A alegria dos amantes: Jean Baptiste Debret na coleção Castro Maya [1]
Vera Beatriz Siqueira
SIQUEIRA, Vera Beatriz. A alegria dos amantes: Jean Baptiste Debret na coleção Castro Maya. 19&20, Rio de Janeiro, v. I, n. 1, mai. 2006. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/debret_01.htm>.
* * *
Em 1939, o industrial e colecionador Raymundo Ottoni de Castro Maya (1894-1968), inicia negociações com a Casa Brasileira de Paris, dirigida pelo marchand Roberto Heymann, para a aquisição de quase 600 aquarelas, desenhos e gravuras de Jean Baptiste Debret. Nessa época, o mercado de arte europeu sofria com os primeiros efeitos devastadores da guerra, cujos beneficiários foram os colecionadores americanos e brasileiros. O próprio Roberto Heymann, em 1942, para salvar seus estoques precisou deixar a capital francesa e se recolher em Beausoleil, pequena cidade perto de Mônaco.[2]
O interesse de Castro Maya pelas obras de Debret não parece constituir novidade. Durante a II Guerra, muitos colecionadores brasileiros disputavam as caríssimas edições da Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, publicadas em 1834 na França. Na época, Rubens Borba de Moraes questionou essa unanimidade:
“Por que justamente Debret? Mistério que não se consegue desvendar. Possuir os três volumes do pintor francês equivale, ainda hoje, a um título entre os compradores de livros. Dá importância. [...] Esses bibliófilos inexperientes nada mais ambicionam. Daí por diante tudo parece para eles fácil e risonho. Doce ilusão. O fácil é justamente adquirir um Debret ou um Rugendas. É uma questão de preço.”[3]
Preço que variava de 150 francos (uma edição comum) a 600 francos (um exemplar excepcional, em papel velin, encadernado em couro marroquino, com decorações em dourado, sem aparar), numa época em que obras raríssimas de Brasiliana não custavam mais do 400 francos. O preço do livro de Debret não era determinado apenas pelo seu valor de mercado, ou mesmo pela correspondência ao valor histórico de sua edição. “O Debret é um símbolo. É o padrão de uma época.”[4]
Logo, adquirir as aquarelas de Jean Baptiste Debret, embora comporte alguma originalidade, não deixa de prestar tributo a esse padrão de época. O que não desmerece o impulso colecionista de Castro Maya. Walter Benjamin qualifica o colecionador como o “verdadeiro habitante do interior”, no qual se refugia a Arte[5]. Entretanto, essa interioridade construída com as peças de uma coleção parece apontar para a dialética entre existência e inexistência de uma interioridade efetiva, uma vez que o impulso colecionista, a sua busca de originalidade e unicidade, só existe no seio de uma coleção de impulsos e percepções.
A aquisição das obras de Debret participa dessa dupla dimensão - privada e pública - do colecionador. Refere-se, a um só tempo, à particularidade de Castro Maya - ao ineditismo de seu ato de colecionar os originais do artista francês, de trazê-los de volta ao Brasil, um século após terem saído do país - e à sua participação nesse padrão de época, nessa coleção de interesses e atitudes. Assim concebido como peça de uma coleção, o próprio colecionador partilha com as obras que adquire da relação estreita entre particularidade e universalidade.
Em seu estudo da filosofia da coleção Stanley Cavell destaca que toda coleção requer uma idéia (um universal ou conceito). Desde a Teoria das Formas de Platão, e sua explicitação do problema da relação entre o particular e o universal, as coisas se agrupam em coleções, em tipos de objetos que participam ou imitam idéias superiores e imutáveis. A coleção seria, então, uma versão especializada da relação entre termo geral e objeto singular.[6] Seria, entretanto, possível inverter essa relação? Se uma coleção requer uma idéia, uma idéia também requer uma coleção? A partir dessa indagação, Cavell desenvolve seu artigo, procurando pensar na articulação entre o Uno e o Múltiplo, entre as coisas e as palavras que as nomeiam e sustentam, entre os signos e o processo de significação.
Retornando às obras de Debret e à coleção Castro Maya, tal pergunta ganha nova direção: faz-se necessário investigar como a relação Uno/Múltiplo se processa no interior da sentença “coleção de originais de Debret formada por Castro Maya”. O que implica não num estudo do tipo “crítica de gosto”, como se o gosto fosse capaz de nos dar a chave da compreensão desta coleção. Não há nada que suporte a idéia de coleção, nem na esfera pessoal, nem na dimensão coletiva, a não ser a sua própria existência: a coleção como o sustentáculo de sua idéia.
II
Como a grande maioria dos colecionadores, Castro Maya não gostava de ser chamado de “colecionador”. Achava que a palavra estava carregada de significações negativas, avizinhando-se com outras noções, tais como “interesse”, “propriedade”, “hobby”, “gosto”, etc. Assim, preferia se qualificar como um amante das artes, capaz de experimentar, diante de cada peça de sua coleção, uma emoção de ordem estética, que implicava no reconhecimento da qualidade artística intrínseca aos objetos.
