Jornal do Commercio: Críticas a Batalha
do Avahy quando da sua primeira exposição em 1877
organização de Hugo Xavier Garilha
GUARILHA, Hugo Xavier (org.). Jornal do Commercio: Críticas a Batalha do Avahy quando da sua primeira exposição em 1877. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 2, jul.-dez. 2016. https://www.doi.org/10.52913/19e20.XI2.05
* * *
O quadro
da Batalha de Avahy foi pintado por Pedro Américo em
Florença, onde aconteceu a sua primeira exposição pública. A crítica europeia,
sobretudo a italiana, acolheu a obra com entusiasmo, e os ecos dessa apreciação
foram publicados nos periódicos brasileiros. Isto aumentou a expectativa do
público carioca, além de contribuir para a decepção de alguns críticos, como
fizeram questão de afirmar. Por outro lado, a publicação desses artigos
colocara o quadro e seu autor acima do juízo dos brasileiros. De fato, no dia 2
de setembro de 1877, quase um mês antes da exposição, o Jornal do
Commercio transcreve o discurso do Deputado
Fernando Osório, que reuniu trechos de artigos, cartas e documentos que
louvavam Pedro Américo no exterior: “A
grande reputação de Pedro Américo, senhores, reputação de que, como vimos, nos
dá tão unanime e lisongeiro testemunho a imprensa italiana, não se acha
encerrada nos limites da privilegiada península; fóra dela, e podemos dizer por
toda a Europa, nós a achamos grande, brilhante, e venerada como no berço dos
mais ilustres pintores. | Com efeito, desde Nápoles até
S. Petersburgo, desde Madrid até Viena, toda a imprensa tem sido unânime em
reconhecer na última criação do nosso compatriota uma obra extraordinária, e
digna dos maiores gênios da pintura. | Importantíssimos
órgãos vão mais longe: comparando Pedro Américo com os mais reputados pintores
modernissimos, como Morelli, Kaulbach, Yvon e Horacio Vernet, atribuem-lhe
qualidades verdadeiramente superiores; o que de certo deve lisongear o
patriotismo de quem quer que sinta algum orgulho em ser filho desta nobre terra.” (2 set. 1877, p. 3 e 4.).
O desejo mais
imediato de Fernando Osório é efetivar a compra da batalha pelo governo.
Entretanto, os argumentos do deputado não ultrapassam os limites do
patriotismo, como se a referência não fosse o quadro, mas os comentários que
elevaram o nome do Brasil. Fernando Osório muda o foco das atenções, passa da
obra para a crítica europeia, muito mais autorizada que a brasileira. Não há
nenhuma ingenuidade nisso.
Naquele
momento, a Batalha de Avahy carregava um forte significado político. O tema se
confundiu com a obra, de modo que apreciá-la significava extasiar-se frente a
uma glória das armas nacionais, um ato de patriotismo. Sendo aceita como obra
de mérito na Europa, nada restava aos brasileiros senão acolher o quadro e aceitá-lo
como manifestação do gênio pátrio, equiparado ao dos grandes artistas do mundo.
No dia 28 de
setembro, o Imperador retorna de sua viagem e, como parte das festividades,
inaugura a exposição da Batalha de Avahy em um galpão erguido
especialmente para abrigar a tela. No dia seguinte, o
articulista Nullius publica a primeira crítica na Gazeta de
Notícias. Infelizmente o exemplar deste jormal que faz parte da
coleção da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro está deteriorado, e não
conseguimos encontrar uma outra cópia em nenhuma das instituições pesquisadas.
Entretanto, podemos dizer algumas palavras sobre este artigo: a julgar pelos
textos do mesmo pseudônimo publicados em seguida, seu parecer sobre a obra é
negativo. Pela rapidez com que se manifestou, mostra um desejo de opinar o
quanto antes.
Esse segundo
ponto toma-se ainda mais evidente quando observamos o seguinte trecho da Revista Illustrada: “ - Já viu a Batalha de Avahy?... | Eis como
se saúdam desde ontem todos os amigos que se encontram. | E a uma
resposta afirmativa segue-se imediatamente esta outra interrogação: | - E
então?... | E agora é que são elas. | Os entendidos não se querem
comprometer; os não entendidos... esperam pelos primeiros, e uns e otros
escapolem-se murmurando: | - Assim, à primeira
vista...”
A crônica
da Revista Illustrada segue refletindo sobre a desorientação do público frente
à enorme tela. Felipe, pelo folhetim do Jornal do Commercio,
responde a Nullius: “É tão facil não sympathisar com o autor e morrer de
amores pelo quadro!” (5 out. 1877, p.3.). Pedro Américo tinha muitos desafetos entre seus críticos,
e, se por um lado os textos cróticos podem ser severos, por outro vão colocar
em pauta o mérito do quadro e abrir a discussão para o juízo do merecimento da
obra e do artista.
É o que podemos perceber, por exemplo, nos
textos sobre a tela Batalha do Avahy publicados no Jornal do Commercio durante o ano de 1877, quando da sua primeira exposição
ao público no Brasil, e cujas transcrições - nas quais a grafia original foi
mantida - reunimos no presente levantamento.
*
I-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, 4 de abril de 1877, pag.1.
Título:
Folhetim do Jornal do Commercio LIII - Ver, ouvir e Contar
Autor: não
consta
Pariz,
7 de Março de 1877
[...]
Não
quero concluir estes rabiscos sobre litteratura e bellas-artes sem dizer alguma
cousa do quadro do Sr. Pedro americo sobre a Batalha de Avahy. O quadro
acha-se exposto actualmente, depois de visitado pelo monarcha brasileiro, na
ex-bibliotheca do convento da Annunziata em Florença. A imprensa local tem-lhe
tecido grandes louvores. Eu, apezar do rifão <<A pintura e a peleja de
longe se veja>>, acho-me tão longe que não me atrevo a dar parecer sobre
essa vasta obra artistica, fiando-me nos elogios que tem tido por parte dos
artistas florentinos. O Sr. Pedro Americo obteve com esta obra fôro de
fidalguia artistica na patria dos Medicis[1], e o seu retrato lá foi para a galeria
dos Uffizi entre os dos pintores notaveis.
Não
sei se o autor da Batalha de Avahy tenciona mandar o seu quadro para a
exposição annual de Pariz (no proximo mez de maio) ou á exposição internacional
de 1878. Este é o unico meio que tem para deixar o publico ajuizar do
verdadeiro valor da sua obra. Em Pariz, existem criticos de bellas-artes que possuem
renome europeo, e o suffragio de taes apreciadores é que póde distribuir
verdadeiros encomios ou dar uteis conselhos.
Aqui
espero a Batalha de Avahy.
II-
Publicado
em:
Jornal do Commercio, 2 de setembro de 1877, pags. 3 e 4.
Título:
O
Sr. Fernando Osório (transcrição de um discurso na câmara dos deputados).
Autor:
Fernando Osório
O Sr.
Fernando Osório: - Sr. presidente, cumpro com um rigoroso dever
agradecendo a esta augusta camara a urgencia que me concedeu, em sessão de
ante-hontem, para fundamentar hoje o requerimento de que ella já tem
conhecimento; e sem mais preambulo entro em materia.
No dia 19 de agosto de
1872 o governo imperial, desejando immortalisar os feitos dos nossos
compatriotas na guerra do Paraguay, contratou com o pintor brazileiro Dr. Pedro
Americo a pintura de um quadro.
O Dr. Pedro Americo
partio para a Italia, e dahi, depois de longos e aturados trabalhos, voltou á
sua pátria, coberto de immarcesciveis louros conquistados na Europa civilizada,
trazendo o seu quadro, que pretende expôr á consideração publica, nesta
capital, em breves dias.
Como, porém, entendo,
Sr. presidente, que é de toda a conveniencia para o paiz, não deixar que fique
na obscuridade tudo quanto de grande e de importante se désse em louvor da obra
do insigne pintor; como também entendo que os nobres deputados que me ouvem
devem ser bastante patriotas para dispensar alguns momentos de attenção na hora
em que se trata de render a devida homenagem ao talento de um artista excelso,
que honra a patria em que nasceu. (apoiados). Venho sujeitar ao juízo e
alto apreço da camara as opiniões sensatas que se manifestárão já a respeito do
quadro da Batalha do Avahy.
Apresentarei, em
primeiro lugar, senhores:
Um
tópico do parecer da Academia Real de Bellas-Artes de Florença, sobre o quadro
da Batalha de Avahy.
<< Academia Real
das Bellas-Artes de Florença.- Florença, 14 de fevereiro de 1877.
<< Os professores
desta congregação academica (secção de pintura historica), depois de haverem
cada um de per si examinado o quadro da Batalha de Avahy, pintado pelo
Sr. Dr. Pedro Américo, professor de esthetica, historia e archeologia da
Imperial Academia das Bellas-Artes do Rio de Janeiro, reunirão-se no salão da
presidencia, no dia 12 do corrente mez, com o fim de manifestarem a propria opinião
sobre o merito artistico daquela obra.
<< E os
professores, aberta a discussão a proposito, e ponderada a natureza da questão,
acharão-se concordes em formular a seguinte declaração:
<< O quadro
submettido a exame revela um engenho e uma fantasia não communs, os quaes mais
especialmente se manifestão no caracter bem entendido da composição e na
evidencia do facto, representado em todas as suas particularidades com plena e
terrivel verdade; sendo, além disto, merecedores de não escasso louvor os principaes
episodios que se desenvolvem no primeiro plano do painel, onde resalta o
talento, que possue o artista, de infundir o movimento e a vida até nas menores
circumstancias da propria concepção esthetica. >>
O Sr.
Pinto de Campos[2]: - Com
effeito, não póde ser mais honrosoo ao artista brazileiro!
O Sr.
Fernando Osório (lendo):
<< (Assignado) Emilio
de Fabris.
<< O secretario
(Assignado) Felice Francolini[3]. - Pela legalisação da firma do Sr.
Emilio de Fabris, presidente da Academia das Bellas-Artes de Florença. -
Florença, 7 de Março de 1877. >>
O prefeito, assignado: De
Rolland[4].
Visto pela legalisação
da firma do prefeito De Rolland. - Do ministerio do reino. - Roma, 13 de Abril
de 1877. Por ordem do ministro, assignado: E. Noghere.
Ministério dos negócios
estrangeiros. - Visto pela legalisação da firma supra. Roma, 13 de Abril de
1877. - O encarregado, assignado: A. de Nobili.
Reconheço verdadeira a
assignatura do Sr. Nobili, do ministério dos negócios estrangeiros deste reino.
- Roma, 13 de Abril de 1877. - Barão de Javary[5].
___________
Sr. presidente, este
documento está sellado e carimbado, segundo a legislação das diversas
repartições, etc., por que passou, e os professores que votárão unanimes este
parecer são os seguintes, dos quaes alguns são membros da nossa academia e
condecorados pelo governo brazileiro:
1. - Emilio de Fabris,
presidente da academia, director da escola de bellas-artes, autor da frontaria
de Nossa Senhora das Flôres (cathedral de Florença).
2. - Estefano Ussi[6],
pintor de historia, commendador da corôa de Italia e da Rosa do Brazil.
(Recebeu em Florença a visita de S. M. o Imperador.)
3. - Antonio Ciseri[7],
ex-director da escola e presidente da academia de Florença. Condecorado com a
commenda da Rosa. (Recebeu a visita imperial.)
4. - Giuseppe Belluci[8],
pintor de historia, official da corôa de Italia, etc. etc.
5. - Miguel Cortigiani[9],
pintor de historia, commendador da corôa de Italia, etc.
6. - Amos Cassioli[10],
pintor de historia, ex-director da academia de Siena.
7. - Cesar Mussini[11],
commendador de varias ordens, ex-presidente da academia de S. Petersburgo e
decano dos artistas Toscanos.
8. - Annibal Gatti[12],
pintor de historia, official da corôa de Italia e cavalleiro de diversas
ordens.
9. - Nicolo Barabino[13],
pintor de historia, cavalleiro de diversas ordens, etc. etc.
Quasi todos estes
professores, verdadeiras summidades artisticas, têm pintado batalhas.
Eis aqui a confirmação
do juizo da academia florentina pelo actual director da academia de
Lucca, e primeiro pintor de batalhas da Italia:
<< Academia
real das bellas-artes de Lucca. - Lucca, 24 de Fevereiro de 1877.
- Egregio Sr. professor
Americo. - Os meus collegas da academia florentina estiverão, no meu conceito,
abaixo do justo no juizo que exprimirão ácerca da sua obra insigne.
<< Eu creio em
consciencia não enganar-me dizendo assim, porque avalio por experiencia propria
quanto não deve ter-lhe custado imaginar e levar ao cabo uma obra de tamanha
importancia, e sinto que as minhas occupações não me permittissem ir a Florença
afim de tomar parte naquelle parecer, que para o senhor foi um verdadeiro
triumpho.
<< A scena que o
senhor soube representar com tão terrivel evidencia offerecia incalculaveis
difficuldades; o senhor, porém, sahio tão triumphante de todas ellas, como os
heróes daquella memoravel jornada.
<< Aceite, pois,
os meus sinceros encomios, e creia-os de coração, que são dictados por quem
teve a honra de illustrar as principaes batalhas do renascimento italiano. Sou,
etc. - Luigi Norfini[14], director da real academia de Lucca.
>>
O
juizo do profesor Giuseppe Gherardi[15] (decano
dos pintores italianos, octogenario, condecorado com diversas ordens, etc.
etc.) sobre o parecer da Academia.
<<Florença, 24 de
Abril de 1877.
<< Carissimo Sr.
commendador.
<<O senhor já
conhece a minha opinião sobre o seu bello quadro - a Batalha do Avahy, -
opinião que não differe em nada do parecer da academia florentina, quer
relativamente ao merito, quer ás difficuldades que encontrou para realizar
aquella obra preciosa e admiravel. >>
O Sr.
Martim Francisco[16]: - É
pena não haver bastante dinheiro noss cofres para remunerar ao pintor
devidamente.
O Sr.
Fernando Osorio: - Se não ha dinheiro neste momento, confio que
em breve o haja.
O Sr.
Pinto de Campos: - A questão não é só de dinheiro, é de gloria.
O Sr.
Fernando Osorio: - Sim; a questão não é só de dinheiro, é de
gloria. (Muitos apoiados; muito bem.)
Eis aqui a carta do Sr.
Peruzzi[17]:
Carta
do Sr. Peruzzi, syndico de Florença, ex-ministro da instrucção publica na
Italia, ao Duque de São Donatti[18],
syndico de Napolis.
Florença, 10 de Maio de
1877.
<< Honrado senhor
e collega.
<<...... É-me
agradavel apresentar-lhe um distincto artista que honra o Brazil e que entre
nós grangeou o applauso universal por aquella sua obra, que despertou a
attenção e admiração de todos. >>
Carta
do Sr. Giorgio Campani,[19] inspector
geral das galerias e museus de Florença, secretario da academia della Crusca,
official da Rosa, etc., etc.
<< Ao Sr.
professor Dr. Pedro Americo.
<< Florença, 15
de Junho de 1877.
<< Meu caro amigo
e illustre mestre.
...................................................................................................................................................
<< ..............
Continúa-se a fallar muito do seu quadro nos circulos florentinos. Os Allemães
particularmente procurão-me para saber como poderião ver o seu bello trabalho,
sem saberem que elle e o seu autor já estão bem longe daqui. >>
O Sr.
Pinto de Campos: - Estamos anciosos por ver essa maravilha da
arte.
Carta
do Barão de Santo Angelo[20] a respeito do artista
<< Amigo e Sr. -
Para ahi volta o nosso amigo Americo, laureado e glorificado como nunca foi
Brazileiro algum na Italia, e em toda a Europa do Norte.
<< As imprensas
da Italia, Allemanha, França, Russia e Hespanha o acclamárão o mestre
moderno e o productor da maior pagina deste seculo artistico, etc. >>
Topico
de um officio do actual Sr. ministro do imperio no Brazil[21], ao
Dr. Pedro Americo, em 17 de Junho de 1877. Rio de Janeiro.
<< ... Quanto ao
mais que V. S. pondera, opportunamente, quando V. S. chegar, conversaremos a
respeito, cabendo-me agora sómente a grande satisfação de felicita-lo, em nome
do paiz, pelo brilhante triumpho por V. S. alcançado com a factura e exhibição
publica, na Europa, de sua importante obra artistica, cujo merecimento tive
aqui occasião de verificar pelas noticas dos jornaes, transcriptas da imprensa
européa. >>
Trecho
de um officio do Barão de Javary, plenipotenciario brazileiro na Italia, ao
Barão de Santo Angelo.
<< Communique que
ao receber o incluso despacho proporcionou-se-me asado ensejo para officiar ao
governo imperial ácerca do particular apreço com que o distincto Brazileiro Dr.
Pedro Americo foi acolhido neste paiz, e bem assim do merecido louvor com que
as pessoas mais competentes têm ajuizado da sua grandiosa producção artista[22].
>>
Topico
de uma carta dirigido a Pedro Americo pelo Visconde de Araguaya[23],
ministro brazileiro junto á Santa-Sé.
<< Roma, 13 de
Janeiro de 1877.
<< ...... Pelo
meu amigo o Exm. Sr. Barão de Javary e pelo Sr. Guimarães tive noticia da justa
apreciação que a imprensa fez do reconhecido merito de V. S. Exulto quando vejo
assim exaltado um compatriota e amigo, que tanto se esforça para honrar o nosso
paiz. Deus lhe dê coragem para prosseguir em seus nobres trabalhos. >>
Carta
do Sr. conselheiro Lopes Netto[24] ao
Sr. Barão de Pendedo[25].
Florença, 7 de Abril de
1877.
<< Exm. Sr.
barão.
<< ... O quadro
da Batalha do Avahy, exposto ultimamente nesta cidade, obteve geraes e
merecidos applausos, que têm repercutido na imprensa de toda a Europa. Os
artistas nacionaes e estrangeiros que o examinárão fazem justiça ao grande
talento do autor e qualificárão o seu trabalho como um dos melhores dos
tempos modernos, etc. >>
O Imperador do Brazil,
admirando o quadro de Pedro Americo não pôde deixar de exclamar:
<< - Bravo!
quanto estudo, quanto trabalho! Pedro Americo, tem um talento extraordinario!
>>
E o Sr. Dr. Souza
Fontes[26],
medico que acompanha o Imperador na Europa, chegando a Florença, escreveu:
<< Afinal vi o
trabalho de um pintor brazileiro que rivalisa com a batalha de Constantino, de
Raphael[27]. >>
Sr. presidente, lerei
agora o juizo da imprensa Italiana:
Juizo
da imprensa italiana a respeito de Pedro Americo e da Batalha de Avahy, que
prova o conceito em que é tido no paiz das bellas-artes o referido pintor.
No primeiro d’entre
oito folhetins publicados no Monitore dei Teatri de Milão, lamentando as
convicções materialisticas modernas, tendentes a condemnar os principios que
illuminárão os grandes artistas do Renascimento, o autor exclama:
<< A arte moderna
os condemna?
<< Não. Ainda ha
quem os siga, quem attinja a sua perfeição sublime; ainda ha quem procure fazer
renascer a arte em seus principios, idealmente pura e bella como nos tempos
passados. Um novo apostolo apresentou-se na arena dos combates terriveis, para
derribar com o seu indomavel engenho os idolos da convenção e os preconceitos
do realismo. Este homem, que pela grandeza do seu genio, pela multiplicidade
das suas obras, e pela esplendida carreira da sua vida está hoje attrahindo a
attenção de toda a Europa e os universaes encomios de quantos amão e aprecião o
bello; este artista, que soube levar a arte a uma tão sublime altura, é o Sr.
Pedro Americo. (Vide o Monitore dei Teatri di Milano, de 5 de Janeiro e
seguintes.)
<<A Batalha de
Avahy, diz a Arte, de Roma, em seu artigo de fundo de 16 de Março, a
Batalha de Ivahy[28] dotou o mundo artistico de uma obra
insigne, que a bem poucos é concedida a gloria de realizar, ao mesmo tempo que
á constellação dos grandes artistas mais um nome glorioso veio ajuntar-se.
>>
<< Do que temos
dito, diz o orgão official da academia de Urbino de 10 de Março, e no que
concordão os nossos mais reputados mestres, parece-me poder concluir que a obra
de Pedro Americo corresponde dignamente ao encargo de que se incumbio o artista
e ás justas exigencias do bello; e de certo não poderá grangear-lhe menos que
uma fama immorredoura, assim como um premio condigno, e daquelles que só são
reservados ás obras destinadas a assignalarem uma pégada gloriosa no caminho da
arte. >>
<< Depois do
unanime juizo da imprensa, diz a Italia Artistica em outro enthusiastico
artigo de fundo, fôra superfluo qualquer louvor para gloria daquelle potente
engenho. De todo o coração nós nos congratulamos com o Dr. Pedro Americo pelo
seu triumpho nesta nossa terra, que elle escolheu para realizar a sua grande
creação. E dignem-se de acolher os eleitos estas expressões do nosso amor á
arte e do nosso profundo respeito por tudo quanto é verdadeira elevação e
verdadeira grandeza. >>
<< Póssa o
exemplo de Pedro Americo, diz outro periodico, servir de incentivo aos cultores
da nobre arte da pintura, para que abandonem os quadrinhos de genero que hoje
em dia invadem as nossas galerias, e escolhão assumptos mais grandiosos para
terem occasião de elevar a alma á perfeição do bello artistico. >> (Firenze
Artistica de 7 de Março).
<< Fôra quasi
impossivel fazer a descripção dessa vastissima tela, diz a Revista Italiana
de 18 de Setembro ultimo, a qual, em vez de quadro, poder-se-hia chamar um
verdadeiro poema. Sem nenhuma confusão nem incerteza, o espectador pôde abraçar
nesse quadro um espaço vastissimo e milhares de combatentes. Os principaes
grupos são admiravelmente dispostos. O colorido estupendo e a luz permittem ver
tudo gyrar em torno das figuras e das massas, ao passo que todas aquellas
figuras marciaes parecem estar se movendo, combatendo realmenteme[29],
tal é o corpo e o relevo que têm, tanta vida e alma ha nellas.
<< Os effeitos de
fumo, os episodios da guerra, os cavallos, os peões, os mortos, os feridos,
tudo é obra de um pincel mestre e creador. Se, porém, aquelle gigantesco
complexo sorprende e fascina, não maravilha menos a escrupulosa fieldade, o
correcto desenho, a verdade minuciosa dos mais pequenos accessorios e
instrumentos bellicos, quando, desprendendo-se o olhar do imponente espectaculo
geral, começão a attrahir a attenção as peregrinas partes que o compõem.
>>
Srs. deputados, a
opinião expressa nos jornaes politicos é igualmente franca e lisongeira, e
tanto mais de admirar, quanto Pedro Americo é na Italia um estrangeiro, de paiz
que não goza do menor credito em materia de bellas-artes, accrescendo que
expoz-se ao juizo dos orgulhosos Toscanos, os quaes, por terem dado ao mundo os
maiores homens do Renascimento, estão persuadidos que cada um delles é um
Miguel Angelo[30], e custão muito a admittir que lhes seja
superior um estrangeiro.
<< Á primeira
vista, diz a Nazione, concluindo o segundo dos seus longos artigos sobre
o trabalho de Pedro Americo, o espectador não póde abranger todas as scenas
varias e complexas daquella batalha e sente a necessidade de deter-se ora em um
ponto, ora em outro, vendo succederem-se os diversos momentos da acção,
coordenados de tal maneira, que não lhes falta a unidade, principalmente nos
pontos mais distantes do primeiro plano. Á direita a confusão da batalha, a
esquerda o enthusiasmo dos vencedores, aqui os combatentes enfurecidos, alli os
vencidos em desordem, taes são os episodios dessa composição historica,
verdadeiramente bella e de uma evidencia extraordinaria.
<< Entrando na
sala, o visitador sente estancar-se-lhe a imaginação diante daquella immensa
tela, na qual, como em vastissimo amphitheatro, offerece-se á contemplação o
espectaculo de uma batalha campal.
<< O caracter bem
comprehendido da composição geral, o movimento e a vida que a animão, até nas
menores particularidades, despertão, sem que se queira, um vivo sentimento de
admiração. >>
<< A Batalha
do Avahy, diz o Sr. Julio Piccini[31], critico do primeiro jornal da Italia,
esse potentissimo quadro, foi desenhado e colorido em Florença, e admirado por
um povo que se póde ter em conta dos mais cultos e eleitos da terra, e que
nasce com o exquisito sentimento do bello em todas as artes. (Vide Vita de
um grande artista, pag. 21) >>
No juizo da imprensa
italiana não houve, pois, influencia estranha á que resulta do esplendor das
grandes obras.
Em um artigo do dia 2
de Março, depois de analysar rapidamente a grandiosa téla, o Corriere,
outro diario politico, assim conclue:
<< Diante desta
vasta composição, pintada com tanta potencia de imaginação, com tanta força de
desenho, e com tamanho ardor de colorido, confessemos francamente que, emquanto
as bellas-artes vão cahindo na Italia n’uma tão irremediavel e triste
decadencia, os estrangeiros que aqui vêm admirar os nossos grandes antepassados
caminhão a passos espantosos para a perfeição. >>
<< É que o
artista, diz o Paise, jornal de Siena, de 31 de Março, não teve sómente
a intenção de representar exclusivamente a batalha, porém exornando-a de tantos
factos especiaes, uma guerra inteira com todas as suas consequencias de jubilo
e dôr, de espanto e coragem, de miserias e afflicções. >>
<< Trata-se de
uma obra de merito extraordinario, diz o Corriére de 16 de Março, a
proposito da batalha de Avahy: de um trabalho de extraordinaria potencia de
engenho, de grande talento na composição, no desenho e no colorido. >>
<< Só um artista
americano, diz a Opinione Nazionale de 8 de Março, nascido e educado sob
um céo meridional, só este douto artista, que nós tivemos a honra de hospedar,
podia conceber, crear uma tão sublime tragedia.
<< Não nos
estenderemos mais sobre a execução da maravilhosa téla do Dr. Americo, sobre a
verdade dos caracteres e dos costumes, sobre a fidelidade da execução; diremos
sómente que a essa grandiosa producção o autor consagrou toda a sua inspirada
mente de artista; que a grande riqueza da sua palheta diffundio-se nos
esplendores do colorido, emquanto a profundeza do seu genio deixou de si largo
testemunho no escrupuloso estudo dos diversos typos, caracteres e expressões.
Representando em toda a sua terrivel verdade e belleza um dos factos mais
gloriosos da grande nação brazileira, essa atrevida composição é tão sublime,
tão admiravel, que de certo tornará immortal o seu autor, e deverá encher de
orgulho o paiz que servio-lhe de berço e o inspirou. >>
<< A Batalha
de Avahy, conclue a Opinião, permanecerá como uma cara memoria
legada ás futuras gerações brazileiras, as quaes no readmira-la sentirão em
si um nobre orgulho, lisongeadas de terem tido a Pedro Americo por concidadão.
>>
Sr. presidente, um dos
melhores periodicos artisticos da Italia, o Figaro, fallando das
peregrinas qualidades, do talento de Pedro Americo, observa que << além
dos seus dotes naturaes, influio muito nessas qualidades a educação do artista;
tanto, diz o Figaro, que não se poderia recommendar demasiado ás
academias de bellas-artes a instrucção como a verdadeira disciplina de quem
segue a carreira das artes.
