Paisagem: um conceito romântico na pintura brasileira - George Grimm
Isabel Sanson Portela
PORTELA, Isabel Sanson. Paisagem: um conceito romântico na pintura brasileira - George Grimm. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 3, jul. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/jg_isabel.html>.
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Johan Georg Grimm, jovem alemão, pintor, com um início de vida bastante modesto e alguns poucos estudos artísticos, chegou ao Brasil aos 32 anos de idade, em 1878, cheio de disposição para o trabalho.
Tudo é incerto para nós quanto aos primeiros anos de vida de Grimm. Segundo seus biógrafos, ele nasceu em Kempton, na Baviera, em 1846. Lutou com as maiores dificuldades, até poder transferir-se para Munique, onde frequentou a Academia de Belas Artes. Parreiras, em seu conto Pão Negro, conta um pouco da história de seu mestre:
Em uma pequena aldêa nas margens de ... na Baviere rezedia uma pobre família de operarios.
Compunhas ella de um velho ja de avancada [sic] idade e invalidado na guerra de 1870. Sua mulher e dois filhos, George e Thomaz – George tinha 19 annos e Thomas 16. Ambos auxiliavam o velho, na construção de carros pa lavoura e de pequenos bareis de pesca. Elles mesmo haviam construido a habitação que moravam – e um grande telheiro, que servia de ofissina.
Abundava o trabalho – Eram em toda aquella redondesa que exerciciam tal officio. George – tinha um grande habilidade pelo desenho – era quem planejava não só os carros com os bareis, e tão justo e claro era seus desenhos, que com facilidade se contruia os carros e os bareis.
Esta habilidade para desenhar se propalou pelo pequeno pais e sahio mesmo fora delle creando fama ao jovem operario, que era sempre procurado quando se queria ver um plano de aptação ou officina. Se um dia me for possivel dizia elle, sempre presumidamente irei a Munich estudar desenho – e serei um paisagista. Adoro a naturesa. [...]
Em Munich George – martyrisado pelo remorso de haver abandonado a familia passou alguns meses extremamente aplicado ao estudo na Escola de bellas artes, onde devido ao seu continuo trabalhar em pouco tempo distinguio-se entre os seus condicipulos.[1]
Parreiras e seus companheiros de grupo devem ter escutado essa história diversas vezes e avaliando o sofrimento e as dificuldades pelos quais Grimm passou antes de achar sua verdadeira vocação.
O que o teria feito deixar a Alemanha e após sete anos de viagens pelo Mediterrâneo e Oriente Próximo, aportar em terras brasileiras é motivo de especulação. O mais provável é que tenha saído de sua terra natal devido à forte perseguição religiosa iniciada por Bismarck contra os católicos. Essa medida provocou um verdadeiro êxodo de intelectuais e artistas, revoltados com o autoritarismo. Sabe-se que, em 1870, o pintor engajou-se na guerra Franco-Prussiana como combatente. Data desse período o início de sua amizade com Thomas Georg Driendl. Segundo Carlos Maciel Levy, podem ser três as hipóteses sobre o motivo de sua viagem pelo mundo.