Também os irmãos Jules e Edmond Goncourt, literatos e famosos bricoleurs franceses, preferiam o termo “amador” para o mais alto posto da sua hierarquia de colecionadores, cujo lugar inferior era ocupado pelos “meros ajuntadores de objetos”[7]. Essa recusa, que ainda hoje existe entre os mais variados colecionadores, parece indicar a insuficiência poética da palavra “coleção”. Pois aproxima o interesse científico do colecionador naturalista do cálculo financeiro do proprietário de antigüidades, o caráter metódico e compulsivo de um colecionador de selos do juízo valorativo de um amante das artes. Para cada um desses colecionadores em particular, tal proximidade pode ser prejudicial à compreensão de sua significação específica. Entretanto, afirma a própria singularidade desses atos como algo que apenas pode existir no seio dessa múltipla repetição.
Enquanto parte dessa coleção de percepções e interesses, Castro Maya escolhe o termo “amante” para sua auto-representação. Termo este que aparece de maneira significativa em uma das peças que compõem, atualmente, a coleção Castro Maya. Trata-se de um pequeno busto de Homero, na realidade um adorno de mesa em bronze e mármore com 13 cm. de altura, no qual aparece a inscrição: “A toi, Homère, je confie mon secret; qui seul, le poète, sache le bonheur des amants. Schiller.”
Pensemos, de início, no papel desempenhado por Homero no quadro da utopia estética de Schiller. Atribuindo à arte um sentido social-revolucionário - enquanto força catalizadora e comunicativa capaz de religar numa totalidade natural as esferas da natureza e da liberdade, partidas pela modernidade decadente -, a presença de um poeta como Homero implica na recuperação nostálgica do caráter público de uma arte fundada na comunhão e na solidariedade. Contrapartida à fragmentação moderna, a poesia grega oferece o paradigma de uma atividade criativa e crítica à ciência intelectualizada do mundo burguês. No lugar do “coração frio” do pensador abstrato, a “alegria dos amantes”, a forma ideal da inter-subjetividade, em contraste com as deformações modernas da massificação e do isolamento.[8]
Se tomamos como parâmetro a célebre história d’O Banquete de Platão, na qual a essência do amor é definida a partir da narrativa da origem dos homens como esferas, posteriormente cortadas em dois pedaços pelos deuses, cada qual precisando encontrar seu complemento perfeito para retornar à plenitude -, podemos prenunciar o sentido formal e substantivamente comunicativo desse sentimento conciliador de homem e mundo. A mesma matriz narrativa aparece na definição grega para a palavra símbolo que, segundo Gadamer, possui dimensão técnica e quer significar “pedaços de recordação”.[9] Remete-se aos costumes da hospitalidade grega que fazia com que o anfitrião desse a seu hóspede a metade de um caco de cerâmica para identificá-lo e a seus sucessores, pela eternidade, como conhecidos daquela casa.
O segredo dos amantes, partilhado por poetas e colecionadores, é reconhecer em cada objeto a parte que falta para a experiência da totalidade. Significa perceber na aparente insignificância dos detalhes do mundo, a repetição necessária para a construção de sua singularidade, de sua unicidade. Em 1963, o arquiteto Wladimir Alves de Souza escreve uma carta para Castro Maya, na qual afirma:
“Temos, ambos, em comum, um defeito igual: o culto da qualidade. Pouco importa que o mundo seja assim ou assado. O que conta, para nós, é que há coisas boas ou más, coisas belas ou feias, coisas atraentes ou desagradáveis. E procedemos, inflexivelmente, à escolha. [...]. Inquieto, rápido, sensível, você sempre foi uma espécie de elfo shakesperiano, vendo o que outros não vêem, fazendo o que outros não fazem, e, evidentemente, cercado pela grande massa ignara, que não percebe nunca o que podem fazer os seres eleitos. [...] Mas afora os aspectos externos, para os seus amigos que bem o conhecem, você é o homem de vida interior, concentrado, capaz de ser um bricoleur, carpinteiro, vidreiro ou ferreiro, mas homem que sempre deu a toda e qualquer atividade, o melhor de si.”[10]
Ver o que os outros não vêem, julgar inflexivelmente as coisas do mundo, viver a vida interior - são essas as tarefas de um colecionador. Wladimir Alves de Souza redige essa carta após saber do primeiro enfarte sofrido por Castro Maya. E a morte, aí, não aparece apenas como uma ameaça concreta, mas como o sentido de sua própria existência. Pois a vivência do tempo congelado nos objetos de uma coleção obriga à experiência cotidiana da própria morte. Só ela permite a articulação entre visão, juízo e interioridade, transformando cada percepção no bloco que se encaixa perfeita e provisoriamente na eterna lacuna da morada do colecionador. A tão almejada totalidade, por sua vez, apenas pode se realizar com a sua morte, capaz de definir a forma da coleção e retirar dos objetos colecionados as qualidades que passam a ser atribuídas ao próprio colecionador.