<< Pedro Americo,
homem que teve por dote natural um robusto engenho, uma prompta e férvida
fantasia, reune a todos estes dons ingenitos a fortuna de uma intelligencia
educada em fortes e severos estudos. É um homem que concilia em si o douto e o
pintor, dualidade que se identificão completamente nelle, quando se trata de
crear uma obra como a Batalha de Avahy. Nesta, com effeito, admira-se Pedro
Americo como pintor e como poeta, como imaginador e como observador.
<< Reduzindo uma
batalha a uma epopéa, aquella esplendida téla levará, cheio de seducções e
encantos, o facto das margens do Avahy ás gerações futuras. >> (Vide o Figaro
de 15 de Março. >>
Em um opusculo escripto
pelo professor Beeccher Ussi[32], physiologista, a respeito do grandioso
trabalho do nosso compatriota, assim se exprime o notavel adversario dos
materialistas.
<< Lendo a Divina
Comedia, admirando as obras de Praxitelles[33],
de Phidias[34], de Raphael, como o quadro de Pedro
Americo, quem poderá aceitar a opinião dos materialistas, segundo a qual todas
essas divinas creações são apenas simples e variaveis productos da secreção do
cerebro, ou resultados da vida vegetativa?
...................................................................................................................................................
<< A Batalha de
Avahy é um estupendo modelo, de que não se admirão mais do que tres ou
quatro exemplos em todas as galerias da Europa. Assim, quer consideremos
esse grandioso quadro como producto extraordinario do espirito humano,
quer como fructo de acuradissimo estudo, devemos desejar que semelhantes obras
se reproduzão em todas as nações, porque ellas são como um hymno perenne de
gratidão, entoado em louvor daquelle que no dia da creação deu ao homem em
partilha a intelligencia (vide Illustrazione del quadro la Bataglia di Avahy;
Florença, Fevereiro de 1877). Seja, pois, que as grandes dimensões do quadro
abrissem largos horizontes á sua fecunda imaginação, diz um illustre autor
Milanez - seja que no arduo labor quizesse o artista exceder-se e mostrar-se
superior á sua fama, o facto é que a Batalha de Avahy é uma creação tão
gande, um tal prodigio de pintura, que offusca os sectarios de qualquer escola,
de qualquer seita. Elevação de pensamento, correcção de desenho, sublimidade de
expressão, verdade e potencia de colorido, luz admiravel, vida, movimento, tudo
quanto se póde desejar, emfim, n’uma pintura para que se lhe possa applicar o
nome de primor (di capolavoro) ahi se acha reunido.
<< Inegavelmente
é necessario ter-se uma não commum potencia de imaginação para abalançar-se a
representar semelhantes tragedias!
<< Diante
daquelle quadro, quasi por intuição comprehende-se o caracter e vive-se da vida
daquelle povo ardente e enthusiasta. Alli o furor do heroismo, o terror, a
compaixão, o odio, a vingança, a dignidade, a coragem; aqui os contrastes da idade,
a variedade das attitudes, a gradação dos affectos, tudo concorre para dar á
composição uma belleza tal, que domina o espectador e o enche de admiração.
<< Eu creio
que jámais um assumpto bellicoso foi representado de modo mais verdadeiro e
mais sublime; eu creio que jámais houve união mais estreita e mais feliz entre
a verdade historica e a arte ideal.
<< Por mais,
porém, que eu me cansasse em vos explicar, nunca poderia fazer-vos conceber
senão uma idéa incompleta dessa maravilhosa téla: é preciso vê-la para
julga-la. >> (Vide Studi sulle Belle arti, com observações sobre a
vida e as obras do grande pintor brazileiro Dr. Pedro Americo, Milão 1877.)
Srs. deputados, a Gazeta
de Italia, isto é, o periodico politico mais conceituado da peninsula, sob
o titulo de Vida de um grande artista, dedica a Pedro Americo um grande
e eloquente folhetim de duas paginas, das quaes a primeira é consagrada á
biographia, a segunda ás obras do nosso compatriota. Entre estas estão
analysados os seus opusculos scientificos, dos quaes mais particularmente
occupa o autor do folhetim precitado um livro inedito de Pedro Americo já em
parte traduzido em italiano.
Depois de citar uma
parte dessa obra, toda relativa á Italia, << eis, exclama, como escreve
este pintor! >> (Gazeta de Italia de 25 de Março de 1877,
supplemento.) É de observar que no dia em que foi publicado este folhetim, a
Gazeta de Italia, cujo preço ordinario era de 40 rs., foi vendida, como consta
do proprio jornal, a 100 rs.
<< As nosssas
primeiras notabilidades, assim artisticas como litterarias, diz o Stafetta
de Napoles de 10 de Janeiro, reconhecem no illustre commendador Pedro Americo o
verdadeiro typo da erudição. >>
Iriamos longe senhores,
se continuassemos a citar os escriptores e os periodicos que nos fallão do
autor da Batalha de Avahy, quadro cuja exposição foi saudada na Italia
como um verdadeiro acontecimento, um vero avrenimento, segundo affirma a
Perseveranza de Milão (11 de Março), o Direito de Roma, e o Renascimento
de Veneza (10 e 13 de Março), bastando o que acabo de transcrever para
prova de quanto merece aquelle que os Italianos chamão <<benemerito de
sua patria, divino artista, etc. >> (vide Illustrazione del quadro la
Bataglia di Avahy, p. 4), e que, segundo escreve uma das mais bem talhadas
pennas da Italia, << desde verdissimos annos sentia-se chamado a dotar o
mundo inteiro das suas idéas; a recomeçar a obra interrompida dos seculos
passados, tentando augmentar-lhe a grandeza. >> (Studii sulle belle
arti, etc., etc., p. 11.)
Sr. Presidente, se,
além dessa solemne manifestação de apreço da imprensa italiana, fossem
necessarias maiores provas para nos convencerem do quanto, longe da patria, é
admirado o pintor da Carioca e da Batalha do Campo-grande,
bastaria considerarmos o facto de ter-lhe mandado pedir o retrato a direcção
geral das galerias e museus reais, e depois de lh’o entregar o artista
colloca-lo ella, e por ordem do ministro da instrucção publica, na galeria real
degli Uffizi, onde figura entre os retratos autographos do Ingres[35]
e do Flandrin[36], antigos mestres do artista brazileiro.
<< O abaixo
assignado, diz-lhe em officio de 27 de Junho o director das reaes galerias e
museus de Florença, sente o dever de agradecer-lhe o retrato autographo que se
dignou de remetter-me depois das repetidas instancias desta direcção, e pelos
cuidados da qual será brevemente collocado na insigne collecção dos retratos
dos antigos mestres da pintura, que se admirão na Real Galeria dos Officios.
<< É-me grato
apresentar-lhe um distincto artista que honra o Brazil, disse em carta de 10 de
Abril o Sr. Peruzzi, ex-ministro da instrucção publica na Italia, ao syndico de
Napoles, e que entre nós acaba de encontar o applauso universal com aquella sua
obra, que attrahio a attenção e despertou a admiração de todos. >>
Não é, pois, injusta,
immerecida esta solemne prova de admiração áquelle que << no meio de
tantos triumphos sabe conservar-se simples e chão, não se desprezando na
magnanimidade da sua alma por apertar a mão e tratar affavelmente a quem quer
que o procure, com aquella modestia propria do verdadeiro talento, e que parece
pedir conselho e approvação, ao passo que revela uma grandeza de animo que
sorprende e fascina. >> (Monitore dei Teatri, Milão, 26 de
Janeiro).
<< Fazer que ao
esplendor do genio, diz sob um modesto pseudonymo a Sra. marqueza E. Cantú, ás
creações da imaginação associem-se a verdade e a nobreza da concepção; tanger
as mais delicadas fibras do coração; educar o povo no sentimento do bello, do
sublime; eleva-lo ás nobres aspirações patrioticas, tal é o maior triumpho do
artista.
<< Nenhum
quadro poderá ser saudado pelo Brazil com maior affecto do que este, que com
tamanha verdade reproduz os gestos, o caracter, os costumes, a physionomia do
seu povo, immortalisando assim uma das mais esplendidas paginas da historia
brazileira, um dos factos mais gloriosos daquella grande nação.
<< O governo
brazileiro está preparando ao illustre artista uma esplendida recompensa
adequada ao seu merito... como o reconhecimento dos seus compatriotas
prepara-lhe larga e merecida recompensa pelos sacrificios de todo o genero que
elle tem soffrido pela gloria de sua cara patria. >>
<< Ainda poucos
dias, e Pedro Americo partirá em direcção ao Brazil.
<< Salve artista
philosopho! Que a tua viagem seja prospera e feliz... tal é o nosso augurio;
que prestes voltes para entre nós... este é o desejo de todos os Italianos que
tiverão a fortuna de conhecer-te!
<< Em uma idade
em que tantos outros limitão-se a sonhar os successos do porvir, tu, Pedro
Americo, chegaste ao apogêo da gloria. Tu és um daquelles artistas que imprimem
na face de um seculo o seu nome indelevel... um daquelles homens, cujas obras
gloriosas fazem meditar os philosophos, cantarem os poetas e scismarem os povos
(favolleggiare i popoli). Quaes novos triumphos posso eu augurar ao teu
merito? >> Vide Studi sulle arti, Milano 1877, pag. 26 e
seguintes.
Tal é o juizo dos
Italianos sobre o nosso compatriota.
Sr. presidente, não
posso, no limitado espaço de que disponho, apresentar todos os elogios que por
muitos outros jornaes italianos forão tecidos ao Dr. Pedro Americo.
O Sr.
Anisio da Cunha: - Elogios muito merecidos. (Apoiados.)
O Sr.
Fernando Osorio: - Peço permissão para ler agora:
O
juizo da imprensa européa a respeito de Pedro Americo e da batalha de Avahy.
A grande reputação de
Pedro Americo, senhores, reputação de que, como vimos, nos dá tão unanime e
lisongeiro testemunho a imprensa italiana, não se acha encerrada nos limites da
privilegiada peninsula; fóra della, e podemos dizer por toda a Europa, nós a
achamos grande, brilhante, e venerada como no berço dos mais illustres
pintores.
Com effeito, desde
Napoles até S. Petersburgo, desde Madrid até Vienna, toda a imprensa tem sido
unanime em reconhecer na ultima creação do nosso compatriota uma obra
extraordinaria, e digna dos maiores genios da pintura.
Importantissimos orgãos
vão mais longe: comparando Pedro Americo com os mais reputados pintores modernissimos,
como Morelli[37], Kaulbach[38],
Yvon[39]
e Horacio Vernet[40], attribuem-lhe qualidades
verdadeiramente superiores; o que de certo deve lisongear o patriotismo de quem
quer que sinta algum orgulho em ser filho desta nobre terra.
<< A batalha de
Avahy, diz o Golos, primeiro orgão politico da Russia, é um quadro onde
á grandeza de concepção, á elevação da idéa e á força do desenho, corresponde
uma execução a que só achamos igual na escola veneziana. As posições das
figuras são as vezes difficilimas, porém o artista não as quiz forçar: fê-las
naturaes, espontaneas, cousa bem rara nas obras de tal força de concebimento.
Todas as grandes qualidades da arte achão-se reunidas nessa vasta composição,
com maestria completa e extraordinario talento. Ha muito tempo, dizem os
jornaes italianos, não se via em Italia cousa semelhante. Pedro Americo já era
conhecido tanto pelos seus opusculos scientificos como pelos seus talentos
litterarios; mas a obra que o tornou devéras universalmente celebre foi a
batalha de Avahy. >>
(Vide a Voz de
S. Petersburgo de 16 de Março de 1877.)
<< A batalha de
Avahy, diz a Estrella, de Stockolmo, da mesma data, marcou uma época na
historia da arte moderna: ella representa a reacção triumphante do espirito
philosophico contra as escolas realistas que tanto tem alluido os grandes
principios da arte em nossos dias. Sob esse ponto de vista é uma creação sem
rival neste ultimo quarto de seculo. >>
<< O autor deste
quadro, diz o Londoner Zeitung, é actualmente considerado o chefe da
escola idealista na Europa. Toda a imprensa italiana está cheia de elogios a
seu respeito, e não cessão de repetir que a grande obra, pelos muitos meritos
que encerra, recorda, sem que se queira, o mestre dos mestres: Miguel Angelo.
<< É o maior
quadro de batalha que existe, e quiça mesmo o mais bello; composição, colorido,
verdade dos typos, execução, tudo é obtido com singular maestria e explica-se
com uma clareza admiravel. >>
(Citado pelo Diario
de Noticias da Bahia de 5 de Abril ultimo)
<< Além dos dotes
artisticos que distinguem este quadro, diz La Escola, de Madrid,
achamos-lhe ainda o merito de representar com extraordinaria evidencia os horrores
da guerra; e sem duvida influirá em quem o contemplar para que aquilate
devidamente os triumphos obtidos á custa de tamanhos sacrificios. >>
<< Pedro Americo,
diz o Imparcial, de Barcelona, de 14 de Março ultimo, é um compositor de
primeira ordem, e de que só offerecem exemplo hoje em dia as sabias e profundas
escolas germanicas. Mas não se póde dizer que seja sómente compositor; que
outros dotes, e sobretudo o de colorista e desenhista escrupuloso, distinguem-o
dos representantes dessas escolas, em que a profundeza philosophica suffoca ou
desconhece todos os mais requisitos, como a delicadeza e a côr, indispensaveis
ás artes figurativas da fórma. >>
O Daily News,
consagrando a Pedro Americo um longo artigo em que, sob uma luz sympathica ao
Brazil, o autor estuda a nossa ultima questão com o Paraguay, declara que o
quadro apresenta << qualidades novas, incidentes inteiramente originaes,
que não se observão nos quadros do mesmo genero. >> Depois, analysando o
trabalho, diz que não só pela sua grandeza como pelo merito que revela <<
atrahirá sempre, e onde quer que seja exhibido, a attenção geral e o universal
applauso. >> (Vide o Daily News de 16 de Março. ) Um periodico
justamente reputado pela justeza das suas apreciações, o Touriste d’Italie,
resume do seguinte modo as qualidades assim do quadro como do seu autor:
<< Este painel é
obra do Dr. Pedro Americo, pintor brazileiro de um grande talento e que não é
sómente artista, senão tambem litterato, naturalista, orador e philosopho. A Batalha
de Avahy é uma composição vasta e grandiosa, admiravelmente desenhada, bem
pintada, de um colorido veneziano, e lembrando muito Miguel Angelo, tanto pelo
ardor espontaneo com que parece ser feita, quanto pela grandeza da concepção, e
pela força dos escorços.
<< Mais de 400
figuras, das quaes umas 20 no primeiro plano, meio nuas, nas posições as mais
difficeis, porém sempre naturaes e sem violencia, sem contorsões inuteis,
attestão os conhecimentos do pintor, quer como physionomista, quer como
desenhador de grupos e de movimentos.
<< Além disso
vêem-se no seu quadro carretas, cavallos, bois, mulheres e crianças;
differentes retratos de generaes brazileiros e paraguayos, um vasto e delicioso
campo, em parte inundado pelas aguas do rio Paraguay, e meio encoberto pelos vapores
da manhã, pela chuva que cahe ao longe e pelo fumo dos canhões; a lama sob os
pés dos combatentes; moribundos, cadaveres, soldados trigueiros, negros e
bronzeados; typos do mais puro sangue americano; contrastes de luz, de sombras,
e de côres; todas as circumstancias, finalmente, que podião influir para
augmentar a belleza de uma obra destinada a immortalizar uma luta entre dous
povos meridionaes, naquellas longinquas regiões, alli se achão reunidas com o
maior talento e do modo o mais victorioso.
<< Desde muito
tempo não se via mais na Italia um trabalho tão notavel. Pedro Americo é ainda
muito moço; todavia sua vida é tão cheia de factos interessantes, tão fecunda
em obras notaveis, e accidentada de luctas e triumphos de toda a sorte, que excita
um estudo e uma curiosidade tanto maiores, que trata-se de um mestre na idade
de 33 annos apenas, e cujo nome, illustre nas sciencias, na litteratura e nas
bellas artes, tornou-se verdadeiramente universal, depois de subscrever aquella
grande pagina, uma das mais admiraveis da pintura moderna. >>
Tal é igualmente, em
substancia, a critica da Independecia e da Estrella do Norte.
Mas, Sr. presidente, é
principalmente na Allemanha, naquelle centro de actividade intellectual,
naquella nação profunda, que hoje em dia se sabe aquilatar devidamente o
talento e a instrucção de Pedro Americo. Sem os enlevos que caracterisão as
raças meridionaes, a imaginação enthusiastica dos povos latinos, os seus
criticos analysão entretanto, fria e conscienciosamente, como quem teme
offender a razão divina, ou irritar a sensatez dos justos; e só exprimem o seu
juizo depois de terem meditado profundamente.
Os elogios que
prodigalizão ao autor da batalha de Avahy são tanto mais dignos de
admiração, quanto é certo que, sciente do seu grande papel no desenvolvimento e
trabalho da civilisação moderna, aquelle povo grave e meditado custa muito e
com razão a reconhecer em um estranho qualidades superiores ás dos illustres
representantes do seu genio nacional.
É por isso, por essa
prudente e bem entendida parcimonia de louvores a quem não os merece
plenamente, que os louros ganhos na Allemanha devem encher de orgulho o nosso
compatriota.
Ora, não ha provincia
na Allemanha, não o ha quasi na Austria, aonde o nome de Pedro Americo não
tenha sido repetido, quer nos periodicos especiaes, quer em folhetos, e nos
orgãos politicos mais importantes, do modo o mais lisongeiro e honroso para o
artista brazileiro e para a sua patria.
<< A batalha de
Avahy, diz o Salão, de Leipzig, é uma composição grandiosa e fascinante
pela incomparavel belleza do colorido.
<< A Imperatriz
dos Francezes sustentava, contemplando-o, que jámais vira quadro em que a
unidade de acção fosse com tanta excellencia observada. Demais é opinião que o
governo brazileiro, para quem é feito, como se sabe, mostrar-se-ha reconhecido,
correspondendo generosamente ao desempenho de tão pesado encargo. >>
(Vide Der Salon, Leipzig, caderno n. 5.)
<< De todas as
creações modernas que attrahem a nossa attenção, diz a Gazeta de Vilsbaden
de 6 de Março, a batalha de Avahy é incontestavelmente a mais notavel, a mais
original. O autor dessa gigantesca creação é o Dr. Pedro Americo, chefe
actual da escola idealistica na Europa. A batalha de Avahy é talvez o mais
bello quadro de batalha conhecido, pois a todos os respeitos é uma obra
completa e magistral. Quem o contempla vê logo o que ha nelle essencial.
<< Como um
verdadeiro quadro historico, é elle claro e simples, não obstante a grande
quantidade de objectos que enchem a tela. Os grupos são desenhados com uma
energia tal, que recordão Miguel Angelo. >>
<< Diante dessa
tela, diz o Quellvasser furs deutsche haus, de 25 de Fevereiro,
pergunta-se involuntariamente como é possivel que pudesse a jovem escola
americana attingir em tão pouco tempo a tão alta perfeição.
<< Até agora é
opinião geral que esse trabalho póde ser posto ao lado das mais celebres
creações dos grandes pintores antigos da Italia.
<< Esse quadro
foi avaliado quanto ao seu valor pecuniario; mas é de crer que o governo
brazileiro seja muito mais generoso com o grande artista. >>
<< A batalha de
Avahy, diz o Bromberger Zeitung, de 10 de Maio é um painel que grangeou
ao autor um nome universal. Em mais de 300 periodicos de todos os paizes
apparecérão artigos sobre aquella obra colossal. Na Allemanha apreciárão-o
especialmente o Illustrirte Zeitung, o Leipziger Vissenschaft Beilage,
o Hausfreund, o Uber Land und Meer, o Salon, o Frankfurler
Museum, o Quellvasser, e muitos grandes periodicos berlinenses, com
as criticas as mais judiciosas. Além de dar-lhe o titulo de barão, deverá o
governo brazileiro remunerar generosamente o autor do quadro. >>
<< Estamos á
espera de saber o que fará o governo brazileiro com o autor desse quadro
incomparavel - diz o Litterarische Dilettanten Schule, n. 4 de Dresda. O
Dr. Americo é indubitavelmente o mais dotado e importante pintor dos nossos
tempos, e sobre isto todos os criticos estão de accordo. >>
<< A execução do
painel é magistral - diz o Gegenvart, de Berlim, de 26 de Maio ultimo, a
impressão que causa a grandiosidade da composição, a vida e os movimentos dos
exercitos que combatem, e sobretudo a expressão indomita dos selvagens
paraguayos é extraordinaria. Igual impressão causa o acabamento artistico, a
admiravel luz do quadro, o esplendido colorido. E pois não é para admirar que
não se cansem os periodicos da Italia em tecer elogios ao grande brazileiro,
nem que partilhem a opinião italiana a imprensa allemã, franceza e russa.
>>
<< Antes de
continuar a minha viagem até Napoles, diz o correspondente do Bromberg
Zeitung (21 de Abril), quiz vêr em Florença o celebre quadro de Pedro
Americo.
<< O aspecto
desse trabalho fascinou-me. Diante delle esqueci-me dos thesouros da arte, que
eu havia admirado nas galerias de Versailles, Roma, Dresda, Madrid e Vienna. As
creações de Ivon, de Vernet, de Kaulbach desapparecérão ante essa imponente
pintura, na qual parecia-me estar admirando todos os dotes de Corregio[41],
Raphael e Miguel Angelo.
<< Tornei-me
enthusiasta de Pedro Americo, e com prazer vi a minha opinião partilhada pelos
melhores orgãos da imprensa austriaca, allemã, americana e russa. Os criticos
do Times, do Daily News, da Independencia, do Golos,
e um grande numero de orgãos hespanhóes, francezes, e americanos concordárão em
igual enthusiasmo. Algumas pessoas disserão-me, entretanto, que eu fosse a
Napoles, aonde talvez encontrasse cousa melhor. E eu fui a Napoles: Pedro
Americo appareceu-me então como um inattingivel mestre, um incomparavel
talento. >>
Sob o expressivo titulo
Um moderno Raphael, publica o Hausfreund um artigo igualmente
honroso para o artista brazileiro. (Vide os ns. 17 e 19, pags. 263, 303 e 304.)
Sob o titulo Um
principe dos pintores actuaes, traz o Neue Vestpreuuszische
Miiltheilunger, de 25 e 27 de Setembro de 1876, dous longos e bem pensados
artigos sobre o nosso compatriota e a sua obra capital, a qual é proclamada uma
das primeiras deste seculo.
Finalmente, em muitos e
importantes jornaes que temos á vista, como por exemplo: o Neues Berliner
Tageblatt de 13 de Maio, o Elberfelder Zeitung de 7 de Fevereiro, o Berliner
Borsen Zeitung de 6 de Março e outros, o Litterarische Dilettanten
de 30 de Março e outros, o Publicistische Blatter de 11 de Março e
outros, o Gegenvart de 26 de Maio, o Journal fur Redacture, etc.,
etc.; em todos esses periodicos, dos quaes alguns são orgãos do governo, é
Pedro Americo proclamado o cabeça actual da grande escola idealistica européa.
<< Nas suas
composições, diz o Dr. von den Borne[42], isto é, o critico o mais abalisado da
Allemanha em materia de bellas-artes: ha mais unidade do que nos quadros de
Kaulbach, mais precisão nas circumstancias, mais fidelidade na verdade. O
genio de Pedro Americo é, pois, mais vasto, mais profundo, mais harmonico, do
que o do nosso mestre allemão. >> (Vide o Publicistischer Blatter,
de Vienna, e o Museum, de Frankfort, de 6 a 11 de Março.)
<< No dominio da
litteratura philosophica, diz o Vestpreuzische Mittheilungen de 2 de
Setembro de 1876: ganhou o Dr. Pedro Americo um grande nome por uma serie de
obras profundamente pensadas e distinctas. Seu livro sobre as sciencias e os
systemas, publicado em 1869, contém n’um estylo claro, e por assim dizer
pratico, grande cópia de conhecimentos d’arte; nelle o autor flagella com
eloquencia os erros de algumas escolas, estabelecendo em melhores bases os
principios da sciencia.
<< Este
trabalho póde e com razão ser chamado uma obra prima da sciencia philosophica.
<< E pois não é
de admirar que um homem que tem realizado taes obras no dominio da arte e da
sabedoria, goze hoje de um nome universal. >>
Longe porém de
orgulhar-se com as manifestações de um apreço, poderiamos dizer de uma
veneração tão universal, o artista philosopho conservou-se sempre moderado na
apreciação de proprio merito.
<< Eu o vi em
Florença, tão festejado nos circulos artisticos como na alta nobreza, diz o seu
illustre biographo da Neue Vestpreuszischen Mitthilungen; no meio de
tudo isto, porém, e como todos os homens verdadeiramente grandes, é elle
extraordinariamente modesto; cala-se quando a sua opinião é victoriosa, e só se
explica quando é sollicitado. Sua linguagem é nobre, viva e justa como o seu
pincel. Na idade em que tantos outros principião apenas, já as suas creações
elevárão-o tanto, já é tão grande o seu nome, que de certo hombreará com os
mais altos mestres, com os mais audazes pensadores. Pelo progresso da arte,
devemos desejar que Pedro Americo viva ainda por muito tempo. >>
Tal é, Srs. deputados,
o juizo universal a respeito do nosso illustre compatriota, cujos trabalhos,
cujo ultimo quadro, sobretudo, despertando a curiosidade e o estudo dos
europeus, concorrérão poderosamente para dar-nos a conhecer melhor entre as
nações mais cultas, e assim desvanecer certos preconceitos que existião na
Europa desfavoraveis ao nome brazileiro.
Sr. Presidente, talvez
que muita gente julgasse ocioso o trabalho que tive de fazer, no parlamento, a
leitura de tantos documentos. (Não apoiados.)
O Sr.
Pinto de Campos: - Pelo contrario; é um serviço importante o
que o nobre deputado está prestando ao paiz. (Apoiados.)
O Sr.
Fernando Osorio: - Mas por que assim procedi? É justificaado o
meu procedimento. Como todos sabem, o Dr. Pedro Americo fez um contrato com o
governo; este tem naturalmente o dever de pagar ao pintor a importancia de sua
primorosa obra, mas não poderia jámais fazê-lo, sem que a camara dos Srs.
deputados, que tem de approvar a verba, tivesse satisfactorio conhecimento do
merito daquella obra.
Era mesmo conveniente
que o paiz inteiro soubesse que a quantia pecuniaria que se tem de dar a Pedro
Americo, não é um esbanjamento, não é um favor, não é um patronato. O governo
recompensando ao excelso pintor, com toda a justiça, procede com patriotismo. (Apoiados.)
Patriotismo que, quando se trata de tão elevado assumpto, não posso desconhecer
no honrado Sr. ministro do imperio, e em todos os seus dignos companheiros de
gabinete, para deixarem que o merecimento não tenha seu verdadeiro, generoso e
justo galardão. (Apoiados.)
Demais, Sr. presidente,
é preciso que nos annaes do nosso parlamento, para honra e gloria de nossa
patria, fiquem archivados documentos que não podem encher-nos se não de orgulho
e de prazer (apoiados); para que mais tarde, a posteridade, folheando as
paginas da nossa historia, reconheça que soubemos fazer justiça ao talento do
pintor immortal. (Apoiados.)