[...] descendentes de Thomas Driendl, grande amigo do pintor, afirmam que teria ele viajado em busca de clima adequado para a convalescença de ferimentos e enfermidade decorrentes das campanhas da guerra de 1870; o crítico de arte brasileiro Luiz Gonzaga Duque Estrada afirma, em texto publicado no ano de 1909, que o artista obtivera prêmio de viagem aos países mediterrâneos; mas, na inexistência de provas documentais a esse respeito, será mais adequado supor que o temperamento de Grimm tenha atendido à atração que a Itália e o Mediterrâneo exerciam sobre os artistas alemães, como já ocorrera, por exemplo, com Hans von Marées, Böcklin e outros. Além disso, a unidade da Alemanha após a guerra caracterizou-se pela violenta perseguição religiosa que Bismarck desencadeou através do Kulturkampf, e não terá sido por acaso que Grimm e Driendl professavam o catolicismo (e Driendl chegou ao Brasil como representante do Instituto de Pintura Religiosa de Munique de Rietzler), quando o objeto da perseguição foram os católicos e seu partido.[2]
A Itália e o Mediterrâneo, sem dúvida, foram um forte atrativo para esse jovem cheio de vigor, interessado em buscar outros cenários para inspirar suas pinturas. Os invernos rigorosos da Alemanha, a escassa luz do sol, a Floresta Negra [3] com cores sombrias – todos esses pontos reunidos – devem ter sido argumentos bem decisivos na hora de fazer as malas. A maior bagagem que levou de sua terra, essa Alemanha que ele nunca mais voltaria a ver, foi incontestavelmente o aprendizado rigoroso da arte da pintura. A disciplina e a exigência de muitos mestres deixaram marcas profundas em sua personalidade.
Em 1868, quando iniciou seus estudos em Munique, o ambiente artístico alemão era essencialmente romântico. Inebriado pela sensação de liberdade que facilitava infindáveis pesquisas de efeitos novos, os artistas produziam em larga escala, procurando diferentes motivos. A geração de Grimm foi a de pintores plein air, ao mesmo tempo românticos e realistas, da segunda metade e fim do século passado. Na Europa Central, foram os que sucederam aos Nazarenos; na França foram os precursores do Impressionismo, com várias tendências, de Corot aos pintores da Escola de Barbizon.
Foi justamente imbuído desse espírito de liberdade, de busca de novas sensações, que Grimm saiu à procura de outras terras, de outras cores e de paisagens desconhecidas. Sempre compreendeu assim a sua profissão de paisagista: viajando. O nomadismo, que lhe roía as entranhas, levou-o, depois, a percorrer a África do Norte, de onde atravessou o Atlântico rumo ao Brasil. Durante sete anos viajou e fixou, em telas e aquarelas, vistas e tipos característicos dos lugares por onde passou. Chegou ao Rio de Janeiro com essa impressionante coleção de telas, aquarelas, desenhos, esquemas e estudos, verdadeiro documentário, a que o crítico de arte e pintor Gonzaga Duque refere-se como uma viagem à volta do mundo.[4]
Em 1878, o estudo das artes no Brasil, apenas iniciava-se, cercado de cuidados para que seus alunos não saíssem dos moldes Acadêmicos. Qualquer iniciativa, fora desses parâmetros era interceptada e nada deveria perturbar a ordem reinante na Academia Imperial de Belas Artes, que se mantinha fiel ao estilo francês tradicional. Os artistas brasileiros ao voltarem da Europa, poucas notícias traziam das inovações por lá ocorridas.
Em 1882, após quatro anos de residência e elaboração de trabalhos no Brasil, Grimm expôs suas telas no Liceu de Artes e Ofícios, obtendo enorme sucesso. O público habituado às cores sombrias e temas Neoclássicos deslumbrou-se com a exuberância que percebeu nos quadros. Grimm foi aclamado pela crítica e brotou daí a necessidade, quase imperiosa, de passar aos pintores brasileiros essas técnicas tão pouco divulgadas por aqui. Gonzaga Duque, em 1888, comenta essa exposição em seu livro Arte Brasileira:
Foi na exposição de 82 promovida pela Sociedade Propagadora das Belas Artes, que nos apareceu o paisagista alemão. Em uma das Salas do Liceu de Artes e Ofício, reuniu e suspendeu aos muros uma notável bagagem artística. Ali expôs ele tudo quanto possuía em trabalhos. Paisagens de Capri e vistas de Roma, marinhas de Gênova e Jardins de Florença, cantos da natureza da Alemanha e estudos da natureza da África, estradas de Túnis e vilas do Brasil, uma mesquita de Constantinopla e um portão de Alhambra, pirâmides do Egito e panoramas de Portugal. Em duas, três ou cinco horas fazia-se em frente de suas telas, uma viagem ao redor do mundo. A natureza dos países em que Jorge Grimm esteve nos aparecia irradiante de luz e de cor, diante dos nossos olhos vadios, acostumados às tintas pálidas, anêmicas, miseravelmente doentias da maior parte dos nossos paisagistas.[5]
Por essa ocasião, as inovações dos românticos impunham-se à Academia, muito pouco flexível e nada propensa a adaptar-se a novos caminhos.