Os atributos com os quais, hoje, costumamos definir a personalidade de Castro Maya derivam, na realidade, das peças que colecionou. Termos como “moderno”, “refinado”, “ativo”, “culto”, “amante das artes”, sustentam-se nos objetos que orgulhosamente adquiriu. Cavell afirma que imaginar uma outra coleção para Freud é como imaginar um novo rosto para o pai da psicanálise. Da mesma forma, só podemos supor um outro perfil para Castro Maya se concebêssemos uma outra coleção Castro Maya, de cujas peças conseguíssemos retirar qualidades diversas. Não são adjetivos abstraídos de uma prática qualquer, mas de sua relação promíscua - que Baudrillard chamaria de narcísica[11] - com as peças que amou. Mas se as peças de uma coleção são como espelhos do narcisismo do colecionador, refletem-no não apenas como sujeito, e sim como objeto dessa coleção de idéias que sustenta os pressupostos significativos da própria coleção.
III
Nas comemorações dos 400 anos da cidade do Rio de Janeiro, Raymundo de Castro Maya foi o editor da Revista Rio, especialmente dedicada à ocasião. No editorial, intitulado “De Debret aos arranha-céus”, o colecionador escreve:
“As pessoas, quando chegam a uma certa idade, só falam no passado e é com imensa saudade que descrevem a vida no Rio de Janeiro naquela época. Não deixam de ter razão, esse período feliz não só aqui, como no mundo inteiro, pouco durou; para nós foi até a segunda guerra mundial. Daí por diante veio o caos, [...]. Mas, apesar de tudo, o Rio tem qualquer coisa de estranhamente sedutor: talvez exista no ar que se respira um filtro semelhante ao de Tristão e Isolda, a cuja magia, uma vez sorvido, não se pode mais resistir.”[12]
O tom nostálgico da citação não chega a ser privilégio de Castro Maya. Grande parte dos arautos da cidade moderna fez conviver, em seus discursos, o apoio à modernização e a constatação saudosista das perdas intrínsecas a esse processo. Aqui, entretanto, interessa-nos a dimensão especificamente estética da reverência do colecionador à cidade do Rio conhecida e vivenciada por Debret. Ao evocar o filtro mágico de Tristão e Isolda, está se referindo àquela que é a matriz de todas as histórias de amor “em que os apaixonados se amam loucamente e morrem de amar, contra tudo e todos, contra o mundo”.[13]
No romance medieval, o tal filtro mágico era apenas um vinho, preparado com ervas e flores, que possuía o poder de fazer despertar a paixão entre o homem e a mulher que o bebessem juntos. Destinava-se à Isolda e seu futuro marido, o rei Marcos. Ocorre, porém, que, no barco em que viajava a noiva, já possuídos por uma simpatia recíproca, Tristão e Isolda bebem o filtro e entregam-se à paixão. Isolda não deixa de se casar com o rei, mas os dois amantes vêem-se envolvidos numa história de traição e fidelidade, casamento e adultério, amizade e desejo. Após incrível sucessão de desencontros, os dois terminam sua tragédia morrendo juntos.
O filtro, portanto, embora desencadeie a trama de amor e morte, não pode ser tomado como a sua causa material. Já existia antes, e existiria depois de passado o seu efeito, um misto de simpatia e ódio, amor e ressentimento, entre os dois, que a poção apenas atualizou. No caso da admiração de Castro Maya pelo Rio de Debret, o filtro também manifesta um destino preestabelecido. Quando decide adquirir os originais do artista, está em busca da origem desse destino de paixão e desilusão.
Em correspondência do período de negociações de compra das obras, Castro Maya afirma seu desejo em adquirir aquelas aquarelas que “despertam mais curiosidade”: “os originais das que constam no fim do volume III do livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, i.é., dos acontecimentos históricos”.[14] Assim, descarta-se das visões mais comuns à época, que ora tendiam a valorizar em Debret a sua dimensão “pitoresca”, entendida em sentido prosaico e mundano, ora o compreendiam nos limites históricos restritos do período em que permaneceu no Brasil - 1816 a 1831 -, retirando-lhe qualquer interesse posterior. Em ambos os casos, sua obra convertia-se numa sorte de relicário decorativo de um tempo passado.
Castro Maya não chega a questionar a visão de Debret como documentarista. Entretanto, ao definir esse caráter documental, não deixa de associar o realismo à sua dimensão estética. Talvez o momento mais claro dessa definição tenha ocorrido numa expertise[15], encomendada a seu amigo, o arquiteto Wladimir Alves de Souza, quando se depara, por acaso, num fabricante de molduras, com 3 aquarelas “falsas” do artista, compradas por Edgard Pinho na mesma Casa Brasileira, de Roberto Heymann, em que havia adquirido as suas.
Castro Maya revolta-se pois havia exigido, durante a compra do material, uma declaração formal da sobrinha-bisneta de Debret, a quem pertenciam as obras, e do próprio marchand, de que não dispunham de mais originais. Assim, parte para a empreitada de provar que as tais aquarelas eram falsas, meras cópias de seus originais. Encomenda a Wladimir Alves de Souza, seu amigo pessoal e então professor catedrático da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, uma expertise, cuja metodologia fundamentava-se na comparação com as litografias do livro em sua edição original francesa de 1834.