Devo, entretanto, ainda
declarar, Sr. presidente, que se dei-me ao trabalho de lêr estes documentos,
abusando largamente da attenção da casa (não apoiados), foi para
destruir certas falsidades com que se entretinha uma pequena caterva de
invejosos, desses, que caminhão na esteira de luz que os grandes homens deixão
atrás de si, no intuito sómente de marcar-lhes o brilho, improvisando com
relação a Pedro Americo, que as opiniões da Europa lhe erão avêssas. (Muito
bem.)
Convinha destruir este
mal, este ligeiro boato, que uma vez atirado na praça publica, assemelha-se á
gotta do azeite que cahido na madeira, alarga-se, toma proporções vastas e suja
o que devêra estar limpo. (Muito bem.)
A muitas pessoas, ouvi
eu censurar o Sr. ministro do imperio por mandar edificar um ligeiro barracão
para nelle ser depositado o quadro da Batalha do Avahy; quando é sabido
que não ha nesta cidade um edificio apropriado, isto é, uma sala capaz de
conter esse grande quadro, esse monumento, até que fique prompto o salão que
deve recebê-lo na academia das bellas artes!
É uma censura sem
razão.
O Sr. ministro praticou
o que devia (apoiados); não podia deixar ao desamparo o pintor que
elevou tão alto o nome brazileiro. (Apoiados.)
Sim, senhores, se os
nossos valentes soldados compatriotas que se batérão no Paraguay, engrandecérão
a patria; Pedro Americo immotalizou-a. (Muito bem.)
O Sr. ministro do
imperio, repito, procedeu bem: não sou suspeito, sou deputado liberal e membro
da opposição; desta mesma tribuna tenho com fraqueza combatido os esbanjamentos
que se tem feito dos dinheiros publicos, mas agora, digo-o sinceramente que não
houve esbanjamento. (Apoiados.)
O Sr.
Diogo de Vasconcellos[43]: - Tem sido censurado o modo
por que se ffez o barracão.
O Sr.
Fernando Osorio: - Ainda assim, não tem razão os censores;
posso affirmar a V. Ex. que o Dr. Pedro Americo está satisfeito, e que elle
prefere o barracão ao lugar em que está presentemente o seu quadro, estendido
como tapete em uma das salas do paço imperial, sujeito a estragar-se.
O Sr.
Franklin Doria[44]: - E a ser devorada pelas
baratas.
O Sr.
Fernando Osorio: - No Brazil, estranhou-se o acto do governo;
entretanto, Sr. presidente, quer V. Ex. saber o que na Europa se fez com o
pintor, quando chegou alli para começar o quadro?
Pedro Americo, chegando
a Florença, para encetar o seu trabalho, foi recebido pela municipalidade com
toda a distincção possivel, deu-lhe ella a vasta bibliotheca da Santissima
Annunciação (Convento); mandou remover 40 mil volumes, abrir porta e fazer nova
escada, uma grande claraboia, pôr cortinas e adornar convenientemente o recinto
para servir de estudo (atelier) ao pintor.
Esse acolhimento foi
tão significativo, que o Imperador do Brazil achou acertado agradecer por carta
authographa dirigida ao Sr. Peruzzi presidente da camara municipal, deputado,
ex-ministro da instrucção publica, nos termos seguintes:
<< - Agradeço-lhe
muitissimo o acolhimento feito a Pedro Americo, nome florentino e grato a este
continente; e espero que o seu talento brilhará sob a inspiração de André del
Sarto[45].
>>
(André era o pintor que
tinha decorado a bibliotheca.)
Eis ainda um facto que
patentêa o grande apreço em que foi tido Pedro Americo na Italia.
O rei de Italia
encommendára ao primeiro pintor de batalhas, da Toscana, actual director da
Academia Real de Lucca, Luigi Norfini, um quadro historico, representando a
batalha de San Martino na Lombardia. Depois de seis annos de trabalho, o pintor
apresentou o quadro que foi mal recebido pela imprensa e pelo publico, como uma
obra fria e inferior á expectativa; pedio por ella 75 mil francos o seu autor,
e o rei não queria dar mais de 45, visto o quadro não agradar geralmente. Então
recorreu o professor Norfini ao juizo de Pedro americo, e o governo real
declarou aceitar a arbitragem.
Pedro Americo confirmou
a pretenção do pintor: e o rei logo mandou pagar; em seguida nomeou a Norfini
director da academia de Lucca, deu-lhe uma pensão correspondente, a commenda de
S. Mauricio e S. Lazaro com que era condecorado o pintor, e fez mais outra
encommenda de um novo quadro.
Devo concluir agora,
Sr. presidente, porque o tempo me falta; mas para que a camara dos senhores
deputados e todo o paiz fique bem conhecendo a Pedro Americo, apresentarei, por
fim, um ligeiro esboço de sua biographia.
Pedro Americo nasceu em
1843, de parentes pobres e honrados, os quaes contão na camara alguns amigos,
como por exemplo o conselheiro Diogo Velho[46],
etc.
Na idade de 10 a 11
annos acompanhou o naturalista francez Brunet em uma commissão exploradora, a
titulo de desenhador gratuito.
Dous annos depois veio
para o Rio de Janeiro; foi hospedado no Collegio de Pedro II, onde estudou
algumas materias de bacharelado.
Matriculou-se na
academia das Bellas Artes, onde, em menos de tres annos, tirou 15 medalhas, e
obteve plenas approvações nas materias theoricas do curso.
Em fins de 1859 o
Imperador deu-lhe uma pensão, com a qual foi aperfeiçoar-se em Pariz, donde
regressou no fim de tres annos, trazendo comsigo muitas medalhas ganhas na
academia de Pariz, o seu quadro da Carioca, e os seus Estudos
Philosophicos sobre as bellas artes, que forão publicados no Correio
Mercantil.
Apenas chegou ao rio,
pintou outros quadros, escreveu sobre as bellas artes e concorreu para
professor de desenho da nossa academia.
Guerreado pelos
officiaes do mesmo officio, desgostou-se e partio de novo para a Europa, como passageiro
de prôa, por lhe faltarem os meios de viajar de outro modo.
Chegando a Pariz,
pintou o S. Marcos (que offertou á Caixa de Soccorros de D. Pedro V), o S.
Jeronymo e alguns retratos.
Faltando-lhe os meios,
pegou nas suas preciosas medalhas, attestados dos seus triumphos, e foi
vendê-las a um pequeno comprador de ouro, porque naquelle dia não tinha com
que pagasse o seu jantar! O dono da loja ficou maravilhado de vêr uma
collecção de 18 medalhas de ouro e prata; desconfiou do vendedor e chamou um
policial, que o levou preso á presença do commissario de policia (!) o qual
pô-lo em liberdade logo que soube que tratava-se de um professor da Imperial
Academia Brazileira!!!
Mandou então pedir a um
amigo no Rio de Janeiro que vendesse a medalha que ganhára na exposição da academia
em que figurára a Carioca. O amigo vendeu a medalha, mandou-lhe a
importancia, e elle com esse dinheiro foi concluir na Belgica os seus estudos
de sciencias naturaes.
Grandes forão os seus
apertos na capital de Belgica, onde, para comer, foi obrigado a vender até os centesimos
de nickel que guardava n’uma pequena collecção de numismatica que tinha na
sua modesta bibliotheca.
Em menos de dous annos
e meio tirou a carta de doutor em sciencias naturaes, e foi nomeado (depois de
sustentar para isto uma these notavel) professor adjunto da universidade
livre das sciencias de Bruxellas.
Escreveu ao ministro do
imperio, pedindo-lhe uma passagem para o Rio de Janeiro; o ministro lh’a negou.
Não obstante, o artista partio para Lisboa, á custa do seu antigo mestre
Porto-Alegre, com cuja filha casou-se, partindo depois para o Brazil, onde foi
nomeado lente de historia, esthetica e archeologia da academia.
Pintou em 1869 a batalha
do Campo-Grande, que jaz na Praia-Vermelha. Ao mesmo tempo escreveu
diversos discursos que forão pronunciados em presença do Imperador, por
occasião de solemnidades academicas.
Em 19 de Agosto de 1872
firmou um contrato com o governo imperial para a feitura do quatro da batalha
do Avahy. O governo concedeu-lhe (por motivo de molestia) seis mezes de
licença com ordenado de professor da academia (isto é, 100$ mensaes) e seis
mezes com metade desse ordenado.
Antes de partir do Rio
de Janeiro o artista requereu á camara dos deputados dous annos de licença
com ordenado. A camara concedeu-lhe sómente um com ordenado, sendo
outro sem elle; mas a lei não passou no senado e o artista teve de lutar
durante tres annos com immensas difficuldades, fazendo face ás despezas
necessarias á manutenção de sua familia, etc., etc., sem desfrutar ordenado nem
pensão alguma, não obstante estar em commissão do governo e glorificando a sua
patria.
Voltou e pagou o
transporte do seu quadro collossal, a asseguração da téla a bordo, etc.,
etc., tudo á sua custa.
É, pois, digno da
protecção da camara e do governo imperial.
Tenho dito. Agradeço á
camara a benevolencia com que ouvio-me.
Vozes: -
Muito bem, muito bem.
(O orador é
felicitado.)
O Sr.
Pinto de Campos: - Felicito ao nobre deputado por ter
proporcionado ao conhecimento do paiz, manifestações tão honrosas, não só ao
artista como ao genio brazileiro. (Apoiados.)
QUADRO DO DR. PEDRO
AMERICO.
Vem á mesa, é lido,
apoiado, entra em discussão e fica adiado por ter pedido a palavra o Sr.
ministro do imperio, o requerimento que se acha no Jornal de 31 do
corrente.
III-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, dia 4 de setembro de 1877, pag.3.
Título: Pedro
Americo
Autor: não
consta
É digno da maior nota o
discurso que na camara dos deputados pronunciou, em sessão de 30 de Agosto, o
illustre deputado Dr. Fernando Osorio, sobre a Batalha do Avahy, quadro
do pintor Dr. Pedro Americo.
Todo o Brazileiro deve
ler o discurso do Dr. Osorio, principalmente todo aquelle cujo espirito ainda
não foi apoderado do indifferentismo, do egoismo e do materialismo insulso.
Começa
para Pedro Americo a recompensa de seus concidadãos.
E foi
o Dr. Osorio, o moço deputado, dotado de vasta intelligencia, quem na tribuna
do parlamento, deixando de parte as questiunculas politicas, sem proveito para
o paiz, o primeiro a dar a mão ao artista Brazileiro, honra e gloria da patria.
Já não
é o unico facto benemerito na recente vida politica do Dr. Osorio. Hontem subia
elle á tribuna do parlamento para defender o constructor naval Trajano de
Carvalho dos golpes dos seus invejosos.
Logo
depois subia elle ainda á tribuna para fallar em favor do operario Albuquerque,
inventor de um canhão que estava no olvido.
Isto é que é
representar o povo, é honrar o trabalho, é glorificar os trabalhadores pobres.
IV-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, dia 6 de setembro de 1877, pag.3.
Título: A
Batalha de Avahy - artigo editorial da "Firenz Artística" de 16 de
novembro de 1876.
Autor: A.
Cecovi.
A
Batalha do Avahy
Artigo
editorial da <<Firenz Artistica>> de 16 de novembro de 1875.
Os quadros que
representão batalhas offerecem ordinariamente grandissima semelhança entre si.
Ora, o quadro de Pedro Americo, representando a batalha de Avahy, uma das
principaes da guerra de 1868 entre o Brazil e o Paraguay, afasta-se,
entretanto, do commum; e, seja isso devido á physionomia especial dos
combatentes, ou seja que o animo altivo, ardente e audaz do povo americano
désse a essa luta um caracter mais espantoso, o facto é que o espectador que
observa aquelle quadro acha-se preso na contemplação delle, cujo complexo
parece-lhe diverso daquelle que lhe offerecem taes assumptos até agora
representados.
Comprehende-se
que o artista escolheu o momento de um ataque geral, e em toda a immensa tela
torna-se evidente o encarniçamento da luta, tanto pelo arrojo dos Brazileiros,
quanto pela desesperada defesa dos Paraguayos.Os rostos incendiados pela
colera, a sede de sangue, o desdem pelo perigo que sob mil fórmas os cerca; o
terreno semeado de armas de toda a sorte, de cadaveres, de feridos, os quaes
ainda que profundamente abatidos, ainda fazem um supremo appello ás quasi
extinctas forças, para descarregarem no inimigo o ultimo golpe; tudo em summa
denota uma luta encarniçada, uma batalha tremenda.
Dous
grupos, sobre todos os outros, impressionão: o primeiro fica á esquerda de quem
observa a pintura, e é formado de um cavalleiro, é sobre todas digna de louvor,
pela sua mascula belleza, e pelo seu semblante animado de verdadeira expressão
de odio profundo.
O
outro grupo está á direita, e é consituido por um carro meio revirado, e no
qual jazem um velho, uma mulher e umas crianças. Para melhor visar o inimigo,
um dos combatentes trepa sobre uma das rodas desse carro e, alçado nas pontas
dos pés, dispara o arcabuz por cima delle.
Aquelle
velho, aquella mulher, que com tanta afan e cheia de terror aperta ao seio os
pobres filhinhos lançados no meio da catastrophe, formão, com o resto do drama,
um admiravel contraste que torna ainda mais evidentes os horrores da batalha.
O
terreno é por toda parte semeado de mortos e feridos; aqui e alli sobre as
rodas dos canhões, sobre as armas despedaçadas, largas marcas de sangue dão ao
todo da composição um caracter de verdade (um verismo) que faz arripiar
os cabellos. No fundo vê-se a cavallaria paraguaya que retira-se desordenada, e
grande cópia de assaltados que lutão desesperadamente, posto que arrebatados
pelos cavallos. Alguns procurão salvar as peças de artilharia, e ás dezenas se
cosem ás carretas, que conseguem arrastar, uns levantando-lhes as rodas, outros
procurando afrontar o inimigo que os persegue.
Muito,
porém, ser-me-hia necessario para descrever circumstanciadamente os multiformes
episodios que apresenta no seu conjuncto a tela colossal de Pedro Americo.
O
desenho correcto, o colorido vigoroso e largamente impresso, os effeitos de luz
perfeitamente achados, e a perspectiva bem comprehendida, permitirão o
desenvolvimento de muitas figuras sem confusão nenhuma. Taes são os principaes
merecimentos desse quadro. O atrevido escorso, perfeitamente executado, do
cadaver de um negro que alli jaz por terra, attesta a franca pericia da mão do
artista no desenhar; o nú é tratado com extremo talento; a exactidão dos
costumes, das divisas, das armas, etc., chega até ao escrupulo.
Aquelle
trabalho é destinado ao governo do Brazil. Pedro Americo póde ufanar-se da sua
obra; ella é digna de um verdadeiro artista, e não haverá ninguém que,
contemplando o quadro da Batalha de Avahy, possa deixar de admirar a
originalidade da composição e o seu perfeito acabamento artistico? - A.
Cecovi.
V-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, 28 de setembro de 1877, pag.4.
Título:
Notícias Várias - Quadro Historico da Batalha do Avahy
Notícias
Várias - Quadro Historico da Batalha do Avahy
Hoje, depois do
cortejo, será inaugurada a exposição publica do quadro historico, feito pelo
Dr. Pedro Americo, a qual effectuar-se-ha no chalet que para esse fim se
construio na praça de D. Pedro II, em frente á secretaria da agricultura.
De amanhã em diante as
pessoas que quizerem visitar esta exposição daráo á entrada uma pequena
esportula, que será applicada em favor das victimas da secca da provincia da
Parahyba e das orphãs do collegio da Imperial Sociedade Amante da Instrucção,
offerecimento este que mereceu do governo imperial um agradecimento ao Dr.
Pedro Americo.
VI-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, 29 de setembro de 1877, pag.4.
Título:
Noticias Varias - Quadro Historico da Batalha do Avahy
Autor: É uma
nota
Noticias
Varias - Quadro Historico da Batalha do Avahy
Todos os dias, das 10
horas da manhã ás 4 da tarde, encontra-se aberta a exposição do quadro
histórico da batalha de Avahy, no pavilhão construído junto ao edifício do
ministério da agricultura.
Preço
de entrada por pessoa, 500 rs., nos dias de semana, e 200 rs. nos domingos.
O produto liquido desta
exposição é destinado aos Parahybanos flagellados pela sêcca e ás orphãs da
Imperial Sociedade Amante da Instrucção.
VII-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, 29 de setembro de 1877, pag.4.
Título:
Gazetilha
Autor:
é
uma nota
O
quadro da batalha de Avahy
Finalmente poderão os
Fluminenses apreciar o, na Europa já muito apreciado, quadro historico do nosso
talentoso compatriota Dr. Pedro Americo, artista vantajosamente conceituado e
professor laureado da nossa Academia das Bellas-Artes.
O que dizer a respeito
do celebrisado trabalho do pintor historico, quando tanto se escreveu
laudatoriamente na Italia - berço da pintura por excellencia - e nos outros
paizes, em que forão transcriptas as chronicas artisticas de que tivemos
conhecimento?
Ahi
está o quadro, ahi está o trabalho, que por alguns annos, foi o sonho constante
de um esplendido talento, a pyra em que arderão tantos desejos de gloria,
tantos sentimentos patrioticos, que procuravão escrever em uma tela de poucos metros
os fastos heroicos de um punhado de bravos que engrandecerão a patria.
Vão
admira-lo, principalmente nos seus episodios (detalhes), que fazem a sua
maior belleza; vão contemplar o relevo de certos grupos que se destacão,
formando, por assim dizer, pequenos quadros, que, só por si, darião nome ao
pincel que os creasse e lhes désse vida.
Nesses
pormenores, nesses episodios, indubitavelmente o eximio pintor mostrou a sua
mestria.
Se o
quadro do Dr. Pedro Americo tem senões, tem defeitos, que uma critica rigorosa
poderá quiçá apontar ou pedir conta delles ao artista, não cabe a nós, e sim
aos entendidos, manifesta-los, para a verdade da arte.
VIII-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, dia 2 de outubro de 1877, pag.2.
Título: A
Batalha do Avahy (quadro histórico do Dr. Pedro Americo) I
Autor: Luiz
Corrêa
A
BATALHA DE AVAHY
(QUADRO
HISTORICO DO DR. PEDRO AMERICO)
I
Das tremendas commoções
do patriotismo do povo brazileiro, após epopéas de bravura e coragem, era
preciso surgirem os monumentos em que as artes illustres commemorassem os
feitos grandiosos dos melhores filhos da patria.
Da guerra brutal e
medonha dos campos do Paraguay nascera o astro que eleva ao infinito, como se
fosse alma nacional destinada a viver na immortalidade.
O talento, o genio
reunidos á piedade patriotica acenderão no cerebro de Pedro Americo a chamma da
concepção; e ei-lo, investigador das estrophes com que se escreveu o poema
epico da guerra, a misturar na palheta as cores e lançando á tela as harmonias,
os echos, os claros escuros, as ancias e os estertores do combater horrivel, no
qual se medião, de um lado offensores e do outro os que a dignidade convencera
á desaffronta.
Nos desertos banhados e
cercanias daquella terra de pantanos, numerosos de legiões selvagens, cujas
leis oppressoras forão escriptas com a lama de uma liberdade amortalhada,
travára o Brazil a luta immensa para vingar seus brios.
Aos gritos estridentes
da selvageria guarany, ás imprecações brutaes do fanatismo boçal, juntavão-se
as acclamações da victoria e as exhortações christãs e heroicas dos filhos do
Brazil.
E Pedro Americo, grande
na arte de sentir e de imaginar, no catre de sua alcova, onde a modestia retem
o merito humilde e o obreiro que espera, em seus vôos de condor, despedaçava as
algemas da vida limitada do cidadão e arremessava-se em sonhos sublimes ao meio
da multidão dos combatentes, cercados de fumo, de pó e de sangue, e em seu pezadello
magestoso de genio convolvia-se na inspiração fecunda e assentou dar vida a
todo esse quadro imaginativo, de colossaes dimensões, apenas pallidamente
narrado nas lendas diarias.
Ergueu-se acima da
hombridade... Foi gigante um dia e titan sempre a esboçar em mente escaldada
tudo quanto o palpitante desejo lhe mandava á tela, de grandes e epilepticas
fórmas que sua phantazia debuchava a sonhar.
Na luta interna do moço
pintor redomoinhava o vendaval da batalha porfiada das hostes combatentes. Era
a febre do genio em pulsação de patriotismo a delirar as sublimidades da
verdade na arte.
De um lado carretas
arrebentadas, mortos os cavallos, despedaçados os membros dos heroes, canhões a
vomitar esturgindo estilhaços medonhos, fumo, fogo e sangue por toda a parte a
cobrir esse inferno humano, onde a honra sacando a espada não a repõe senão
vingado o ultrage e glorificado o nome.
Céo e terra, homens e
animaes, aguas e montes, cadaveres e destroços ensanguentados, tudo era um
scenario commovente, grandioso, horrivel e de venerandas recordações no alcaçar
da patria.
Elle quiz arrancar á
muda e rasa téla o grito, a vozeria, as blasphemias inimigas, os estouros, as
agonias e os suspiros derradeiros dos combatentes; não bastava vê-los, quiz que
o pincel creador désse áquelle que contemplasse obra tão ingente, os sons, os
roncos, os silvos e os estertores da morte ao lado das exclamações da vida.
A natureza potente que
vive em sua alma quiz crear horizontes revestidos de serras, de campos, de
aguas e tudo coberto por um céo pesado, delle pendendo nuvens negras e densas
de tempestade, de rôlos de fumo dos canhões, com alguns clarões de sol a romper
daquella massa compacta de negrume.
E para que tudo fosse
completo deu eloquencia a cada traço de phisyonomia, a cada musculo a mover-se
e a todo esse conjuncto de acção dos que se empenhavão na luta.
Roupas e armas,
cabellos e barbas, arreios e mais accessorios desse tremendo scenario, tudo,
emfim, devia dizer a verdade a soletrar-se, como quem lê nas paginas de uma
chronica as passagens narradas por mão de mestre.
A batalha de Avahy
nasceu desse sonho prolongado em que o patriotismo invocava a immortalidade de
Miguel Angelo e do Titiano, abrazileirando a palheta e dando á publica
admiração producto classico, original e custoso.
Pedro Americo
consorciou-se desse momento supremo a todos os grandes que produzirão
monumentos historicos, em que se admira como a immortalidade salva seus filhos
predilectos do esquecimento das gerações.
II
Aquelle quadro
gigantesco que esta cidade admira e que o mundo illustre e provecto ha julgado
ser já de um mestre, como nos recorda aquella singularissima natureza sul
americana, aquelles horizontes anuviados, aquellas cordilheiras longas e
azuladas ao longe. E em baixo serpenteia o rio, estendem-se os banhados, cresce
isolada arvore aqui, mais longe outra arvore como esta melancolica e solitaria!
É alli o campo da
batalha, longo, vasto, horrendo, apinhado, confundindo tudo entre fumaça, fogo,
pó, lama, ameaças, armas e a morte por toda a parte!
É um largo cemiterio
onde as cruzes não forão plantadas porque a inquietação da vida não deu lugar
ainda ao silencio da morte, e á solemnidade do tumulo!
Olhai! tudo é
movimento: tudo é movimento, é esforço, é violencia, é suor!
No primeiro plano uma
carreta paraguaya cujo animal fora morto cobre-a um couro roto: dentro uma
mulher, em ancias crueis de medo e desespero com mão erguida e violentada pelo
amor materno parece querer subtrahir o filhinho áquelles perigos: abaixo e ao
lado della um velho cego tateia o perigo que ouve e seu semblante annoso
mostrando ancia e terror: ao outro lado da mulher e por detrás uma menina no
auge do susto e do terror agarra-se aos vestidos da mãi - dão áquella
minuciosidade um aspecto lugubre.
Cá fora um rapaz a
picar com ancia e esforço um boi que parece estatico de medo ante os ruidos que
ouve. Esse rapaz está saliente; a luz que o cerca dá-lhe vulto e relevo.
E ahi está, montando
soberbo cavallo, o Marquez do Herval, Osorio, o Bayardo[47]
Brazileiro, o homem da tempera dos velhos gardingos, impavido, braço erguido a
mandar esses valentes que surgem e matão em sua passagem tudo quanto o inimigo
lhes oppõe em sua marcha. Ao contemplar-se aquella physionomia calma, vigorosa,
mal se póde comprehender que já estava ferido no rosto e que o sangue lhe
tingia parte das barbas respeitaveis.
Mais longe avançando e
destacando-se dos outros vultos vê-se o legendario Barão do Triumpho, o general
Camara e tantos outros cobertos de gloria.
De costas voltadas, a
cavallo, um official brazileiro sustenta sobraçando duas bandeiras paraguayas,
como um Hercules[48], seus musculos concorrem todos a
sustentar-lhe aquella posição difficil, tendo apenas um braço livre, evitando
no meio da terrivel refega os golpes que lhe vêm de toda a parte, sobretudo
daquella satanica figura de paraguayo semi-nu, a um cavallo preto, que segura
grosseiro e pesado alfange com ambas as mãos e está prestes a descarregar golpe
tremendo.
Este commettimento e
seus accessorios todos são pintados com tão eloquente vigor que por si só
valerião uma reputação artistica.
Mais á parte está o
jovem cadete de cavallaria, o famoso Serafim[49],
montado em uma peça. A sua attitude é formidavel parece gritar e animar aos que
vem chegando, desprezando a passagem perigosa em que se acha.
Pedro Americo deu
áquelle menino glorioso alli o berço da immortalidade, para que um dia as
lagrimas maternas tivessem um altar sublime que as colhesse e consagrasse. Como
comprehende um coração de artista o coração materno agonisando de saudades.
Em uma eminencia, mais
longe, vê-se atraves de tenuissimo véo de fumo o vitorioso general em chefe de
tão briosas phalanges, cercado dos seus ajudantes, e em frente delles os
officiaes paraguayos prisioneiros em posição humilde de vencidos.
III
Todo aquelle scenario
faz lembrar as terras sul-americanas. A natureza e os homens forão
representados com a sua cor local e caracteristica.
Parece que o artista,
pintando na Italia, transportara em mente a sua officina para o meio daquelles
banhados inospitos, e aquelles horrores em scena palpitante.
A attenção demorada
perante a magestosa téla de Pedro Americo observa surgirem a cada instante
cabeças e braços armados, destroços e minudecencias locaes, e aqui e alli
manchas de sangue humano, como se á falta do viço e das flôres calcadas aos pés
fosse necessario áquelle cruento encarnado, como gottas de sacrificio em terra
de gemidos.
Do intimo do mais
sagrado reconhecimento deve-se saudar o grande artista brazileiro que os
mestres do velho mundo denominão - mestre. Deve-se estreita-lo ao coração
beijar-lhe as faces por tanto e por tal inspiração sublime.
A patria agradecida no
coração de cada um de seus admiradores abençoa a sua reputação, o seu nome, o
seu genio e dá-lhe em cada aperto de mão um signal de veneração.
O Prometeu[50]
da pintura agrilhoado e preso á dureza dos seus annos passados, arrebentou as
suas cadeas e elevou-se ás alturas magestosas da arte.
A
Batalha de Campo Grande tornára-o pintor e laureado, a Batalha
de Avahy dá-lhe os fôros de summo sacerdote da arte, entôa-lhe hymnos
sagrados a seu brilhante talento, torna-o commensal dos immortaes.
Quando se tem com tanta
ousadia e maestria arrancado aos factos toda a sua magnifica possibilidade,
narrando-os com tanta eloquencia e primor; quando um homem em poucos annos
consegue ser o que é Pedro Americo, a sua sociedade, seus admiradores e seus amigos
lhe dão a carta de grande cidadão, de benemerito da patria e da humanidade.