A arte Pompier, conceito pejorativo criado para designar um novo estilo artístico que surgiu da mescla da arte acadêmica com o colorido romântico, estava se desenvolvendo entre os pintores acadêmicos.
Com a entrada de Grimm para o corpo docente da Academia Imperial de Belas Artes, foi dado um grande passo para o desabrochar da pintura de paisagem no Brasil.
O mestre alemão passou a ocupar este cargo devido ao reconhecimento público do valor de suas obras. Teve como mérito principal apresentar a paisagem, antes simples pano de fundo, como um dos gêneros mais ricos e inspiradores, despertando interesses. Logo em seguida à sua entrada na Academia assume como mestre, a cadeira de Paisagem, Flores e Animais e leva seus alunos para fora das salas, afim de que sintam a natureza, emocionem-se e passem para a tela seus sentimentos e emoções. Isto é uma atitude romântica.
Começou assim, a procura de rumos novos, a fuga do que era imposto, frio e apenas copiado de estampas, para entrar numa dimensão nova.
No entanto, as obras desses primeiros paisagistas não abandonaram completamente os traços acadêmicos. A própria pintura de Grimm tem suas bases no desenho, na linha. A visão linear procura o sentido do objeto no seu contorno; distingue nitidamente uma forma da outra. A linha acentua as margens da forma, os limites firmes aos quais tudo se adapta, se subordina. É, pois uma concepção de forma fechada, onde a clareza absoluta e uma certa autonomia se fazem sentir. É racional na medida em que o traço, ao envolver a forma, faz uma representação objetiva, apreende e expressa os objetivos em suas contingências fixas e palpáveis.[6]
Acreditava Grimm que a “perfeição” do desenho era a base para a boa pintura e esta se completava com a ajuda da observação da natureza. O contorno firme dos corpos transmite uma impressão de segurança, quando luz e sombras se adaptam às formas. Representação e objeto, idênticos na concepção linear, passam a sensação de tangibilidade, de beleza material, racional.
Em Paisagem, de 1883 [Figura 1], tela pintada por Grimm numa de suas viagens a Minas Gerais, quando ainda estava ligado à Academia, o desenho, a linha e a cor aparecem claramente. Cada nuança do verde pode ser sentida, assim como a aspereza da pedra e o recorte das árvores.
Grimm observa os rochedos em detalhes, reproduzindo-os de maneira fiel para que cheguem ao espectador na sua forma permanente, mensurável e finita. Somente o estilo pictórico conhece a beleza do imaterial, do infinito.
A estrutura composicional dos trabalhos de Grimm é portanto a linha, a cor e a forma naturalista. Procurou a natureza incansavelmente, recusando modelos padronizados e artificiais. Era “romântico” por suas pesquisas, pela observação exaustiva quanto à forma e a cor da natureza. Não pretendia de modo algum pintar no ateliê e acreditava que a impressão do momento devia ser registrada na tela, só assim a obra expressaria a familiaridade com a natureza.