A conclusão da perícia apontou que os originais eram os de Castro Maya, não passando as outras três de cópias mal feitas das litografias, reiterando os inúmeros equívocos cometidos quando da passagem das aquarelas para as gravuras. Nem valeria a pena discutir a validade dessa expertise, uma vez que o seu resultado foi drástico. Inicialmente havia sido cogitada a realização de uma exposição com as obras falsas e as verdadeiras, de forma a tornar público o escândalo das falsificações. Entretanto, o final da história é surpreendente: à frente do colecionador ludibriado e do próprio Castro Maya, Roberto Heymann, ameaçado de ver sua casa envolvida em escandalosa publicidade, admite a falsidade das peças, rasgando-as em três pedaços (um para cada parte envolvida). Ainda hoje o Arquivo Castro Maya conserva os fragmentos das obras mutiladas.
Por quê Castro Maya teria se preocupado em guardar esses pedaços de aquarelas falsas de Debret? Seria suficiente justificar tal ato pela vontade de documentar um fato? Ou deveríamos pensar nesse arquivamento como o resultado de uma personalidade obsessiva e narcísica, que o leva a guardar até o que não merece ou não deve ser guardado[16]? Ou ainda devemos suspeitar que a sua preservação aproxima-se do significado simbólico da tessera hospitalis grega? É certo que cada um desses fragmentos identifica não apenas a originalidade de Debret, mas igualmente a singularidade de Castro Maya no interior do grupo de outros “amantes” das artes. Sem eles, seria diferente o significado atribuído à sentença “coleção de originais de Debret formada por Castro Maya”.
Quando Castro Maya escreve para André Schoeller, que havia fornecido o certificado de autenticidade das aquarelas supostamente falsas, enfatiza a tarefa moral do expert, cujo aval vinha transformando Roberto Heyman num fabricante de cópias de Debret. Para os franceses, isso poderia ser irrelevante, já que as obras desse artista nunca alcançaram na Europa o mesmo valor e interesse que despertaram nos colecionadores brasileiros, devido a seu caráter documental.[17]
A expertise de Wladimir Alves de Souza tratou de definir o significado desse caráter documental. O valor de suas obras “se caracteriza menos por um conteúdo artístico genial do que por agudo sentido de observação e pitoresco”.[18] Mais tarde o arquiteto irá complicar um tanto essa afirmação, ao destacar a “energia do desenho e a liberdade do traço” na aquarela Negros vendedores de galinhas, ou ao analisar um pormenor, o braço dependurado do homem à janela da aquarela Interior de uma casa de ciganos, em cujo original “é magistralmente conseguido, como expressão de abandono na atitude e de realismo no colorido”.[19] Portanto, realismo passa a ser entendido seja pela fidelidade à realidade brasileira do início do século passado, seja enquanto qualidade técnica e artística.
Se as obras são registros fiéis de um observador atento, sua autenticidade deve se ancorar, a princípio, na correção da representação. Por isso, na aquarela Loja de Barbeiros, a originalidade está associada à correção das inscrições, copiadas por Debret “do natural”. O seu “olho de observador infalível” não permitiria os equívocos nos quais o litógrafo inadvertidamente incorreu e que foram copiados nas supostas aquarelas falsas. Ainda nesta aquarela, contribui para a afirmação da autenticidade dos originais de Castro Maya o espelho ao fundo da loja, “justificável no negócio dos barbeiros”, e substituído na aquarela falsa por um inapropriado quadro de flores.[20] Na ausência de parâmetros objetivos para fundamentar a correção da representação, opta-se pela sua plausibilidade que, entretanto, não pode se afirmar como realidade lingüística, e sim como possibilidade concreta. A liberdade e energia do desenho, que havia certificado a originalidade da aquarela Negros vendedores de aves, deixa-se subjugar pela necessidade descritiva.
Há uma ingenuidade patente nessa associação entre o sucesso da realização pictórica e a sua comprovação empírica, que pode parecer estranha ao ser enunciada por pessoas refinadas como Castro Maya e Wladimir Alves de Souza. É óbvio que o arquiteto e o colecionador possuíam objetivos imediatos: provar a falsidade das aquarelas de Edgard Pinho e, assim, avalizar a qualidade e o valor da coleção Castro Maya. Contudo, o discurso que formulam não deixa de apontar para uma certa desilusão cultural: quanto mais avançam a produção e o consumo de bens culturais, menos se pode pretender experimentar a individuação, a singularidade dos objetos. A originalidade das aquarelas de Debret aparece como uma forma compensatória da inconsistência dos objetos na cidade moderna.
Diante da crise histórica da cidade e da arte, Castro Maya precisa construir uma certa história da arte e da cidade, de forma a preservá-las enquanto valor. Para tal, precisa encontrar os originais de Debret, retirá-los das gavetas de uma antiga cômoda na casa de uma sobrinha bisneta do artista, repatriá-los; significa redescobrir essas imagens tão difundidas, tão conhecidas. A originalidade de sua coleção ancora-se nesse sentido da redescoberta, de reencontrar o que fora perdido, de renovar, enfim, a função de descobrimento presente no impulso documentarista de Debret.