Rendendo este preito a
quem tanto merece, annunciando ao mundo que sente e crê o monumento magestoso -
A batalha de Avahy - por Pedro Americo, cheio de enthusiasmo perante aquella
tella trannscendente, conjuncto de grandes bellezas da arte e da verdade,
curvo-me cheio de respeito e admiração perante esse homem distincto, esse bom
amigo, brazileiro insigne, que sabe honrar o paiz laureando seu nome no
sanctuario das bellas artes do velho mundo.
Luiz Corrêa
29 de Setembro de 1877.
IX-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, dia 5 de outubro de 1877, pag.3.
Título:
Folhetim do Jornal do Commercio: Cartas de um caipira (carta 276)
Autor:
Felipe (destinada ao Mano Chico)
FOLHETIM
DO JORNAL DO COMMERCIO
De 5 de Outubro de 1877
CARTAS DE UM CAIPIRA
CARTA 276
Mano Chico
Acabo de sahir do
barracão que o Dr. Pedro Americo mandou construir para a exposição da sua vasta
tela, representando um dos maiores embates de armas, se não o maior que houve
na guerra de Paraguay.
Digo o maior, porque no
entender das pessoas mais competentes foi essa talvez a unica batalha, na
verdadeira accepção da palavra, que se travou durante os cinco annos da tão
porfiada luta.
Entrárão nella, de
parte a parte, os tres terriveis elementos de guerra - infantaria, artilharia e
cavallaria.
Todas as forças
brazileiras dessas tres armas arremessárão-se com denodo incrivel contra o
grosso do exercito inimigo, que se achava estendido em linha de batalha
esperando o ataque.
Até então nunca houvera
na guerra do Paraguay tão propicio ensejo para um desenvolvimento geral de
forças assim.
Ferirão-se muitos
combates sanguinolentos antes desse memoravel dia 11 de Dezembro de 1868, é
certo, os dous exercitos tiverão occasião, um cento de vezes, de mostrar quanto
erão terriveis no acommettimento, inabalaveis no mais encarniçado da pugna e
heroicos nas mesmas derrotas que soffrião.
Mas em todos esses
embates, foi-lhes sempre adverso o proprio terreno em que lutárão, cheio de
apertadas gargantas, facilmente varridas pela artilharia ou cobertos de
pantanos que não os deixavão manobrar convenientemente.
Alem disso essa mesma
natureza do terreno dera á primeira e segunda phases da guerra um caracter
especial: era, por assim dizer, uma luta toda de sorprezas, em que um exercito,
protegido pelas matas, cahia de sopetão sobre o outro, travando-se então uma
como luta de soldado contra soldado e official contra official, sem plano
estrategico, sem manobra de massas de gente, porque no terreno não havia espaço
para tanto.
Quando não era isso o
que se dava, dava-se então algum ataque desesperado contra uma fortaleza ou uma
trincheira, bem defendida por numerosas bocas de fogo, como se já não lhe
fossem protecção sufficiente os extensos e fundos banhados, que os assaltantes
tinhão de atravessar a descoberto.
Foi nas margens do
Avahy que os dous generaes e os dous exercitos puderão pela primeira vez medir
verdadeiramente as suas forças, achando-se em circumstancias iguaes.
A planicie, extensa e
quasi plana, tinha espaço sufficiente para as manobras, campos excellente para
o desenvolvimento estrategico.
Não houve sorpreza
alli.
Um exercito preparou-se
para atacar, pondo em campo todos os recursos bellicos de que podia então
dispor; o outro esperou-o a pé firme e tão bem preparado como o aggressor.
A luta não podia deixar
de ser terrivel.
Era uma questão de vida
ou morte para as duas forças que se ião enfrentar, pois que, nas circumstancias
em que se achavão os antagonistas, resultado natural dos repetidos encontros
havidos anteriormente e todos conducentes a um embate geral e decisivo, o
resultado da luta naquelle dia podia e devia ser um como desfecho da guerra,
pela impossibilidade, em que ficaria o exercito paraguayo, de continuar a luta,
caso fosse derrotado.
Foi o final dessa pugna
tremenda, quando o solo já estava juncado de cadaveres, e a cavallaria do
exercito de Caballero começava a debandar, deixando no campo da batalha muitos
valentes infantes que se defendião ainda com um arrojo inaudito; foi esse
ultimo e mais terrivel esforço heroico daquelle dia tão memoravel, que o Dr.
Pedro Americo representou na sua vasta tela, e representou magistralmente,
digamo-lo com franqueza, em que peze aos tantos criticos que por ahi andão
apontando-lhe senões, á meia voz.
A Batalha de Avahy
é, no meu fraco entender, uma obra de mestre.
Achem-lhe embora
defeitos, os que a vêm só pelo lado historico; queirão embora alguns que o
generao Osorio devêra estar no segundo plano e o Barão do Triumpho no primeiro;
eu não vou por ahi.
Entendo que nunca o
ideal da arte deve ser sacrificado de todo á verdade da historia, nem mesmo
n’um quadro de batalha, e muito menos quando esse sacrificio não importa
desmerecimento para o vulto que o artista passa do 1º para o 2º plano.
Na batalha do
Riachuelo, do nosso Victor Meirelles, o valente Barroso, que foi alli o primus
inter pares, tambem está no segundo plano, e nem podia ser posto no primeiro,
sob pena de ficar prejudicada toda a belleza e até a logica natural do painel.
Pedro Americo deu ao
Barão do Triumpho um lugar distincto no segundo plano, porque é alli que
justamente se está ferindo a mais renhida luta, emquanto que para o primeiro
reservou apenas alguns episodios da sua brilhante epopéa.
Demais, esse escrupulo
excessivo na distribuição das figuras, attendendo-se mais á rigorosa verdade
dos factos do que ás exigencias do bello, parece-me antes assumpto de
estrategia do que de esthetica, muito principalmente porque nenhum dos proprios
censores é capaz de jurar onde estava este ou aquelle general na occasião em
que a luta chegou ao ponto em que a reproduzio a maravilhosa palheta de Pedro
Americo.
Vão, entretanto,
dicutindo esse assumpto marcial os que entendem que n’uma tela como a batalha
de Avahy é isso ponto que mereça discussão, porque eu não attentarei senão na
parte artistica, em que acho campo vastissimo para entoar um hymno de louvor ao
inspirado pintor.
Com effeito, por esse
lado nada deixa a desejar o magnifico quadro do Dr. Pedro Americo.
O assumpto era
difficilimo, mas os talentos como o Dr. Pedro Americo não conhecem obras
insuperaveis para elles as maiores difficuldades que se vão apresentando não
são senão felizes ensejos para irem dando cada vez melhor cópia de si.
A Batalha de Avahy
é uma prova disso.
Nessa belissima tela,
de proporções tão grandes, revelou o jovem pintor todos os predicados de um
artista de merecimento pouco commum.
Vê-se nella quanto é
vigorosa a sua imaginação e quanto são profundos os seus conhecimentos no
desenho e no colorido.
As figuras do primeiro
plano e de parte do segundo parecem mais estatuas do que pintura, tanto relevo
apresentão; accrescendo que nellas o Dr. Pedro Americo caprichou em mostrar
quanto é senhor dos segredos da sua sublime arte pelas posições sobremodo
difficeis de reproduzir, que escolheu para ellas.
Quasi todas
apresentão-se ou de escorço, ou correndo, curvadas e contrahidas, para o lado
do espectador. Estas ultimas são desenhadas e coloridas com tanta verdade, que
parecem destacar-se da tela, e ao aproximar-se della, o espectador sente
vontade de desviar-se para deixar passar o miseravel Paraguayo que vem fugindo
com a carteira que acaba de roubar a um official brazileiro, morto no campo de
honra.
É nesse primeiro plano
que se acha a carreta com a familia paraguaya, de que tanto se tem fallado. Que
bellissimos effeitos de luz! Que agrupamento feliz o daquellas tres figuras: uma
criança de 4 para 5 annos de idade, agarrando-se no vestido da mãi; esta,
aterrada, erguendo nos braços um objecto que se não vê, mas que se advinha que
é um filhinho recem-nascido; e ao lado destas duas figuras, imagens vivas do
terror, um velho, estendendo adiante de si convulsivas mãos, como quem procura
um apoio; um pobre ancião, que ouve o estampido dos canhões, o sibyllo das
balas e o tinir das espadas; que conhece a que perigos estão expostos a sua
querida filha e os seus idolatrados netinhos, mas que não sabe para onde ha de
fugir com elles, porque é cego!
Que expressão tão
verdadeira em cada uma daquellas tres physionomias, que desenho tão correcto e
que vigor no colorido!
No segundo e no
terceiro planos nota-se um movimento extraordinario, mas perfeitamente
desenvolvido.
Aqui, a valente
cavallaria brazileira, commandada pelo Barão do Triumpho, levando tudo de
vencida; alli, o embate de nossa infantaria com a paraguaya, que ainda teima em
disputar o terreno palmo a palmo; á esquerda, o primeiro grupo de inimigos que
se entregou ao general vencedor; além um corpo de exercito brazileiro
movendo-se para cortar a cavallaria inimiga que foge em debandada e cuja
guarnição começa a atravessar desordenadamente um banhado.
Por toda parte
cadaveres, carretas quebradas, cavallos mortos ou movendo-se, armas perdidas,
mostrando-se por entre uma infinidade de incidentes, muitos dos quaes
inteiramente originaes e em que bem se revela a pujante imaginação e o espirito
observador do artista.
E além, muito longe, depois
de uma extensa planicie, cortada por alguns esteros e corregos,
divisa-se o céo limpido, com uma transparencia de ar lindissima.
Em toda a vasta tela a
luz é admiravel, e os effeitos de fumaça muito bem estudados.
Já dissemos que pouco
cabedal fazemos das censuras sob o ponto de vista da verdade historica; não
assistimos á batalha, e nem cremos mesmo que os que expuzerão a sua vida
naquelle descampado, em tão memoravel dia, possão dar-nos noticia senão dos
episodios, dos incidentes parciaes que se passárão diante dos seus olhos.
Além disso um quadro de
batalha é como um poema, e dá-se aos poetas certa liberdade de exposição, para
belleza do seu canto, que não se deve negar aos pintores.
Na sua parte puramente
artistica, o quadro do Dr. Pedro Americo tem alguns senões, nem ha trabalho
humano que não os tenha; porém esses senões são raros e as bellezas abundão
tanto e são de tal quilate, que, sem o menor peso de consciencia nem receio de
contestação, se póde afoutamente dizer, como dissemos no começo deste escripto:
<< é uma obra de mestre! >>
Entre as censuras que
tenho ouvido fazer, as que parecem, prima facie, mais bem fundadas são
estas:
1º O horizonte está
muito alto: em vez de achar-se a um terço da tela, está a dous, o que não deixa
o olhar do espectador abranger o conjuncto da acção;
2º Não se comprehende
aquellas linhas de azuladas montanhas e aquelle céo tão sereno em um dia de
chuva como o foi o da batalha de Avahy;
3º Ha muita poeira no
quadro, o que não é natural em um dia chuvoso.
Estes tres reparos são
terriveis, porque apresentão-se com o severo sobresenho da critica,
apparentemente baseada no profundo conhecimento da arte.
Mas vejamos:
1º é certo que o
horizonte fica um tanto alto no trabalho do Dr. Pedro Americo, dando ao terreno
um tal ou qual aspecto de plano inclinado, em que se desenvolve a batalha; mas
quem attenta na complexidade do assumpto, na multiplicidade de incidentes que
foi mister desenhar para reproduzir com verdade um tão importante feito
d’armas, e nas grandes massas de tropas que o pintor tinha necessariamente de
pôr na téla, chega a esta conclusão: era impossivel dar conta da mão por outro
modo...
Quanto ao segundo
reparo, não é exacto que fosse um dia chuvoso o de 11 de Dezembro de 1868;
chuveu, é certo, durante a batalha, e chuveu muito, mas os raios do sol ainda
apparecerão a tempo de illuminar as armas dos nossos valentes soldados, quando
a victoria se pronunciou a nosso favor.
Além disso, quando
mesmo fosse chuvoso todo o dia, o horizonte da tela fica tão distancte do lugar
da acção no quadro do Dr. Pedro Americo, que bem poderia despenhar-se um
temporal tremendo aqui e conservar-se, no emtanto, um céo azul e transparente
no extremo do horizonte.
Quanto á poeira...
É preciso muito boa
vontade para confundir a fumaça com a poeira.
E aqui estão os reparos
que ouvi muita gente entendida estar fazendo.
Em compensação ahi vai
um, que é de leigo, e leigo ainda imberbe, e que talvez seja mais procedente do
que do que os taes tres, a que me referi supra.
- Que menino é aquelle
papai?
- Qual?
- O que está a cavallo
n’uma peça, com o boné na mão e soltando um grito tão cheio de enthusiasmo?
- Aquelle foi um
verdadeiro heróe, meu filho. Poucos mais annos contava do que tu, e vê com que
denodo zomba da morte. Lutou como um homem, e como um homem morreu!
- Ora qual!
- Duvidas?
- Só se morreu depois.
- Por que dizes isso?
- Papai não me disse
que esta batalha deu-se ha quasi nove annos?
- Disse.
- Pois então? Não vê a
pontinha do lenço apparecendo no bolso do peito do tal mocinho?
- Vejo; mas que tem
isso, patetinha?
- Ha nove annos ainda
não se usava o lenço assim... no bolso do peito.... com a pontinha de
fóra...ora, ahi está! Portanto não presta o quadro.
E assim são as
criticas.
Já disse que as obras
perfeitas só sahem das mãos do Creador; das dos homens, nunca.
A Batalha de Avahy
tem defeitos, mas quizeramos que as pessoas competentes os apontassem
francamente, n’uma discussão leal, para vergonha eterna dos professores da Academia
Real das Bellas-Artes de Florença e de tantos outros mestres italianos
(entre os quaes figura o Sr. Luigi Norfini, especialista em pintura de batalhas
e director da Real Academia de Lucca), que todos achárão excellente o quadro do
Dr. Pedro Americo.
Para que essa como
guerra surda, que se levanta contra uma obra tão conscienciosamente acabada?
É tão facil não
sympathisar com o autor e morrer de amores pelo quadro!
Demais, o Templo da
Gloria tem espaço sufficente para todos os que se tornão dignos de figurar
nelle; e a entrada alli de um eleito, não importa exclusão dos outros. Ha lugar
para todos.
Ao lado das nossas duas
maiores notabilidades artisticas Pedro Americo e Victor Meirelles (iguaes no
brilho) podem vir postar-se muitos outros, como já delles vai-se aproximando a
passos largos o tambem nosso João Zeferino.
Venhão mais outros, e
quantos mais, melhor.
Assim fosse a nossa
Academia das Bellas-Artes capaz de nos dar, de cinco em cinco annos, ou mesmo
de dez em dez, um artista da polpa de qualquer desses tres, supra referidos...
ou ainda um tanto inferior a qualquer delles.
Mas não lhe vemos
geito; e se fossemos a proseguir hoje nesta ordem de idéas, descendo ao estado
em que se acha a dita academia, ao numero de discipulos que a frequentão com
aproveitamento, e ao das aulas que não funccionão por falta de discipulos ou de
professores, chegariamos a esta infelicissima conclusão.
Uma de duas: ou
acabe-se com a academia ou dê-se-lhe uma volta em regra. Mas isto de tirar
conclusões destas, que sempre gerão descontentamentos, é muito perigoso.
Passa a gente por um
demolidor de reputações, e, pelos modos, nos tempos que correm, não é prudente
demolir nada, e para prova ahi está ainda inteirinho da Silva, um dos arcos
levantados na rua Primeiro de Março para festejar a chegada de SS. MM. Imperiaes.
O que vale é que a
mencionada rua é uma das mais retiradas do centro da cidade, não tem movimento
nenhum, nem de gente a pé, nem de vehiculos.
A conservação alli do
celebre monumento de panninho sarapintado é, pois, um verdadeiro beneficio para
o publico; e conseguintemente quando alguem lembrar-se de arria-lo, não haverá
a menor razão para soltarem-se foguetes, em signal de regozijo.
Tanto mais que agora já
não se atacão foguetes assim tão impunemente; e muitas vezes até paga o
innocente pelo peccador, como aconteceu ultimamente com os quatro negociantes
lá das proximidades do arsenal da marinha, de que fallámos na ultima missiva.
Verdade seja que o
desembargador chefe de policia, logo que leu a nossa reclamação, tomou
conhecimento do facto muito pelo miudo (o que lhe agradecemos com a maior
abundancia de coração) e quiz punir o urbano intimador; mas infelizmente já o
sujeitinho se achava desligado do corpo.
Em todo caso isto
sempre servirá para pôr os outros urbanos de sobreaviso.
Assim pudessemos dizer
o mesmo dos empregados da Companhia Ferry no tocante a objectos esquecidos nas
barcas. Bem sabemos que andão de lá para cá alguns passageiros pouco
escrupulosos; mas nos bonds tambem andão, e nem por isso considera alma perdida
o que se deixa ficar, por esquecimento, nesses vehiculos.
Mas nas barcas?!
Pois olhem, não é
porque os marinheiros percão muito tempo com o asseio do chão e dos bancos; e
tanto, que já se trata de correr uma subscrição entre os passageiros para a
compra de um espanador e aluguel de um homem para passa-lo por cima dos bancos
no fim de cada viagem.
Para acabar:
Recomeça a lavrar a
terrivel epidemia das conferencias, Santo Breve da Marca!
Quem me mandou voltar
da China?
Se o Capanema ainda
estiver na repartição telegraphica a esta hora, volta já, já para o Celeste
Imperio.
Adeus.
Teu do coração
FELIPE.
XI-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, dia 6 de outubro de 1877, pag. 4.
Título:
Avisos - Batalha de Avahy
Batalha
de Avahy, grande quadro histórico do Dr. Pedro Americo
- O Imperial Instituto
Artístico, editor da Illustração Brazileira, adquirio para si unicamente
o direito de reprodução e publicação desta grande obra, tanto em photographia
como em gravura. Vai abrir immediatamente a assignatura para as pessoas que
desejão possuir cópias do painel que consagra este facto heroico das armas
brasileiras.
XII-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, dia 6 de outubro de 1877, pag. 2.
Título: O
quadro do Sr. Pedro Americo
Autor: Affonso
de Albuquerque Mello
O
quadro do Sr. Pedro Americo
Oh! quanto estou
arrependido!... porque não é um quadro, não é uma pintura o que vi: é uma
acção, um campo de batalha com todos os seus horrores, para quem nunca vio o
campo, para quem só tem lido as descripções militares desses episodios
tremendos da historia humana.
Oh! sim!... Tenho
visto, nos livros, batalhas, combates sem contas, muitas vezes com as
descripções mais vivas, que se tem dado desde os primeiros dias da humanidade
até hoje, mas nunca vira o sangue vivo a correr os olhos chammejantes, o ferro
brandindo e cortando, as faces contrahidas, os peitos arquejantes, por cima dos
feridos os cadaveres, as contorsões da morte abrigadas pelo desprezo ou pelas
patas dos cavallos... nunca vira tudo isto vivo, como desta vez!
Horror! E lá está em um
carro uma familia fugitiva envolvida entre os combatentes; a mãi, que aperta em
seus braços a tenra criancinha a quem uma bala devorou a vida; outra ainda de
mais idade, face angelica a quem o terror não diminue a belleza, estreitando-se
espavorida á pobre mãi, que, no auge da dor, só se occupa daquella a quem não
póde mais servir de amparo!
E a peleja é ardente e
furiosa, o homem mata o homem como raivosas féras se estrangulão.
O que mata aqui recebe
ao mesmo tempo a morte de outra mão, que outro tiro certeiro á queima roupa não
dá talvez tempo de executar a sua acção.
E em toda a tremenda
confusão mais que tudo se distingue o sangue e a morte; e o fogo que corre em
todas as linhas, entre o fumo que é continuo, o fogo que de todos os pontos
rebenta do vasto campo da immensa e bellissima paisagem....
Quanto contrasta com
taes horrores a sublimidade dessa natureza, que não fôra creada por certo para
theatro e testemunha dessas tragicas scenas!
Basta levantar a vista
um pouco acima das cabeças dos ultimos combatentes, e descortina-se um campo
immenso, limitado por um horisonte sem fim.
É a planicie mais bella
que tenho contemplado.
E a calma dessa belleza
tão doce, tão cheia de encantos, e ainda mais pelas aguas do largo rio que
sorprendeu na immensa planicie, vêm quebrar-se contra o horrivel mil vezes
variado movimento do furor dos homens e das armas, que só podem escrever e
proclamar com o sangue do adversario o triumpho da verdade que cada um
proclama.
Em uns pontos já se
pronuncia a retirada do inimigo, se guindando pelas comorras; mas ainda
sustenta com tal violencia a contenda, que não parece decidido a deixa-la; não
obstante, n’outra parte um quadrado do nosso parece não ter esperança de ver-se
livre tão cedo dos terriveis embates da cavallaria inimiga.
O que é, porém, mais
doloroso é o primeiro plano do quadro, não só por se manifestar mais claramente
os detalhes, como pelo desespero com que se vê uns arcarem ante as garras de
outros leões.
Ahi o inimigo não cede
o campo: parece decidido a junca-lo todo com os seus cadaveres.
Bem proximo está em uma
pequena elevação Caxias, com o estado-maior, a quem não attingem as balas só
porque ahi os inimigos estão apertados e envolvidos pelos nossos, combatendo
peito a peito; mas uma bomba vem quebrar-se aos pés dos cavallos que elles
montão... é como quem assiste a uma corrida de touros.
Sim, mais que isto: uma
luta de touros...
Em falta das armas
naturaes dos touros, os homens applicão a intelligencia que lhes foi dada para
dominar a natureza em proveito da humanidade, ao fabrico das machinas de
destruição do homem. Os capitaes que se destroem em uma batalha, que poderão,
como instrumento de producção, multiplicar a riqueza social, são o producto de
muito tempo de trabalhos de um povo inteiro, que digo, de dous povos.
Até quando serão os
homens touros, até quando serão brutos?
Até quando será uma
utopia o congresso universal para fazer reparar os aggravos entre as nações?
Ha nada mais grosseiro
do que o sophisma de ser impossivel acabar-se a guerra, porque será sempre a
guerra o meio de constranger o povo offensor a reparar a injuria?
Não ha nada de absoluto
na terra; toda a questão humana é de quantidade.
E que nação ousaria,
diante da imposição de todas as nações, resistir a seu decreto?
Antes do Evangelho
pudera-se justificar a guerra, mas entre povos christãos como se póde ella
explicar?
É que o Evangelho ainda
não civilisou a humanidade; elle é a base da civilisação moderna, que só se
póde desenvolver pela illustração do povo, mas aquelles a quem é dada a guarda
do Evangelho são inimigos da civilisação, o seu intuito é a volta do
paganismo...
Mas isto terá um termo;
a humanidade não será sempre bruta; o homem não será sempre féra.
Não ha nada mais facil
do que decretar-se a guerra, tão acostumados estamos com ella desde os
primeiros dias da humanidade.
Não ha nada mais facil
do que, na acção, se excitarem os instinctos ferozes do homem; que ainda é
bruto nesta civilisação tão atrazada e imperfeita; mas todo o horror, o supremo
horror de um batalha, só inspira a sua vista aos que a contemplão sem entrar
nella.
O que trouxe o Sr.
Pedro Americo?
A dôr, a angustia, a
insonnia a quem vio, a quem attentou, não ao seu quadro, mas ao que está nelle
vivo, patente, presente, com acção e movimento, embora apparentes - batalha do
Avahy.
Na verdade, (nem sou,
nem seria preciso dizê-lo; artista nem poeta; mas soffro de todos estes
soffrimentos e vi commigo soffrer muita gente), na verdade deve ser grande a
gloria do artista que teve o poder de produzir tão dolorosas impressões com a
sua pintura tão viva como a realidade; mas o bem que tantos desejão que dahi
resultasse não será effeito ainda daqui a muitas gerações.
A que vem, porém, esta
tirada?
Um aviso aos leitores:
- Quem não quizer
soffrer como eu, não veja o quadro do Sr. Pedro Americo.
Affonso de Albuquerque
Mello[51].
Rio, 4 de Outubro de
1877.
XIII-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, dia 7 de outubro de 1877, pag. 2.
Título:
Errata do artigo do dia 6 de outubro (O quadro do Sr. Pedro Américo)
O
quadro do Sr. Pedro Americo
No
artigo publicado hoje sob este título, lêa-se:
No 10§, em lugar de
-largo rio que sorprendeu na immensa planice, lêa-se - serpentea. Em vez de
-que cada um proclama, lea-se - sustenta.
No 11§
- Pelas comorras - lea-se - Pelos comorros.
No
14§, depois da reticencia lêa-se - Osório no meio dos combatentes, ferido na
bocca.
No 16§
em vez de - em falta das armas naturaes dos touros - lêa-se - dos brutos.
No 17§ - Trabalhos de
um povo lea-se - trabalho.
XIV-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, dia 7 de outubro de 1877, pag.3.
Título:
Folhetim do Jornal do Commercio - Revista Semanal
Autor: JLLE
FOLHETIM
DO JORNAL DO COMMERCIO
De 7 de Outubro de 1877
REVISTA SEMANAL
O Brasil que ainda
hontem largando as faxas infantis, mal articulava a palavra - independencia;
dotado pela natureza para altos destinos, está já hoje no convivio das nações
livres, não nos promettendo uma esperança que porventura venha ser fallaz, mas
offerencendo-nos uma realidade que é mais do que uma honra, que já é uma gloria
para o paiz que não conta em sua historia tradições de seculos.
Não faltão espiritos
acanhados, animos covardes, almas ingratas a esta grande patria, que, todos os
dias, por uma maledicendia que não pode qualificar-se, não digão que é o Brazil
uma nação perdida, nação aviltada pelos vicios, corrompida pela torpeza,
rebaixada pela ignominia, nação onde não ha nem o sentimento da dignidade e de
honra, nem a inspiração do grande e do bello.
E como é erronea, como
é mentirosa, como é falaz esta opinião que ahi corre no mundo politico, no mundo
litterario e artistico, na sociedade culta e entre o povo ignaro, nas altas
regiões e entre a plebe baixa e humilde.
Ao contrario do que
suppõe essa malquerença filha do erro, da ignorancia, do despeito ou da má fé,
o Brasil ahi nos está dando exemplos grandiosos de sua vitalidade, provas
incontestaveis de sua marcha progressiva, eloquentissimo testemunho do seu já
grande e incontestavel valor não só como a primeira das nações da America do
Sul, mas como uma das que no velho e novo mundo mais se empenhão na regeneração
futura da sociedade.
É certo que a cultura
de um povo, e seu grao de adiantamento moral, o seu progresso, tudo quanto vale
o seu presente, tudo quanto poderá valer o seu futuro, não póde deixar de
aquilatar-se pelos productos da intelligencia, que se nos offereção em qualquer
das manifestações da actividade humana.
Um povo que não
estaciona, um povo que tem como sua mais alta concepção o grande ideal do
futuro, manifesta sempre as suas nobres aspirações revelando-nos o seu intimo
sentir no constante progresso das sciencias, das letras ou das artes.
Pois para nós chegou o
momento de uma dessas grandes revelações com que ás vezes um poder invisivel
parece querer assignalar o glorioso porvir de um povo que tem a cumprir uma
alta missão.