Corot, em 1856, aconselhou um aluno a confiar acima de tudo na sua primeira sensação:
Não a abandonemos jamais, aí procurando a verdade e a exatidão, não esquecendo nunca de lhe dar aquele aspecto que nos tocou, que nos impressionou. Não importa o lugar nem o objeto: sujeitemo-nos à primeira impressão. Se tivermos sido realmente tocados, a sinceridade de nossa emoção passará aos outros.[7]
Como Corot, Grimm afasta o sentimento como impulso passional, enquanto choque emotivo. O que pretende é exprimir um acordo constante e profundo com a natureza. Corot afirmava que o sentimento da natureza é o fundamento da moral, e caminhava rumo à concepção da sensação como conhecimento. Também para Grimm, a arte era experiência vivida, e ele se defendia da tendência da época à efusão de sentimentos, com o estudo das formas bem modeladas, com a cor permeada de penumbras e luzes filtradas.
Argan quando se refere à pintura de paisagem de Corot, comenta:
As paisagens são nítidas construções de volumes onde a luz parece cristalizar-se no corte firme dos planos; as distribuições de sombra também se classificam como valores tonais; a cor, mesmo vibrando na atmosfera límpida, define com clareza a estrutura do espaço pictórico.[8]
Estas apreciações de Argan sobre a obra de Corot podem perfeitamente ser atribuídas à de Grimm. Em seus próprios trabalhos existe a calma e a insistência na exploração dos valores tonais. A autenticidade das tonalidades de seus quadros reflete sua própria natureza ingênua e simples, e além do mais é inseparável do igualmente autêntico sentido do desenho. A falta de emoção em sua pintura tem muito de simplicidade, e pode-se perceber que Grimm, não somente pintou a natureza, mas a amou muito. Numa atitude sem dúvida alguma “romântica”, recusa o ambiente artificial da cidade, embrenha-se no mato a procura de formas e cores autênticas. Entretanto não tem a mesma preocupação dos pintores de Barbizon com a “psicologia das árvores e das nuvens” com a “atitude psicológica do homem moderno frente à natureza”. Assume uma postura prática e sensível como a que se tem para com as coisas que se conhece profundamente.
Sua proposta é inovadora, justamente quando entra no campo da paisagem, onde é soberano. A personalidade carismática de Grimm o leva a reunir um grupo de pintores que, sob sua orientação, saem para o campo objetivando desenvolver olhos sensíveis que sabem olhar e sentir. Estabelece um vínculo profundo, “romântico” entre seus alunos, o aprendizado e a profissão. O que os une, é uma amizade profunda que tudo supera visando um objetivo comum: tornarem-se pintores, dedicando-se à pintura de paisagem, aprendendo e identificando-se com a natureza. Esse vínculo é dito “romântico” pois está diretamente ligado ao projeto de trabalho em que se empenharam. Interpretam a natureza depois de muita observação, a fim de compreendê-la. Pintam segundo os ensinamentos de Grimm, constituindo o primeiro grupo de paisagistas brasileiros com concepções artísticas inovadoras.
Essas inovações de Grimm, entretanto acabaram por perturbar a Academia de Belas Artes que se recusava a aceitar seus métodos. E lecionar em meio a tantos contratempos tornou-se impossível. A crise na Academia estabeleceu-se a partir dos seus projetos criativos, mas Grimm tinha plantado suas sementes em terrenos férteis. O pequeno grupo que com ele saiu da Academia continuou sua ação inovadora mantendo atividades independentes.
Estabelecido em Niterói, o Grupo Grimm teve uma grande variedade de pontos de vista e horizontes distantes a seu dispor. A diversidade de aspectos da costa, a luminosidade intensa, as incríveis variações de cores tanto do mar quanto do céu e das pedras os surpreendiam a cada instante. O horizonte longíquo, unindo céu e mar, é mais do que uma expressão de abrangência, pois evoca a emoção do ilimitado.
Procurando novas paisagens, o Grupo viajava, embrenhava-se pelo mato, adentrava florestas afastadas e deslumbrava-se com o litoral “pitorescamente” acidentado da costa fluminense.