IV
A transferência da corte lusa para o Rio de Janeiro havia sido um episódio privilegiado desse afã de descoberta e registro de uma realidade diversa. O Brasil, que permanecia desconhecido para seus colonizadores e que oscilava entre os papéis de promessa de paraíso e ameaça de inferno, seria agora o cenário e o enredo de um manifesto ato civilizatório. Mas a transferência dos milhares de cortesãos portugueses para o Rio parece sempre marcada pelo sinal negativo de uma realidade que desencoraja qualquer esforço no sentido do implante de uma civilização.
A auto-caracterização de Debret como artista parece falar dessa dificuldade intrínseca à palavra implante. No seu Ateliê do Catumbi (aquarela, 1816), o personagem principal - o artista - está a um só tempo ausente e central. Os quadros pendurados, a tela ainda inacabada, o manequim gigante do rei, os instrumentos de pintura, afirmam a existência desse artista que, entretanto, não aparece. A figuração de uma ausência anuncia e fornece as condições para a sua própria existência.
Em outra aquarela, Debret na pensão, a presença do artista supõe a ausência de seus instrumentos de trabalho. A ironia manifesta-se na oposição, mediada pela centralidade da garrafa, entre as figuras do artista sentado à mesa e do escravo ao fundo, carregando uma bandeja. A presença do escravo é ambígua. Apresenta-se como ponto de convergência das linhas que formam a perspectivação do assoalho e do teto do albergue. Ao ocultar o ponto de fuga, converte a parede às suas costas num fundo mais ou menos difuso e aproxima o olhar para a cena central: o artista sentado diante de uma mesa. Entretanto, as funções estruturantes da figura do escravo só podem aparecer de forma dubitativa, obscurecida pela área de sombra da aquarela.
A dúvida sobre a presença do escravo ressoa na dúvida sobre o próprio trabalho do artista. Como o truque do uso do espelho nas obras holandesas, o escravo obriga à duplicação da visão, à adoção desse outro ponto de vista, de trás, como um contraponto da nossa própria visão frontal. É como se o escravo olhasse o “trabalho” do artista e nos olhasse vendo a figura desolada de Debret, redimensionando a incongruência do discurso ético sobre o trabalho artístico numa sociedade escravocrata. Ao mesmo tempo, porém, é a sua presença que possibilita o funcionamento da perspectiva fechada do albergue. O ceticismo com relação às possibilidades efetivas de atuação do artista nesse mundo novo surge como garantia da distância necessária ao exercício do seu trabalho artístico.
Do lado esquerdo da aquarela, sucedem-se em direção ao fundo alguns objetos e frutas, descritos com certa facilidade e comprazimento. Do outro lado, o artista curva-se desconsolado, apoiando-se sobre os cotovelos numa mesa com garrafa ao centro. Uma metade de porta semi-aberta esconde parte de suas costas e da cadeira. Se o impulso narrativo do viajante encontra sua realização nos dados particulares desse mundo novo e desconhecido, escapa-lhe seu fundamento. A cidade colonial não é apenas inculta, o que seria mesmo um valor para o trabalho missionário dos artistas franceses. Ela é inédita; não fornece sequer a base material ou social para o exercício dessa missão civilizatória.
Quando, num pequeno estudo, Debret retrata-se pintando, despreza qualquer alusão de cenário. A figura do artista mal acomodado sobre uma almofada listrada, apoiando precariamente uma folha de papel sobre os joelhos e portando um curioso chapéu pontudo para se proteger do sol, possui algo de simultaneamente patético e dramático. Na verdade essa aquarela se avizinha com os seus estudos de negros, sentados ou acocorados nas ruas, abandonados à violência cotidiana e corriqueira a que estavam submetidos na sociedade escravista. Como no caso dos antigos africanos, para os quais o trabalho não constitui qualquer sorte de dignificação, o trabalho artístico não consegue alcançar a sua tarefa missionária.
Apenas quando retorna à França e publica sua narrativa de viagem, Debret recupera para si o sentido heróico da missão. Até lá, suas aquarelas nos falam da impossibilidade de passar do velho ao novo, de estabelecer uma relação de continuidade entre esses mundos diversos e, conseqüentemente, de formar uma impressão duradoura sobre essa realidade adversa. Inapreensível, resta a Debret converter nossa realidade em elementos particulares, em vistas parciais, em personagens anônimos e maltratados, em detalhes exóticos e insignificantes.
Rodrigo Naves, ao analisar a obra de Debret, anota a relação entre caráter documental, beleza e atenção ao detalhe em suas aquarelas brasileiras:
“A parcialidade intencional das pranchas - ou seja, o compromisso com o documental - nos conduz de um trabalho a outro, na esperança de que a série proporcione uma unidade final. Mas não. O resultado do percurso guarda a lembrança das partes, dessas cenas de esquina que não nos fazem vislumbrar o todo, sempre à espera da próxima seqüência. [...] A atenção ao particular - que somente essa relação entre as figuras e o espaço possibilita - torna plausível a beleza de tantas escravas, já que elas recusam o estatuto de símbolo de toda uma camada social. [...] A série, o descompromisso com situações emblemáticas, livra o detalhe do particularismo.”[21]
O próprio Debret, em seu livro Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, apresenta o seu trabalho como uma “coleção”[22], cujo fim se processa com o retorno à França e a publicação de suas memórias. Na obra desse artista viajante compromissado com o registro documental de uma realidade estranha, a atenção aos detalhes sugere, a um só tempo, o interesse pela diversidade do mundo e o empenho em homogeneizá-lo através da prática civilizatória. Implica, portanto, na exaustão sensível do homem civilizado, que deve experimentar cada coisa em particular, esgotar as suas possibilidades, para alcançar uma espécie qualquer de universalidade.