Se não temos nas
sciencias caminhado com a velocidade dos grandes motores do progresso, se nas
letras é pouco pressuroso o nosso passo, nas artes acabamos de patentear a toda
a luz da evidencia, que ninguem vai mais avante na vanguarda do que nós, para a
luta incessante do trabalho, em que se revela mais do que a energia da vontade,
em que se manifesta o poder da intelligencia, a valentia do talento, a profunda
inspiração do genio.
É duplo o argumento que
justifica a profunda inspiração do genio.
É duplo o argumento que
justifica a proposição que temos enunciado. Sim, que florescemos, que
triumphamos nas artes provão-no neste momento a grande opera de Carlos Gomes, O
Guarany, e a formosa tela de Pedro Americo - A Batalha de Avahy.
São mais que dous
triumphos, são duas glorias nacionaes.
...
O
Guarany revelou-se nos agora em toda a sua grandeza, em toda a sua
magestade.
Comquanto fosse a opera
mais popular do nosso maestro, ella não se nos apresentara ainda em toda a sua
opulencia, em todo o seu vigor artistico, com esse segredo das harmonias que se
occultarão na bella partitura, e que nos acabão de descobrir os notaveis
artistas a quem foi confiada a sua interpretação.
Desta opinião foi o
publico que assistiu á primeira e segunda representação da opera de Carlos Gomes.
Foi unanime o applauso nas passagens mais difficeis, e cujo desempenho foi mais
deslumbrante.
Os que, desdenhando das
glorias nacionaes, não querião aceitar como obra prima do genio a notavel
composição do maestro brazileiro, forão agora obrigados a reconhecer o alto
merito do grande compositor, que assim tem conquistado o seu lugar de honra ao
lado dos que mais se illustrão entre a pleiade dos maestros, cujas producções
diariamente se repetem em todos os theatros do mundo.
A musica do Guarany
é com effeito de uma viva energia, tão doce e agradavel nas melodias como
potente, vibrante e arrebatadora nos grandes effeitos de instrumentação.
Foi ahi que, devida ao
maestro Bassi, a opera teve o seu mais completo desempenho.
Tambem por parte de
Bohs a interpretação foi completa, e na segunda representação sobretudo
inexcedivel. E se no papel de Cacique alguma cousa nos deixou a desejar o Sr.
Castel Mory, se a Sra. Vanda Miller não esteve verdadeiramente á altura da
situação, e se o Sr. Mendioros bastantemente enfermo não pôde dar todo o relevo
ao seu papel, o conjunto de todos estes personagens, accrescendo ainda o dos
que desempenhárão os papeis immediatos e secundarios, foi sufficiente para o
exito brilhante que obteve a partitura.
E se o Guarany
agora nos revelou os profundos mysterios da arte, que nelle se encerravão, e
que nos havião sido até hoje desconhecidos, que é licito suppor de todo o seu
valor intrinseco quando o seu desempenho for confiado a artistas, dignos todos
de se collocarem ao lado do distinctissimo tenor, que tem na presente temporada
feito as delicias do publico fluminense?
Nós folgamos
sinceramente com este brilhante resultado, não só porque se firma a gloria um
pouco empanada de um filho do Brazil que honra e nobilita a sua patria, mas tambem
porque este facto diz bem alto que a arte não é entre nós uma palavra vã, e
que, ao contrario, tem uma existencia real em eximios cultores e admiradores
numerosos que sentem em seu espirito a verdadeira intuição do bello.
Depois de obtido um tão
completo triumpho permittão-nos que, acompanhando a manifestação do enthusiasmo
publico, como interprete da verdadeira opinião revelemos tambem ao autor do Guarany
o nosso sentimento de jubilo e admiração nesta só palavra, tão simples e
innocente como sincera e verdadeira - parabens!
...
A batalha de Avahy é,
como dissemos, outro prodigio de arte, outra gloria nacional.
É ainda um filho do
Brazil que longe da patria, mas não tirando os olhos della, recolhendo-se no
seu gabinete de estudo e de trabalho, com louvavel e generoso empenho de honrar
o nome do seu paiz, honrando o seu proprio nome, concebeu e executou o
formidavel plano dessa tela gigantesca que ahi tem attrahido milhares de
pessoas que a tem contemplado, admirando-a em suas numerosas perfeições.
Não faltão Aristarchos[52]
procurando com um critica severa e implacavel offuscar o brilho dessa grande
luz que veio illuminar-nos a solidão da arte, onde os matagaes erão tão
espessos como as nossas mattas virgens que, sobrepujadas de parasitas, não
permittem que illuminem e aqueção um solo humido e em treva os raios de um sol
vivificador, que esparge o calor e a luz.
O quadro de Pedro
Americo não está destinado só a resistir mas a triumphar desses rudes ataques
com que tem procurado derrubar-lhe o edificio de sua gloria.
É obra humana, será por
isso sujeita á lei das imperfeições, que é universal e eterna.
Mas qual tem sido o
producto do homem que haja escapado a esse fatal destino que amesquinha o nosso
ser ante a perfectibilidade da obra da creação?
Nem Homero[53],
nem Shakspeare, os dous maiores genios que tem fulgurado no mundo, podem
dizer-se excepção a essa lei implacavel que nos confunde e nos abysma em nossa
vaidade, em nosso orgulho.
E se na pintura não
forão impecaveis Raphael e Miguel Angelo, que é de estranhar que em obra de tão
grande folego se reconheça que está ahi um producto humano, sujeito, portanto,
ao erro?
Mas haverá na
prodigiosa téla que temos admirado falta tão sensivel ou defeito tão essencial
que o quadro desmereça do seu grande valor artistico, e deva por isso o seu
autor inscrever-se no numero das mediocridades?
Ousamos affoutamente
responder pela negativa. É certo que o pintor, como o dramaturgo, como o poeta,
como todo o homem de genio, só póde ser bem julgado pela posteridade quando o
involucro mortal se occulta na obscuridade do tumulo e na mudez do sepulcro.
Para que negar porém na
vida a justiça aos que a merecem pelos seus talentos ou por suas virtudes,
imitando a criminosa indifferença das idades passadas? Porque nos não havemos
de mostrar homens do nosso seculo superiores ás paixões mesquinhas? Porque Não
havemos de reconhecer o talento e exaltar o genio quando elle tão
esplendidamente se manifesta, aguardando o voto da consciencia publica com a
firmeza das grandes convicções, e na certeza de que se não fôr no presente será
no futuro tão grande a sua gloria como a que se representa para as armas
brazileiras na sua tela immortal?
A Pedro Americo, pois,
como a Carlos Gomes, ainda esta só palavra, que é a synthese de todo o nosso
sentimento: parabens!
...
Emquanto assim
florescem as artes liberaes no seu maior esplendor, parece declinar o
sentimento publico em todas as outras relações sociaes.
O crime toma proporções
grandiosas, tremendas, assustadoras! Elle já invade as corporações destinadas á
repressão dos attentados! é no lugar em que se reunem os homens da paz que já
se vibrão as armas da guerra, mas na traição perfida e vil, no maior desacato
da lei! O militar, que cinge a banda e tem no braço honrado a divisa do
commando, já cahe aos golpes do sicario que lhe deve obediencia, respeito e até
amor!
Que significa esta
negação da ordem social? Esta aberração do dever, da dignidade, da honra? Esse
crime hediondo, que lança a perturbação no seio da sociedade ao ver a
propriedade e a vida entregues a mão polluidas no sangue do seu proprio chefe?
Ha
certamente..........(continua tratando de outros assuntos)
JLLE
XV-
Publicado em: Jornal
do Commercio, dia 16 de outubro de 1877. pag.5.
Título:
Visitas Imperiaes
Autor:
desconehcido
Visitas
Imperiaes
S. M. o Imperador,
acompanhado dos seus semmanarios, visitou hontem a Academia das Bellas-Artes,
onde se demorou perto de uma hora, examinando a bibliotheca, os quadros que
estão sendo restaurados pelo Sr. Professor Vasco José da Costa e Silva, e
assistindo ás aulas de desenho e pintura.
[...]
Finalmente Sua
Magestade visitou na rua do Areal o quadro da Batalha dos Guararapes, que esta
sendo pintado pelo professor da academia, o Sr. Commendador Victor Meirelles.
XVI-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, dia 27 de outubro de 1877, p.2 ?
Título:
Bellas Artes - O quadro historico da batalha do Avahy.
Autor: Pedro
Americo
BELLAS
ARTES
O
quadro historico da batalha do Avahy
A persistência de
certas opiniões menos fundadas, que vão correndo a respeito do trabalho que
acabo de offerecer á apreciação publica no meu paiz, depois de tê-lo exhibido á
consideração dos europeos, obriga-me a vir á imprensa, para dar algumas
explicações que creio uteis.
Começarei destruindo o
pequenino e falsissimo boato que já achou echo em acreditados jornaes, relativo
a uma observação que se diz ter-me feito o Exm. Sr. Duque de Caxias ao ver o
seu retrato com a farda desabotoada: cousa tão contraria á verdade, que o
proprio Sr. duque pedio-me que a confutasse.
É facto que S. Ex.
costuma trazer abotoada a farda; mas esta particularidade individual pesa bem
pouco na composição de um quadro, e podia ser desprezada naquella conjunctura,
em que era necessario prolongar, por assim dizer, as côres claras da
parte inferior do cavalleiro, para não a separar da superior, que
ficaria toda escura sem o recurso do collete branco, que tambem faz parte do
uniforme.
Esta razão
apreciar-se-hia melhor diante do painel.
O facto de
desabotoar-se a meio a farda de um general, que está absorto no exito de uma
grande batalha, e que figura n’um quadro de tantos pormenores, não constitue
attentado contra a integridade dos seus costumes, não fere os seus brios
militares, não attinge ao seu caracter; e, se o fizesse, era em bom sentido,
mostrando-o despreoccupado de si proprio, e todo entregue aos seus terriveis e
solemnes deveres. Bem o sabe o Sr. duque, o qual rio-se muito, quando lhe
perguntei se queria que eu retocasse a pintura para satisfazer aos inventores
de boatos.
A prova, porém, de que
o costume do general em chefe era todo individual, que não tinha esse alcance
que se lhe quer attribuir, que não era propriamente para dar o exemplo - como
já se disse - é que o chefe do seu estado-maior na mesma batalha trazia
<< a farda abotoada sómente pela parte superior, por três botões
>>, segundo me escreveu em papel que ainda conservo.
Mas quando mesmo o
fosse, era facto que teria muita significação no terreno da disciplina militar,
mas nenhuma em um conjuncto esthetico tão complexo, aonde primeiro que tudo é
necessario attender-se ás mil exigencias da arte, ess’outra disciplina do
gosto, que muitas vezes exclue a propria realidade naquillo que não é puramente
essencial e caracteristico.
Se fosse illicito ao
artista desabotoar tres botões de uma farda, para augmentar a belleza do
personagem que a veste, muito peior seria substituir o chapéo de palha de um
outro e illustre personagem - que de facto o trazia - pelo bonet do uniforme,
muito mais consentaneo com o aspecto militar de um general de tal tempera.
Outro ponto para o qual
se tem chamado a attenção é o que toca á posição e ao gesto do general em
chefe, julgado frio por algumas pessoas. A semelhante respeito cuidará cada
qual como entender: eu julgo que um velho general acostumado ás batalhas e ás
victorias póde, sem quebra da verosimilhança, ser representado assim, e que, em
tão arriscada situação, a serenidade da physionomia e a inalterabilidade do
gesto sempre exprimirão a impertubabilidade do animo, primeira condição de quem
commanda um exercito em campanha.
<< A figura do
Duque de Caxias - diz um dos melhores criticos da Allemanha - , attrahe
particular attenção. A sua postura calma e imponente e a sua expressão grave e
severa revelão um animo decidido e heroico, que não recúa diante do mais
eminente perigo. Com effeito, na sua longa carreira aquelle general jámais
perdera uma batalha. >> (1)
Quanto a semelhança -
que já foi contestada - direi que não sou eu o peior juiz nesta materia;
porquanto, logo depois da guerra do Paraguay pintei um retrato equestre do Exm.
Sr. duque, do tamanho natural, retrato que o Exm. Sr. Barão da Penha[54],
parente de S. Ex., julgou ser o melhor de quantos se tinhão tirado até então.
O retrato do Sr.
Marquez do herval foi pintado segundo quatro boas photographias tiradas antes
do ferimento, de que resultou ficar S. Ex. com os contornos da face muito
modificados, e até diversa a expressão do rosto; se, pois, não está bastante
parecido com o que é actualmente o illustre marquez, quem mais do que a
photographia poderá contestar a semelhança com o que foi ha nove annos?
Costumo ser fidelissimo
nos retratos; mas devo dizer que se a absoluta semelhança é condição secundaria
nos quadros historicos em geral, ella é por assim dizer impossivel nos
assumptos da historia contemporanea, nos quaes não póde a imagem individual ir
acompanhando as modificações que a idade e as occurrencias da vida vão
imprimindo na physionomia e no aspecto dos personagens, representados em um
unico momento de sua existencia.
As photographias do Sr.
Barão da Penha tiradas ha nove annos, em quasi nada se parecem com a que S. Ex.
se dignou mandar-me ha pouco mais de quinze mezes. O mesmo acontece com os
retratos de outros officaes que figurárão na batalha.
Objecção muito mais
importante seria a que põe em duvida a situação real dos personagens, se,
todavia, de leves alterações nas distancias relativas dos personagens
representados n’um quadro resultassem grandes perturbações para a historia, ou
grandes desaires para a esthetica. No caso a que se applica esta observação,
direi que, tanto quanto pude, fui fiel á verdade. O general Barão do Triumpho
não podia estar collocado no primeiro plano sem grande desprezo das informações
que colhi da fonte a mais autorisada e competente.
<< No momento em
que se deu o episodio acima - diz o Sr. Duque de Caxias, alludindo ao ferimento
do Sr. Marquez do Herval, n’um documento expressamente escripto para guiar-me
na composição do quadro - apparecião ao longe, pelos flancos do inimigo, duas
columnas de cavallaria brazileira que o cercavão, e das quaes uma era
commandada pelo general Barão do Triumpho. >>
Ora, eu aproximei a
tanto, essa columna, quanto, sem violar a historia, podia fazê-lo no interesse
da arte e da semelhança individual.
Sob esse ponto de
vista, se ha em mim algum pezar é o de não ter podido collocar mais proximo o
Sr. Visconde de Pelotas[55] << o qual, como official de
cavallaria, foi - segundo o Sr. Duque de Caxias - o que mais fez nessa batalha,
pelo que foi elevado a general nesse dia. >>
As informações do Exm.
Sr. duque, além de serem da maior competência, provão uma grande
imparcialidade, bem digna da attenção do artista que se inspira na confiança
dos testemunhos, muitas vezes astuciosos, dos contemporaneos.
Mas o tributo de
admiração que devo, como pintor de historia, a cada um dos generaes de per si,
não póde ser pago de uma só vez e com uma téla unica. Se o Sr. Visconde de
Pelotas distinguio-se em Avahy, foi nessa batalha que correu o sangue do
Marquez do Herval, infausto successo em que o venerando general pareceu
offerecer-se em holocausto aos triumphos de sua cara patria.
Alli e em Tuyuty[56]
foi elle igualmente grande, ao passo que o general Camara encheu-se de maiores
glorias no recontro de Aquidaban; porque foi alli que elle decapitou a tyrannia
contumaz, e depois, com sua espada invencivel, mostrou o caminho do lar ás
numerosas phalanges brazileiras, cançadas da luta e já enfastiadas de tantas e
tão caras victorias.
Lomas Valentinas,
Itororó, o reconhecimento de Humaitá, Tuyuty, Aquidaban, e muitas outras
paginas da nossa ultima guerra com o Paraguay, carecem da consagração
fulgurante das bellas-artes.
Ha deveres para a
civilização como os ha para os obreiros della. Estes, quando desapparecem,
deixão após si o vacuo da saudade e o reconhecimento da patria. É por isso que
ella os evoca nos seus sonhos de gratidão, e não podendo dar-lhes existencia
real e palpavel, expõe as suas venerandas imagens á admiração da posteridade,
donde nasce o contagio dos grandes exemplos.
Mas é necessario
continuar.
Já houve quem achasse
que o boi era europêo. A este respeito ha engano: a figura do animal que está
no quadro foi copiada de um touro de Montevidéo, mandado buscar de Florença
pelo Sr. Marquez Carlos Griffoni para cruzamento de raça. O gado que existe em
quasi toda a peninsula, e que resultou do antiquissimo cruzamento do bufalo
italico com o gado germanico e suisso, é geralmente cinzento ou negro, com
grandes chifres desgraciosos, ossudo e de aspecto muito mais selvagem do que os
bois paraguayos, em tudo semelhantes aos que se encontrão no norte do Brazil.
Talvez desde Bolonha
até Napoles não se encontre um unico boi malhado, de tres[57]
côres, que não tenha sido recentemente importado.
Contesto a fidelidade
das descripções dos positivistas postas no tocante á ideal belleza dos
cavallos dos pampas. Quando pintei a batalha do Campo-Grande, vi e estudei
muitos desses animaes no picadeiro do Sr. L. Jacome, aonde acabavão de chegar
em companhia de homens do paiz, que sabião trata-los e lidar com elles, e
convenci-me de que não differem tanto quanto se pensa dos quartãos ordinarios
da provincia do Rio-grande do Sul, que procurei imitar em diversas posições no
meu quadro.
Se, pintando na Italia,
consegui dar ás physionomias sul-americanas o seu verdadeiro caracter, de modo
que não se vê no painel a menor semelhança com as caras que me rodeavão, como
poderia eu cahir na inadvertencia de pintar cavallos italianos montados por
cavalleiros e rodeados de infantes, cujo aspecto e physionomia tanto
impressionárão aos europêos?
A falta de chuva
torrencial em todo o quadro foi considerada como uma omissão anti-historica.
Vejamos.
<< Principiou o
combate ás 10 horas da manhã, pouco mais ou menos, diz o Exm. Sr. Duque de
Caxias no documento supracitado.
<< O dia estava escuro
e chuvoso ao principiar o fogo: de repente desfizerão-se as nuvens e appareceu
o sol radiante. >>
Não fui, pois, inexacto
em representar a chuva já ao longe, e cessada nos primeiros planos, quando é
evidente que pintei a batalha proxima ao seu desenlace.
A fidelidade da
paizagem tem sido contestada com alguma apparencia de razão, e sobre este
assumpto os realistas, ou materialistas da arte, têm - muito de industria -
raciocinado á priori, isto é, contrariamente ao seu modo systematico de
raciocinar, que é todo inductivo, o raciocinio é este:
<< Quem nunca foi
a um paiz não o póde retratar. Ora, o autor do quadro não foi ao Paraguay, ao
lugar da acção, logo, a pintura é inexata. >>
Neste caso, em vez de
estamparmos a negar ou a affirmar aquillo que nós não sabemos ao certo,
recorramos ao testemunho insuspeito dos que lá estiverão. Foi o que fiz, já ha
dias, perguntando por carta a diversos officaes que estiverão no Paraguay,
<< qual a impressão que lhes causára o fundo do quadro. >>
Eis o que me
respondêrão:
<< ... Honrado
pois com o seu conhecimento pessoal em uma das occasiões que fôra saciar o
espirito naquella fonte de sobrenatural inspiração, abstive-me, com cuidado, de
articular uma palavra sequer em referencia ao que já fôra julgado pelos
competentes, mas não pude conter-me quanto a propriedade com que V. S. soube
transplantar para a sua téla esses campos e esteiros caracteristicos do
Paraguay, essa paizagem á que me acostumara durante três annos, e que agora ahi
vi-a desenvolvida diante de mim, tão fiel em todos os seus detalhes, tão
verdadeira em todos os seus accidentes como se realmente me houvesse
transportado repentinamente a esse paiz de dolorosas recordações para tantas
familias brazileiras.
<< Foi sem duvida
em virtude desta minha exclamação, ao reconhecer aquellas regiões de
physionomia sómente peculiar ao Baixo-Paraguay, que V. S. me honrou com sua
carta de hoje, pedindo o meu parecer sobre o seu sublime
quadro.....................................
<< Seu, etc. - Barão
de Teffé[58]. - Outubro 4 de 1877. >>
Bastava este
testemunho, mas vamos a outro: é o do official que está no quadro á direita do
Sr. Duque de Caxias.
<< Rio de
Janeiro, 13 de Outubro de 1877. - Illm. Sr. Dr. Pedro Americo de Figueiredo. -
Respondendo á pergunta que V. S. me dirigio em sua carta de 14 do corrente, a
saber: << Qual a impressão que me causou a paizagem representada no
quadro da batalha de Abahy[59]? >> vou cumprir esse dever,
repetindo as mesmas palavras, pouco mais ou menos, que lhe dirigi por occasião
de ir ver o dito quadro..
<< Não me admira
a reproducção da configuração de todo o terreno, sua ondulação, o rio, brejos e
montanhas pouca[60] elevadas que se avistão lá ao longe no
fundo do quadro, porque para isso V. S. poderia ter sido soccorrido por
photographias e esboços que tivesse obtido do campo do Avahy; o que me
admira e sorprende de fórma a me suppôr transportado áquelles lugares é a
natureza do Paraguay em toda a paizagem, e sobretudo na côr da vegetação, do
campo e do arvoredo. Seu, etc. - Barão da Penha. >>
Ha, porém, cousa
porventura mais grave do que errar na pintura panoramica do lugar em que se deu
a batalha, e vem ser, errar na representação historica do facto. A este
respeito tambem escrevi a dous officiaes distinctos e insuspeitos pouco mais ou
menos nos seguintes termos:
<< Desejára que
V. Ex. me communicasse as suas impressões ácerca do quadro da batalha do Avahy,
que pintei na Europa e acabo de exhibir á apreciação publica nesta cidade.
>>
O primeiro que me
honrou com uma resposta foi o Exm. Sr. brigadeiro Severiano[61],
sob cujo commando estava, quando morreu, aquelle menino representado sobre a
peça. Eis a resposta:
<< Rio de
Janeiro, 6 de Outubro de 1877. - Illm. Sr. Dr. Pedro americo de Figueiredo.
<< Respondendo á
carta de V. S. de hontem dátada[62], relativamente ao quadro da batalha do
Avahy, nascido do seu habilissimo pincel, tenho a dizer a V. S. que, com quanto
não tomasse parte nessa batalha, porquanto, quando ella se ferio eu fazia parte
das forças que pelo lado do Pikiciry devião atacar Angustura, ponto objectivo
do nosso exercito; todavia, pela semelhança dos factos em todas as pelejas que
se derão no Paraguay, conhecedor da topographia desse paiz, conhecedor dos
typos, systemas e movimentos tacticos dos contendores, declaro a V. S. que
admirei a perfeição do seu trabalho, que me recorda com a maior perfeição a
historia da guerra do Paraguay. Sou etc. - Severiano M. da Fonseca.
>>
Poderão taxar este
testemunho como não tendo mais do que um valor generico, por isso que o
illustre official que o presta não esteve na batalha. Pois bem, leiamos o
depoimento de um que esteve, e até foi gravemente ferido:
<< Illm. Sr. Dr.
Pedro Americo. - Côrte, 8 de Outubro de 1877. - Respondo á sua carta de 4 do
corrente. Tive a satisfação de examinar cuidadosamente oseu[63]
bello quadro. É uma obra d’arte admiravel, e penso que muito justos forão os
elogios que lhe fizerão os celebres pintores da Italia.
<< Quanto á parte
historica o que posso dizer é que, apreciado no todo o seu quadro dá uma
perfeita idéa da batalha do Avahy; se, porém, nos detalhes apresenta algum
senão, eu não descubro; poderá elle existir, mas o que afianço é que
nem ao proprio soldado que assistio á batalha é dado descreve-la minuciosa e
completamente.
<< Sou, etc. - Marquez
do Herval. >>
Ora ahi tem como é o
meu idealismo: muito mais positivo do que o positivismo
dos que negão e criticão sem saber; idealismo que basêa-se nos factos
essenciaes e só despreza ou transforma aquillo que póde ser alterado ou
omittido sem offensa dos grandes principios da arte ou da dignidade da
historia.
Agora vejamos se as
affirmações dos que não forão ao Paraguay, e só nesta circumstancia se
lembrárão delle, serão mais valiosas do que a do artista que meditou sobre o
assumpto durante mais de 4 annos, que foi guiado pelas informações, partes
officiaes, diário de campanha, etc., etc., a elle mandados de proposito pelo
general em chefe, e que depois de tantos sacrificos para realizar uma obra
digna do seu paiz, tem a satisfação de vê-la sanccionada pelos proprios
generaes que assistirão á batalha.
Dr. Pedro Americo.
Rio, 24 de Outubro de
1877.
(1) Publicistische
Blatter, de Viena, de 11 de Março de 1877.
XVII-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, 30 de outubro de 1877, pag.2.
Título: A
batalha de Avahy
Autor:
publicado em Die Segenwart
A
batalha de Avahy
O Die Segenwart,
de Berlim, diz o Novo Mundo, publicou recentemente um artigo tão honroso
para o distincto artista nacional Pedro Americo e para o Brazil, que não podemos
forrar-nos ao prazer de da-lo nestas columnas.
Eis o
artigo
<<
A America parece ser o paiz predestinado a sobrepujar as outras partes do
mundo, não só em actividade commercial, mas tambem no terreno das artes.
<<
A escola de pintura americana, que até ao presente apenas conheciamos de nome,
pouca attenção tem merecido até agora; e a causa disso tem sido o exagerado
materialismo que sempre caracterisou ás suas producções, A[64]
tão gabada liberdade de que se jacta o Novo Mundo, infelizmente não encontrou
applicação no dominio das artes. Ainda hoje, depois dos triumphos alcançados
pelo Dr. Pedro Americo, existem no Brazil muitos artistas avessos a uma nova
ordem de idéa.
<<
Fòra reservado ao festejado Brazileiro o Dr. Pedro Americo, cuja educação se
completára em Pariz e Bruxellas, romper afinal o marasmo. O seu genio despertou
a escola brazileira, á cuja frente elle hoje se acha, e por um bom numero de
composições imponentes mostrou elle o caminho para novas e melhores composições.
Ha annos obteve o seu pincel um triumpho em Pariz, e a sua Carioca foi por
todos reconhecida como uma obra notavel. Alcançára elle na Universidade de
Bruxellas o diploma de doutor em philosophia e uma posição no corpo docente; e
em uma importante discussão scientifica em que foi envolvido soube mostrar que
tambem no terreno da sciencia a sua longinqua patria estava apta para entrar em
concurso com as nações europeas. Numerosas condecorações, as sympathias de seu
monarcha, amante das artes, e os applausos unanimes da imprensa europea
recompensárão os seus trabalhos pelo adiantamento das bellas-artes.
<<
Tal é o artista que agora nos apresentou uma nova composição sua. Ha cerca de
cinco annos aceitou elle a honrosa incumbencia do seu governo, de compõr um
quadro colossal sobre um assumpto da historia patria. Afim de melhor executar o
seu trabalho, ou talvez mesmo pára escapar á inimizade de invejosos, mudou elle
a sua residencia do Rio de Janeiro para Florença. Alli, no convento da S. S.
Annunciata nasceu a sua ultima e maior pintura, A batalha de Avahy, uma
obra de arte de primeira ordem.
<< É um dos
maiores quadros que se conhece. O artista ahi reproduzio de uma maneira
imponente o combate de Avahy, que teve lugar a 11 de Dezembro de 1868 entre os
Brazileiros e os Paraguayos. A execução é realmente magistral; a grandeza da
composição, a vida e o movimento dos exercitos empenhados na peleja, a força
dos corpos robustos e a expressão selvagem dos rostos produzem um effeito
extraordinario.
