Arquitetura e jardim como unidade artística moderna nas obras de
Gregori e Mina Warchavchik
organização
de Jônatas Souza Medeiros da Silva[1], Pollyana Martins
da Silva[2] e
Joelmir Marques da Silva[3]
SILVA, Jônatas Souza Medeiros da; SILVA, Pollyana Martins da; SILVA, Joelmir Marques da (org.).
Arquitetura e jardim como unidade artística moderna nas obras de Gregori e Mina
Warchavchik. 19&20,
Rio de Janeiro, v. XVII, n. 1-2, jan-dez 2022. https://doi.org/10.52913/19e20.xvii12.fp02
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Como architectura,
seus grandes planos, suas sabias linhas tornam-se uma joia. O espirito nosso
repousa na visão serena e forte da sua estructuração.
Na paizagem sua frente ressalta equilibrada e forte,
pondo uma nota de bom gosto e de firmeza no jardim que o cerca. (HELIOS in CORREIO
PAULISTANO, 1930, p. 4)
A arquitetura moderna desponta mundialmente no
início do século XX como reflexão sobre o modo de habitar. Se estabelece após a
I Guerra Mundial como uma nova maneira de pensar o projeto arquitetônico sob um
viés conciliatório da forma com as funções advindas das demandas do novo
tempo.
Este movimento chega ao Brasil pelo arquiteto
russo Gregori Warchavchik que, inspirado nas ideias do arquiteto
francês Le Corbusier, incita o projeto de uma nova arquitetura que buscasse
como essência a identidade brasileira atrelada à realidade moderna que o mundo
vivenciava [Figura
1] (WARCHAVCHIK, 1929). Tal proposta estava alinhada aos pensamentos
difundidos na Semana de Arte Moderna de 1922, representada por nomes como Anita
Malfatti, Mario de Andrade e Tarsila
do Amaral [Figura
2], que visavam evocar a brasilidade como símbolo nacional (UMA PINTORA...
1928).
Dos pontos que definem as obras de Gregori, o
que trazemos como destaque é o pioneirismo quanto à idealização da edificação
atrelada ao jardim, visto como um princípio estético-funcional da própria
arquitetura [Figura
3], tendo como fim solucionar as necessidades do momento e realçar a
identidade artística nacional (A PRIMEIRA... 1928). Tal princípio se tornou
característica marcante de seus projetos devido a parceria estabelecida com sua
esposa, a cantora e paisagista Mina Kablin Warchavchik. Mina era
a responsável pela concepção de tais jardins de caráter moderno (A PRIMEIRA...
1928), considerados vanguardas desse estilo que só viriam a ser popularizados
posteriormente pelas obras de Roberto
Burle Marx.
Com os projetos conjuntos de Gregori e Mina Warchavchik
é possível observar como a arquitetura e o jardim são tratados como uma unidade
artística, moldada pelos princípios estéticos e formais da modernidade. Ao
projetar a arquitetura, Gregori propõe uma integração visual com o jardim,
pensando-o até como parte da composição interna dos ambientes (MODERNIZA-SE...
1928). Além do destaque ao concreto armado, material que expressava o novo
estilo, Mina traz a vegetação nativa característica da paisagem tropical como
elemento de contraste, utilizando as cactáceas e palmeiras como símbolo
identitário da brasilidade proposta pelo novo estilo [Figura 4] (A
PRIMEIRA... 1928).
Mediante esta discussão breve, trazemos um
panorama acerca das obras e os principais ideais modernistas de Gregori e Mina
Warchavchik contidos em três matérias jornalísticas da década de 1920,
publicadas em Diario Nacional (1928) e Correio
Paulistano (1928 e 1930). Vale ressaltar que a transcrição seguiu a norma
culta da época.