Ao final do último volume de sua Viagem, o artista apresenta o capítulo “Florestas Virgens do Brasil” como uma “lembrança” sua aos artistas franceses, pintores de paisagem e de história que procuram assuntos inéditos nas descrições do Novo Mundo. Trata-se de uma “coleção de desenhos” da flora brasileira representando diversas plantas nativas e duas cenas de florestas. O desenho das espécies vegetais obedece a certas convenções da arte botânica, mostrando diversas partes da planta, como galho, folha, fruto, flor, caroço, algumas em tamanho natural.
Duas aquarelas da coleção Castro Maya foram diretamente usadas por Debret na confecção dessas pranchas: a que mostra parte de um galho de café, com seu fruto em três vistas diferentes, e a que apresenta, em seu lado esquerdo, uma bromélia, com flor e botão de semente tratados isoladamente. No livro, o artista combinou-as com outras espécies vegetais, reiterando o caráter de coleção, já visível nas próprias aquarelas. A bromélia, que na aquarela dividia o papel com uma helicônia, aparece invertida, convivendo com a flor do algodoeiro, mostrada em diferentes momentos de maturação.
O galho de café, desenhado em tamanho natural, mostra os frutos ainda verdes, enquanto o fruto separado à esquerda é “de um vermelho-cereja muito vivo”, no “ponto de perfeita maturação”[23]. Aberto, o fruto do café mostra seu interior branco. Na prancha do livro, virá acompanhado do desenho de uma lagarta que “apresenta na extremidade posterior uma cabeça esbranquiçada semelhante à de um bezerro e na sua extremidade anterior uma cabeça de delfim”, e de um galho de chá com seus frutos separados.
As anotações do artista, antes de apagar essa multiplicidade, tendem a enfatizá-la. Ao fruto do café soma-se, por exemplo, um texto com múltiplas informações:
“A película luzidia que recobre o grão, dividido em dois lóbulos, contém uma quantidade de substância mucilaginosa muito doce, que serve de alimento à semente. Os pássaros apreciam muitíssimo essa substância e, para comê-la, derrubam muitos frutos que são encontrados no chão quase inteiramente desprovidos de invólucro e por conseguinte do princípio conservador, o que leva os proprietários a empregá-los no seu consumo particular”.[24]
Antes de explicar a imagem, o texto reitera o seu caráter colecionista. O artista já havia anotado a importância dessa reiteração mútua entre texto e imagem, dada a insuficiência descritiva dessas linguagens. Somadas poderiam, então, alcançar essa almejada suficiência? O que poderia ser considerado suficiente?
Refere-se, na realidade, à experiência da coleção, na qual a universalidade jamais apaga as marcas do particular, jamais o supera. Apenas o articula numa multiplicidade de referências cujo objetivo parece ser o de sintetizar todas as condições e momentos de seu aparecimento. Todos esses aspectos particulares, todos esses momentos diferentes, são coordenados pela sua reunião aparentemente caótica numa coleção. Não é à toa que Walter Benjamin fala da ordem da coleção como algo que confina com o “caos das lembranças”.[25]
Significativamente Debret fala dessa coleção de desenhos de espécies vegetais como uma “lembrança” particular sua, destinada à busca de novidades dos pintores europeus. Resultado de anos de estudo numa terra longínqua, seu acolhimento favorável surge como única e frágil compensação para a tristeza de não encontrar, após seu retorno à França, alguns de seus antigos mestres e colegas, dos quais “restam os trabalhos imortais para admirar, consolo glorioso mas bem melancólico, se é que há consolo para a separação eterna”.[26] Ao coletar e apresentar essas imagens, Debret fala da dimensão profética da própria coleção: dotar os objetos de eternidade pela eliminação da vida que neles descobre.
V
A tarefa de Castro Maya é recolecionar essas imagens coletadas por Debret, o que implica num processo de ressemantização. Significa conceder sentido a expressões como “obra de Debret”, “realismo”, “caráter documental”, entre outras. Significa também colocar-se junto às coisas que ele mesmo reuniu como colecionador. Foi por isso que, de 1952 a 1955, dedicou-se afetuosamente à publicação daquele que seria o quarto volume da Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, reunindo aquarelas inéditas de Debret, não publicadas na edição original do século XIX.
Nos trabalhos de edição dessa obra, Castro Maya manifesta duas grandes ordens de preocupações. A primeira relaciona-se ao cuidado particular com que busca resolver as questões técnicas, tais como a qualidade do papel, a técnica de reprodução das aquarelas, os limites de ampliação das imagens, a “maquete” do livro, o tipo da composição, a tiragem, etc. A segunda envolve a compreensão de que a solução para todos esses problemas pressupõe a construção de algo praticamente inexistente no Brasil, a bibliofilia. Lutando contra essa falta cultural, Castro Maya precisa conciliar “os escrúpulos de ordem puramente bibliófila”[27] - constantemente lembrados pelo editor francês contratado para a publicação da obra, Marcel Mouillot - e as limitações do mercado de livros de arte no Brasil.