<<
Os dous exercitos, animados de enthusiasmo guerreiro, e lançando-se um contra o
outro nas margens do Avahy, fazem lembrar as ondas encapelladas do mar
açoutadas pelo temporal, que, ora levantão a sua crista coberta de espuma, para
logo sumirem-se no immenso bárathro[65]. Os rostos contrahidos dos Paraguayos,
semi-nus, denotão a valentia selvagem, os dos seus antagonistas civilisados a
energia viril. A victoria inclina-se para o lado dos ultimos. Columnas inteiras
vão sendo por elles destroçadas, sob as vistas inteiras vão sendo por elles
destroçadas, sob as vistas do seu brioso general, o Barão do Triumpho. No
primeiro plano vê-se o general em chefe, o Duque de Caxias, perante o qual
alguns Paraguayos prisioneiros implorão piedade. No rosto do marechal brilha já
o jubilo pelo victoria alcançada. O seu sequito no meio do qual estão o Barão
da Penha e o capitão de fragata Pereira da Cunha, segue com vivo interesse o
desenvolvimento da batalha.
<<
Uma granada despedaça o cavallo de um ordenança, que se approxima á toda brida.
Mais adiante vê-se o Marquez do Herval, e junto delle um alferes brazileiro é
atacado e morto pelo inimigo. Em torno delle trava-se luta encarniçada. No
mesmo plano avança á frente da reserva o general Camara, o mesmo que dous annos
depois matou o general Lopes a tiro, e decide a sorte da batalha. Á direita, no
fundo, avista-se uma pobre mulher que casualmente foi envolvida no tumulto. O
filhinho no collo foi morto por uma bala, e outro mais velho procura fugir, e
ella extorce-se em desespero. Sob as rodas dos canhões jazem promiscuamente os
cadaveres de negros, paraguayos, brazileiros e cavallos mortos. Tal é a
impresão externa que produz a pintura.
<<
Mais notavel, porém, ainda é a perfeição das particularidades, a admiravel
distribuição de luz e o magnifico colorido.
<<
Á vista de um resultado tão brilhante não é de admirar-se que o distincto
Brazileiro tenha sido o alvo dos mais lisongeiros encomios por parte da
imprensa italiana. A imprensa allemã, franceza e russa tambem não tardárão em
pronunciar o seu juizo a respeito delle. Diversas academias, entre as quaes a
de Napoles, enviárão-lhe diplomas de honra. >>
XVIII-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, 31 de outubro de 1877, pag.2.
Título: A
batalha do Avahy.
Autor:
s/assinatura. - Lê-se no Daily News de 16 de Março de 1877.
A
batalha do Avahy
Lê-se no Daily News
de 16 de Março de 1877:
<< Um nosso
correspondente, escrevendo de Florença, diz: No 1º de Março, que era 7º
anniversario da morte de Francisco Solano Lopez, ultimo presidente da republica
do Paraguay, Sua Magestade Imperial D. Pedro II, imperador do Brazil, presidio
á inauguração da exposição publica de um grandissimo quadro recentemente
executado em Florença pelo artista brazileiro commendador Pedro Americo para o
governo do seu paiz.
<<
O quadro é de immensa grandeza: tem nada menos de dez metros e meio de longo
sobre cinco e meio de alto; e não só pelas suas dimensões, como pelo não commum
e interessante caracter do assumpto, attrahirá seguramente grande attenção em
qualquer parte onde fôr exposto, fornecendo sempre copioso material para pasto
da boa critica.
<<
Quando o Dr. Americo recebeu a encommenda, encontrou difficuldades em achar um
estudo[66]
adaptado, não sendo muito facil encontrar um salão bastante vasto para executar
um quadro de tal grandeza. Entretanto, graças á gentileza da
municipalidade de Florença, a espaçosa bibliotheca do antigo convento da Annunziata
foi posta á sua disposição, e esta vasta sala pareceu commoda ao pintor para
alli trabalhar convenientemente, e depositar a grande collecção de armas e
vestimentas, - reliquias do campo de batalha, - necessarias para fazer os
estudos da composição.
<<
O assumpto desta é a Batalha do avahy, combatida enre os Paraguayos, sob
Caballeros, e os Brazileiros, sob o commando do marechal Duque de Caxias, em 11
de Dezembro de 1868, a qual foi uma das mais desastrosas para os Paraguayos,
pois que, além de quebrar-lhes o nervo de sua força, abrio caminho a novos e
decisivos triumphos do exercito imperial.
<<
Quem quer que observe esse quadro percebe uma serie de novos e terriveis
incidentes, totalmente differentes do que se vêm ordinariamente nos quadros de
batalha. A primeira impressão é a de uma horda de homens de barbaro aspecto,
vestidos de camisas vermelhas, como os Garibaldinos, ou mais frequentemente
semi-nus, mal armados, e encontrando diante de si as bem equipadas forças
brazileiras, bem determinadas, e combatendo com disciplina contra aquelles
desesperados. Não é só a expressão absolutamente resoluta e terrivel dos
Paraguayos que impressiona o espectador; elle nota que, ao passo que os
Brazileiros têm em geral o cabello preto, o dos Paraguayos tornou-se
avermelhado por causa da exposição ao sol do campo. Os seus emmaranhados
cabellos augmentão a selvageria dos seus semblantes, e a sua geralmente mal
equipada apparencia, contrastando com a bem ordenada dos Brazileiros, leva-o a
perguntar quem são estes homens aguerridos, e qual a sua historia.
<<
Observando-os no quadro, qualquer póde imaginar como os Paraguayos levárão esta
guerra a cutello até o extremo, e como um Estado, que em 1865 era um dos mais
florescentes e prosperos da America do Sul, com uma população, naquelle tempo,
de 1.300.000 habitantes, se tenha reduzido a menos de 500,000 no fim de uma
contenda de cinco annos. O exercito existente no principio da guerra contava
60,000 homens; e quando Lopez morreu em Aquidaban, em 1 de Março de 1870,
deixou-o totalmente anniquillado.
<<
Para comprehender bem o quadro é necessario saber-se alguma cousa sobre a
guerra da qual elle representa um facto. Talvez no presente seculo não tenha
havido contenda tão feroz e destruidora. Contão-se alguns factos incomparaveis
para mostrar a horrivel desesperação e crueldade com que Lopes executava as
suas operações militares, acarretando incriveis desgraças para o seu proprio
povo em suas selvagens resoluções para retardar a todo o custo a marcha do
exercito de invasão.
<<
Por exemplo, depois que os alliados expulsárão-o de Humaytá, Lopes,
retirando-se, decidio converter em deserto as provincias que ficavão na frente
dos inimigos.
<<
Ordenou então que toda a população, sem excepção, se retirasse com os seus
animaes e haveres para o interior, e que o seguisse na Cordilheira, 250 milhas
a leste de Assumpção. O resultado foi uma fuga terrivel do povo, em massa; a
retaguarda paraguaya destruindo detrás de si tudo quanto podia offerecer abrigo
ou subsistencia ao inimigo. E como a noticia era dada apenas em 24 horas, os
desobedientes erão cruelmente massacrados com golpes de lanças ou cutilados,
sem excepção; mulheres, crianças e velhos indistinctamente. Não havendo
provisão para sustentar a multidão faminta que invadio a Cordilheira, milhares
daquelles pobres espatriados perecérão á fome! Não sendo possivel obter senão
laranjas selvagens e raizes, davão-se repetidos exemplos de canibalismo. As
poucas mulheres, ainda das mais altas familias, que sobrevivérão, voltárão ás
suas casas quasi despidas.
<<
Os soldados argentinos tomárão comsigo centenares de crianças tornadas orphãos
pela guerra, e as quaes hoje vivem no seio de suas familias. Keith Johnston, o
geographo, que visitou aquellas localidades em 1874, diz que << a marcha
do exercito paraguayo na sua ultima retirada poderia ser traçada por montões de
ossos humanos, que ainda jazem debaixo de qualquer pequena sombra d’arvore, por
toda a parte e a pequenos intervallos >>.
Uma
guerra de caracter tão terrivel offerece naturalmente um assumpto de
extraordinario ardimento a um pintor de batalhas, e certamente o Dr. Americo
reproduzio alguns dos incidentes da batalha do Avahy, com terrivel vigor, e
executou um quadro que tem direito a considerar-se uma producção notabilissima.
<<
As figuras do primeiro plano são do tamanho natural. A attenção é logo chamada
para o grupo principal, que ahi está quasi no centro do quadro, representando o
episodio da morte do tenente Pereira Alves.
<<
O tenente brazileiro é visto de costas montado em um bello e vigoros baio,
coberto de espuma e suor. Leva como trophéo duas bandeiras paraguayas. Dous
Paraguayos sahem-lhe ao encontro. O da sua esquerda - um robusto homem semi-nú
- ,com uma face feroz e selvagem, agarra-lhe o freio do cavallo, e está prestes
a traspassar-lhe inteiramente o corpo com uma lança de ponta de ferro, mas não
consegue-o livremente o seu braço levantado por causa da resistencia que lhe
oppõe um official da marinha brazileira, que jáz em terra ferido e tenta
desviar o golpe.
<<
O cavallo tenta empinar-se em razão de sua bocca ser tão grosseiramente
sofreada pelo paraguayo ferido, o o[67] qual, na sua agonia, agarra
freneticamente em uma das patas anteriores do animal.
<<
Está este para cahir desastrosamente, porquanto um outro inimigo, cavalgando um
cavallo preto, em osso, arroja-se sobre elle pelo outro lado, e, agarrando com
ambas as mãos um immenso cutello enferrujado, descarrega toda a sua energia em
um golpe, que, seguramente será fatal ao infeliz official. Este paraguayo é de
aspecto ainda mais feroz e terrivel do que o outro que tem o cavallo pela
frente. Uma clavina pendurada nas suas costas núas, e o sangue proveniente da
ferida que tem no pé tornão-o uma figura de singular aspecto! Quasi debaixo das
patas posteriores do cavallo está por terra um paraguayo ferido, o qual é
naquelle momento apontado, á queima-roupa, pela vanguarda da infantaria
brazileira, que carrega sobre o declive da collina.
<<
Á esquerda do primeiro plano, um menino brazileiro, cadete, de 16 annos, acaba
de tomar uma peça, debaixo da qual jaz o cadaver de um official estrangeiro,
que servia como coronel no exercito paraguayo e notavel pela sua extraordinaria
semelhança com Carlos Dickens; perto delle jaz ferido o secretario do general
Caballeros; o qual dispara uma pistola contra o tenente acima mencionado.
<<
Atraz, a pouca distancia, vê-se o duque de Caxias com o seu estado-maior, a
maior parte do qual é posta em confusão por uma bomba que arrebenta em baixo do
cavallo de um official, que procura libertar-se elle proprio do seu cavallo,
mortalmente ferido.
<<
Um outro official esforça-se para impedir que o seu cavallo espantado se empine
descuidado sobre a borda da eminencia onde o estado-maior está estacionado. Na
frente do commandante em chefe brazileiro e na rectaguarda da linha das tropas
que avanção está um grupo de prisioneiros paraguayos.
<<
No fundo do quadro vê-se o arroio Avahy, transbordando da sua margem, com uma
linha de montanhas azues ao longe. Voltando mais para a direita, o espectador
depára uma grandiosa massa de combatentes a cavallo e a pé, e os Paraguayos que
se retirão para os seus entrincheiramentos. Á mão direita de quem olha para o
quadro, no canto, está um outro episodio muito impressionavel e muito
habilmente concebido. Um carro de campo, coberto, passava no meio do combate e
foi sorprendido pelos exercitos. Dentro vê-se uma mulher aterrada, abraçando
uma criança, e junto della um velho cégo. O cavallo que puchava o carro foi
naquelle momento morto por uma bomba, e junto do cadaver está um menino, que
procura afugentar um furioso touro, que arroja se no meio dos combatentes;
emquanto um carneiro embaraça-se nos arreios do cavallo morto, e um cesto de
espigas e leranjas cahe do carro e derrama-se por terra. Um paraguayo de bruços
sobre a tolda do carro, nas pontas dos pés, faz pontaria no general brazileiro
Osorio, um dos generaes mais populares do Brazil. O paraguayo é visado, a seu
turno, por um major, que galopa em um cavallo ruço queimado, e acaba de
arrancar o kepi do seu adversario com uma bala do seu revolwer. Quasi debaixo
do alazão está o cadaver de um negro, cuja cabeça foi rachada por um golpe de
espada.
<<
O resto do quadro póde descrever-se como uma mistura de cavallaria e infantaria
por demais complicada e vasta para ser circumstanciada, porém abundante em
episodios, dos quaes não é o menos terrivel um cavallo com uma baioneta
espetada através da sua garganta, na articulação do pescoço com a cabeça.
Quanto aos meritos do quadro, como uma obra d’arte, elle é excellente de côr, e
o desenho é bom e vigoroso.
<<
Este quadro deve ser exposto provavelmente na proxima exposição de Pariz,
depois em Londres, não obstante a Real Academia accommoda-lo difficilmente, por
causa da sua desmedida grandeza.
<<
O Dr. Americo o expoz, entretanto, no seu estudo, exigindo meio franco de
entrada, com o louvavel fim de preparar um cabedal para a educação artistica de
um menino florentino, cujo talento em decorar as calçadas e muros de Florença
attrahio a attenção do celebre pintor.
XIX-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, 1 de novembro de 1877, pag.2.
Título: A
Batalha de Avahy.
Autor:
s/assinatura - Artigo Editorial do Golos de S. Petersburgo.
A
Batalha de Avahy
Artigo editorial do Golos
de S. Petersburgo, de 17 de Março de 1877:
<< Desde o começo
do corrente mez acha-se exposto em Florença um quadro de proporções colossaes,
que tem sido visitado diariamente por uma multidão de gente. O assumpto deste
quadro é inspirado da ultima guerra entre o Imperio do Brazil e a Republica do
Paraguay.
<<
Esse grandioso trabalho é devido ao pincel de um pintor brazileiro de
grandissima reputação: o Dr. Pedro Americo de Figueiredo. Representa a batalha
de Avahy, e é uma obra na qual á magestade da concepção, á nobreza da idéa e á
força do desenho corresponde um colorido que só achamos igual na escola
veneziana.
<<
As posições das figuras, muitas das quaes estão quasi nuas e tém o tamanho
natural, são algumas vezes difficilimas; o artista porém não as quiz forçar:
fê-las naturaes e por assim dizer espontaneas, cousa bem rara nas obras de tal
força de concebimento, tornando assim evidente a sua grande pericia como
pintor, como desenhador e physionomista. Tanto pelo arrojo da idéa, quanto pela
força da execução, esse trabalho recorda o mestre dos mestres, Miguel Angelo.
<<
No campo ao longe, avistão-se carros, cavallos, bois, fileiras de soldados;
mais perto, e no primeiro plano, estão alguns retratos dos principaes generaes
brasileiros, e de alguns paraguayos. No extremo fundo chama a attenção do
espectador uma brilhante e vasta campina, em alguns logares innundada pela
enchente do rio Paraguay, e meia[68] enfumaçada do halito das armas,
encoberta pela chuva, e tambem pelos vapores matinaes.
<<
Os combatentes, ora achão sob os pés o sólo reduzido á lama, ora acervos de
cadaveres e moribundos e diante de si bem equipados adversarios de todos os
typos, os quaes contrastão entre si pela côr da tez, pela luz que os illumina,
pelas sombras e claros que os occultão ou os poem em evidencia. Todas as
grandes qualidades da arte achão-se reunidas naquella vasta composição com
maestria completa e extraordinario talento. << Ha muito tempo - dizem os
jornaes italianos - não se via em Italia cousa semelhante. >>
<<
Segundo as informações que acabamos de receber do nosso correspondente, o Dr.
Pedro Americo é ainda muito moço: sua idade attinge apenas 33 annos. Já era
assaz conhecido de nome, tanto pelas suas obras scientificas, quanto pelos seus
fragmentos litterarios. A obra porém que o tornou universalmente celebre foi o
quadro historico da Batalha de Avahy. >>
XX-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, 2 de novembro de 1877, pag.3.
Título: A
batalha de Avahy. - Artigo editorial da <<Gazetta delle belle
arti>> de 7 de março de 1877.
Autor: artigo
editorial - não tem assinatura.
A
batalha de Avahy
Artigo
Editorial da << Gazetta Delle Belle Arti >> De 7 de Março de 1877.
<<
O insigne pintor e naturalista (sceuziato) Dr. Pedro Americo, de quem em
outra occasião tivemos a honra de offerecer o retrato aos nossos leitores na Galeria
dos contemporaneos illustres, acaba de expôr ao publico o seu vastissimo
quadro historico da batalha que ferio-se em Dezembro de 1868, nas margens do
arroio Avahy, entre as forças brazileiras, commandadas pelo marechal Duque de
Caxias, e o exercito paraguayo.
<<
Já tivemos occasião de explicar como foi este facto historiado no quadro pelo
notavel pintor: agora, para admirar-se a excellencia da pintura, convém
considerar esta parcialmente, e nas suas principaes particularidades
artisticas.
<<
Representar na téla, e com escrupulosa fidelidade, uma concepção tão atrevida,
foi incontestavelmente uma empreza difficillima. Encerrar no animo, e ao mesmo
tempo, o recontro de tantas paixões discordes; tornar harmonicas e introduzir
tantas vozes diversas no mesmo concerto, variar em tantos vultos humanos a
mesma paixão, e dar a mobilidade da physionomia áquella semelhança
dissemelhante, de que resulta a variedade, a diversidade, o multiforme na
unidade; tão arrojada concepção, dizemos, não podia deixar de exigir grande
potencia de engenho, e grande conhecimento dos mais reconditos segredos da
arte.
<<
Era necessario desenvolver a acção com a indispensavel multiplicidade de
episodios, com a indispensavel riqueza de accessorios, para que se lhe désse
vida, e tornasse sublime, commovente, o sanguinolento drama que se tinha de
exhibir aos olhos do espectador. E o illustre Pedro Americo conseguio
maravilhosamente reproduzir ao vivo os maiores e mais oppostos effeitos da ira,
do furor, do medo, da coragem. Com effeito, cada vulto, cada physionomia, cada
expressão, está alli bem representada e corresponde ao assumpto. Semblantes
commovidos, lineamentos correctissimos, posições bem imaginadas, movimentos
energicos, olhares espantados, crispação de musculos, vida e fogo nos
accionados, tudo é admiravelmente expressivo e animado!
<<
Á direita distingue-se um carro cahido. A tenda que o abrigava está perfurada
em mais de um ponto pelos projectis do inimigo; debaixo della acha-se um grupo
de camponezes, composto de um cego, uma mulher e duas crianças, As[69]
roupas que elles vestem attestão o particular conhecimento que tem o pintor
assim dos usos como dos trajes daquelle paiz. Nisto porém não se limita a
consonancia dos tons, a robustez do colorido, a disciplina do traço, a
maestria da luz, a precisão das linhas, e antes achão-se estas qualidades mais
evidentes, no cuidado com que o artista fez sobresahir as diversas attitudes,
ou os gestos reflexos, resultantes das differentes impressões do medo, que
ressumbra naquelles vultos. Vêde aquelle ancião tomado de susto pela explosão
repentina da fuzilaria, estender os braços como cercando um refugio nas trevas
da sua cecidade; vêde aquella mãi apertar contra si o tenro filhinho, como para
que sirva-lhe de escudo o proprio seio! Mais á quem vê-se um touro enfurecido,
procurando escapar ao trovejar estranho da artilharia, no chão um cesto de
fructos meio revirado, pouco distante delle um cavallo immovel, com as ventas
feridas, os olhos empanejados, e a boca banhada em sangue. Ainda porém nada
dissemos ácerca daquelle vastissimo campo, no qual se póde distinguir todo o
desenvolvimento da batalha, ainda não fallámos do movimento daquella multidão
de guerreiros que cerrão-se, comprimem-se, debatem-se, onde mais ferve a pugna,
do atropellamento daquelles grupos, da bravura dos capitãoes... E como fallar
de tudo isso com a mesma clareza, e a mesma flamma, que tanto animão aquelle
quadro?
As
expressões daquelles vultos encerrão tanta arte, que despertão outros tantos
conceitos no espirito de quem as observa attentamente. Diante de semelhante
epopéa de sangue, fica-se mudo, immovel; sente-se a alma como presa n’uma
anciedade cheia de temor por uma avidez insaciavel, diante daquelle drama sublime!
<<
Segui com o olhar aquellas grandes massas de fumo, que, pelas suas clareiras,
deixão avistar extensas fileiras de soldados prestes a se encontrarem longas e
rarefeitas, condensão-se outras vezes em espessas massas englobadas...
<<
Não se ouvem os gritos dos vencedores, nem os gemidos dos feridos e dos
moribundos; ha porém em todo o quadro uma sombra de dôr, um véo funebre e
sinistro, que o espectador não sabe onde esteja, mas sente-o como envolver-lhe
o coração. No primeiro plano da pintura, aquelle desventurado negro estendido
no chão, nú e maltratado, inspira-vos piedade. Á esquerda observa-se o
secretario do general Caballeros, o qual, mortalmente ferido, dispara a pistola
no adversario, um dos officiaes que estão á direita do Marquez do Herval,
igualmente ferido por uma bala inimiga. Em todas essas figuras, nos seus
vultos, nota-se tamanha energia muscular, tal confrangimento de physionomia,
que no aspecto delles estão patentes a ira, o odio, o furor. Muitas e muitas
serião porém nesse quadro as bellezas dignas de admiração que eu poderia
fazer-vos observar, se o espaço m’o consentisse.
<<
Naquella téla agitão-se e circulão a alma e a vida; nella não se encontra
incertezas, nem flacidez, nem durezas, nem difficuldades na execução e no
estudo dos modelos; porém um estylo grandioso, lineamentos resolutos, toques
arrojados, aquella flamma finalmente, aquella vida que transcende de cada
toque, e de cada pincelada do grande artista!
<<
Possa o exemplo de Pedro Americo servir de incentivo aos cultores da nobre arte
da pintura, para que abandonem os quadrinhos de genero que hoje em dia invadem
as nossas galerias[70], e escolhão assumptos mais grandiosos
para terem occasião de elevar a alma á perfeição do bello artistico.>>
XXI-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, 7 de novembro de 1877, pag.2.
Título: A
batalha do Avahy.
Autor: José
Leandro
A
batalha do Avahy
Protegido pelos elogios
da imprensa da Europa, acaba de chegar a esta côrte o gigantesco quadro de
Pedro Americo, representando a batalha do Avahy, ganha pelo exercito brasileiro
nos campos do Paraguay.
Desta
vez o illustre doutor-pintor de batalhas desprezou a galeria Moncada, e em um
barracão na praça de D. Pedro II pôz o seu quadro em exposição.
Innumeros
são os elogios que tem o distincto artista recebido, e era tal o ardor com que
ouviamos fallar da grandiosa téla que não nos pudemos furtar ao desejo de
tambem admira-la.
Fomos,
pois, ao barracão.
Antes,
porém, de emittirmos o nosso juizo, aliás incompetente e que nenhum valor de
certo tem, julgamos dever de cortezia declarar que somos Brazileiro e amigo do
glorioso artista.
Assim,
nem nos move o despeito, nem a inveja, e nem tão pouco o desejo de amesquinhar
producções nacionaes.
A téla
é immensa e o pintor quiz alli representar a batalha do Avahy.
E
haverá com effeito uma batalha? A idéa estará bem representada? A sensação que
experimenta o observador ao olhar para o quadro faz-lhe comprehender desde logo
o que vê?
Duvidamos.
No
primeiro plano logo o amalgama, a confusão se manifesta.
Pelo
centro e pelos flancos avanção columnas brazileiras, o general Ozorio alli
está, o general em chefe de longe tem em mira aquelle ponto, tudo emfim
pretende indicar que naquelle lugar se trava uma renhida acção. Mas,
perguntamos nós: onde os inimigos? onde está a luta? será contra aquelles
quatro ou cinco miseros paraguayos, nús, feridos, que se movem tantas columnas?
marchão todas aquellas forças convergindo para um só ponto?
Ao
primeiro intuito parece que as forças brazileiras entre si se retalhão; o
amalgama, a confusão é tal que nada se deprehende. De todos os lados forças
brazileiras, todas marchão com ardor umas contra as outras e dispersos uns seis
Paraguayos feridos e mortos.
Assim,
pois, no primeiro plano logo o espectador fica confuso e perde-se em um
labyrintho.
Menos
bem observada foi a proporção dos planos para o prolongamento das linhas e
morta por conseguinte ficou a perspectiva.
O
general em chefe tem á sua esquerda forças brasileiras, ao que parece; lá se vê
a côr verde que acreditamos ser a bandeira nacional. Mas, perguntamos nós, -
partindo do centro o olhar do observador não vê alli em vez de forças, de
gente, poeira e só poeira? mesmo mirando-se do general em chefe para aquelle
ponto, não é dolorosa a impressão que se experimenta? E maior a confusão ainda
se torna por causa da côr assaz azulada que o pintor empregou para representar
os longes.
Em
todo o quadro a luz está mal graduada, principalmente alli. Já na batalha de
Campo Grande se nota esse defeito.
Não ha
unidade no quadro, é uma téla gigante que poderia ser retalhada em duzentos ou
mais pequenos paineis, representando cada um um facto passado na batalha do
Avahy.
A idéa
principal está morta, a batalha alli não existe.
E não
é preciso passarmos do 1º plano para provar que não foi observada a proporção
para a perspectiva. Entre o paraguayo que faz fogo sobre a carreta, a mulher
que tem a criança nos braços e o paraguayo que alli jaz, morto, que
desproporção!!! E no emtanto tudo está no mesmo plano.
A peça
tomada pelo cadete é enorme.
Ha
corpos de todas as côres, alli ha de tudo, até mesmo do desconhecido.
De que
côr será o corpo do soldado que está morto no primeiro plano? será preto?
bronzeado? Acreditamos que o autor quiz representar um negro; mas estará alli
com effeito um negro?
Deveras
abusou o illustre doutor do colorido.
A
batalha do Avahy foi ferida de dia, e no quadro vê-se distinctamente clarão da
explosão da polvora.
Sob o
cavallo que monta um official do estado-maior do general arrebenta uma bomba, e
o pintor, receioso talvez de que a fumaça apenas e alguns estilhaços não
fizessem comprehender isso, illuminou de côr de rosa vivo a barriga do cavallo;
o paraguayo, deitado, dispara uma pistola, e vê-se forte a chamma da polvora,
os foguetes no ar; toda explosão, emfim, é visivel.
Não
sabemos como explicar semelhante phenomeno physico; é quasi impossivel de dia
distinguirem-se as chammas quando arrebenta a explosão; no emtanto vivas,
ardentes brilhão ellas no quadro.
Desejo
de colorir, ou receio de não ser comprehendido.
No dia
8 de Dezembro de 1866, se bem nos recordamos, houve uma immensa explosão em um
acampamento paraguayo que ficava muito perto do nosso exercito; e no entanto
nós, que estavamos em um mirante, não vimos uma unica chamma, fumaça e só
fumaça toldava o espaço.
A que
proposito vem aquelle boi fechando a extremidade esquerda do quadro? e aquelle
carneiro?
Difficuldade
talvez de bem terminar o quadro, foi uma cunha empregada pelo artista para
cobrir o espaço da téla... ella é tamanha...