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A
PRIMEIRA realização da architectura moderna em São
Paulo: Gregori Warchavchik, A Quem Cabe As Honras da Iniciativa, Fala Ao
"Correio Paulistano". Correio Paulistano. São Paulo, p. 3. 8
jul. 1928, p. 3
Gregori Warchavchik, a quem
cabe as honras da iniciativa, fala ao “Correio Paulistano”
A architectura
moderna, victoriosa na Allemanha
com Walter Gropius e na França com Le Corbusier, os irmãos Perret
Tony Garnier, Mallet Stevens e tantos outros, triumpha
hoje em todos os paizes da Europa desde a Hollanda monarchica á Russia bolsheviki.
Ninguem mais a discute. Todos a acceitam.
Le Corbusier, no seu
interessante livro - “Vers une architecture”, expõe,
das linhas geraes aos detalhes menores, a moderna
concepção da arte architectonica, cujas tendencias se
firmaram no sentido da economia e da utilidade, que são as columnas
mestras da vertiginosa vida contemporanea. “La maison c’est une machine-á-habiter” escreveu o
antigo director de “L’ Esprit
Nouveau”. E é esse realmente, o principio sobre o
qual repousa a architectura nova, liberta, emfim, da obsessão dos “estylos”.
O Brasil, porém, não conhecia
ainda essa architectura. Deu-lhe esse prazer o illustre architecto russo Gregori
Warchavchik, que aqui reside há já alguns annos. A
casa que para seu uso acaba de construir Warchavchik, em Villa Marianna, é um
modelo de bom gosto moderno, um modelo de conforto e utilidade, conforme se
poderá imaginar pelos aspectos que della publicamos.
Nada ha ali, de dispensavel,
de accessorio. Uma verdadeira “machine-á-habiter”.
O mais curioso é que
Warchavchik poude e soube extrair para ella interessantes elementos do nosso “colonial”, e isso
porque, ao contrario dos demais pesquisadores, preoccupados exclusivamente com o ornamental do nosso velho
estylo, se esqueceram de vêr
nelle, como Warchavchik, o essencial. E foi assim que
o illustre architecto
russo, a quem São Paulo já deve esse immenso serviço,
chegou, sem esforço, a lançar as bases de uma architectura
- essa, sim - puramente brasileira, ou, melhor, tropical, de tal modo se adapta
ás condições e circumstancias do meio ambiente e
corresponde ás necessidades do nosso clima, temperamento, tradições, costumes,
etc.
Gregori Warchavchik assim a ella se refere, falando ao “Correio Paulistano”:
- Sabemos que hoje em dia a architectura nova conquistou todos os paizes
da Europa e que já não se consideram bellas construcções copiadas das dos tempos passados. Assim tambem o gosto moderno e refinado não pode mais admittir cornijas, estuques e outros pastiches executados
em material barato. Como nas demais artes, a primeira qualidade que deve ter a architectura é a sinceridade. A architectura
nova na sua marcha triumphal através á Europa, venceu na França, na Allemanha,
na Hungria, na Tcheco-Slovaquia, na Russia, na Holanda, em toda a parte, creando
obras primas.
No Brasil, e, principalmente,
S. Paulo, que, pelo seu progresso vertigionoso e seu
alto grau de cultura, está predestinado, mais do que qualquer outra cidade
deste continente, a ser a primeira a adoptar este genero
de construcção, que tão bem representa esta época de
desenvolvimento formidavel em todos os ramos da actividade humana, com as industrias
e os aperfeioçamentos technicos
ao serviço de uma geração esclarecida.
Esta minha construçcção,
situada á rua Santa Cruz, n.11, é a primeira
tentativa deste genero no Brasil. Creio que nella consegui crear um typo de casa racional, confortavel,
de pura utilidade, repleta de ar, de luz, de alegria; enfim, uma boa machina para se morar nella. Sem
os enfeites usados habitualmente, é ella de uma
grande simplicidade de linhas, alegre pelas côres
claras e vivas, abundancia de luz e exuberancia de
vegetação.