Em Vista da Ponta de Icaraí (1884) [Figura 2], aparecem céu e mar, em tonalidades claras, com muita luz, contrapondo-se às pedras e areia mais próximos e, no entanto, muito mais sombrios. As figuras humanas, e até os barcos próximos, são minimizados, enquanto que a rocha na extremidade esquerda do quadro nos conquista e impressiona. Grimm trabalha o branco, os meios tons e o volume sólido em contraponto.
Vê-se que sua obra brota indiscutivelmente da terra, das pedras e não do céu ou do mar. Para Grimm o desenho era primordial. Seu estilo linear busca as formas sólidas, permanentes. As linhas, em Grimm, comandam a luz e as sombras, permanecendo como limites, representando as coisas como elas são. A impressão baseia-se em valores tácteis. As formas são por ele modeladas após o estudo de cada detalhe, de cada reentrância ou saliência. Os olhos percorrem o objeto como uma mão percorre um corpo.
Só os rochedos, a terra, enquanto sólidos e permanentes, interessavam. O céu e o mar são movimento constante, e sua representação exigia olhos sensíveis que vão além do objeto material, penetrando nos domínios do imaterial. O mesmo se dá com a massa de folhagens. É difícil representá-las com base na concepção linear. A visão pictórica busca o movimento que ultrapassa o conjunto dos objetos. Nessa concepção as formas isoladas têm pouca importância; o decisivo é o conjunto onde a forma, a luz e a cor ganham efeito.
A Grimm só interessava a forma real, a representação objetiva, como num esforço de domínio da nostalgia do homem e da exuberância do natural.
Em Vista do Cavalão (1884) [Figura 3], Grimm colocou toda a luz nas pedras do primeiro plano. A vegetação eleva-se em tons sombrios e um céu desbotado aparece como fundo. O tom amarelo, pálido nas nuvens, repete-se, intensificado na areia e nas rochas do chão. É a própria luz do sol que brinca com as diminutas figuras humanas em detalhes.
Em Cabeceira do Rio Paquequer [Figura 4], trabalho de 1885, a beleza das grandes pedras se impõe e é o motivo central, o interesse primeiro do pintor. Nem as árvores, nem a água, nem o céu pálido, nada mereceu tanta atenção quanto a pedra, trabalhada em tonalidades múltiplas e formas detalhadas. Ela é elemento descritivo, formado por linhas regulares, claras, delimitadoras. Grimm encontrou nas rochas objeto natural propício à perspectiva linear. Subordinou o mundo visível à linha, que pode ser percebida em toda parte, mas apenas como limite de superfícies plasticamente sentidas e modeladas pelo sentido do tato.
Em Rochedo da Boa Viagem (1887) [Figura 5], último quadro pintado por Grimm no Brasil, a importância da pedra com todos os seus recortes e tonalidades com claros e escuros observados minuciosamente, sobressai e domina o céu, o mar e os pescadores. A figura humana é diminuta onde a exuberância da natureza se impõe. Nada é tão importante quanto o rochedo.
A pintura ao ar livre por si só não levaria a nada, não fossem as novas concepções e modelos de apreciação da paisagem que Grimm passava a seus discípulos. A observação exaustiva, como exercício de percepção visando a habilitar o pintor a afastar-se do padronizado, é a concepção romântica do “subjetivo”, da emoção individual que diferencia as obras desses pintores das produzidas pelos neoclássicos. A visão lúcida atinge o sentimento interno e transborda em traços e cores que recusam as cópias do padrão artificial. Na obra de Grimm vemos a excessiva preocupação com detalhes e a construção da paisagem fiel às observações da natureza. A isto lhe fizeram críticas severas, mencionando-se seguidamente a falta de emotividade e o rigor com que tratava os temas escolhidos.
