o Brasil, deixando a
França. A autora conclui que a sua vinda ao Brasil poderia estar associada “a
um provável descontentamento com a situação política na França, resultado da
Santa Aliança, organização política internacional criada em 1815 com o objetivo
de conter a difusão da Revolução Liberal, semeada por Napoleão na Europa”
(MONTEIRO, 2001, p. 78). BELLUZZO (1994) afirma que Hércules Florence aporta no
Rio de Janeiro como oficial da Marinha Real da França.
[35] Mário Carelli nos diz que
para Florence a referência paradigmática, o modelo, o arquétipo é evidentemente
Robinson Crusoé. O autor cita trechos da autobiografia do artista que confirmam
esta influência no seu imaginário: “Li Robinson e tornei-me apaixonado pelas
viagens e as aventuras marítimas: este gosto deu-me o da geografia, e eu
passava horas sobre um Atlas que possuíamos” (apud
CARELLI, 1994, p. 91).
[36] FLORENCE, 1977.
[37] Imagem reproduzida e publicada com créditos
incompletos, sem título e data. Disponível em VILLELA, 2002.
[38] São Carlos, antigo nome da cidade de Campinas-SP,
onde Florence passa a viver quando regressa da expedição Langsdorff
(MONTEIRO, 2001).
[39] Não há referências de título desta prancha. Imagem
disponível em VILLELA, 2002, p. 60-61.
[40] Imagem de Vernet disponível
em: <http://www.abcgallery.com/>
- acesso em 12/06/2005.
[41] Sobre as investigações científicas desenvolvidas por
Florence, ver Monteiro (2001).
[42] Imagem disponível no CDROM Artistas-viajantes -
Itaú Cultural.
[43] Grifos meus.
[44] Ambas em aquarela e nanquim, 1828 - AACSP. Imagens
disponíveis em COSTA, 1995, p. 49.
[45] Imagens aqui não disponíveis devido ao fato da
impossibilidade de acesso e reprodução das mesmas.
[46] COSTA, 1995, p. 54.
[47] COSTA, 1995, p. 47.
[48] As duas primeras
ilustrações estão disponíveis em COSTA, 1995; a terceira, em KOMISSAROV, 1988.
[49] As figuras encontram-se em
COSTA, 1995.
[50] O autor ainda nos diz que “este cuidado taxionômico
estende-se aos acidentes geográficos, às observações climatológicas, assim como
aos índios, às suas línguas, aos seus usos e costumes”. Para ele, é “graças aos
cadernos de Hercule Florence, no qual o legível e o ilegível se completam, que podemos acompanhar seus passos e seguir esta
viagem de iniciação à pesquisa da memória de um mundo atualmente em vias de
desaparecimento. Com efeito, depois de Langsdorff, a
maioria das tribos descritas foram dizimadas e as paisagens, parcialmente
devastadas” (CARELLI, 1994, p. 94).