Não querendo simplesmente
copiar o que na Europa se está fazendo, inspirado pelo encanto das paizagens brasileiras, tentei crear
um caracter de architectura
que se adaptasse a esta região, ao clima e tambem ás
antigas tradições desta terra. Ao lado de linhas rectas,
nitidas, verticaes e horizontaes, que constituem, em fórma
de cubos e planos, o principal elemento da architectura
moderna, fiz uso das tão decorativas e caracteristicas
telhas coloniaes e creio que consegui idear uma casa
muito brasileira, pela sua perfeita adaptação ao ambiente.
O jardim, de caracter tropical, em redor da casa, contém riquezas de
plantas typicas brasileiras.
Foi minha collaboradora
na creação desse jardim, bem como nos ultimos arranjos internos, minha senhora, d. Minha Klabin
Warchavchik.
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Imagens
A residencia
Warchavchik, á rua Santa Cruz n.11. Attente-se para a simplicidade de suas linhas. [imagem]
Outro
aspecto da residencia Warchavchik. Veja-se o effeito obtido com as telhas brasileiras. [imagem]
MODERNIZA-SE
a nossa architectura: uma modernização completa que
representa muito bem o conceito de renovação artística. Diario
Nacional. São Paulo, 17 jun. 1928, p. 8
Uma realização completa que
representa muito bem o conceito renovação artística
Reproduzimos hoje varios aspectos da residencia G.
Warchavchik, inaugurada recentemente em S. Paulo. Era justo que a capital
paulista, que tem sido mesmo o berço de todas as tentativas de modernização artistica do Brasil, tambem
tomasse a iniciativa de modernizar a nossa architetura
nos coube iniciar a modernização artistica do Brasil.
Construida pelo
engenheiro Gregori I. Warchavchik, a casa que hoje apresentamos é realmente uma
solução felicissima. Sem ser tendenciosa, pois se
utiliza da telha, o artista procurou trazer para ella
todas as innovações mais justas da architetura moderna. O edificio é
todo em cimento armado com revestimento de reboco pontilhado com mica. A mica
brilhante torna as paredes muito decorativas e assim o artista pôde prescindir
de molduras, colunatas e demais enfeites superficiaes
e superpostos. A tendencia da architetura moderna é
pra evitar toda superposição decorativa e fazer dos proprios
elementos essenciaes a uma habitação, os motivos da belleza architetonica. É a
composição dos volumes (aposentos), a distribuição das superficies
(paredes), das aberturas (janelas, portas), e o carater
do material que, originando a forma e os fogos de luz, são os motivos legitimos da belleza architetonica.
A residencia
Warchavchik representa muito bem esse conseito da architetura moderna. O seu conjunto é harmonioso e sereno
como deve ser o duma residencia familiar. O cimento
armado está bem expresso pela nitidez e arrojo das formas, permittindo
as largas janelas de canto que não só arejam completamente o interior como
trazem para os aposentos de permanencia a presença
constante do jardim exterior. Este representa aliás uma criação interessantissima do engenheiro Warchavchik. Os gramados
lisos e planos, emoldurados por cactos e palmeiras são duma originalidade
esplendida e dão ao conjunto uma nota feliz de tropicalismo e disciplina.
A casa do sr. Warchavchik está
situada em Villa Mariana.
*
Imagens
Vista lateral, onde se percebe
o curioso contraste da telha com as linhas rectas e sobrias da casa [imagem]
Lindos effeitos
do cactos [imagem]
Vista
do conjunto [imagem]
HELIOS.
Chronica Social: Casa Warchavchick. Correio
Paulistano. São Paulo, 26 mar. 1930, p. 4
Assisti, ante-hontem,
á exposição mais original que é dado ver aos
paulistas nestes ultimos tempos: exposição de uma
casa.
É uma casa-Warchavchick,
isto é, uma confortavel e elegantissima
casa moderna.
Pacaembú.
Local fidalgo e magnifico. Panorama de belleza
desconcertante. Ar purissimo. Bairro fidalgo. Ruas origniaes, feitas de curvas elegantes. Heteroclismo
architectonico. São Paulo é o bazar internacional da architectura do mundo. Até telhados corta-neve ha nas suas habitações. Colonial, florentino, arabe, Luiz XV, todos os mais arrepiantes arranjos do
barroco, todas as loucuras da decadencia.