Luiz Gonzaga Duque Estrada, em 1909 escreve na revista Kosmos, que Grimm sabia olhar e sabia fazer. Mas, entre o olhar e o saber sentir, vai grande diferença.[9]
Antônio Parreiras, em seus relatos nos fala da obra do mestre como sendo impecável no desenho, justa na cor, embora metodicamente feita, sem entusiasmo e falha de sentimentos poéticos.[10]
Críticos de sua obra percebem o notável traço, a cópia quase fiel da natureza, o colorido por vezes vibrante; mas nada, além disso, transparece a emoção não passa por suas telas. Tanto em Paisagem com Fazenda (1884), [Figura 6] quanto em Fazenda do Belém (1886) [Figura 7] impõe-se uma beleza racional e objetiva. A finalidade de Grimm, no entanto, parecia ser esta mesma. Pesquisou e observou a natureza para representá-la em seus quadros com a maior fidelidade possível, procurando as formas reais, mas sem se emocionar, o que considerava um exagero. Talvez a personalidade forte e excessivamente honesta de Grimm tenha sido em parte responsável pela “falta de emoção” em suas obras.
De caráter leal e sincero, justo porém severo, mal compreendido, Grimm nunca deixou de ser o homem simples, o pastor de cabras e aprendiz de carpinteiro da juventude na Baviera. Seus alunos e seguidores absorveram dele inúmeros ensinamentos e tiveram seus espíritos aguçados. No entanto, o que de mais marcante Grimm lhes passou, foi, na opinião de todos, a persistência nas tarefas, o rigor, o regime de trabalho sem repouso. Metódico e exigente, Grimm exortava-os a irem até o limite máximo de suas energias a fim de alcançarem seus objetivos. Ele mesmo, nos píncaros dos rochedos armava o cavalete e, horas e horas, lá se quedava sem sentir os raios causticantes do sol.[11]
Muito mais importante do que sua forma de pintar, foram os conceitos transmitidos, impondo incansavelmente a seus alunos o contato direto com o objeto a ser criado - a natureza. Quem quer aprende [sic] pintar arruma cavalete, vai pra mato.[12]
A permanência de Georg Grimm no Brasil não chegou a dez anos, porém sua atuação foi das mais marcantes. Como professor, impôs o trabalho incansável e uma atitude profissional rígida; como pintor e viajante errante, procurou a natureza como modelo, afastando-se dos padrões. Simples e autêntico, libertou a paisagem, definindo-a como pintura ao ar livre, por excelência.
[1] SALGUEIRO, Valéria. Antônio Parreiras. Notas e críticas, discursos e contos: coletânea de textos de um pintor paisagista. Niterói: EdUFF, 1999. p.194-195.
[2] LEVY, Carlos Maciel. O Grupo Grimm. Paisagismo brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro: Edições Pinakoteke, 1980. p.20-21.
[3] Floresta Negra, situa-se na região sudoeste da Alemanha, e faz fronteira ao sul com a Suiça e a oeste com a França. Esse nome vem da imagem que a paisagem da montanha com seus densos pinheiros oferece a uma certa distância.
[4] DUQUE-ESTRADA, Luiz Gonzaga. A arte brasileira. Rio de Janeiro: Mercado de Letras, 1995. p.193.
[5] Idem. p. 193.
[6] WOLFFLIN, Henrich. Conceitos fundamentais da história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 23.
[7] CLARK, Kenneth. Landscape into art. Great Britain: Icon, 1991. p.160-161.
[8] ARGAN, Guilio Carlo. Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.59.
[9] DUQUE-ESTRADA, Gonzaga apud LEVY, Carlos Roberto Maciel. Antônio Parreiras (1860-1937). Pintor de paisagem, gênero e história. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1981. p.73.
[10] PARREIRAS, Antônio. História de um pintor contada por ele mesmo. Rio de Janeiro: Niterói Livros, 1999.p. 22.
[11] LEVY, Carlos Roberto Maciel. Antônio Parreiras (1860-1937). pintor de paisagem, gênero e história. Rio de Janeiro: Pinakotheke 1981, p.20.
[12] DUQUE-ESTRADA, Luiz Gonzaga. A arte brasileira. Rio de Janeiro: Mercado de Letras, 1995. p.194.