No
centro vemos um paraguayo montado, ardendo em colera, e com ambas as mãos
levantando um sabre. Mas permitta-nos o pintor que indaguemos como está aquelle
cavallo. Parado? andando? quem o detém alli? que mão invisivel o governa?
Provavelmente
o pintor só pinta cavallos ensinados, e tão bem ensinados que nem mesmo se
espantão com o barulho infernal de uma batalha, e antes, em vez de fugirem dos
grupos e ajuntamentos, delles se aproximão mansos que nem cordeiros.
Foi
infeliz ainda o pintor com o general Osorio.
E qual
será a força que commanda aquelle general? Está completamente isolado. É um
quadro no quadro.
A
força paraguaya que passa pelo fundo está mal representada; é impossivel, a uma
distancia tal, como quiz figurar o pintor, vêr-se tão ao vivo a musculação de
um individuo.
E como
explicar o facto de, em uma luta, como o autor pretendeu representar, entre
duas forças aguerridas, só serem mortos soldados de uma parte. No quadro só
vemos paraguayos feridos, mortos, e apenas cahido um brazileiro.
Insistindo
ainda na confusão que se nota, na falta absoluta de perspectiva que faz com que
toda aquella massa surja do primeiro plano, queriamos que nos explicassem
certas cousas realmente dignas de censura.
O
paraguayo que está sobre a carreta faz fogo, mas sobre quem? parece que sobre a
força paraguaya que passa por detraz: tal é a confusão. Por mais indulgente que
fôr o critico, ha de mencionar esses defeitos.
O
official paraguayo que está ferido e dispara uma pistola, para onde faz o alvo?
A explosão está feita, a bala partio; em frente existe uma muralha de corpos
formada pelo official brazileiro e mais outras figuras; mas, onde foi empregada
a bala? O pintor, que tão prodigo foi no colorido, claudicou desta vez, a bala
varou uma daquellas figuras, que provavelmente estão anemicas - dahi a falta
absoluta de sangue.
A
caixa que está na carreta, pintada com as côres da bandeira paraguaya, está
realmente monstruosa; a um principiante não seria permittido pintar assim.
Pedimos
perdão ao artista por termos ousado notar defeitos no seu quadro, divergindo
assim da opinião dos eruditos.
Exigentes em materia de
arte, não admittimos meio termo, e principalmente quando tratamos de analysar
producção de uma celebridade, e producções que, como essa, se apresentão
escudadas por artigos impressos no estrangeiro.
Poderiamos
apontar pequenas bellezas que no quadro existem; mas isso reverteria em
desabono e não em louvor para o artista, porque teriamos de, como já dissemos,
retalhar a grande téla.
Se a
unidade não existe, se a idéa principal está morta, se aquillo é tudo menos uma
batalha, se ahi não vemos o movimento, a luta, o ardor, emfim a pugna travada,
se a perspectiva aerea não existe pela falta absoluta da graduação da luz, do
que serve dizer que esta ou aquella figura, este ou aquelle grupo, esta ou
aquella expressão, estão bem representados?
O chefe
da escola idealista, o sympathico Dr. Pedro Americo, convença-se de uma
cousa - a precipitação, como sempre, desta vez o perdeu.
José
Leandro.
Novembro
de 1877.
XXII-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, 11 de novembro de 1877, pag.3.
Título: A
batalha do Avahy.
Autor: José
Leandro
A
batalha do Avahy
II
No
nosso primeiro artigo tratámos unicamente de, com toda a cortezia possivel,
apontar os defeitos mais salientes que, julgamos, podem ser notados na téla
gigante do illustrado Dr. Pedro Americo - e reservámo-nos o direito de
proseguir em outras series de considerações.
Muito
de caso pensado só apparecemos na imprensa analysando o quadro depois de termos
a certeza de que o governo já o havia comprado.
Incivil
e imprudente fôra o nosso procedimento se fizessemos o contrario, porquanto iriamos
interromper as ovações esplendidas que o artista recebia, e talvez, quem sabe,
offender seus interesses particulares.
Hoje,
porém, tal não póde acontecer, - o artista foi victoriado -, o governo é
possuidor da téla.
Assim,
seja-nos permittido continuar a expôr, timida e receiosamente, as impressões
que nos causou a critica estrangeira á vista do contrato que foi celebrado para
a execução desse primor d’arte.
Em
anno e meio foi calculado o tempo que se consumiria para a execução da téla e
em 9:000$, isto é, em 500$ mensaes a quantia de que podia dispôr o artista.
A
qualquer nação ou individuo ficava livre o autor o direito de vender a sua
producção comtanto que indemnisasse o governo da quantia de 9:000$, e, quando
não conseguisse effectuar a venda, o governo compraria o quadro pelo valor em
que fosse elle arbitrado.
Luiz
XIV, o rei protector das artes e das letras, não fazia contrato mais liberal, e
o Exm. Sr. João Alfredo[71] deve ufanar-se de ter assignado
semelhante documento.
Os
artigos de louvor, impressos no estrangeiro, erão artigos editoriaes; mas,
cousa ainda estranha na imprensa, apresentavão-se sempre como da lavra de um
correspondente e terminavão avaliando o quadro em contenas[72]
de contos de réis.
Nunca
vimos em criticas artisticas, quando unica e exclusivamente se trata do bello,
baixar-se ao vil interesse da moeda.
Ora,
em vista do contrato, que dava ampla liberdade ao artista para vender a sua
producção, e attentos os hosannas da imprensa estrangeira, não é para admirar
que semelhante prodigio chegasse ao Rio de Janeiro? Porque não ficou essa téla
no Louvre? Pois uma obra que deu ao seu autor a palheta e os pinceis de
principe da pintura atravessa toda a Europa, onde é em centenas de contos
avaliada, e não quem se anime a adquiri-la?
Porque
não ficou esse quadro na Europa? Seria porque os entendidos virão nelle uma
cópia, mal-executada, de diversos trabalhos de Horacio Vernet?
E
porque não foi o quadro aqui avaliado, como preceituava o contrato? Pois o
governo, que trata de fazer economias, póde despender sessenta e tantos contos
com um quadro, sem usar do direito que lhe assistia de avalia-lo?
Devéras
nos confundem estas considerações, ante as quaes o nosso espirito vacillante
não sabe que illação possa tirar que seja airosa para o artista.
Parece-nos
que de antemão se preparou com todo o ardil e firmeza um successo não
artistico, mas pecuniario, se nos é permettida[73]
a expressão, e que o quadro do Sr. Dr. Pedro Americo, admirado na Allemanha
(onde nunca esteve), veio do convento de Florença directamente para o Brazil,
onde causou sensação pelo tamanho.
Ainda
essa sensação carece de fundamento, porque, comquanto nada valha em materia de
arte a quantidade, o quadro de Horacio Vernet, de que fallámos, é muito maior.
Desculpe-nos
o illustre doutor essas impertinencias, mas somos qual a criança travessa, que
gosta de decepar o brinquedo para ver como elle é feito. S. S. deu-nos uma tela
gigante e lindissima; nós, estupefactos ante o primor d’arte, queremos
prescrutar-lhe todos os segredos.
Do
quadro já apontamos os defeitos; é justo que tambem manifestemos a impressão
que causárão o contrato e a critica estrangeira uniforme e singular. Estavamos
no barracão, eis se não quando o illustrado doutor disse a alguem que nenhum
artista seria capaz de, em menos de 20 annos, pintar um quadro, igual ao seu em
tamanho. Disto estamos nós convencidos, nenhum artista o faria. Mas 10, 15 e ás
vezes mais annos gastárão artistas celebres pintando pequenos quadros, obras de
cavallete, que vão muito e muito além desta afamada tela da batalha do Avahy, e
que trouxerão até nós e levaráõ aos nossos posteros os seus nomes cobertos de
gloria.
Em
summa, nós possuimos a obra prima do seculo, avaliada em centenas de contos e
elogiada pela Europa, mas que a Europa não quiz adquirir.
O
governo atirou uma lança em Africa com a sua acquisição, agora cumpre-lhe
conceder ao artista, que no estrangeiro só priva com principes e marquezes, o
titulo de Barão de Avahy, e a grande dignitaria da ordem da Rosa, afim de que
tenha jus ao tratamento de S. Ex.
Esperamos
que o governo aproveite a nossa idéa.
José
Leandro.
XXIII-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, dia 12 de novembro de 1877. p.1
Título: A Batalha
do Avahy.
Autor: José
Leandro.
A
batalha do Avahy
No artigo sob esta
epigraphe, publicado no Jornal do Commercio de 11 do corrente, ha, entre
alguns equivocos, um que convem rectificar.
O periodo que começa:
<< Porque não ficou esse quadro na Europa? Seria porque os entendidos
>> etc., etc., deve lêr-se:
Porque não ficou esse
quadro na Europa? Seria porque os entendidos virão nelle uma cópia mal
executada de diversos trabalhos de Horacio Vernet? principalmente do quadro que
representa a batalha de Smalah?
José Leandro.
XXIV-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, 16 de novembro de 1877, pag.2.
Título: A
batalha do Avahy.
Autor: José
Leandro
A
batalha do Avahy
III
Tencionavamos não tratar
mais do quadro da batalha do Avahy, nem do seu autor, quando por acaso
deparámos em um jornal estrangeiro com a noticia de que o Sr. Pedro Americo,
além de não ser protegido pelo governo, era guerreado pelos seus
compatriotas!!!
Brazileiro
e amante da verdade, não podemos deixar passar ser[74]
protesto essa injustiça, e, em breves traços, demonstraremos o quanto é falsa
semelhante asserção.
O Sr.
Pedro Americo estudou aqui e em Pariz á custo do bolsinho de S. M. o Imperador.
Achava-se
o Sr. Pedro Americo na Europa quando na Academia das Bellas-Artes se deu a vaga
da cadeira de desenho de figura do corpo humano, e sómente para se lhe dar
aquelle emprego foi fixado pela unica vez em seis mezes o prazo para a
inscripção do respectivo concurso.
Sem
ter concluido o trabalho do thema dado para o concurso, obteve a cadeira e
partio o Sr. Pedro Americo outra vez para a Europa, donde regressou com o
titulo de doutor concedido por uma universidade livre da Belgica.
Não podemos deixar de
fazer aqui neste topico uma reflexão. Pedro Americo que, quando chegou a
primeira vez da Europa para o tal concurso se havia inculcado bacharel
por uma universidade de França, por que foi tirar o titulo de doutor na
Belgica?
Mas,
continuemos.
A
cadeira de desenho, que funccionava diariamente, consumia-lhe muito tempo, e o
habil artista conseguio, sem concurso e apenas por simples pedido, permutar a
sua cadeira com a de professor de esthetica, historia e archeologia! até
então considerada inutil nas condições vigentes da nossa vida artistica.
Nesta
cadeira que apenas duas vezes por semana, se julgava necessario funccionar, e
durante uma hora, o Sr. Pedro Americo alterou constantemente as horas da aula,
ora leccionava de noite, ora de dia, conforme lhe era mais conveniente, e
proprio aos seus interesses pecuniarios.
Regendo a cadeira de
esthetica, pintou elle a celebre batalha do Campo Grande.
Extraordinariamente
louvado, encarecido e hyper bolicamente elogiado, o governo concedeu-lhe, antes
mesmo de estar em exposição o quadro, o officialato da ordem da Rosa e depois
de aberta a exposição a commenda da mesma ordem.
Teve,
portanto, dous premios pela mesma obra.
Nessa
occasião o illustrado doutor, que sabe viver, unio-se aos repulicanos, e, entre
mil puffs, conseguio impingir ao governo aquella monstruosidade
artistica por 14:000$000.
Pinta
depois os retratos de d. Pedro I e D. Pedro II e o governo, unico arrematante
dos primores do dilecto artista, deu por um 6:000$ e pelo outro 4:000$!! quando
sempre se pagou 1:500$ por obras semelhantes.
De
novo vai o Sr. Pedro Americo para a Europa! e de lá envia uma cousa que
denominou: Passagem de não sabemos que, onde figurava como uma especie
de espia o general Osorio, e ainda o governo despendeu 3:000$ com aquelle
aleijão!...
Na
Europa pinta, finalmente, a batalha de Avahy, percebendo[75]
500$ mensaes durante anno e meio, segundo o contrato feito com o governo, e
isto elém[76] do ordenado de professor da academia.
Ora, á
vista do que temos exposto, póde-se dizer que o Sr. Pedro Americo não tem sido
protegido pelo seu governo?
Qual
foi o artista entre nós que tem merecido iguaes favores? A quem já se concedeu
duas condecorações por uma só obra? A quem já se permittio que, sem concurso,
sem nenhum titulo que désse presumpção de saber, fosse reger uma cadeira, como
o Sr. Pedro Americo, a de esthetica? Qual foi o lente que já alterou, por
conveniencia propria, o horario do ensino, marcado por um decreto? Qual o
artista que mais obras tem vendido ao governo? Qual o funccionario publico que
com tão pouco tempo de exercicio tem gozado de tantas licenças?
Ainda com a decantada
téla da batalha de Avahy não foi o governo generoso pagando o transporte, a
moldura, o verniz, o quadro e a construcção do barracão?
Que
necessidade havia do barrracão, que custou cerca de 7:000$ ao governo, quando
estava tão proxima a exposição da academia das Bellas-Artes, e alli ha lugar
preparado para o quadro da batalha do Avahy?
Receiou
talvez o artista a confrontação do seu trabalho com o de Victor Meirelles?
Na
realidade não sabemos que mais desejão os enthusiastas do illustrado doutor.
Nos elogios que lhe fazem chegão até á protervia[77]
e á calumnia. O governo não protege o artista, e aquelles que ousão notar
defeitos na sua producção são uns nescios, porque não entendem da arte, não são
pintores!!!
Risum
teneatis!
Pois a
critica de um quadro só póde ser feita por um pintor?! O espirito critico
analytico, o discernimento e o tino serão privilegios dos amigos do Sr. Pedro
Americo?
Affirmão
elles que os criticos não virão os quadros dos artistas estrangeiros, e que no
entanto dizem que o illustrado doutor os imitou?
Será
necessario ver-se um quadro para se reconhecer a cópia? Para que servem as
gravuras e as photographias fieis e esmeradas?
Se se
tratasse do colorido terião elles razão, mas da concepção, do pensamento, da
obra emfim, é até ridiculo aventar-se semelhante argumento.
E quem
contou a esses senhores que não estivemos no Louvre? Quem lhes disse que não
seriamos capazes, se quizessemos, de apontar um por um os quadros de que se
servio o artista para pintar a batalha de Avahy?
Elles
unicamente são os entendidos, elles todos são pintores, todos estiverão
no Louvre, todos conhecem as obras primas da pintura.
Na
verdade, nunca vimos maior cegueira, nem maior parcialidade.
O
governo que sempre protegeu o Sr. Pedro Americo, que ainda agora mesmo não usou
do direito que tinha de avaliar o quadro da batalha de Avahy, que não ouvio a
opinião de um só artista para compra-lo pelo excessivo preço de 40:000$, afóra
os 9:000$ adiantados e as despezas feitas com moldura, verniz, transporte e
barracão, que elevão a cifra a sessenta e tantos contos, que se contentou
apenas com a quantia de tres contos e tanto para as victimas da sêcca da
Parahyba, quando, pela estatistica publicada nos jornaes, a exposição foi
visitada por milhares de individuos - é accusado, e nós que não gostamos do
quadro e notamos alguns defeitos - somos ignorantes.
Acreditem
os enthusiasthas do Sr. Pedro Americo: não se nullificão argumentos com
injurias, e em bellas artes principalmente não se deve discutir com paixão. O
Sr. Pedro Americo é um moço de talento, ninguem o contesta, mas entre nós temos
talentos superiores ao delle e sem aquelle descommunal orgulho. Victor
Meirelles é o attestado vivo do que affirmamos.
Não
queremos, nem podemos reconhecer no Sr. Pedro Americo o chefe da escola
idealista, apezar dos artigos estrangeiros sempre uniformes e singulares,
que parecem da lavra de uma só pessoa. Artigos que avalião pecuniariamente o
quadro que dão o titulo de erudito ao artista, e que com pequenas alterações se
podião todos refundir em um só.
Não
faltão talentos no Brazil. Mesquita, Alencar e muitos outros dão disso
testemunho cabal, mas infelizmente tambem ha em excessivo gráo o charlatanismo,
a basofia e o orgulho.
José
Leandro.
XXV-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, domingo dia 17 de novembro de 1877
Título:
Noticias Varias - Quadro historico da Batalha de Avahy
Foi
hontem visitada a exposição deste quadro por 430 pessoas.
Encerrar-se-há
quinta-feira, às 4 horas.
XXVI-
Publicado em: Jornal
do Commercio, sábado dia 17 de novembro de 1877. p.2.
Título: A
última crítica - sobre o quadro da Batalha de Avahy
Autor: Cs.
Dos S.
Á
ultima critica
SOBRE
O QUADRO DA BATALHA DE AVAHY
<<Mais vale tarde
do que nunca>>, e nada importa que só assim me revele eu e contra... as
<<emendas ao soneto>>!...
Os motivos, as razões -
ESTÃO NA TÉLA,
......................................................................
<<EM QUE - DO
NORTE BRILHA A UFANA ESTRELLA.>>
Vai feichar-se a
exposição do quadro historico de Pedro Americo de Figueiredo, e, por certo,
satisfeita está a publica espectação com o que nesse quadro vio demonstrado por
esse eximio pintor brazileiro.
Não estou eu e nem
posso estar contente com o que e por critica pôde exhibir um Sr. L.,
mais tarde Luiz de Andrade, e antes de tudo com outro nome, embora e
sempre sob as vestes do mesmissimo apreciador, mestre, e.... não sei si
enthusiasta.
Não posso estar
contente porque antipathiso, nunca pactuei com os ... que mordem e soprão!
demais a mais estando flagrante em todos os artigos do critico a que tenho a
honra de dirigir-me, não só uma bem decidida animosidade contra o pintor
brazileiro e outrem; como e principalmente pelo facto de tanto querer o
meu antagonista, que amesquinhado fique e da téla em questão, aquillo que mais
importaria para a nossa historia patria, e quer antes quer depois da exposição
dada, onde a verdade de tudo e dos factos fosse sagrada e respeitada.
Na opposta a isto,
porém, mesmo e respeitando-se muito os direito de cada um - pré e contra -
depois de conhecida a opinião da Europa civilisada em prol da téla em liça; e
da cavalheira, franca e nobre resposta de Pedro Americo aos injustos censores
que teve de vir encontrar aqui, é pequenino, por demais impertinente - tudo o
que leu-se no n. 303 da Gazeta de Noticias, em 2 do mez de Novembro
corrente.
E, a ser exacto
<<que um tal critico recebeu do autor da téla um cartão de reconhecimento
aos prodigalisados elogios lidos no final do artigo dado á estampa no n. 289 da
mesma Gazeta, sóbe de ponto todo o meu desgosto, porque não é assim que
se julga e baratêa - o merecimento alheio!...
Não Sr. Luiz de
Andrade; não é com ironias, e menos por figuras rhetoricas que se
analysa um quadro ou téla em que - bem ou mal - gravados forão e estão - todos
os pormenores de um facto marcial estupendo, e no qual o.... encarniçamento dos
belligerantes celebrisou a victoria, o momento de triumpho dos vencedores - sem
ophensa ao heroismo dos vencidos, e nem á verdade das peripecias dadas, sobre
as partes officiaes á compulsar-se....
Se a esthetica de V. S.
não foi nem póde estar satisfeita com a de Pedro Americo (que é a de todos os
que sem pretensões - confessão o que mais se admira nessa impagavel e colossal
téla - em abono da simplicidade ou singeleza do.... levantamento, da justa e
perfeita criação dos grupos do primeiro plano e seus accessorios, como e dos
demais - em sua correcta perspectiva, acção e natureza) ninguem lhe contestará,
e menos eu, - os direitos de melhor fazer o hoje!
Esqueçamos e por um
momento, os juizos dados (e tão explicitamente...) dos peritos que na culta
Europa conquistou por si e por si mesmo a téla amesquinhada por V. S. De quaes
escolas e de que pintores tinha ou devia - no seu querer - de modelar-se um
Pedro Americo para os planos e grupos da téla que foi commettida? Medio bem o
alcance disto?....
A não ser.... na - da
verdade historica - já escripta e a elle inderessada: mas dos que é que vale o
sentimento innato do bello, de toda a fé de um coração de artista que se preza
e estima com justos titulos: nos .... conselhos da propria consciencia e de um
dever sagrado - pela revelação, no materialisar das idéas preconcebidas: como e
no congrassamento de um talento legitimo com o que e demais excita uma
imaginação ardente, toda enlevada e com pericia no santo amor da patria, e
patria tão duramente offendida. Sr. Luiz de Andrade!... ao que vem e no
que consistem <<os erros e defeitos>> do quadro em que tanto se
respeitou e brilha, e só pelas analyses de V. S.?...
<<Na impressão
confusa que aos primeiros visitantes causára o exame da téla>> não;
porque o que é exacto - é que V. S. mesmo, e com toda a perspicacia de mais
amestrado - nem lhe nega o que vale <<pela concepção e fórma!...>>
Sendo, porém, que nos
demais sómente deu-se o que era natural, isto é: que na presença de uma téla
immensa em tudo, todos os visitantes sentirão a indeclinavel necessidade de a
ella voltarem, mais de uma vez e para a completa satisfação?!...
.........................................................................................................
Não gostou V. S. (quid
inde?...) <<do tom democratico (!) com que diz que forão nivelados os
grupos do primeiro plano>> sem deixar de asseverar-nos <<que a
familia rural... avultou no seu espirito de um modo decisivo e
inimitavel!...>> Ganha ou perde com isto - a téla que assim e só assim
se dignou de considerar?... Taes e quejandas serião bastantes << para
e de braço dado (!!!) levar o seu... delinquente á prisão cellular do Louvre?
Coitado do... julgador rigoroso, que... <<condemna porque não vê
sombras onde a luz é plena e amplamente distribuida com exactidão...>>
Não quer, e arvora em
outro erro ou defeito - o que chama <<semelhança de situações com outras
de quadros celebres>> não denunciando-as; mas em troco - satisfaz-se com
o ridiculo, senão insulto, e gratuitamente atirado áquelle que só é mao, porque
não o fez nem o fará melhor, qualquer que seja a competencia que se arrogue
<<e lá pelos museus da maldade, ou, e só dos candieiros de kerosene que o
illuminão.>>
Digo-lhe, Sr.... Luiz
de Andrade, que se não é esta a mais valiosa razão porque, e depois de tanto -
póde V.S. enxergar - <<para individual exame de cada um dos grupos do
primeiro plano>> o jovem official que tomma a carreta inimiga <<sem
expressão proporcional ao lance>> deste seu proposito e... <<como
figura bem pintada>>: o official já morto <<e roubado pelo
esquecido paraguayo>> (para quem passou o enthusiasmo da boa acção
commemorada!) e até <<o cavallo de carne morta de ha muitos dias (mas no
seu, e só seu estado commatoso!....>> tudo isto e para mim são favores de
uma velha critica e esta tão lucida ou magistral, que sem ella ou elles - não
teria apreciadores o primeiro grupo do primeiro plano da sua sinistra...
Digo-lhe ainda: - que
sendo assim, tal e tão justa, como é sinistra - toda a feliz analyse do critico
a que respondo; quem mais poderá ver - <<no official que sustenta as
bandeiras inimigas, no desdem com que esse brazileiro olha para o paraguayo já
rendido e que lhe dispára a pistola, o certeiro tiro, ou do que apoderou-se das
camaras do freio do corsel e como que dá costas ao que busca decepar-lhe o braço
que não cahe - porque o facão está com a lamina immovel <<parada, a
medir a distancia e ageitar o golpe!>> entretanto que sobre todos os
accessorios de um tal grupo, não só não vio elle - esse meu antagonista - senão
a inercia dos braços do paraguayo que monta o cavallo preto e alçou o facho -
tendo já cruzada a cabeça do seu cavallo sobre o pescoço do que é montado pelo
valente official do exercito vencedor: como poderia enxergar que este official
- ladeado assim e tão sublimemente! - symbolisa até por si só toda a gloria ou
victoria da acção dada e encarniçadamente peleada? Quem me contestará isto sem
ser... judeu?...
Confesse, como eu e
outros, Sr. Critico, que os olhos acostumados a ver construcções
bazamentos de pedra e cal, não são os mais competentes para a feitura
<<da chave dos sonetos>> e ainda menos para apreciadores do que são
e como se representão nas télas as diversas construcções animaes!...
Confesse e creia que
para isto, - si nem tivesse V. S. olhado para a naturalidade e fórmas, para
todas as atitudes e movimentos das figuras e animaes, como para o
irreprehensivel dos desenhos e natural colorido desse 1º plano da téla que
tanto se nos recommenda por sua singeleza, V. S. não acharia sómente e no
quadro que eu defendo - <<o que é proprio das melhores palhetas e pinceis
do mundo civilisado>> - por bons estudos; nem esconderia entre as suas
ironias, erros e até invectivas! tudo o que... sobre o bello ideal de um feito
d’armas - sahio da consciencia de um grande talento para a sua primeira ou
principal téla - sem offensa dos factos capitaes; como e sem duvidas, - dos episodios
e peripecias reveladas, e bem criadas em todo esse quadro....
Creia em summa que,
extasiando esse quadro áquelles que como competentes o virão uma só vez para
nunca mais esquecerem... basta, e por exemplo o que dizem em si e por si sós, a
cabeça do paraguayo junto á roda da carreta tomada, a do que fica á sinistra do
official que é symbolo da victoria alcançada, a do negro morto e com o craneo
aberto despejando sangue e massa cerebral, a do seu boi sem guampas, etc., etc,
e não mais os braços que alçárão <<o immovel facão>>, pelo todo da
musculação desse homem em desespero de causa e sobre um disparado o [...][78]
disparavel animal ingovernado, mas... de mira firmissima no seu infeliz
objectivo!
Á generosidade da V.S.
entrego o que resta, senão - a de todos o que hoje ainda querem retratos nessa
collossal téla, e ato dos soldados oriundos do Paraguay!... esquecidos de que
Lopes (mórmente no Avahy, e <<depois das perdas que soffreu em
Uruguayana, no ataque á ilha do Cabrito, no Riachuelo, Humaitá e outros), fazia
praças de pretos dos seus colonos todos, e punha nas fileiras os nossos
proprios prisioneiro!...>> Para censurar tudo serve, menos a verdade dos
factos historicos, quando é e fica irreprehensivel - o... idealismo do pintor
que tudo commemorou, e bem... a despeito de não ter podido ir photographar
todos os originaes das figuras aliás bem collocadas na sua privativa e
originalissima téla, da... gigantesca concepção e fórma.
Não sei, não posso e
nem quero escrever tambem um livro. Não tenho habilitações para sustentar-me no
terreno das bellas-artes ou só bellezas artisticas e nem disso precisa quem
sómente defende a verdade dos factos, embora ........ os amigos.
Revoltou-me a injustiça
a um delles praticada, e com insistencia por V. S. Sr. Luiz de Andrade
(não sei se em troco do cartão recebido). Seja ou não, eu obedeci as minhas
impressões por muito longe do menor proposito de offender a quem quer que seja,
e porque só vi o quadro uma vez, declaro já que outra não tornarei á questão,
assim ficando de V. S. o justo admirador.
Cs. Dos S.
Em 8 de Novembro de
1877.
XXVII-
Publicado
em: Jornal
do Commerico, dia 18 de novembro de 1877. p.3.
Título: A
Batalha do Avahy.
Autor:
Leandro José.
O Sr.