A casa Warchachick
é a casa moderna. A utilização technica do espaço e a
sciencia da construcção
posta a serviço do conforto. Intelligencia sec. XX,
utilizada no sentido de tornar a vida commoda.
Achei pratica, magnifica, utilissima e ultra-elegante essa
habitação. Domina-a o sentimento architectonico,
vivendo este da harmonia simplissima de um logico e
rigoroso jogo geometrico. A esculptura
- sobria, não rococó - incrusta-se nesse equilibrio de volumes que a luz destaca e valoriza, vivendo
por si, autonoma, sem a dependencia
pueril do ornamento.
Uma estatua
de Brecheret
dentro dessa casa cresce de significação esthetica e,
emquanto dá realce artistico
ao ambiente, este empresta-lhe o valor da sua simplicidade, servido-lhe
como que de sóco. Não me detive em estudar as
maravilhas de arte - esculptura, pintura, ebanistica, decorações - que Warchavchick
reuniu no predio. Não tive tempo. Estavam reunidos,
numa encantadora palestra, á hora que lá compareci, os mais expressivos espiritos de artistas que São Paulo possue.
A prosa absorveu minha attenção. Dos detalhes dessa
casa falarei noutra nota.
Corbusier, um dos revolucionarios geniaes da architectura, definiu com alto senso de intuição a
finalidade da casa moderna, dentro desta etapa technica
da humanidade: é ella uma machina
de morar. Machina hygienica
e machina de conforto. Warchavchik resolveu, dentro
desse pensamento, o importante problema. Como conforto é deliciosa. Como hygiene e perfeita. Como architectura,
seus grandes planos, suas sabias linhas tornam-se uma joia. O espirito nosso
repousa na visão serena e forte da sua estructuração.
Na paizagem sua frente resalta
equilibrada e forte, pondo uma nota de bom gosto e de firmeza no jardim que a
cerca.
Muita cousa há a dizer dessa
exposição magnifica. Vou voltar lá e dar ao leitor meu relatorio
espiritual.
Helios
Referências bibliográficas
A PRIMEIRA realização da architectura moderna em São Paulo: Gregori Warchavchik, A
Quem Cabe As Honras da Iniciativa, Fala Ao "Correio Paulistano". Correio
Paulistano. São Paulo, 8 jul. 1928, p. 3.
MODERNIZA-SE a nossa architectura: uma modernização completa que representa
muito bem o conceito de renovação artística. Diario
Nacional. São Paulo, 17 jun. 1928, p. 8.
HELIOS. Chronica
Social: Casa Warchavchick. Correio
Paulistano. São Paulo, 26 mar. 1930, p. 4.
UMA PINTORA paulista em Paris:
Tarsila do Amaral faz vehemente defesa do modernismo.
O Jornal. Rio de Janeiro, 9 dez. 1928, p. 3.
WARCHAVCHIK, Gregori. SÃO
PAULO E A ARCHITECTURA NOVA. Illustração Brasileira,
São Paulo, v. 10, n. 109, set. 1929, n.p.
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[1] Doutorando do Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano e Pesquisador do Laboratório da
Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Bolsista nível doutorado
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail:
jona.medeiros@gmail.com
[2] Graduanda em Arquitetura
e Urbanismo e Pesquisadora do Laboratório da Paisagem da Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE). Bolsista de Iniciação Científica pela Fundação de Amparo
à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE). E-mail: pollyana.martins123@gmail.com
[3] Professor do Curso de
Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Urbano e Pesquisador do Laboratório da Paisagem, todos da Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE). Membro do International Scientific Committee on Cultural Landscapes (ISCCL
- ICOMOS-IFLA), do CIPA Heritage Documentation
e do International Council
of Monuments and Sites (ICOMOS-BRASIL). E-mail: joelmir_marques@hotmail.com