Trata-se, portanto, de um empenho simultaneamente pessoal e cultural, íntimo e público, que fica visível nas suas hesitações durante os trabalhos de publicação. As dificuldades de ordem pessoal, tais como a inexperiência[28] ou a doença e morte de sua mãe, misturam-se a problemas burocráticos como a impossibilidade de domiciliar a edição no Rio de Janeiro e as freqüentes mudanças na política de importação e exportação. Tudo isso, aliado ao cuidado maníaco com que o colecionador tratava cada detalhe da edição, atrasou bastante a entrega dos livros que, em setembro de 1956, ainda se encontravam retidos na alfândega.
Quando prepara a sua comunicação para o curso Debret no Rio de Janeiro, organizado na ocasião do bicentenário de nascimento do artista (abril - maio de 1968), Castro Maya observa:
“A vida é uma coisa curiosa, um acontecimento sem importância muda toda a existência, o fato de tomar um bonde (hoje não existe mais), um ônibus ou ir jantar num restaurante e aí encontrar uma pessoa, este simples encontro muda o seu destino. Se Debret tivesse ficado na França seria um pintor normal sem grande notoriedade como são a maioria dos seus contemporâneos. [...] [Se não tivesse escrito] o seu livro ele seria um desconhecido, uma simples lápide num cemitério e não estaríamos aqui para comemorar o seu segundo centenário. [...] Em vez disto Debret hoje é uma instituição.”[29]
Ciente dessa imponderável correspondência entre atos privados e destino público, Castro Maya busca erguer para si igual possibilidade de conversão em instituição. Ainda nesta conferência o colecionador anota a diferença entre as aquarelas feitas por Debret antes de 1822, “verdadeiras miniaturas que ele enviava a França a seu irmão François”[30], e as pintadas a partir desta data, quando aparece claramente a intenção de transformá-las numa publicação. A gratuidade e o decorativismo das primeiras cede lugar à consciência da significação documental das mais recentes.
Semelhante sentido Castro Maya pretende para a sua coleção de originais de Debret. Daí a recusa peremptória de qualquer ameaça à sua originalidade e unicidade. A iniciativa de editar os trabalhos inéditos de Debret enfatiza esse compromisso realista. Porém, ao reconhecer os estranhos elos que se estabelecem entre vida privada e pública, o colecionador parece perceber o caráter ilusório e decepcionante de uma apreensão objetivista. O significado de um fato ultrapassa tanto o acontecimento objetivo quanto o sujeito que o pratica.
Numa coleção - seja o conjunto de imagens produzido por Debret, seja a sua recoleção formada por Castro Maya -, o signo transcende o objeto que o emite, mas está curiosa e intimamente ligado a ele. Por outro lado, supera o próprio sujeito que o profere, embora dependa de sua interpretação para existir. Logo, precisa se deslocar entre um e outro, entre objeto colecionado e sujeito colecionador. Nesse deslocamento, preenche o espaço que os separa com aquele sentimento difuso e complexo, que Schiller chamou de “alegria dos amantes”. Por seu intermédio, as obras de Debret se convertem em mais um elo na cadeia de percepções e interesses de Castro Maya, e este se tornar outra peça de sua própria coleção.
Pois é qualidade intrínseca ao amor a repetição, o que Deleuze chama de “generalidade de série, generalidade propriamente serial”.[31] Repetimos, a cada vez que amamos, um sofrimento particular. Mas a repetição é, em si, sempre alegre. Faz-nos tomar consciência da lei de progressão que nos obriga à repetição, transformando nossos sofrimentos em alegria. Implica, portanto, no trabalho da inteligência, capaz de perceber a seriação e explicá-la. O que significa afirmar que a alegria dos amantes só pode aparecer nessa generalidade serial da qual não se separa. E que só pode ser um valor negativo: resultado da reflexão consciente daquilo que sobra da vivência da paixão pelos objetos.
Concebida por Castro Maya como parte de seu amor pela arte, a sua re-coleção de Debret transmuda-se nessa promessa de alegria. Antes de mais nada, nos ensina que o Múltiplo está ao lado do Uno, e que a unicidade reside na repetição serial. É assim que devemos compreender o seu empenho em adquirir todos os originais de Debret existentes à época, em provar a originalidade de suas aquisições, em publicar o volume que faltava à Viagem de Debret. Cada peça deve satisfazer todas as condições necessárias para a realização deste amor; para a transformação do sofrimento em alegria, por meio da consciência de sua lei interna. Deve, enfim, guardar o segredo da alegria dos amantes.
[1] Texto originalmente publicado em Castro Maya colecionador de Debret, São Paulo: Capivara; Rio de Janeiro: Museus Castro Maya, 2003.
[2] Segundo carta de Roberto Heymann a Castro Maya, de 3 de novembro de 1942. Arquivo Castro Maya, pasta 41.
[3] Artigo reproduzido no livro de Rubens Borba de Moraes, O bibliófilo aprendiz, 3.ed. – Brasília, DF: Briquet de Lemos/Livros: Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 1998, p. 55.