José Leandro e a batalha de Avahy
V. S. diz que, se
quizer, póde apontar um por um os quadros de que se servio Pedro Americo para
pintar a batalha de Avahy. Isto é uma accusação gravissima, que só pode ser
acreditada por meio de provas. Portanto, rogamos a V. S. , que declare quaes
são estes quadros.
Leandro José.
XXVIII-
Publicado
em: Jornal
do Commercio, dia 19 de novembro de 1877. p.2.
Título: Sr.
Leandro José.
Autor: José
Leandro.
Sr.
Leandro José
O opusculo que breve
publicaremos, satizfaz o seu pedido.
José Leandro.
_________________________
[1] Médicis: Poderosa
família florentina de banqueiros. Exerceram forte influência sobre a vida
política e econômica da República de Florença entre os séculos XV e parte do
XVIII. Praticaram o mecenato e foram grandes incentivadores do pensamento
humanista e do renascimento artístico na Itália.
[2] Joaquim Pinto de Campos
(Pajeú de Flores 4/4/1819 - Lisboa, 5/12/1887): Monsenhor da Igreja Romana,
também militou na política do segundo reinado, tendo sido eleito deputado em 5
legislaturas. Foi membro correspondente do IHGB, da Academia Real das Ciências
de Lisboa, da Academia das Ciências e Artes dos Ardentes de Viterbo e da
Academia Properciana de Assis.
[3] Fellice Francolini
(secretário)
[4] O prefeito, assignado:
De Rolland
[5] Conselheiro João Alves
Loureiro, Barão de Javary (RJ, 1812 - Roma,28/12/1883). Formado em direito pela
faculdade de São Paulo em 1834, exerceu o cargo de procurador fiscal da antiga
tesouraria da província do Rio de Janeiro antes de seguir carreira diplomática.
Foi membro do IHGB, poeta, compositor e jornalista, tendo escrito
Correspondencias de Paris e de Londres para o Jornal do Commercio. Entre 1875 e
a data de sua morte, foi Ministro Plenipotenciário na corte da Itália.
(Sacramento Blake e Rheingantz)
[6] Stefano Ussi (Florença,
1822 - 1901): Fez o curso da Academia de Florença como aluno de Bezzuoli e
Palastrini. Interrompeu os estudos para combater como voluntário em Montanara,
onde foi feito prisioneiro. Em 1849, venceu o concurso trienal da Academia com
sua Ressurreição de Lázaro e depois conquistou o pensionato de Roma com o
quadro Boccaccio explicando a Comédia de Dante. Dedicou-se à pintura histórica,
ganhando medalha de honra na Exposição Universal de 1867 com a Expulsão de
Florença do Duque de Atenas. (Enciclopedia Italiana, Larousse XX Siècle).
[7] Antonio Ciseri
(Ronco-Ascona/Canton Ticino, 1821 - Florença, 1891): Pintor italiano, foi
aceito na Academia de Desenho de Florença como aluno de Niccola Benvenuti. NO
ano de 1843 venceu o prêmio trienal com a tela São João reprovando Herodes.
Dono de uma alta capacidade para o desenho, explicava uma certa falsidade em
relação às luzes e cores como a necessidade de idealizar o verdadeiro atravéz
da consciência mística. Antes de receber o nome de professor acadêmico, começou
a receber alunos particulares, e por volta de 1852 fundou uma escola privada de
artes. (Enciclopédia Italiana)
[8] Giuseppe Belluci
(Florença, 1827 - Florença, 1882): Em Florença foi aluno de Giuseppe Bezzuoli,
de Benedetto Servolini e de Enrico Pollastrini. Mopstrou predileção pelo gênero
de pintura histórica, no qual alcançou algum sucesso.
[9] Michele Cortegiani
(Nápoles, 1857 - Tunisi ?): Mudou-se ainda bem jovem para Palermo. Foi aluno de
Francesco Lojacono e se afirmou como pintor de figuras e de marinhas, tendo
participado de muitas mostras nacionais. Foi também um hábil decorador,
trabalhando no forro do Teatro Massimo di Palermo ao lado de E. de Maria Bergler
e R. Lentini. Sabe-se que no fim de sua vida partiu para Tunisi, onde se
dedicou ao ensino particular de pintura.
[10] Amos Cassioli (Asciano,
10/8/1832 - Florença, 17/12/1891): De origem humilde, entrou em 1850 para a
Academia de Belas Artes em Siena, onde foi aluno de Luigi Mussini. Entre 1856 e
1860, se aperfeiçoou em Roma, após ter vencido o concurso do governo toscano no
ano de 1859 com o cartão da Batalha de Legnano. Esta obra só foi concluída em
1870. Pintou um auto-retrato para a Galleria degli Uffizzi.
[11] Cesar Mussini (Berlim,
1804 - Florença, 1879): Irmão mais velho do pintor Luigi Mussini. Estudou sob a
orientação de Benvenuti na Academia de Florença, distinguindo-se pela não comum
versatilidade na variação técnica. Em 1828 conseguiu o pensionato de Roma com a
tela Leonardo da Vinci, velho e mortalmente enfermo, expira nos braços de
Francisco I. Fez uma longa viagem à Alemanha e à Rússia, e em seu retorno à
Itália, conseguiu o cargo de professor de pintura na Academia de Florença. Em
sua pintura, critica-se o fato de nunca ter conseguido se libertar de uma
formação acadêmica, ainda que fosse dado a pintura de temas românticos como a
Morte de Atala.
[12] Annibale Gatti (Forcì,
1827 - Florença, 1909): Filho de um decorador, mudou-se para Florença aos três
anos de idade. Teve pouco sucesso em seus primeiros estudos, mas Gazzarini
intuiu seus dotes e obteve os primeiros resultados positivos do discípulo.
Estudou também na escola de Bezzuoli. Fez diversas decorações, sobretudo
encomendadas pela baronesa Fiorella Favard para seu palácio.
[13] Nicolo Barabino
(Sampierdarena, 13/6/1832 - Florença, 1/10/1891): Foi aluno da Academia
Ligúrica de Belas Artes. Cultivou o afresco e a decoração. Em seus quadros, sem
ceder a inovações, soube conciliar tradição e modernidade. Se dedicava com
freqüência a temas históricos.
[14] Luigi Norfini (Pescia,
Pistoia, 1825 - Lucca, 1909): Estudou em Lucca e depois em Florença. Participou
como voluntário na guerra de 1848 e, dessa experiência, nasceu o seu gosto pela
pintura de história. Também foi um hábil retratista, sobretudo em relação a
personagens históricos. Recusou o convite para pintar um quadro de batalhas
feito pelo Sultão de Constantinopla. De 1869 em diante ensinou na Academia de
Florença e de Lucca, dirigindo esta última a partir de 1877. Foi condecorado
cavaleiro de S. Maurizio e de Lázaro.
[15] Giuseppe Gherardi
(Florença, 1788 - Florença, 1884): É um dos mais precoces paisagistas
florentinos da restauração. Copia durante algum tempo as obras de Salvator Rosa
na Galeria Florentina. Em 1839 expõe 3 paisagens e só via expor novamente em
1845, ba primeira mostra da Società Promotrice. Reaparece em 1863 com uma Vista
da ilha de Elba.
[16] Deputado Martim
Francisco Ribeiro de Andrada Sobrinho (1853-?). Advogado e jurista de São
Paulo, manteve seu escritório em Santos. Filiado ao partido liberal durante o
Império, foi eleito deputado por seu estado. (Artiaga, Jugurtha - Dunshee
Abrantes, Vol. II).
[17] Peruzzi, síndico de
Floença.
[18] Duque de São
Donatti[18], syndico de Napolis
[19] Sr. Giorgio Campani,
inspector geral das galerias e museus de Florença, secretario da academia della
Crusca, official da Rosa
[20] Manoel de Araújo Porto
Alegre, Barão de Santo Angelo (Rio Pardo, 20/11/1806 - Lisboa, 29/12/1879):
Pintor, professor de desenho, cenógrafo, escultor, arquiteto, poeta lírico e
dramático, crítico de arte e diplomata. Foi um dos primeiros alunos da Missão
Artística Francesa, sendo discípulo de Debret. Completou seus estudos na
Europa, onde freqüentou o atelier de Gros. Voltando ao Brasil, foi nomeado
professor de Pintura Histórica, e em 1854 aceitou o cargo de diretor da mesma
academia em que se formou. Terminou a vida em Lisboa, onde foi cônsul. Pedro
Américo se casou com sua filha D. Carlota.
[21] Sr. ministro do imperio
no Brazil
[22] Assim no original.
[23] Domingos José Gonçalves
de Magalhães, Visconde do Araguaia (RJ, 13/8/1811 - Roma, 10/7/1882). Deputado,
poeta, conselheiro e comendador. Como diplomata chefiou diversas operações em
Madrid, Nápoles, S. Petersburgo, Viena e Washington. Escreveu memórias
históricas e livros de poemas, o mais famoso deles é a Confederação dos
Tamoyos. Faleceu em Roma. (Dicionário das famílias brasileiras - Argeu
Guimarães: Dicionario Bio-Bibliographico Brasileiro)
[24] Conselheiro Lopes
Netto, Barão de Lopes Netto (Pernambuco, 6/7/1814 - Forença, 8/11-1895).
Advogado, jornalista e deputado. Entrou para a diplomacia em 1866, como
plenipotenciário em missão especial na Bolívia, onde negociou e assinou, com
prejuízo para o Brasil, um tratado de Amizade, Limites, Navegação, Commercio e
Estradição. Em 1903 o Barão do Rio Branco desfez o acordo, recuperando o Acre
para o território brasileiro. Foi enviado extraordinário e ministro
plenipotenciário do Brasil em Roma. (Dicionário das famílias.- Rheingantz -
Argeu Guimarães)
[25] Francisco Inácio de
Carvalho Moreira, Barão de Penedo (Alagoas, 25/12/1815 - RJ, 1/4/1906). Formado
em direito pelo curso jurídico de São Paulo, fundou com outros ao Instituto da
Ordem dos Advogados Brasileiros. Foi também diplomata, representando o Brasil
em Washington e Londres. Nos Estados Unidos manteve uma discussão sobre as
expedições preparadas pelos norte-americanos com objetivo de explorar o rio
Amazonas. (Dicionário das famílias.- Rheingantz - Argeu Guimarães)
[26] Dr. José Ribeiro de
Souza Fontes, Visconde de Souza Fontes (RJ, 9/8/1821 - RJ,14/03/1893). Médico,
cirurgião-mor do exército, marechal, conselheiro e comendador. Foi professor
substituto da seção cirúrgica da faculdade de medicina do Rio de Janeiro, e
depois nomeado catedrático de anatomia descritiva. Membro titular da Imperial
Academia de Medicina e do IHGB. (Dicionário das famílias.- Rheingantz - Argeu
Guimarães)
[27] Rafael Sanzio (Urbino,
28/3 ou 6/4/1483 - 6/4/1520): Filho do pintor e escritor Giovanii Santi, que o
introduziu nas idéias iluministas. Perdendo o pai com cerca de 11 anos de
idade, a maior influência que recebeu em suas primeiras obras veio de Perugino.
Entre 1504 e 1508 trabalhou muito em Florença, e sob a influência de Leonardo e
Michelangelo sua obra se tornou mais grandiosa e sofisticada. Datam desse
período muitas das representações de Virgem com Menino. Foi chamado a Roma pelo
papa Júlio II para a pintura da Stanza della Segnatura. Rafael continuou
trabalhando em Roma até sua morte, e um de seus últimos trabalhos foi a Sala de
Constantino (1520-1524), do qual a batalha mencionada faz parte. Embora exista
a possibilidade de Rafael ter idealizado a concepção em cartões, não há dúvida
de que a execução ficou por conta de seus alunos, sobretudo Giulio Romano.
[28] Erro, provavelmente de
tipografia.
[29] Assim no original.
[30] Michelangelo Buonarroti
(Caprese, 1475- Roma, 1564): Escultor, pintor, arquiteto, desenhista e poeta
italiano. Contrariando o desejo de sua família, iniciou um período de
treinamento com Domenico Ghirlandaio e logo depois se transferiu para a escola
de artes montada no Jardim São Marcos, mantida pela família Médicis e dirigida
por Bertoldo di Giovanni. Parte em 1494 para Bolonha e em 1496 para Roma, onde
esculpiu o Baco e a Pietá, esta última, sua obra-prima dos primeiros anos. Em
1501 retornou a Florença, onde esculpiu em um único bloco de mármore, o Davi,
que logo se tornou símbolo da arte florentina. Em 1505 foi chamado a Roma para
que o papa Júlio II lhe encomendasse o projeto de seu túmulo. A execução desse
projeto foi tão conturbada que só ficou pronto mais de 30 anos após a morte do
encomendador. O mesmo papa lhe encomenda em 1508 a pintura do teto da Capela
Sistina, que contribuiu decisivamente para que seu autor fosse considerado o
maior artista de seu tempo e um dos maiores de todos os tempos.
[31] Julio Piccini, crítico
no primeiro jornal da Itália.
[32] professor Beeccher
Ussi, physiologista
[33] Praxitelles (séc. IV
a.C.): Escultor grego. Suas obras se perderam, sendo conhecidas apenas por
descrições ou cópias romanas. Uma estátua de mármore, no entanto, de Hermes e
Dionisio menino, foi encontrada em Olímpia, em 1877, e é considerada por alguns
pesquisadores como sendo de sua autoria. Suas obras serviram de modelo para
muitos artistas, principalmente no que diz respeito às poses atraentes e
sinuosas, mais ligadas às emoções humanas.
[34] Fídias (432 a.C.):
Escultor grego, o mais famoso do mundo antigo. Suas obras se perderam, mas é
possível ter uma idéia de seu trabalho a partir de cópias, descrições e das
esculturas do Partenon de Atenas, que ele supervisionou. Ganhou celebridade por
ter feito duas grandes estátuas criselefantinas, uma de Atena e outra de Zeus,
esta uma figura sentada com 12 metros de altura. Sua oficina em Olímpia foi
descoberta em 1954-8.
[35] Jean Auguste Dominique
Ingres (Montauban, 1780 - Paris, 1867): Teve seus primeiros ensinamentos com
seu pai, Joseph Ingres, que era pintor, miniaturista, escultor e ornamentador.
Entrou para a Academia Real de Toulouse em 1791, e se tornou discípulo de David
em 1797, em Paris. Ganha o Prêmio de Roma em 1801 com o quadro Os Enviados de
Agamenon, mas devido à situação política e econômica da França, só pode viajar
em 1806. Nesse intervalo de tempo pintou muitos retratos, gênero pelo qual é
muito reconhecido. Representante dos ideais do Neoclassicismo de David, fez
oposição ferrenha aos românticos, sobretudo a Delacroix.
[36] Hyppolyte Flandrin
(Lyon, 1809 - Roma, 1864): Pintor francês, defendeu com zelo as idéias de
Ingres, de quem foi um dos alunos favoritos. Ganhou o prêmio de Roma em 1830
com o quadro Teseu reconhecido por seu pai. Foi influenciado pela tradição de
ornamentação italiana, e em Paris tornou-se um muralista importante. Pintou
decorações para as igrejas de St. Vincent-de-Paul e St. Germain-des-Prés, entre
outras. Destacou-se também no gênero dos retratos, chegando a ser retratista
oficial de Napoleão III. Em 1853 foi eleito membro da Académie des Beaux Arts.
[37] Domenico Morelli
(Nápoles 7/7/1826 - Nápoles 13/8/1901): Pintor e professor italiano. Estudou no
Instituto de Belas Artes em Nápoles e se tornou amigo de Filippo Palizzi, com
quem aprendeu a observar e representar a natureza com efeitos de variação de
cores e claro-escuro. Venceu o Concurso Trienal em 1845, que permitiu que
admirasse os trabalhos de Rafael e Michelangelo, além de tomar contato com os
Nazarenos em Roma. Em 1861, na Primeira Exposição Nacional, em Florença, expôs
sua tela Os Iconoclastas, um grande sucesso de público e crítica que o elevou a
líder nacional da nova escola chamada Verismo Histórico. No final da década de
1860 seus temas passaram a ser predominantemente religiosos. Em 1897 se tornou
diretor do Museu Artístico Industrial de Nápoles, instituição que havia ajudado
a fundar em 1880.
[38]
Wilhelm von Kaulbach (Arolsen, 15/10/1805 - 1874): Pintor
alemão. Em
1822 foi mandado para a Academia de Dusseldorf, onde foi aluno de Cornelius.
Não conseguiu muito sucesso em sua época de estudante. Em 1825 seguiu para
Munich, onde foi procurado para fazer alguns trabalhos de importância, dentre
eles a decoração da sala do trono da Rainha, em que pode mostrar sua
originalidade. Nesse período também pintou A Casa dos Loucos nesse período. Em
1837 expôs uma tela parte histórica e parte simbólica, a Casa de Huns, que foi
muito admirada e fortemente criticada. Pintou seis grandes composições
históricas para o Museu de Berlim, e em 1847 executou a sua obra mais
conhecida, A Torre de Babel, que foi enviada à Exposição Universal de 1855.
[39] Adolphe Yvon
(Eschewiller, 30/01/1817 - Paris, 11/09/1893): Pintor francês. Entra para o
atelier de Paul Delaroche em 1837, após ter concluído seus estudos literários.
A princípio se dedica à pintura de retratos, mas a partir de 1845 começa a
expôr cenas bíblicas, como Jesus banindo os mercadores do templo, de 1845, e
Judas Iscariotes no inferno, de 1846. Em 1855 pinta Marechal Ney na retirada da
Rússia, e o Télègue Russe, quadros que lhe valem o título de Cavaleiro da
Legião de Honra e a missão de se juntar ao exército francês na criméia para
reproduzir os principais episódios da campanha. Esta viagem lhe rende três
grandes telas, que são expostas nos salões de 1857 e 1859. Foi professor da
Ecole des Beaux Arts e em 1867 publicou um manual de desenho para escolas de
arte e liceus.
[40] Emile-Jean-Horace
Vernet (Paris, 30/6/1789 - Paris, 17/01/1863): Pintor francês, filho de Carle
Vernet, com quem teve suas primeiras lições. Expôs pela primeira vez em um
Salão em 1812. Foi condecorado com a Legião de Honra em 1814, e 10 anos depois
se tornou Oficial da Legião de Honra. Foi eleito para o Institute de France e
foi diretor da Academia da França em Roma. Em 1835 se tornou professor da
Escola de Belas Artes de Paris, posto que manteve até o final de sua vida.
Dedicou-se ao gênero de pintura de história, pintando muitos quadros de
batalhas.
[41] Antonio
Allegri Correggio (Correggio, 1489 - Correggio, 1534). Pintor italiano que
ficou conhecido pelo nome de sua pequena cidade natal. Sabe-se muito pouco
sobre sua vida, mas é possível perceber a influência de Mantegna em suas
primeiras obras. Foi o artista mais importante da primeira metade do séc. XVI
no norte da Itália, e exerceu uma profunda influência sobre os artistas de
Parma. Conquistou fama de bom ilusionista com as pinturas dos domos da Igreja
de S. João e da Catedral de Parma.
[42] Dr. von den Borne, isto
é, o critico o mais abalisado da Allemanha em materia de bellas-artes
[43] Diogo Luiz de Almeida
Pereira de Vasconcelos, Visconde de S. João de Latrão (1843-1927). Bacharel em
direito e jornalista. Foi o primeiro presidente constitucional da Câmara
Municipal de Ouro Preto. Deputado da Assembléia Geral Legislativa, por MG.
[44] Franklin Americo de
Menezes Doria, Barão do Loreto (1836-1906). Deputado, Conselheiro, Ministro de
Estado, Presidente das províncias do Piauí, Maranhão e Pernambuco.
[45] Andrea del Sarto
(Florença, 1486 - Florença, 1530): Pintor italiano, aluno de Piero di Cosimo.
Após a partida de Leonardo, Michelangelo e Rafael, ficou estabelecido como o
maior pintor da cidade, ao lado de Fra Bartolommeo. Realizou afrescos, como em
S. S. Annunziata, além de pinturas de altar e retratos.
[46] Diogo Velho Cavalcanti
de Albuquerque , Visconde de Cavalcanti (1829-1899). Bacharel em Direito pela
faculdade de Olinda, deputado provincial e geral em várias legislaturas pela
Paraíba e senador pelo Rio Grande do Norte. Foi também Ministro da Fazenda,
Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e Ministro da Justiça, além
de ter exercido a presidência das províncias do Ceará, Piauí e Pernambuco. Em
1889, seguiu para a Europa como Comissário Geral do Brasil na exposição daquele
ano. Afastou-se da política depois da queda do regime monárquico.
[47] Pedro du Terrail,
Senhor de Bayard (1476 - 1524): Militar francês. Tornou-se célebre por sua
coragem e lealdade, ficando conhecido como cavaleiro sem medo e sem manchas.
Lutou em diversas batalhas, inclusive ao lado de Francisco I em Marignan.
[48] Hércules: Forma latina
do nome do semi-deus e herói grego Heraclés. Filho de Zeus e Alcmene,
sustentava uma força descomunal. Seus mitos evoluíram de forma ininterrupta, de
modo que são muitas as suas aventuras. A mais conhecida delas é a dos Doze
Trabalhos, impostos pelo rei Euristeu inspirado por Hera.
[49] Cadete Serafim (? -
Lomas Valentinas, 20/12/1868): Jovem militar que tornou-se célebre nos anos
posteriores à Guerra do Paraguai como exemplo de coragem.
[50] Prometeu (aquele que
pensa antes): Titã da mitologia grega. Foi o grande benfeitor da humanidade,
enganando Zeus por duas vezes para o bem dos mortais: uma em relação à parte
dos animais que deveriam ser oferecidos aos deuses, e outra quando roubou o
fogo da forja de Hefestos para entregá-lo aos homens. Como pena, foi
acorrentado a um rochedo. Posteriormente, como se negava a revelar o segredo
que faria com que Zeus perdesse o trono, passou a ter suas entranhas devoradas
diariamente por uma ave. Foi libertado por Hércules.
[51] Affonso de Albuquerque
e Mello (?-?). As únicas informações conseguidas sobre esse personagem foram
tiradas do primeiro volume do Dicionário Biobibliographico de Sacramento Blake,
que foi escrito em 1883, quando Affonso de Albuquerque e Mello, provavelmente,
ainda vivia. Transcrevo na íntegra as poucas informações:
É natural de Pernambuco, onde tem residencia, bacharel em
sciencias sociaes e juridicas pela respectiva faculdade, secretario do thesouro
provincial, tem sido deputado á Assembléa de Pernambuco em mais de uma
Legislatura.
Escreveu:
- A Liberdade do Brazil, seu nascimento, vida, morte e
sepultura. Recife, 1864. 216 pags. in 4º - Neste livro se manifestam as idéas
republicanas do autor. Sahiram a lume diversas contestações a taes idéas, e a
bibliotheca Nacional possue um escripto inedito, com o titulo de - Notas de..
ao pamphleto intitulado Liberdade do Brazil de Affonso de Albuquerque Mello.
[52] Aristarcho de
Alexandria (Samotrácia, 160 a.C. - ?): Gramático e crítico grego. Viveu quase
toda a vida em Alexandria, onde abriu uma escola de filologia. Foi discípulo de
Aristófanes de Bizâncio. Educou Ptolomeu V e Ptolomeu VII. No século XVIII foi
descoberto em Veneza o seu Escólios, obra que contém notas e comentários a
muitas produções literárias gregas. Seu nome virou sinônimo de crítico severo.
[53] Homero: Mais antigo
poeta épico grego. De acordo com Heródoto, viveu aproximadamente em 850 a.C.,
embora pesquisadores acreditem que tenha vivido entre 1100 e 900 a.C. Escreveu
a Ilíada, que narra um episódio lendário do cerco de Tróia, e a Odisséia, que
conta as aventuras marítimas de Ulisses após o cerco.
[54] João de Souza da
Fonseca Costa, Barão da Penha (Rio de Janeiro, 30/4/1823 - Paris, 9/1/1902):
Brigadeiro, Marechal de Campo e Tenente General do Exército Brasileiro.
[55] José Antonio Corrêa da
Câmara, Visconde de Pelotas (1824-1893). Brigadeiro, Marechal de Campo,
Tenente-General e Marechal do Exército. Foi também Ministro de Estado e
Presidente do Rio Grande do Sul. Foi Conselheiro de Guerra a partir de 1877,
tendo sido dispensado a pedido em 1888, conservando as honras inerentes.
[56] Tuyuty: Batalha travada
no dia 24 de maio de 1866. Foi uma grande batalha campal em que o exército
paraguaio surpreendeu o dos brasileiros. O gal. Osório foi ferido por bala e
teve que retornar ao Brasil. O gal. Dionísio Cerqueira, em suas Reminiscências
da Guerra do Paraguai, narra o momento decisivo:
Havia bem cinco horas que combatíamos sem cessar, e não
estávamos fatigados. Não há tempo que corra tão ligeiro como o das batalhas.
De quem seria a vitória?
Surge, no seu belo cavalo de combate, o General Osório, com
o largo chapéu de feltro negro, o ponche flutuante deixando ver a gola bordada,
a lança de ébano incrustrada de prata na mão larga e robusta, e o olhar
fscinante, dominando aquele cenário trágico da glória e da morte. Ouviu-se um
viva retumbante. De todos aquêles lábios sêcos, daquelas gargantas roucas, saiu
imenso, entusiástico, um viva ao General Osório.
Tudo transformou-se ao tremular mágico da bandeirola da
lança legendária. A nossa infantaria avançou galvanizada por aquêle homem,
imensamente amado, e levou de vencida, até às profundezas densas da mata, os
guerreiros inimigos, que sobreviveram à horrorosa hecatombe.
A batalha estava ganha.
[57] está escrito res cores,
mas provavelmente falta um t.
[58] Antonio Luiz von
Hoonholtz, Barão de Teffé (1837-?). Fez o curso da Academia da Marinha e passou
por diversos cargos antes de ser promovido a Chefe de Divisão. Participou de
comissões importantes quer durante a Guerra do Paraguai, quer em outras
ocasiões. Foi Diretor Geral da Repartição Hidrográfica.
[59] Assim no microfilme.
[60] Assim no microfilme.
[61] Severiano Martins da Fonseca,
Barão de Alagoas (1825-1889). Fez parte do Conselho do Imperador. Participou da
Guerra do Paraguai, recebendo as medalhas de Paissandu e as de Mérito e Bravura
Militar.
[62] Assim no microfilme.
[63] Assim no microfilme.
[64] Assim no microfilme.
[65] Assim no microfilme.
[66] Assim no microfilme.,
mas provavelmente estudio seja a palavra correta.
[67] Assim no original.
[68] Assim no microfilme.
[69] Assim no microfilme.
[70] Quadrinhos de gênero que
invadem nossas galerias
[71] Trata-se provavelmente
de João Alfredo Corrêa de Oliveira (Pernambuco, 1835 - 1919). Doutor em Direito
pela Faculdade do Recife, Membro Honorário da Academia Imperial de Bellas
Artes, presidente do Lyceu de Artes e Officios, socio do IHGB. Exerceu cargos
políticos, como o de Deputado, Senador, Presidente da província do Pará e da de
São Paulo, Ministro do Imperio, etc. Foi chefe do partido conservador.
[72] Assim no microfilme. -
provavelmente centenas.
[73] Assim no microfilme.
[74] Assim no microfilme.
[75] Assim no microfilme.
[76] Assim no microfilme.
[77] Assim no microfilme.
[78] Palavra ilegível