[4] Id.ib. p. 58.
[5] Walter Benjamin, “Desempacotando a minha biblioteca”. In: Obras escolhidas. V.2: Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1987.
[6] Stanley Cavell, “The world as things. Collecting thoughts on collecting”. In: Rendez-vous. Masterpieces from the Centre Georges Pompidou and the Guggenheim Museums. Catálogo da exposição realizada no Solomon R. Guggenheim Museum, New York, de outubro de 1998 a janeiro de 1999. New York: Guggenheim Museum Publication, 1999. p.66.
[7] Edmond et Jules Goncourt, Journal des Goncourt: mémoires de la vie litteraire, t.7: 1885-1888. Paris: Bibliothèque Charpentier, 1894. Biblioteca Castro Maya.
[8] Jürgen HABERMAS, “Excurso acerca das cartas de Schiller sobre a educação estética do homem”. In: O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990. pp. 51-55.
[9] Hans-Georg GADAMER, A atualidade do belo. A arte como jogo, símbolo e festa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985. p. 50.
[10] Carta de Wladimir Alves de Souza a Raymundo de Castro Maya. Rio de Janeiro, 18/11/1963. Arquivo Castro Maya, pasta 6.
[11] Jean Baudrillard, “Le collection”. In: Le système des objects. Paris: Gallimard, 1968.
[12] Raymundo Ottoni de Castro Maya, “De Debret aos arranha-céus”. In: Rio, edição especial comemorativa do IV Centenário do Rio de Janeiro, 1965. Biblioteca Castro Maya.
[13] José Miguel Wisnik, “A paixão dionisíaca em Tristão e Isolda”. In: Os sentidos da paixão. 2ª reimp. São Paulo: Companhia das Letras; Rio de Janeiro: Funarte, 1987.
[14] Carta de Raymundo Ottoni de Castro Maya a Roberto Heymann, Rio de Janeiro, 9 de março de 1940. Arquivo Castro Maya, pasta 46, doc. 13.
[15] Ver nota 17.
[16] Há um documento no arquivo pessoal de Castro Maya (pasta 6), no qual uma amante sua, apelidada de Veroca Papagaio, mulher casada e aterrorizada com a possibilidade de ver descoberto seu segredo, pede a ele que destrua a carta após a sua leitura. Entretanto, esta carta e mais algumas enviadas pela mesma mulher foram cuidadosamente preservadas. Podemos pensar nisso como parte integrante do afã colecionista que transforma Castro Maya em objeto a ser colecionado, em peça de sua própria coleção.
[17] Carta de Raymundo Ottoni de Castro Maya a Andre Schoeller, Rio, 18/12/1947.Arquivo Castro Maya, pasta 46, doc.38.
[18] Wladimir Alves de Souza, “Observações feitas sobre as aquarelas apresentadas como sendo originais de autoria de Jean Baptiste Debret, adquiridas na Casa Heymann, de Paris, em comparação com as de propriedade do Dr. Raymundo Ottoni de Castro Maya”. Arquivo Castro Maya, pasta 46, doc. 37, p.1.
[19] ib. p.2 e 5.
[20] ib. p.2.e 3.
[21] Rodrigo Naves, “Debret, o neoclassicismo e a escravidão”. In: A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Ática, 1996, pp. 89-90.
[22] Debret repetidamente define seu trabalho como uma coleção: “tive à minha disposição todos os documentos relativos aos usos e costumes do novo país que eu habitava e que constituíram o ponto de partida de minha coleção”; “tive a oportunidade de manter, constantemente, por intermédio de meus alunos, relações diretas com as regiões mais interessantes do Brasil, relações que me permitiram obter, em abundância, os documentos necessários ao complemento de minha coleção já iniciada”; “O acaso levou-me assim a iniciar, no centro de uma capital civilizada, essa coleção particular dos selvagens”; “Essa lembrança é uma coleção de desenhos versando especialmente a vegetação e o caráter das florestas virgens do Brasil”. In: Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, Belo Horizonte: Itatiaia: São Paulo: EDUSP, 1978, pp. 27 e 347.
[23] Ib. p.352.
[24] Ib. p.352.
[25] Walter Benjamin, “Desempacotando minha biblioteca”. Op.cit.
[26] Ib. p.347.
[27] Carta de Marcel Mouillot a Raymundo Ottoni de Castro Maya, Paris, 19 de novembro de 1952. Arquivo Castro Maya, pasta 108.
[28] Em carta a Marcel Mouillot, de 9 de novembro de 1953, Castro Maya pede desculpas pelas ordens e contra-ordens dadas, “mais il faudra me comprendre que c’est la première fois que je me lance dans une édition et l’intention est de faire le mieux possible”. Arquivo Castro Maya, pasta 108.
[29] Estudo manuscrito para a conferência “O livro de Debret”, elaborado por Raymundo de Castro Maya para o Curso de conferências Debret no Rio de Janeiro, realizado no Teatro Maison de France, Rio de Janeiro, abril-maio de 1968. Arquivo Castro Maya, pasta 110.
[30] Ib. p.15.
[31] Gilles Deleuze, Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987, p. 73.